sábado, 17 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21459: Fotos à procura de... uma legenda (135): Levantamento de minas A/P no carreiro de Uane, em julho de 1974 (António Murta, ex-alf mil inf, MA, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)... E um grande texto de antologia, um grande documento humano de um grande português, dilacerado entre dois imperativos antagónicos, a sua consciência humana e as suas obrigações militares.

 

Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > Julho de 1974  >   O alf mil inf MA Murta apontando uma mina A/P acabada de localizar.


Foto nº 2A  > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > Julho de 1974  >   O alf mil inf MA Murta apontando uma mina A/P acabada de localizar (, assinalada a vermelho)


Foto nº  1 >  Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > Julho de 1974  > O guia que nos levou ao campo de minas. Pertencia à milícia de Nhala.



Foto nº 3  >  Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > Julho de 1974  >    Duas minas levantadas [, assaladas a vermelho[  e os restos de uma bota de cabedal.



Foto nº 4 >   Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > Julho de 1974  >    Junto à minas levantadas,   os restos de uma bota de cabedal [, assinalados a vermelho]
 



Foto nº 5 >  Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  > Aspecto parcial do 4.º Grupo de Combate da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 a caminho do carreiro de Uane, e após saída da mata



Foto  nº  6 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  > O José Gomes em passo acelerado depois de entrarmos em campo aberto.





Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  > A retaguarda do 4.º Gr Comb a sair da mata.

 

Foto nº 8 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973 > Já no regresso a Nhala, paragem para descansar numa zona rochosa.




Foto nº 9 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  > O Alf Mil M/A Murta a descansar junto do cão Pifas.



Foto nº 10 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  > Pose do alf mil  Murta em baga-baga.





Foto nº 11 > Guiné > Região de Tombali > Subsetor de Nhala > Carreiro de Uane > 1973  >
 Zona de poilões monumentais. Aqui,  alguém  (assinalado a amarelo] junto do poilão,  por uma noção de escala.

Fotos (e legendas): © António Murta  (2016). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Notável  sequência de fotos do álbum de António Murta, ex-alf mil inf Minas e Armadilhas, da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), com referência à minagem (em 1973) e desminagem (julho de 1974) do carreiro de Uane, utilizado pelo PAIGC. E, mais notável ainda, é um grande texto de antologia, um grande documento humano de um grande português, dilacerado entre dois imperativos antagónicos, a sua consciência humana e as suas obrigações militares.

Contexto: 

7 de julho de 1974 – Conforme pedido dos Comissários Políticos do PAIGC presentes em Aldeia  Formosa, foi solicitado,  a Bissau, autorização para a abertura da estrada Chamarra-Gandembel. Uma vez autorizado, iniciou-se a desminagem e a abertura da referida estrada.

8 de julho de 1974 – Prosseguem em todo o Sector os trabalhos de desminagem de diversos trilhos utilizados pelo PAIGC. Foram desminados trilhos na região de Buba, Nhala e Missirá.


  Julho de 1974: desminagem do carreiro de Uane (trilho do PAIGC)

por António Murta (*)


(...) Aproximavam-se os tempos das coisas derradeiras. Os sinais estavam um pouco por todo o lado, mas os acontecimentos não correspondiam à ânsia de uma resolução clara e definitiva, e arrastavam-se de forma penosa e desesperante. Fui-me abaixo. Em carta de 5 de julho de 1974 para a família, dou conta de estar a ser medicado por ter os nervos arrasados. 

Começo a ponderar vir de férias à Metrópole para recuperar a saúde e ganhar tempo. Podia ser que,  quando regressasse,  estivesse clarificada a situação e se procedesse à passagem do território para as novas autoridades. Amadurecida a ideia, decidi que só ficaria ali até ao fim deste mês de julho. Passaria o agosto na Metrópole, se entretanto não ocorresse algo de significativo que me alterasse os planos. Mas eu queria que ocorresse, para poupar uma viagem e evitar ser surpreendido pelos acontecimentos. Mas não aconteceu nada e no final do mês [de jukho] decidi partir, como pouco antes já tinham feito alguns dos meus camaradas da Companhia e até os Comandantes de Batalhão.

