Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025 (*)
(i) "O primeiro eixo organiza-se em painéis temáticos, nos quais texto e imagem se articulam, pondo em evidência as linhas de força do colonialismo português dos séculos XIX e XX, e dando a palavra ao conhecimento histórico."
(ii) "O segundo eixo pretende 'fazer falar' as [139] obras de arte africanas, como evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades, permitindo mostrar a criatividade, a vitalidade, a sabedoria, a racionalidade, a diversidade identitária e as competências africanas e contribuindo para evidenciar e desconstruir a natureza falsificadora dos mitos coloniais portugueses."
Realizada no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (**), a exposição é um projeto que "resulta das pesquisas desenvolvidas pela equipa de cerca de trinta investigadores que nele colaboraram, tendo igualmente contado com o indispensável contributo de muitas entidades, nacionais e estrangeiras, que cederam a profusa documentação iconográfica apresentada nos painéis explicativos em torno dos quais se desenvolve a narrativa da exposição." (...).
2. Fomos no sábado passado fazer uma primeira visita à exposição (que vai estar patente ao público até ao próximo dia 2/11/2025). Infelizmente, ela não vai "deambular" pelo país inteiro, embora esteja prevista "a realização de exposição itinerante, de caráter exclusivamente documental, que circulará por escolas e centros culturais em Portugal, assim como em diversos espaços de língua portuguesa, em África e no Brasil".
Farei em breve uma segunda ou até terceira visita, mais atenta e demorada, até por que há vídeos para ver. Para já, apresento algumas imagens que tirei com a minha Nikon (em menos de 2 horas, tirei 230 fotos, o que com duas canadianas é obra!), a cada um dos painéis temáticos (cada um com a sua cor, e sucessivos desdobramentos, seguindo um lógica cronológica, ou seja da colonização à descololonização, independências e legados do colonialismo), mas também a alguns dos objetos expostos (em vitrines, o que dificulta o trabalho do fotógrafo)...
Claro que não conseguiu chegar ao fim, mas deu para ficar com uma ideia do conjunto, e da riqueza dos materiais expostos, a começar pelas peças da arte popular africana). Pareceu-me que, relativamente à Guiné, peca por defeito: afinal, nunca foi uma colónia de povoamento como Angola e Moçambique...
Apesar de ser trabalho de uma vasta equipa, tem um cunho muito pessoal (e profissional) da professora Isabel Castro Henriques, sua curadora, e cujas principais áreas de investigação são bastante específicas:
(i) História das relações afro-portuguesas (séculos XV-XX);
(iii) História do Colonialismo Português;
(iv) História da Escravatura e do Comércio de Escravos;
(v) História da construção dos territórios e identidades;
(vi) História das representações iconográficas;
(vii) História dos Africanos em Portugal.
O primeiro painel é dedicado ao tema, recorrente, da propaganda que veio da Monarquia Constitucional ao Estado Novo, passando pela República, e que chegou aos nossos dias; "Estamos em África Há 500 Anos" (disseram-nos logo na escola primária e repetiram-nos na tropa e na guerra, embora já poucos "senhores da guerra" acreditassem nisso, a começar pelo Spínola).
Seria uma pena o leitor perder esta exposição "in situ", no 1º piso, no maior sala de exposições do Museu. (Acrescente-se quer o Museu Nacional de Etnologia tem belíssimas coleções, representando mais de 380 culturas do mundo, de 80 países, de 5 continentes: são muitas dezenas de milhares de peças, que celebram as culturas africanas, asiáticas e ameríndias, além da cultura tradicional portuguesa; a coleção africana, inclusive, é considerada uma das melhores do mundo, embora não saibamos qual a sua origem; o meu amigo e professor Pais de Brito foi lá diretor de 1993 a 2015; tenho um especial carinho por este museu, até por que tive um ano de aulas apaixonantes, no ISCTE, com o Pais de Brito que não era nada "africanista").
De qualquer modo, as edições Colibri editaram em livro, em português e inglês, o catálogo desta exposição, profusamente ilustrado. As suas 342 pp. e os seus cerca de 30 autores merecem bem o preço de capa (40,00 euros).
Acrescente-se que a exposição é organizada pelo CEsA Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (do ISEG / UL) e pelo Museu Nacional de Etnologia, com curadoria de historiadora Isabel Castro Henriques, e integra as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril
Acrescente-se que a exposição é organizada pelo CEsA Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (do ISEG / UL) e pelo Museu Nacional de Etnologia, com curadoria de historiadora Isabel Castro Henriques, e integra as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril
O objetivo da exposição, além de cultural, é pedagógico e didático, "expor e desconstruir os mitos da ideologia colonial, promovendo a descolonização do imaginário português e oferecendo um conhecimento renovado e acessível sobre a questão colonial".
Caricatura do imperialismo britânico, por Rafael Bordalo Pinheiro > "Pater Familias":"deixai vir a mim os pequeninos" ("A Paródia", 23 abril 1903, pp. 4-5. Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa.)
(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26154: Agenda cultural (870): Museu Nacional de Etnologia, 30 out 2024 / 2 nov 2025 > Exposição: “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”
O "mapa cor de rosa"...
