José António Canoa Nogueira (1942-1965): um dos 20 militares lourinhanernses mortos durante a guerra do ultramar / guerra colonial, o primeiro a morrer na Guiné (no total, morreram 9 em Angola, 6 na Guiné e 5 em Moçambique).
Lourinhã > Cemitério Municipal > 25 de agosto de 2013 > Pedra tumular do José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em Cufar, Catió, região de Tombali. em combate. Foi no dia 23 de janeiro de 1965. Era soldado apontador de morteiro, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Era primo, em 3º grau, do nosso editor Luís Graça, tal como o Arsénio Bonifácio, morto em Angola, em 1972, era primo (direito) do Jaime Bonifácio Marques da Silva.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Lourinhã > Salão Nobre da Câmara Municipal > 21 de junho de 2025 > Da esquerda para a direita, o presidente da câmara (entidade que editou o livro, a irmã, Bia, do José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em combate (em 23 de janeiro de 1965), e o autor do livro "Não esquecemos...", Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72). A Bia, viúva e reformada, vive no Canadá e na Lourinhã. A outra irmã, Esmeralda, vive na Lourinhã.
Fotos: Página do Facebook do Municipio da Lourinhã (com a devida vénia...)
Seleção e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)
I. Foram seis os militares lourinhanenses que morreram no CTIG, entre 1965 e 1973, aqui listados pela seguinte ordem (ano da morte):
- José António Canoa Nogueira (1942-1965) (morte por ferimentos em combate)
- José Henriques Mateus (1944-1966) (desaparecido em combate)
- Albino Cláudio (1946- 1968) (morte por acidente com arma de fogo)
- Alfredo Manuel Martins Félix (1948-1970) (morte por acidenete de viação)
- Carlos Alberto Ferreira Martins (1948-1971) (morte por ferimentos em combate)
- José João M. Agostinho (1951-1973) (morte por ferimentos em combate)
II. Vamos dedicar este primeiro poste ao José António Canoa Nogueira (Casal da Pedreira, Lourinhã, 11.01.1942 - Cufar, Catió, 23-01-65) (*)
1. Registo de nascimento
O José António Canoa Nogueira nasceu a 11 de janeiro de 1942, às 19 horas, no Casal da Pedreira, freguesia de Lourinhã. Filho legítimo de José Nogueira, de 20 anos, casado e fazendeiro, e de Rosalina da Conceição, 22 anos, casada, doméstica, ambos naturais da freguesia e concelho da Lourinhã e domiciliados no Casal da Pedreira (...).
A declaração do registo de nascimento foi feita pelo pai, às dez horas e cinquenta minutos do dia 9 de fevereiro de 1942 O registo foi assinado pelo pai e duas testemunhas e lavrado pelo conservador João Catanho de Menezes Júnior. (...)
(Observação - na época, o registo de um filho custava 6 escudos de emolumentos mais 3 escudos de selos, uma exorbitância, já que um trabalhador rural não devia ganhar mais de que 20 escudos por dia, valor que corresponderia, a preços de hoje, a qualquer coisa como 12 euros, LG).
2. Registo militar
Recenseamento: foi recenseado no ano de 1962, sob o número 68, e alistado em 9 de julho de 1962. Solteiro, com a profissão de agricultor, tinha como habilitações literárias a 4.ª classe.
Inspeção militar: a 14 de fevereiro de 1963 na DRM 5. Tinha 1.65 de altura, 62 kg de peso e, em resultado da inspeção, foi “apurado para todo o serviço militar”. Atribuíram-lhe o número mecanográfico 63-E-78069.
Colocação durante o serviço: a 31 de julho de 1963 é incorporado como recrutado no RI 5, Figueira da Foz, passando a fazer parte do Regimento e da 2ª Companhia, sendo-lhe atribuído o nº 2530/63; fez o Juramento de Bandeira a 24 de setembro de 1963 e é transferido a 29 de setembro para o RI 7, Leiria, a fim de tirar a especialidade de Apontador (AP) de Morteiro; a 17 de novembro 1963 fica Pronto da Escola de Recrutas com a especialidade de AP Morteiros; a 17 de novembro de 1963 foi transferido para o RI 1, Amadora.