Mas foi o maior erro da minha vida. Tudo o que antes ansiara testemunhar, começou a ocorrer logo nos primeiros dias do mês seguinte. Agosto seria o mês da entrega do território ao PAIGC, fim da secular presença portuguesa naquele chão. Perdi a oportunidade de ser testemunha de momentos históricos de tão alto significado, em que tantas vezes havia reflectido, não fosse eu e os meus camaradas ainda ali, os últimos guardiões do templo. 

Ia-se entregar o templo sem eu estar presente. Sei que os momentos derradeiros da troca das bandeiras nacionais me iriam gerar fortes emoções e sentimentos ambíguos: regozijo pelo fim do colonialismo que abria caminho à independência da Guiné, e o sentimento vago da perda, todavia aceite. 

Foram esses momentos históricos que eu perdi, e isso deixou-me uma mágoa para sempre. Podia-se ser contra aquela guerra e contra o colonialismo, (que se não fosse português era outro qualquer), podia-se achar justo o direito à autodeterminação conseguida – ou não -, com as lutas de libertação, mas, para o bem e para o mal, foi português aquele chão africano desde que, há mais de quinhentos anos, ali chegaram os primeiros compatriotas. 

Nós seríamos os últimos. Só por isso, a nossa geração ficaria na História, mas ficará também pelo alto preço que pagou sobretudo em sacrifícios inimagináveis e em vidas humanas, para que se mantivesse lá a mossa bandeira. Tal como fizeram os primeiros, e sem menos valor e honra que eles. (...)

Era a quarta vez que ia àquela zona do carreiro [de Uane], no extremo norte da nossa área de acção, lá para os lados do Rio Corubal, mas ainda longe do rio. O objectivo foi sempre a minagem e desminagem do trilho usado frequentemente pelos guerrilheiros. 

Como responsável pelas minas, armadilhas e afins da minha Companhia, era obrigado a fazer o levantamento das minas antes de uma ausência prolongada, como era o caso das férias.  No regresso tinha de lá voltar a instalá-las de novo. Agora a situação [, em julho de 1974, ] iria ser diferente: era a última vez que levantaria as minas, à imagem do que estava a acontecer em todo o território, face à situação de paz irreversível. O PAIGC fazia o mesmo.

Saímos muito cedo de Nhala, que a caminhada iria ser longa. Com o meu grupo [, o 2º Gr Comb, ]  seguia o meu guia preferido, milícia maduro e experiente, com um ar sempre sisudo mas de trato fácil e atencioso [, Foto nº 1]. Pouco falava e, em português, quase nada. Mas entendíamo-nos perfeitamente. Era marido da Fátima, a minha lavadeira, também ela uma excelente pessoa, dedicada e afável até à doçura. E falava com desenvoltura o português acrioulado, se assim se pode dizer. Tantas saudades desta gente...

Caminhámos quase sempre dentro de mata cerrada que, a certa altura, começava a mudar e a apresentar-se algo estranha e até misteriosa, onde havia poilões enormes [, Foto nº 11,]  e, numa certa zona, um solo de rochas de aspecto granítico  [, Foto nº 8,] como não conhecia em mais nenhum lado na Guiné. 

No regresso parávamos sempre aí para comer e descansar [, Fotos nºw 9 e 10]. Quando ali passámos no ano passado [, 1973,] , fiz algumas (péssimas) fotografias que mostrarei mais à frente. Aliás, as únicas fotografias que tenho da ida e regresso do carreiro, são do ano de 1973, que agora não repeti. Apenas a fotografias da desminagem [, Fotos nºs 2, 3 e 4] são desta acção de julho de 1974.

Saímos finalmente da mata [, Fotos nºs 5, 6 e 7]  para uma clareira que eu reconheci como próxima do local das minas. Era ainda muito cedo e a humidade extrema evaporava-se do chão como uma nuvem longa e densa, criando momentos tão desconcertantes que me adiantei para fotografar a caminhada do pessoal em fila indiana. 

Ao princípio os soldados caminhavam com essa nuvem ascendente a ocultar-lhes as pernas, revelando a imagem bizarra de um grupo de “amputados” a deslizarem suavemente num tapete de algodão. Mas com a ascensão acelerada da evaporação, os últimos do grupo marchavam com energia sem que se lhes visse o corpo da cintura para cima. Só se viam pernas em andamento. 