(Imagens obtidas da exposição "in situ", sem flash, com a devida vénia...)
(Continua)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26154: Agenda cultural (870): Museu Nacional de Etnologia, 30 out 2024 / 2 nov 2025 > Exposição: “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”
16 comentários:
Estamos a ver de novo este filme...dos "apetites imperialistas", agora nas nossas barbas!
Não é preciso ser doutorado/a em História para se saber algumas realidades elementares sobre a presença histórica dos nossos antepassados em África, a começar pela Guiné, onde desgraçadamente andámos metidos numa guerra, a que agora chamam a da descolonização: lidei com populações das nações (já não não se diz tribo, nem muito menos raça...) fulas, mandingas, balantas... Os meus soldados eram fulas, muitos deles putos (miúdos, "djubis", nunca tiveram escola "cristã", os pais eram muçulmanos, não comiam as nossas comidas nem bebiam "água de Lisboa"... E, pior do que tudo, náo falavam português...(Iráo aprender alguma coisa comigo e com os meus camaradas.)
Em junho de 1969, quando cheguei a Contuboel para lhes dar instrução militar, interroguei-me: O que é que os meus avoengos andaram aqui a fazer durante 500 anos ?... Claro que percebi logo que nunca tinham cambado o rio Geba estreito para aqueles lados...E que os tais 500 anos eram uma grande treta...
Mais: os homens grandes fulas e mandingas, que eu conheci, logo em Contuboel, podiam ter 4 ou mais mulheres...O meu pai, que era católico, apostólico, romano, só tinha uma, a que era a minha mãe...Todos "portugueses", todos diferentes... Digam-me como é que eu vou explicar isso à minha neta, que me ofereceu pelo Natal um álbum para eu pôr as minhas fotos e contar as pequenas grandes peripécias da minha vida... ?!
Luís, cuidado com o wokismo, em moda, que tem enviesado a História, que coloca sempre os bons contra os maus, como se o mundo fosse assim, os bons contra os maus, os maus contra os bons.
Já agora respigo no post abaixo a citação do Mário Beja Santos, da Mensagem, de Fernando Pessoa:
“Senhor, a noite veio e a alma é vil./Tanta foi a tormenta e a vontade!/Restam-nos hoje, no silêncio hostil,/o mar universal e a saudade”.
Os 500 anos não foram uma grande treta.
De facto já deviamos ter acabado com os mitos há muitos anos, e termos assentados os pés no chão.
E pelo menos ensinar nas escolas que o facto de em 1500 andarmos a implantar padrões de descobrimentos e levar missionários deviamos ter mandado geologos e engenheiros de minas como mais tarde outros fizeram.
Mas é bom que venham historiadores que ao desfazer os mitos, e desconstruir o colonialismo, que não deixem para a história que os portugueses fomos grandes Pedradores de África.
Luís Graça, é interessante este tipo de apontamentos para este blog.
Mas olha Luís, talvez falem pouco da Guiné, e falem mais de Angola, mas põe na tua cabeça, não na de muitos dos doutores que irão escrever sobre os "mitos", que alguns nunca foram lá ver como nós, a Guiné foi mais bem colonizada e ocupada que Angola.
E essa de não falarem português, a culpa era nossa que não sabíamos crioulo.
Uma exposição é sempre algo "redutor"... e esta é apenas sobre o colonialismo português... Que não tem 500 anos, terá um século e pouco....Concordo contigo, António, não podemos resumir 500 anos da nossa história (e dos outros povos com interagismo), dizendo que é tudo uma treta...A treta é sempre a propaganda, seja a minha, a tua ou a dos outros...Vou continuar a ver a exposição, com olhar crítico...
wokismo
wo.kis.mo | woˈkiʒmu
nome masculino
1. POLÍTICA movimento ou conjunto de pessoas que se mostram conscientes da gravidade das injustiças sociais existentes (nomeadamente no que diz respeito a questões de discriminação e racismo), agindo de forma ativa para as combater
2. POLÍTICA depreciativo movimento ou conjunto de pessoas que fomentam o politicamente correto e a cultura de cancelamento ao defenderem propostas irrazoáveis ou extremistas a partir de uma posição de superioridade moral
De woke+-ismo, ou do inglês wokeism, «idem»
Fonte; Porto Editora – wokismo no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-02-04 12:22:03]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/wokismo
Não defendo a "superioridade moral" dos historiadores... Alguns podem, como intelectuais, arvorar-se a essa posição, a esse estatuto em nome da "ciência"... Como todas as cièncias sociais e humanas, a história também é atravessada pela conflitualidade teórico-ideológica...Sei que do que falo, porque também pertenci à "societé savante", e conheço alguns dos seus tiques.... Mas a exposição em causa (e no sítio em que é, o Museu Nacional de Etnologia, criadeo em 1965 pelo etnólogo Jorge Dias, como Museu de Etnologia do Ultramar), embora resulte do concurso de 3 dezenas de "especialistas", não é ciência, é divulgação da ciência, é um evento cultural...
