sábado, 21 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22473: Os nossos seres, saberes e lazeres (465): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Nas primeiras férias com pandemia (2020), passarinhou-se por Óbidos e circunvizinhança, muitas memórias afloraram, já que na adolescência os meus padrinhos me convidavam a passar férias na Foz do Arelho, fiquei a adorar aquele mar selvagem e barulhento, as manhãs com bruma, as passeatas pela tarde, muitas vezes à volta da Lagoa de Óbidos. Extinto o vínculo a Pedrógão, diluído a Tomar, ficava de pé uma nesga de oportunidade de manter contato com a natureza a pouco menos de uma hora de casa. E essa oportunidade surgiu com estas duas casinhas implantadas em colina, em área protegida, com quilómetros de vinha e pêra rocha circundante. Aqui se dá notícia do feito, de visitas de saltitão até chegar a Sines, a neta gosta a valer de São Torpes, e o avô também.


Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (12)

Mário Beja Santos

Venho a Peniche para comprar casa lá longe e logo me assalta a lembrança de passeios da juventude com o meu padrinho que aqui vinha para tratar dos assuntos do Algarve Exportador (Fábrica de Conservas Nice), começávamos no Bairro dos Pescadores, muita gente a trabalhar com as redes, preparando futuras fainas, e depois passávamos ao lado da fortaleza, falava-me sempre da história da terra e regressávamos à Foz do Arelho passando por este pano de muralha. Aqui estou especado olhando enternecido estas canas da Índia lembrando igualmente as que a minha avó Ângela plantou no nosso quintal no bairro social de Alvalade, estou a fazer horas para entrar na Conservatória da terra, foi aqui que o promotor imobiliário me mandou vir para a escritura das casas do Reguengo Grande, que também passarão a ser minhas, e espero vir a ser muito feliz nelas, foi amor à primeira vista, a pureza daquelas linhas decoradas a branco e vermelho no meio de tanta pedra que deve vir da era jurássica, estou no extremo do concelho da Lourinhã, quando sair da Travessa da Boa Esperança e virar à esquerda, minutos depois entro no concelho do Bombarral. Esfrego as mãos, venho com a família passar aqui a última semana de julho de 2021, quero enamorar-me da região, assim Deus me dê vida e saúde.
Subi à colina em frente, onde se prantam cinco moinhos (quatro deles em estado calamitoso) para vos mostrar o meu lugarejo, os meus casebres, foram bem reedificados, não perderam a tipicidade de habitações de pequenos proprietários rurais, estão decoradas com gosto e naturalmente que estou ávido em transportar para aqui traquitana pessoal. O carro arruma-se lá no cimo da ladeira, tenho depois o silêncio por minha conta, às vezes interrompido pela canzoada do vizinho da planície onde se multiplicam as abóboras, ladram todas à uma e segue-se o profundo silêncio. Sento-me a meditar que tipo de jardim zen vou para ali procurar desenvolver no meio dos pedregulhos, tenho laranjas e ameixas, um velho casebre onde antigos proprietários deviam guardar ovelhas, tudo a seu tempo, o importante é ter a curiosidade espevitada e pôr ordem no caderno de todas estas atividades que me aguardam – e espero que sejam muitas e por muito tempo.
Consta que Napoleão, lá do alto de uma pirâmide, quando fez a campanha do Egito, se dirigiu aos soldados falando-lhes dos quarenta séculos que contemplavam. Aqui fia mais fino, se é tudo verdade o que li no Museu dos Dinossauros, estou sentado e a contemplar milhões de anos, esta pedra de forma encarquilhada espalha-se por toda a parte, é uma mistura exótica entre estes verdes de pomares e vinhas e pedras de outras eras, sente-se o aconchego de uma certa prosperidade rural, o benefício das vistas largas e todas estas marcas do calendário de uma antiguidade que não podemos discernir, a não ser pelo peso da fantasia.
Aconteceu, preparava-me para ir dormitar, a lua irrompeu em todo o seu esplendor, pareceu-me a aeronave a encaminhar-se para uma daquelas cidades da ficção científica, impossível resistir a todo este sombreado da noite em diálogo com os focos de luz.
Cá está, meti-me por caminho pedestre em direção ao Vimeiro, de quando em vez passa um ciclista ou outro pedestre que se cumprimenta, e como não ficar impressionado com esta brutalidade da pedra afagada pela vegetação – também esta terá no ADN o tempo jurássico? Não importa, o resultado é este esplendor, é somar e seguir.
Passeio a Óbidos, visita curta e com pouca detença, há outros objetivos na viagem. Mas como resistir à fosforescência desta buganvília que cresce teimosa como se intencionasse formar um túnel de vegetação para dar sombra na Rua Direita?
Não conheço açude como este, fazia serventia à secular Fábrica de Fiação de Tomar, para aqui chegar percorre-se uma bela mata, custa no início ver as ruínas da fábrica, um dó de alma, podiam ser um modelo de arqueologia industrial, mas foi tudo saqueado. E depois chega-se a este panorama, o Nabão a desfazer-se em água, há para ali praias em miniatura, gente em piqueniques, é tudo muito belo, mas o que seria este açude se estivesse bem conservado?
E agora Sines, estamos perante a Igreja de Nossa Senhora das Salas, não lhe falta o estilo manuelino, acho que tudo começou por uma promessa depois de um putativo milagre, uma ordem militar religiosa não gostou da construção e Vasco da Gama mandou fazer o templo que guarda um curioso tesouro. Da Lourinhã viajou-se para Sines, há uma criança que constitui o meu futuro que adora estas praias, pois delas iremos falar.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22456: Os nossos seres, saberes e lazeres (464): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (4) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mas que bela surpresa, Mário!...Passas a ser meu vizinho...e a viver em terras reguengeiras... Há o Reguengo Grande e o Pequeno. Pela tua descrição e imagens, parece teres comprado casa no Regueno Grande, sede de freguesia, em pleno planalto das Cesaredas. Tem a melhor maçã-reineta do mundo, também conhecida como "reguengueira". Nem todos os estômagos aguentam o gosto acre e a sua acidez. Dá-se uma trincadela e oxida logo...

