Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CCAV 2483 e Pel Caç Nat 56 > c. 1º semestre de 1969 > Partida de futebol... (Os "manos Silva", Aníbal e Zé Pedro, são os dois militares da ponmta direita, na foto ao alto)
Sobrescrito da carta enviada ao José Aníbal Soares da Silva, fur mil, SPM 5698 (Nova Sintra)
Carta do José Pedro Silva para o fur mil vagomestre Aníbal Silva:
Transcrição ("ipsis verbis):
São João, 19 de janeiro de 1970
Inesquecível mano Aníbal:
Em primeiro de tudo desejo-lhe que esta minha
linhas lhe encontra com uma ótima saúde e
felicidades.
Pois meu querido mano eu juntos
dos meus colegas e amigos do Pelotão, eu vou indo
menos graça a Deus o bom criador do Mundo.
Pois mano, por intermédio des-
tas minhas duas linhas, venho pedir grande fa-
vor de mandar-me oferecer 6 barries vazio, pa-
ra poder arranjar uma coisa, náo te esque-se por
amor de Deus, por cabeça das suas famílias.
Pode entregar o nosso amigo Oliveira, ou Braz para
me guardar, até quando aparecer culuna para cá.
Mais nada por hoje obrigado,
Recebe abraço forte do seu irmão Zé Pedro.
Dê-me os meus cumprimentos para todos amigos de N. S.
Fotos (e legendas) Fotos (e legenda): © Aníbal Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Aníbal Silva, ex-fur mil SAM, vagomestre, CCAV 2483 (Nova Sintyra e Tite, 1969/70); técnico de seguros, reformad0, vive em Arcozelo, Vila Nova de Gaia:
Data - 08/05/2025, 22:34
Assunto -. A Amizade Não Tem Cor
Caro Luís Graça
No poste P26664 do dia 8 de Abril (*), fiz referência à enorme empatia que havia entre os militares da minha Companhia (Ccav 2483) e o pessoal do Pelotão de Caçadores Nativos 56.
Foram só três meses de convívio diário, mas suficiente para criar grandes amizades. Em Junho de 1969 o Pel Caç Nat 56 deixou-nos, tendo sido destacados para S. João, distante de Nova Sintra, mais ou menos 18 km e frontal a Bolama.
Uma das amizades que restou, foi comigo e com o soldado nativo, de seu nome José Pedro da Silva. Como eu era tratado por Silva, o Zé Pedro associou o seu nome ao meu e dizia que eu era seu mano, irmão e também primo.
Ver em anexo a sua carta de 19 de janeiro de 1970, em que começa com um "Inesquecível Mano" e na qual me pede 6 barris de vinho, obviamente vazios, para fazer cadeiras de baloiço.
Não me recordo, mas muito provavelmente satisfiz o seu pedido, até porque os amigos são para todas as ocasiões.
Em dezembro de 1970 estava eu em Bissau na Comissão Liquidatária e numa deslocação ao Serviço de Saúde, instalado no Hospital Militar, onde fui resolver um auto relacionado com a enfermagem, ao passar por uma das enfermarias, ouvi chamar aos berros e repetidamente " Ó primo Silva".
Pareceu-me ser a voz do Zé Pedro, aproximei-me e era de facto. Estava internado para ser operado, extração de vários estilhaços que tinha nas costas. Seguiu-se um abraço emocionado.
Na foto o Zé Pedro é o nativo à direita, junto a mim.
Um abraço de amizade
Aníbal Silva
Um abraço de amizade
Aníbal Silva
(Revisão / fixação de texto: LG)
________________
Notas do editor LG:
(*) Vd. poste de 8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual
6 comentários:
Anníbal, és um homem com grande sensibilidade e amigo do seu amigo. Que bom ter acesso a estes documentos singelos que não foram para o lixo!... Esmerei-me a publicá-los...Duas horas de trabalho matinal, mas tu mereces, e o teu "mano" Zé Pedro (que já não deve fazer parte, infelizmente, dos vivos: os meus camaradas africanos já morreram, todos, eram cem).
Temos 26 referências ao Pel Caç Nat 56. O José da Câmara, açoriano, foi fur mil desta subunidade. Mas também o António Baldé, hoje apicultor, e que não chegou a ser meu compadre... Quisemos trazer uma filha dele (a Alicinha, orfã de mãe, e a quem foi dado o nome da minha mulher, Alice)... Ajudámos muito a miúda...Mas a burocracia era lenta. O pai não conseguiu em tempo útil trazê-la para cá. Acabou por morrer antes dos 5 anos...Ao fim de 12, a viver cá, o Baldé voltou para a Guiné. Telefona muitas vezes. A sua última (e quarta) mulher morreu de sida. E a criança provavelmente também... Conhecemos a mãe, muito nova, em 2008. Uma história bonita e trágica. Em 2009 o meu filho, médico, encontrou-a, grávida de 8 meses, no Cantanhez, em Iemberém...É verdade, Aníbal, a amizade não tem cor...