Mais à frente, já sem estas visões “paranormais”, todos nós transpirávamos com o sufoco do calor emergente. Guardei sempre estas imagens na memória, mas em película não. Não se aproveitou nada das fotografias do fenómeno.

Lá adiante o guia parou. Aproximei-me e ele apontou uma zona, talvez a cem metros. Mandei o grupo instalar-se na orla da mata ali ao lado e pedi uma pica trifurcada, pondo-me em andamento normal até estar próximo do local indicado. Peguei no croqui que fizera aquando da instalação das minas e estive um bocado a observar o local e o desenho no papel, mas não vendo qualquer semelhança com as referências ali desenhadas. 

Olhei para trás para o guia e ele, lá da mata, insistiu num ponto mais à frente. Comecei a picar e a avançar ainda com alguma ligeireza e depois voltei a consultar o papel. Em redor não encontrava nenhuma das minhas referências, menos ainda marcas do carreiro no chão. Já calculava que isto iria acontecer, era sempre assim. Bastava que as minas tivessem sido instaladas numa época diferente do ano e era suficiente para nada no terreno ser reconhecível. 

A bem dizer, o croqui só serviria para me indicar a posição relativa das minas entre si, e ainda precisava de sorte para que nenhuma tivesse sido mudada de sítio pelas enxurradas da época das chuvas, por algum animal ou, pior, por algum guerrilheiro que as tivesse localizado. 

Apenas era seguro avançar pressupondo que podiam estar em qualquer lugar naquela zona, caso não tivessem sido accionadas. Era uma operação solitária, demorada e perigosa, logo, de alguma tensão. Mas eu podia apenas contar comigo e com a minha experiência, numa acção que exigia tempo e sangue frio.

Comecei a picar cada sítio onde punha um pé, observando constantemente o chão e as raras árvores à volta em campo aberto. Pela escassa altura do capim, julgara que encontraria facilmente o carreiro, mas não. Há muito que, pelos vistos, não era utilizado. Depois, ao mudar de posição percebi, finalmente, que uma das árvores muito esganiçadas ali ao lado era a minha referência no croqui, embora sem semelhanças com os detalhes precisos que eu riscara muito tempo antes. 

A partir daí, tirando medidas a olho, não foi difícil colocar-me no ponto certo da passagem do carreiro e, pouco depois, identificar uma particularidade que eu registara e onde, na altura, aproveitara para colocar duas minas, com alguma maldade, diga-se. É que, uma dezena de metros antes, o carreiro bifurcava, passando a ser duplo ao longo de não mais vinte de metros e reencontrando-se novamente. 

Imaginei que resultasse do hábito natural de, por vezes, as pessoas, ao saírem da mata fechada,  terem necessidade de caminharem lado-a-lado, para um pouco de conversa. Na altura ocorreu-me logo usar essa particularidade de forma ardilosa e, infelizmente para alguém da guerrilha, o ardil resultou e uma das minas foi pisada. 

Devo dizer que foi o único caso concreto em que tive consciência de ter feito uma vítima naquela guerra. Facto que, desde do momento da verificação sempre senti de forma penosa, não me aliviando pensar que fiz o que tinha de fazer por estarmos em guerra. Tudo mais pesaroso por eu saber que a falta de evacuação pronta, numa situação daquelas, representava quase sempre a gangrena e a morte. 

Então porquê remexer agora na morbidez destas lembranças? Talvez esperando que o desabafo público permita algum alívio, já que não o senti das raras vezes em que o fiz em privado. E para que, quem nunca foi à guerra, conheça e compreenda que ela não representa apenas uma contabilidade de mortos e feridos entre os beligerantes, mas também um grande sofrimento para as vítimas, para quem as provoca e para os que as viram acontecer. Trauma de graduações várias que, muitas vezes, são para o resto dos dias. 

Finalmente localizei a primeira mina [, Foto nº 2]. Com a ajuda do croqui foi fácil encontrar a segunda [, Foto nº 3[ . Sempre agachado e picando o terreno com a faca de mato, não mexendo um pé sem que o sítio para o pôr estivesse seguro, fui-me deslocando para o local da terceira mina.... mas ela não estava lá. 