Nos meus inconscientes 18 anos fiz espeleologia pelas muitas grutas que lá existem... Tem também belos trilhos pedestres que, agora, não posso fazer, enquanto as pernas não mo deixarem... Tens que fazer uma visita ao Moledo... Desejo que sejas muito feliz, com a tua filha e neta, por aquelas terras que em breve irão ser classificadas pela UNESCO, integradas no Geoparque do Oeste.

https://www.geoparqueoeste.com/


O que diz o sítio da CM Lourinhã sobre o planalto das Cesaredas?

https://visitlourinha.pt/3264/planalto-das-cesaredas

(...) O planalto das Cesaredas é um território de calcário com cerca de 140 milhões de anos, que se apresenta como um prolongamento do sistema serrano Aire/Montejunto. A cota mais alta do Planalto é de 164m de altura e a mais baixa é de 32m. Predominam as formações do período Jurássico, sendo o calcário a única rocha ocorrente. As rochas têm espécies únicas de invertebrados fósseis do Jurássico Médio e Superior.

Ao longo do Planalto das Cesaredas, podemos observar campos de lapiás e a presença de vários algares e grutas, que guardaram um importante espólio arqueológico. Em relação à história do local pode referir-se a existência de vestígios pré-históricos, a permanência dos Romanos entre os séculos II a.C. e V d.C. e o evento histórico do combate da Roliça, aquando das invasões napoleónicas. A lenda e a tradição popular associam-no a acampamentos dos exércitos de César, a caçadas reais e aos amores clandestinos entre D. Pedro I e Inês de Castro.

Este é também um excelente local para a prática de birdwatching.(...)

Fernando Ribeiro disse...

Os amores clandestinos de Pedro e Inês tiveram sobretudo lugar numa residência que Pedro mandou construir, na serra que depois disso se passou a chamar Serra d'El-Rei. Inês de Castro viveria então em Moledo. Portanto, o rei a que se refere o nome da serra é D. Pedro I. O palácio ainda existe, junto à localidade de Serra d'El-Rei e a poucos metros da estrada nacional que liga Dagorda a Peniche, mas quase nada resta desses remotos tempos, por causa das muitas reconstruções e acrescentamentos feitos até hoje. É o chamado Paço Real da Serra d'El-Rei.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dizem que para trocar as voltas aos "espiões do rei", o príncipe Dom Pedro mandava trocara s ferraduras aos cavalos... Acho essa história um delícia... Gosto muito de Moledo, onde diz a tradição é um resto de um palácio... MOledo merece uma visita... A escassos quilómetros do Reguengo.

Moledo é a aldeia do país que tem mais arte pública por mero quadrado...

http://sbartolomeugalegos-moledo.pt/rota-das-esculturas/