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sábado, 10 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26788: Os nossos seres, saberes e lazeres (680): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (204): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 3 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Às vezes não sei muito bem se estou em Frankfurt Meno/Reno, em Hesse, ou na Renânia-Palatinado, nome muito abrangente para toda esta região, não vi o Reno mas sei que estive em Hesse, quando fui visitar de raspão Wiesbaden. Desta feita, meti-me no comboio, atravessei a cidade e fui para a margem chamada dos museus, a escolha foi o Städel, já tinha visitado esta impressionante coleção, resolvi precatar-me para resistir umas boas quatro horas lá dentro a deliciar-me com obras-primas que qualquer museu em todos os continentes gostaria de possuir. Ponto curioso, senti que o museu tinha tido uma reconfiguração, há como que uma grande sala de acolhimento onde estão peças magníficas do romantismo, do naturalismo até às primeiras correntes do modernismo. São exatamente alguns desses quadros que começo hoje por vos mostrar, mais ficará para o apontamento seguinte.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (204):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 3


Mário Beja Santos

Hoje, a visita é a um dos museus mais conceituados da Alemanha, o Städel, um acervo impressionante de pintura, desenho, escultura, da Idade Média aos nossos dias, tudo metido num impressionante casarão, que me recorda a magnificência de outros edifícios, como os museus de belas-artes de Bruxelas ou Antuérpia, por exemplo. Se o leitor se der ao trabalho de procurar a história do Städel verá que se trata de um nome de um rico industrial e colecionador, legou todo o seu acervo e fortuna para formação artística e exposição e para fruição dos visitantes. Este edifício já viu muita coisa, desde os tempos nazis em que vieram aqui buscar o que eles chamavam arte degenerada e queimaram, até os bombardeamentos que danificaram severamente o edifício. No início dos anos 1990 fizeram-se obras de ampliação e o museu apareceu com cara lavada em 1999. Aparece numa linha de vários museus, desde as artes decorativas, a etnografia e até o cinema. Tenho que dar uma justificação ao leitor da seleção de imagens que captei durante esta visita.

Aprendi à minha custa que não se deve entrar numa casa com um imponente acervo artístico e andar por ali, desalmadamente, a querer ver tudo. Aí pelos anos 1980 tive uma reunião em Florença e aproveitei para ficar um dia à minha custa para fazer a Galeria dos Ofícios, entre outras das belezas que esta magnífica cidade oferece. Naquele tempo as visitas eram entre as 8:30h e a 15:30h. Meia hora antes da abertura já eu por ali andava todo pimpão, excitado por ir contemplar o que só conhecia dos livros. Saí da bilheteira disparado em direção às primeiras salas, onde estão patentes algumas das obras-primas do chamado Duocento, procurei assimilar tudo, passei para outra sala, assombrei-me com Giotto, depois Fra Angelico, Masaccio, Duccio, só sei que quando cheguei à sala onde está o Nascimento de Vénus, de Botticelli, senti uma moinha na fronte, andei por ali a gemer, vi que a dor não acalmava, à cautela entrei numa farmácia à procura de alívio e fui-me deitar no hotel, dormi horas e horas, remédio santo. Nunca mais me passou pela cabeça ver um museu de fio a pavio.

Dou esta explicação para dizer ao leitor que entrei no Städel com o comedido propósito de ir vendo aos soluços este impressionante acervo, parando aqui ou acolá, entrando deliberadamente no período do romantismo-naturalismo quedando-me numa primeira fase nas primeiras correntes modernistas, é o que hoje aqui vou mostrar.

Um pormenor da fachada do Städel
Goethe na região romana, pintura de Johann Tischbein, 1787. É considerado um dos mais importantes retratos do autor do Fausto e do Werther, tem a ver com os tempos em que um cavalheiro fazia o Grand Tour, com passagem obrigatória por Itália, sempre mostrando as ruínas, desde o Renascimento que a arte greco-romana voltara a ser moda e sê-lo-á até ao século XIX.
Tempestade na Costa Norueguesa, pintura de Andreas Achenbach, 1837. Quando vejo um barco em dificuldades num mar encapelado vem-me à mente um fabuloso quadro de Turner que pertence ao Museu Gulbenkian. Turner mostra o naufrágio e a tragédia dos náufragos à procura de uma tábua de salvação. O que me impressiona neste quadro é a imagem quase fotográfica dos rochedos, o contraste entre a espuma alvíssima e o negrume acinzentado do céu, ficamos sem resposta a qualquer evidência de que aquela embarcação ainda poderá chegar a bom porto.
Villa no mar, pintura de Arnold Böcklin, 1871-1874. O que me chamou à atenção neste quadro de Böcklin é o chamado poder da imagem, toda aquela verdura desponta da monumentalidade da pedra, mas a inversa também é verdadeira, e todo o escarlate dos céus aparece numa tonalidade desmaiada das águas. A figura humana é como que uma exigência que contempla ter a propriedade de nos obrigar à sua contemplação.
Quinta em Nuenen, Van Gogh, 1885. Quem diria que era mesmo Van Gogh, aquele pintor holandês que foi para França e revolucionou a arte pictórica?
Eva, por Auguste Rodin, 1881. Fora número um da escultura em França, esculpiu grupos e figuras individuais, usou o cinzel em metal e alabastro, há sempre esta particularidade de nos dar um toque da rudeza, no caso desta Eva é a base, um contraste absoluto com esta feminilidade de alguém que parece esconder o rosto, é como se já tivesse sido expulsa do paraíso, aqueles pés trilham o caminho áspero do mundo.
Teatro de Vaudeville, por Ernest Kirchner, cerca de 1906. Kirchner foi odiado pelos nazis, tratado como um degenerado, é um dos génios da pintura alemã que tem vindo gradualmente a ser considerado, tal como Otto Dix ou Max Beckmann.
Cão deitado na neve, por Franz Marc, cerca de 1911. Marc fez parte do grupo Der Blaue Reiter, de inspiração expressionista, constituído essencialmente por alemães e russos, trouxeram uma onda de frescura ao comportamento das cores e à evidência das formas.
O Rabi, por Marc Chagall, 1912. Os temas judaicos são umas das permanências da pintura de Chagall, outro génio que introduziu uma revolução na figuração dos corpos e até na volumetria das suas composições, animais a voar nos céus, casais aos beijos em poses impossíveis, veja-se o rosto de Rabi num evidente claro-escuro e a estranheza da forma da sua mão direita, que parece uma prótese; e para que não subsistem dúvidas para quem contempla a obra ali está ao fundo a estrela de David e os caracteres hebraicos.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26759: Os nossos seres, saberes e lazeres (679): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (203): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 2 (Mário Beja Santos)

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