Embora sempre calmo, fiquei apreensivo. A mina podia ter sido detectada e mudada de local, entre muitas outras hipóteses. Foi remexendo à superfície o capim rasteiro, quase a um metro do local, que descobri os vestígios que explicavam a falta da mina: um pedaço de cabedal ainda com o tacão de uma bota agarrado [, Foto nº 4], depois outro pedaço com a série de furos dos atacadores, mais uns fragmentos menores e nada mais. O resto voara. 

Perante a evidência, fui tomado por um sentimento de grande pesar e desconsolo. Por momentos fiquei ali a olhar para aqueles restos, pensando na estupidez da guerra. Para me aliviar, por certo, e reagir, pensei: mas não é para isto que servem as minas? Não foi para isto que calcorreei tantos quilómetros para vir cá pô-las? 

Levantei-me e fiz sinal na direcção do grupo que modorrava na borda da mata, para que se aproximassem. Passei a máquina fotográfica a um e pedi-lhe para me fotografar junto das minas no chão. Todos observaram a cena, silenciosos e pensativos. Preparámo-nos para o regresso, pois não havia mais nada a fazer ali. Para além do sucedido, hoje interrogo-me sobre as razões de uma tão grande canseira para ir ali implantar apenas três minas. 

Não era por falta de minas, creio. Que eficiência teria este tipo de segurança afastada? Por quê os guerrilheiros não contornavam a zona das minas, não sendo credível que ignorassem que sempre ali existiu minagem? E outras considerações...

PS - A fotografia n.º 2, embora não desfocada, estava tão “tremida” que teve de ser sujeita a edição severa. Sempre que a revejo e me foco apenas nesse defeito que quase gerou duas imagens sobrepostas, não evito um sorriso ao pensar: será que o fotógrafo estava mais nervoso do que eu? 

Saberia da história de outros que perderam as pernas e a vida ao pisar minas enquanto fotógrafos de guerra? Por certo que não. Nem eu sabia naquele tempo. Para só citar dois de uma lista infindável, refiro um dos meus preferidos e o mais notável dos antigos fotógrafos de guerra, Robert Capa. #(Segundo a Wikipédia, actualmente um dos mais importantes é o americano James Nachtwey, n. Nova Iorque, 1948). Citarei ainda o português João Silva. ##

As fotografias que se seguem  [, do nº 5 a nº 11] são de uma das idas ao carreiro em 1973 para implantar minas naquele local, provavelmente estas que agora (em Julho de 1974) foram levantadas como acabei de relatar acima.

# Robert Capa (1913-1954). Húngaro, de seu nome verdadeiro Endre Friedemann, foi cofundador da Agência Magnum em 1947. Fotografou a Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Sino-Japonesa, Segunda Guerra Mundial, Guerra Árabe-Israelita de 1948 e Primeira Guerra da Indochina onde morreria ao pisar uma mina.

## João Silva (n. Lisboa, 1966). Vive na África do Sul, trabalha para o “The York Times”, foi várias vezes premiado com o “World Press Photo”. Perdeu as duas pernas ao pisar uma mina no Afeganistão. Continua a fotografar.

[Revisão / fixação de texto, para efeitos de edição deste poste: LG]
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(**) Último poste da série > 0 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21437: Fotos à procura de... uma legenda (127): Levantamento de um campo de minas A/P: chão felupe, setembro de 1974, uma notável sequência fotográfica do António Inverno (ex-alf mil Op Esp / Ranger, 1º e 2ª CART / BART 6522 e Pel Caç Nat 60, São Domingos, 1972/74)

15 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Luís Graça (por email)

Daya - 16 out 2020, 15h47
Assunto - Um grande documento humano

António (Murta):

Na altura, em 9/2/2016, ninguém se deu conta de que o nosso blogue acabava de publicar um texto excecional...

Atrás das malditas minas e armadilhas", eu , que numca fui sapador, revalorizei-o agora, reeditando-o...