Um alfbravo, Luis
Aníbal, o que terá acontecido ao teu "mano" ?
Aníbal, o que terá acontecido ao teu "mano" ?
Seria papel de Bissau ? Ou manjaco, cristão ?
Aníbal, confirnmo, o António Baldé, nosso amigo de família, foi contemporâneo do teu "mano" Zé, andaram juntios em Sáo João, no Pel Caç Nat 56.... Aqui vão uns dados biográficos do Baldé:
(i) António Ussumane Baldé, nascido em Contuboel em 1944, de etnia fula;
(ii) foi educado, até aos 12 anos, pelo chefe de posto local, o português José Pereira da Silva (ainda era vivo em 2014, com residências no concelho de Oeiras)
(iii) fez a 4ª classe e isso abriu-lhe outras portas a que outros miúdos da sua tabanca não tiveram acesso;
(iv) lembrava-se bem da serração do Albano, que ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969, quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CART 11 e CCAÇ 12);
(v) em 1966, foi chamado para a tropa; fez a recruta e a especialidade no CIM de Bolama;
(vi) promovido a 1º cabo, de artilharia, foi instrutor no CIM de Bolama;
(vii) lá se formaram diversos Pel Caç Nat, nossos conhecidos;
(viii) em 1969 é transferido para o Pel Caç Nat 56, sediado em S. João, frente a Bolama;
(ix) em 1970 é transferido para a CART 11 (e mais tarde CCAÇ 11), que estava em Paúnca.
O comandante do seu pelotão era o alf mil Matos, que era de Ovar, e com quem ainda hoje (2014) convive e fala ao telefone.
Em 1969 casou-se. Será o primeiro de quatro casamentos. Teve ou tem 15 filhos, o último dos quais a Alicinha do Cantanhez, filha da saudosa Cadi Indjai (1985-2013), nalu de Farim do Cantanhez, filha de um antigo guerrilheiro do PAIGC, que perdeu uma perna numa mina A/P da tropa portuguesa,
Saiu da tropa em finais de 1970 ou princípios de 1971. A mulher tinha ficado em Bolama. Assistiu depois à independência. Não tem boas memórias de Bambadinca desse tempo (onde assistiu à bárbara execução pública, após selvagens julgamentos populares, de "inimigos públicos do PAIGC", "cães dos colonialistas"... mas não teve quaisquer problemas com os novos senhores da Guiné-Bissau; emociona-se quando fala do que viu em Bambadinca...).
Ainda antes da independência tinha começado a trabalhar nos serviços agrícolas da província. Fez formação em floricultura. Foi ele e outros estagiários quem fez o jardim do Bairro da Ajuda, em Bissau, no tempo do administrador Guerra Ribeiro. Depois da independência começou a trabalhar com o engº agr Carlos Scwharz, o nosso saudoso "Pepito", no DEPA, na região de Tombali. Tinha uma grande admiração pelo "Pepito e pelo trabalho dele em prol do desenvolvimento da sua terra, através da sua ONG AD, de que é/era membro cooperativo (e cofundador, se não erro).
No princípio deste século, veio a Portugal fazer um curso de apicultura, que era então (continua a ser) a sua grande paixão. Acabou por ficar. Trabalhou, durante vários anos como segurança numa empresa de construção, no concelho de Cascais. Entretanto, obteve a nacionalidade portuguesa. Tina um filho, de 13 ou 14 anos, o Umaro Baldé, que vivia com ele desde os 6 anos e que estava a frequentar o 7º ano de escolaridade obrigatória, em Alfragide, e que queria ser informático. (VIve hoje em Inglaterra.)
Em 2014, o António Baldé estava desempregado. O seu sonho era voltar a Caboxanque onde tem casa, junto ao rio Cumbijã, e desenvolver o seu projeto de apicultura no Cantanhez. Bom muçulmano, ia todas as sextas feiras à mesquita de Lisboa. É uma homem afável, conhece meio mundo, fala e escreve bem o português. Fazparte da nossa Tabanca Grande. Vive hoje na sua terra, onde é apicultor e faz formação em apicultura.
7 de janeiro de 2014 Guiné 63/74 - P12554: Ser solidário (157): O nosso camarada, luso-guineense, natural de Contuboel, desempregado, a residir em Alfragide, António U. Baldé, pai da Alicinha do Cantanhez, tem um sonho: ser apicultor em Caboxanque...
No PelCaçNat 56 havia um Fula, de seu nome Braima Baldé, casado e pai de duas meninas, um excelente militar. Frequentava a escola monotorizada por dois militares para aprender a ler e escrever português.
Qual a possibilidade de um parentesco entre o António e o Braima Baldé?
Abraço transatlântico.
José Cmara
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