Comissão de serviço na Guiné
Embarque: a 8 de janeiro de 1964 embarca para o CTIG, fazendo parte do Pelotão de Morteiros nº 942, subunidade da CCS/BCAÇ 619, para cumprir uma comissão, por imposição de serviço.
Desembarque: a 15 de janeiro de 1964 desembarca em Bissau, desde quando conta 100% do aumento do tempo de serviço.
Data do falecimento: 23.01.1965.
Causa da morte: ferimento em combate.
Embarque: a 8 de janeiro de 1964 embarca para o CTIG, fazendo parte do Pelotão de Morteiros nº 942, subunidade da CCS/BCAÇ 619, para cumprir uma comissão, por imposição de serviço.
Desembarque: a 15 de janeiro de 1964 desembarca em Bissau, desde quando conta 100% do aumento do tempo de serviço.
Data do falecimento: 23.01.1965.
Causa da morte: ferimento em combate.
Local do acidente: Cufar, Catió, região de Tombali, sul da Guiné.
Abatido ao efetivo: a 23 de janeiro de 1965 foi abatido ao efetivo da Companhia, data em que faleceu em combate (...).
Despacho Superior: em 1 de julho de 1965, por despacho, foi considerado como ocorrido por motivo de serviço o acidente sofrido do qual lhe resultou a morte (...).
Registo disciplinar: condecorações e louvores
Medalha de segunda classe de comportamento (artº 188.º do RDM), atribuída em 31.07.1963
Abatido ao efetivo: a 23 de janeiro de 1965 foi abatido ao efetivo da Companhia, data em que faleceu em combate (...).
Despacho Superior: em 1 de julho de 1965, por despacho, foi considerado como ocorrido por motivo de serviço o acidente sofrido do qual lhe resultou a morte (...).
Registo disciplinar: condecorações e louvores
Medalha de segunda classe de comportamento (artº 188.º do RDM), atribuída em 31.07.1963
3. Processo de averiguações ao acidente: anotações e contexto
Participação superior do acidente: a 1 de fevereiro de 1965 o Comandante da CCAV 703, sediada em Cufar, cap cav Fernando Manuel dos Santos Lacerda, participa superiormente “que no dia 23 de janeiro de 1965, pelas 02.30 horas, foi ferido em combate durante o ataque levado a efeito pelo inimigo ao aquartelamento de Cufar o soldado nº 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort nº 942 do BCAÇ 619, pelo que foi imediatamente transportado ao posto de socorros da Companhia onde ficou em tratamento”.
Instrução do processo de averiguações: na sequência da participação do cmdt de companhia, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) ordena que se instaure “processo por falecimento em combate nos termos da Instrução 15ª das Instruções para execução do Decreto-Lei 28404, de 31 dez 37, respeitante ao soldado nº 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942 da CCS/BCAÇ 619”.
Certidão de óbito e relatório médico: estes dois documentos fazem parte do processo de averiguações e atestam sobre as causas da morte do soldado José António Canoa Nogueira.
(i) no primeiro documento, a Certidão de Óbito assinada a 23 de janeiro de 1965, o alferes miliciano médico, João Luís da Silva Sequeira, declara “que o soldado José António Canoa Nogueira residia em Catió, faleceu às 3 horas do dia 23 de janeiro de 1965, que a duração da doença se prolongou por 15 minutos, causada por traumatismo craniano com perda de massa encefálica, em estado terminal de coma”;
(ii) segundo documento: do Relatório Médico assinado a 1 de fevereiro 1965 pelo mesmo médico, consta que “o soldado José António Canoa Nogueira foi ferido durante o ataque ao estacionamento de Cufar e presente no Posto de Socorro, no qual se verificou as seguintes lesões: 1) derramamento da calote craniana na região parieto-occipital esquerda numa extensão de cinco centímetros; 2) perda de massa encefálica pelo citado ferimento; 3) estado de coma. Em virtude da gravidade das lesões veio a falecer neste Posto de Socorros, após cerca de 15 minutos de ter dado entrada”.