Estou-te muito grato... O nosso blogue valeu a pena ter sido criado só para ter o privilégio de publicar alguns destes textos e fotos, teus e de outros camaradas que marcam, como ferro em brasa, a nossa memória daquela guerra...

Não te estou a bajular, mas apenas a testemunhar a emoção com que o li ou reli.. (Já não me lembrava!).

E a sua reedição é um homenagem a todos aqueles de nós a quem coube, em sorte, uma especialidade como a de minas e armadilhas, de uma tremenda responsabilidade... E não são poucos, os de M/A, que integram a nossa Tabanca Grande.(Infelizmente não há uma "emailing list" dos "sapadores"...).

Peço-te que faças também chegar esta mensagem à tua filha Joana, de quem não tenho o endereço de email.

Dou conhecimento também a alguns dos nossos camaradas cujos nomes me ocorrem, alguns ligados às M/A ( minas e armadilhas), outros que estiveram na tua zona (Buba, Nhala,Mampatá, Aldeia Formosa...), bem como aos nossos coeditores e colaboradores permanentes... Sem esquecer alguns dos autores e comentadores mais frequentes...

E também aos únicos que na altura, em fevereiro de 2016, comentaram o teu poste: o Valdemar Queiroz e o Manuel Traquina...

Esperemos que apareçam mais "legendas"... que as tuas fotos bem as merecem!. E o nosso blogue precisa de mais animação, sobretudo nesta época dificílima que estamos a atravesar, com a tão temida segunda vaga da pandemia de Covid-19.

Como vês, continuas a fazer falta na nossa Tabanca Grande.

Um abracelo. Cuidemo-nos. Luís Graça

Anónimo disse...

Conheci o Murta, então em Mampatá, com o seu grupo de combate. Já nos cruzámos por cá, com um prazer indizível. Esta publicação do Murta é de uma fidelidade à verdade e de uma honestidade a toda a prova. Ainda por cima , numa linguagem muito rica que não deixa nada no tinteiro. O texto é de enorme interesse para os historiadores sérios.

Um abraço para o Murta, outro para o Luís e outro para todos os combatentes.

Carvalho de Mampatá.

Anónimo disse...

Paulo Cordeiro Salgado
17 out 2020 17:36


Caro Luís,

Eis uma descrição emotiva e lúcida - é possível ser-se emotivo e lúcido em plena guerra.
Fez-me relembrar:

- Branco, tens ali mina. Rebento-a ou queres levantá-las?

- Se a rebenta, meu alferes, damos sinal da nossa posição. Eu vou tentar.

O furriel Branco, calmo, de uma calma inexcedível, apalpou o terreno com a ponta da faca de mato...

Eram duas minas em plena mata, juntinhas, num carreiro antigo. O Suleiman descobriu-as, nem sei como...

Heróis, sem o serem.

Um abraço e uma saudação ao Murta.

Paulo Salgado

Anónimo disse...

António Murta (por mail)
17 out 2020 21:24


Meu caro Luís Graça.
Fiquei bastante agradado com este teu e-mail pelo entusiasmo que pões no trato das peças que constituem o nosso Blogue que, no fundo, somos todos nós.

E como não é todos os dias que somos reconhecidos enquanto pessoas pensantes ou com algum mérito, satisfeito também por esse reconhecimento, pese embora o exagero dos encómios.

Ainda não abri o Blogue mas, se for o caso, pode ser que acrescente algum comentário.
Obrigado também ao Paulo Salgado, pelas suas amáveis palavras.

Abraço aos dois camaradas.
António Murta.

A. Murta disse...

Venho a terreiro para me dirigir ao Carvalho de Mampatá e ao Luís Graça: ao Carvalho para lhe agradecer as palavras tão generosas e para lhe transmitir a admiração que também nutro por ele. Aceita um grande abração, camarada.
Ao Luís Graça para lhe agradecer as amistosas palavras que me dirigiu e para um pequeno reparo: na fotografia nº 11 o retângulo amarelo deslocou-se muito para a direita, (escorregou, talvez), pois está a sinalizar um simples ramo baixo da própria árvore. O que dá a noção de escala a que me refiro na legenda, é o soldado que está de pé e camuflado entre as "abas" do poilão. Ai, Luís, estamos numa idade em que é preciso andar sempre a trocar de lentes...

