Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O saudoso Carlos Filipe (Porto, 1950-Lisboa, 2017), radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74): esteve internado 32 dias em Bissau, no HM 241, antes de ser evacuado, com hepatite, para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde iria permanecer 173 dias...
Foto (e legenda); © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]Figura 1 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas: a área 1 (o "núcleo histórico"), na Calçada da Estrela, contíguo ao Jardim da Estrela; a área 2 (nas traseiras da Basília da Estrela); e a área 3, delimitada pelo início da Av Infante Santo (no sentido descendente) e a Rua de Santo António à Estrela (que inclui o edifício de 12 pisos, a Casa de Saúde da Família Militar, construído já 8 em 1973). O Anexo, a Campolide, não consta aqui desta figura.
Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)
(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).
Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72.
O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.
Imagina um Oficial de dia, quase maneta, e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.
No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura.
Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados.
Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)
Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)
(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.
De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)
(…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas, frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares.
Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.
A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…) (**)
Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72
(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"), existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa.
Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará".
António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)
(...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...
(...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).
Sim, de acordo, o Director era uma besta!
(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela
(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)
(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)
3 comentários:
Só uma única vez visitei o anexo do hospital da Estrela para ver um primo meu aí internado com a patente de capitão do quadro permanente com a doença de Macrocefalia em estado quase terminal não deu para ter uma ideia do que lá se passava mas o meu primo o capitão António Estêvão Baptista com muitas dificuldade tentou dizer-me que nunca pensou ser tão mal tratado e desprezado. Pensei que talvez fosse exagero da parte dele, porque ele filho único sempre foi o menino mimado dos pais. Afinal pelo relatos referidos ele tinha toda a razão dos seus lamentos.
Atenção: todos os depoimentos, com exceção do do Armando Pires, são sobre o Anexo de Campolide, o tal "Texas", como lhe chama o Carlos Rios... (Em 1961, o Aquartelamento de Campolide deixa de ser ocupado pelo Regimento de Artilharia n.º 1, e é aí instalado o Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, anexo do HMP, o chamado Anexo de Campolide,para fazer face ao grande número de evacuados do Ultramar.)
O Armando Pires, que foi fur mil enfermeiro, tem outra perspectiva, e muito favorável, do hospital em si...como estrutura não só de prestação de cuidados de saúde como de ensino e formação (de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapèutica, etc.).
Falta-nos mais depoimentos do nosso tempo... LG
Camaradas, para além do "traço grosso da caricatura" com que nós, portugueses, "gostamos de gozar com as coisas sérias" (a começar por aqueles que nos "tratam da saúde", em sentido físico e figurado, dos médicos aos polícias...), digam lá mais da vossa justiça, das vossas boas e más memórias, dos serviços de saúde militar...
Do HM 241, em Bissau, sempre ouvi dizer "mil maravilhas", que era o melhor hospital da África subsariana, rebéu béu, pardais aos ninhos!... (Somos assim, bipolares, passamos facilmente de bestiais a bestas...).
Já do HPM, e sobretudo do famigerado Anexo (a Campolide), a coisa é menos consensual... Pode ser que o Armando Pires, ribatejano, enfermeiro e fadista... (e radialista!) tenha algo mais a acrescentar ao que já escreveu...
Sobre o diretor de ortopedia, não vale a pena bater maisno ceguinho... Todos os "ortopedistas" do mundo, em toda a parte, civis ou militares, são corridos com os mais feios epítetos do nosso dicionário de calão.... Justa ou injustamente...
Vocês imaginam o que era ser "cirurgião militar", antes da "invenção" da anestesia, da assepsia e da antiassepia, em meados do séc. XIX ? "Amputar pernas e braços, a cutelo ou serrote, e cauterizar o couto com azeite a ferver"!!!...
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