Podemos (e devemos) criticar as suas eventuais falhas e deficiências (fala-se da Guiné e da guerra, um bocado a correr, acho eu, mas ainda lá não cheguei, vou a meio da exposição...), mas é preciso primeiro passar por lá, visitá-la, vê-la cpom os nossos "olhos e óculos", e depois, sim, dizer: "Eh, pá, gostei, não gostei, por isto, por aquilo"...
Não sendo historiadores, mas atores ( cidadãos portuguesas que fizeram uma guerra na Guiné, a de 1961/74), também temos direito a "ter opinião"... E neste blogue, que é "plural", não incentivamos nem defendemos o "politicamente correto"...Portanto, não aceitamos o chavão do "wokismo"...
Mais: sempre aqui defendemos duas coisas, que são o contrário do tal "wokismo": (i) a história não se escreve a preto e branco; (ii) não diabolizamos nem santificamos ninguém, do Amílcar Cabral ao Spínola (e falamos destes porque são do nosso tempo...).
Rosinha: Portugal não mandou geólogos nem engenheiros de minas para a Guiné como fizeram (?) os outros colonizadores, dizes tu... Nem médicos, nem enfermeiros, nem professores (também não os tinha para as necessidades do país...)... Mandou deportados, soldados, missionários, comerciantes, administradores (para cobrar o imposto de palhota)...("poucos mas loucos")... Mas nem sempre estamos às notícias da atualidade... Há notícias (boas) que nos escapam...
DN - Diário de Notícias > Agência Lusa | 27 dez 2024 18:08 > Portugal recebeu cerca de 5 mil estudantes guineenses do secundário este ano letivo
Queria dizer: "Nem sempre estamos atentos às notícias da atualidade..."
Luis Graça, penso que estes assuntos sobre a "nossa" colonização em África, penso que seria interessante que fossem historiadores afrcanos a falar, porque de europeus já conhecemos a treta de cor e salteado.
E sobre a India também seria interessante ouvir muita gente que temos cá, mas está sempre calada.
Sabe-se que não apreciaram Francisco Xavier e tanta igreja.
Ao menos os brasileiros não têm vergonha de demonstrar o desgosto de ter sido Portugal a colonizar aquilo.
Os brasileiros, digo eu, não os tupis-guaranis ou pataxós.
Rosinha, como pra quê ensinar português? Na Guiné temos o crioulo que é o português dos primeiros colonos que foi sendo pronunciado pelos naturais conforme lhes pareceu ouvir misturando com palavras do seu dialeto. Mas só aconteceu na “cidade” , a grande maioria dos soldados fulas da minha CART 11, homens e rapazes de tabancas do “interior” nem sequer sabiam falar crioulo. Não sei a razão de não haver um crioulo em Angola ou talvez tivesse acontecido o contrário, os colonos aprenderam os dialetos locais. Saúde da boa. Valdemar Queiroz
Rosinha: "Portugal não mandou geólogos nem engenheiros de minas para a Guiné como fizeram (?) os outros colonizadores, dizes tu... Nem médicos, nem enfermeiros, nem professores (também não os tinha para as necessidades do país...)"...Era mais facil e lucrativo o negocio de compra e venda de quinquilharia, malagueta e escravos... Mais tarde "Mandou deportados, soldados, missionários, comerciantes, administradores (para cobrar o imposto de palhota)...("poucos mas loucos")..."
Obrigado Luis Graca, nao sabia o que era o Wokismo, mas, se o significado eh tal qual a definicao do Dicionario Porto Editora, entao nao sera assim tao 'treta' quanto se julga, pois o mundo sempre funcionou na base da forca maior, no uso e abuso da violencia e injustica social. Precisamos acreditar ou sonhar que o mundo pode ser melhor e mais humano se os mais poderosos assim o quiserem.
Cdte,
cherno Baldeh
Atenção, os historiadores também são redutores... Todas as conclusões são redutoras...E de facto náo é em 7 ou 8 painéis que se resume um período conturbado e complexo da nossa história comum (mundial, europeia, portuguesa, guineense, angolana, etc.). Mas, para efeitos didáticos e pedagógicos, temos de correr o risco de expor o essencial e esquecer o circunstancial... É como os manuais escolares... Os do Estadfo Novo eram intencionalmente, descaradamente "ideológicos"... Os do regime demcorático também são "ideológicos", mas mais subtis, plurais, etc.
Por exemplo, a guerra e os combatentes, de um lado e do outro, são mais uma vez esquecidos nesta exposiçáo... Estão lá os líderes, não os que fizeram a guerra (e a paz)...
Entendo: a curadora Idsabel Castro Henriques não foi à guerra e, felizmente, para ela, não deve saber o que isso é... Nem ela nem nenhum dos 30 investigadores que contribuiram para esta exposição... que eu recomendo. Deve ser vista por todos nós... No domingo passado, de manhã, passaram por lá meia dúzia de gatos pingados!... Que é que se interessa peloa "passado" ?!...Quem é valoriza o "conhecimento histórico" ?!... Nós esforçamo-nos, no nosso blogue, por valorizar o contributo dos historiadores mas tambémo testemunho dos atores...(e sobretudo dos que vão parar à vala comum do esquecimento).
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