Abracelo com humor.
António Murta.

Juvenal Amado disse...

Nunca é demais lembrar o perigo que se corria tanto a pé como de viatura.
Na minha companhia teve um morto e um ferido grave.
Voltar a caminhar na picada depois de verem um camarada morrer a nossa frente era um acto de heroísmo.
Obrigado pela reportagem fotográfica e um abraço Murta.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

António, tens toda a razão... A "freima" (,se diz no Norte,) é inimiga da perfeição... Só agora "reparei" na "primeira figura humana" (, um militar de óculos,) ali "aninhado" na base do poilão,árvore sagradada da Guiné que sempre me inspirou um enorme respeito e fascínio...

Já corrigi, peço-te desculpa, a te e aos leitores... Mantenhas. Luís

PS - Uso aparelhos para os ouvidos (, o quinino era ototóxico, diz o meu otorrino, e as minas A/C também davam cabo dos ouvidos!...), mas ainda não preciso de cangalhas, felizmente... Apesar de passar muitas horas com os écrãs de computador, desde pelo menos que eles existem!... Enfim, tenho outros problemas de saúde (, vou pôr uma prótese no joelho, daqui a uns meses, por exemplo)...

Ironia das ironias: na Guiné usava óculos graduados, esfumados, até ao dia em que foram projetados pelo cone de fogo da bazuca do gajo da minha secção, numa emboscada... Os óculos, que desapareceram com o sopro, se calhar salvaram-me os olhos!... Hoje podia estar cego!... Nunca mais quis óculos... Às vezes uso só para ler à noite, na cama, à cabeceira...

Mas, confesso, não tinha perfil, como tu, para "especialista de M/A"...Tiro-te o quico! Não te chamo herói, porque só a mitologia grega é que tinha heróis, "mais do que homens, menos do que deuses", como eu costumo dizer ...

Mas gostei de te ver em ação... Podias ter sido artilheiro, ou piloto do "Lobo Mau"... Quem não matou, afinal, na guerra ? Só quem não foi lá... Contradições insanáveis... Por isso hoje somos todos pacifistas, ou ainda mais pacificistas do que éramos na guerra...

Sempre tive horror às minas e armadilhas... O primeiro camarada que vi cortado ao meio por um cinturão de granadas foi um furreil 'comando' da 1ª Companhia de Comandos Africanos, nas primeiras saídas para o mato, ainda em fase de instrução, no Setor L1 (Bambadinca) (, eles estavam aquartelados em Fá Mandinga, sendo instrução o capitão 'comando' Barbosa Henriques, e o capitão 'graduado', o João Bacar Jaló... Iam todos em bicha de pirilau, no tempo das chuvas... e todos pisavam o mesmo trilho...O furriel não quis molhar bota, desviou-se para um dos lados, accionou uma A/P que, por simpatia, cortou-o ao meio: ele levava um autêntico cordão detonante à volta da cintura... Para aí umas oito granadas, se bem me recordo. Ficou só com a cabeça e tronco... Fui ao velório, na capela de Bambadinca...

Valdemar Silva disse...

Pelas fotos, verificamos que o Pifas também foi na operação, mas não sabemos se o cão estaria treinado para detectar minas, doutra forma teria sido muito perigoso o acompanhamento do animal.

Valdemar Queiroz

A. Murta disse...

O Pifas acompanhava-nos sempre, mas estava treinado para se manter silencioso e sempre junto a nós. Aliás, desde cachorrinho que fora criado por mim a taças de leite e, mais tarde, acabado de criar pelo pelotão, que até lhe dava abrigo na caserna. Um dia, cadavérico e a mancar, porque no quartel uma Berliet lhe tina passado por cima de uma pata traseira, um dia, dizia, descontrolou-se (numa zona sem grande perigo) e enfrentou uma família de macacos com um alarido medonho. Fui buscá-lo a correr para o retirar da peleja, mas um dos macacos maiores, ainda fui a tempo de ver, passou-lhe com uma mão pelo dorso e arrastou-lhe a pele em sulcos desde o rabo até às orelhas. Chegado junto do pelotão, com o cão a sangrar e a latir, retomámos uma conversa antiga sobre o destino a dar ao cão que já mal comia e, agora, pelos vistos, passara a ter um comportamento que eu não admitia. Perguntei: «Qual de vocês está disposto a abatê-lo antes de regressarmos a Nhala?». Ninguém se mexeu. Levei de imediato o cão para o interior da mata e dei-lhe um tiro.

A. Murta.

A. Murta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
A. Murta disse...

É a segunda vez que ao tentar publicar um comentário dá "erro" e, ao retomar a página, clico de novo e aparecem dois comentários. Faço esta nota para que não se suponha que escrevi algo de que me arrependi.

A. Murta.

Valdemar Silva disse...

Murta
Nós da CART 2479, que depois passou a CART11 "Os Lacraus", trouxemos de Lisboa a cadela "Judy" de raça setter, recém nascida, que nos acompanhou em toda a comissão.
Conhecia-nos a todos e tinha que ficar presa quando saía para operações o pessoal do Pelotão que ela se dava mais, doutra forma ia a correr atrás das viaturas até longe e regressar cansada ao nosso Quartel, em Nova Lamego. Uma vez, em Piche, numa saída de noite e sem o pessoal se aperceber foi também se instalar com eles numa emboscada, criando um problema quando os primeiros elementos do IN entraram na zona de fogo e ela rosnou dando aso ao início do tiroteio.
No fim da comissão (Dez/1970), acasalada e com filhotes ficou em Paunca, com os nossos soldados fulas e com outros metropolitanos que nos foram render.

Abracelos
Valdemar Queiroz

A. Murta disse...

Pois é, Valdemar.
Era um risco em potência levar um cão para o mato. O Pifas era extremamente obediente e recatado, mas eu às vezes sentia algum desconforto. Ainda assim, quero fazer uma correção importante ao que escrevi no comentário anterior, porque o escrevi a pensar no local exato em que se deu aquele caso, que era na picada entre Nhala e Mampatá onde nós tínhamos ido fazer a habitual proteção a uma coluna. Portanto, uma zona relativamente calma e perto daquelas Unidades. Sim, quando íamos fazer proteção à passagem das colunas não levantava objeções a que o cão fosse connosco. Mas não me imaginaria a levá-lo para uma emboscada ou um patrulhamento no Sector, ou uma dormida no mato. Jamais. E não fumava nem permitia que outros fumassem nem falar alto tão-pouco. Abri uma exceção uma vez num domingo de manhã, muito longe de qualquer Unidade e em zona completamente estranha, para que durante uma paragem para descanso, os rapazes ouvissem deitados no chão e em surdina num transístor, a missa de que estavam carentes. Não fui capaz de dizer, "não".
E esta era a correção que pretendia fazer. Percebe-se que generalizei de mais ao escrever "O Pifas acompanhava-nos sempre".

Grande abracelo
António Murta.

JD disse...

Boa tarde aos Camaradas,
Em boa hora, e alertado pelo Luís, vim visitar o blogue para constatar o que pode ser extraordinário num post de guerra.
O que me sensibilizou?
Em primeiro lugar, porque comecei pela observação das fotografias, sensibilizou-me a exuberância do coberto vegetal variado e denso, que tanta satisfação me deu ao olhá-las. Em segundo lugar, não posso deixar de referir a sensibilidade da escrita que, como já foi referido, põe-nos em confronto com sentimentos contraditórios e próprios da circunstância, entre a raiva agressiva e a humanidade mais generosa.
Imagino, que terá sido essa a condição que mais nos preocupou: a dualidade de sentimentos que nos conduzia contra outros jovens, e a vontade de com eles podermos privar, fazer umas futeboladas, comermos e bebermos com a alegria juvenil. Mas em lado nenhum os senhores da guerra pensaram como o Solnado.
Abraços fraternos

José Carlos Gabriel disse...

Amigo António Murta.
Embora não tenha percorrido estes locais (pela minha especialidade) com esta tua apresentação voltei a recordar Nhala e os velhos tempos.
Conforme dizes também eu sinto saudades daquele povo que sempre tratei com respeito e o mesmo fizeram comigo.
Forte abraço e sempre que poderes escreve algo.
José Carlos Gabriel