Abate ao efetivo: a 5 de fevereiro 1965 o alferes Manuel Henriques de Oliveira, Chefe da Secretaria do BCAÇ 619, sediado em Catió, divulga a cópia do artº 3.º da OS (Ordem de Serviço) 12, do BCAÇ 619 na qual se “confirma que o soldado n.º 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942/CCS, faleceu em 23 do mês findo, pelas 02h 45, por motivos de ferimento em combate, foi abatido ao efetivo do seu Pelotão e desta Unidade desde a mesma data”.
Ministério do Exército considera o acidente morte em combate: em 20 de abril de 1965 o Ministério do Exército, através do Comando Territorial da Guiné em Bissau ( Informação nº 1865/E do Serviço de Justiça e Disciplina) informa por ofício assinado pelo Chefe de Serviço, capitão Raul Santos, que: “i) em 23 de janeiro, faleceu, vítima de ferimentos recebidos em combate, o soldado nº 2955/63, José António Canoa Nogueira, do Pel Mort 942 do BCAÇ 619; ii) o processo foi organizado sumariamente, nos termos da Determinação nº 15 da OS nº 12, 1ª Série de 1961, pág. 639; iii) em presença dos elementos supra, este Serviço é de parecer que: a) o acidente deve ser considerado em serviço; b) de harmonia com a Determinação VII da O.E. nº 3, 1ª Série, de 1941, e aditamento constante da circular nº 18246, Pº 26, de 20.09.1957 o processo deve subir à DSP para os devidos efeitos. Quartel-General em Bissau, 20 de abril de 1965”.
(Continua)
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
________________Nota do editor LG:
(*) Excertos do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 163/165.
6 comentários:
Além de ter consultados os processos individuais dos nossos camaradas lourinhanenses, mortos na guerra de África, no Arquivo Geral do Exército e no Arquivo da Força Aérea (para o que teve de obter a competente autorização dos familiares ainda vivos),e de ter feito entrevistas a estes, bem como a vizinhos e amigos, o autor consultou também o arquivo da conservatória do registo civil da Lourinhã... E, sem surpresas, constatou "o atraso e as desigualdades sociais e escolares" então existentes nas décadas de 40, 50 de 60...
Eis alguns números (respeitantes aos 20 militares lourinhanenses mortos):
- Escolaridade muito reduzida: 8 não tinham a escolaridade obrigatóroa (3 alfabetos; 2 "sabiam ler/escrever"); 3 tinham apenas 3ª classe); 10 tinham a 4ª classe; 1 tinha o ciclo preparatório (seis anos de escolaridade) e um outro o 7º ano.
- Os pais eram praticamente analfabetos: 17 pais (em 19, já que de um não há esse dado) não assinam o registo de nascimento e 8 testemunhas (eram duas por cada regiosto) também não assinam.
- Quase todas as ocupações / profissões dos militares são ligadas ao sector primário (agricultura e pescas) ou, minoritariamente, à construção civil... (Dois eram estudantes; um que vivia em Moçambique, estava matriculado em medicina).
- Três eram "filhos ilegítimos" (1 de pai incógnito);
- As mães eram todas "domésticas"...Os pais quase todos ligados ao campo (proprietários, fazendeiros, jornaleiros...)
O camarada lourinhense José António Canoa Nogueira, apontador do morteiro de 81, participante da Operação Tridente (Batalha do Como) foi alvo e mortalmente atingido por uma granada de RPG, talvez a uns 20 metros de mim, nessa madrugada, adido à CCav703, a esquadra que o furriel Santos Oliveira foi instalar no nosso estacionamento em Cufar Nalu, a Operação Campo, complementada com as operações Alicate 1, 2 e 3, entre janeiro e março de 1965 - 65 dias de vida à toupeira!....
O IN comandado por Manuel Saturnino atacou-nos em meia lua, cortou as primeiras fiadas de arame farpado, o José António ousava fazer fogo de olho e ouvido, orientado pelas chamas do seu armamento, o IN orientou-se pela chama do seu morteiro, foi certeiro, e ele tombou com uma granada
Obrigado, Manuel Luís, pelo teu precioso testemunho.
Como se vê, os nossos "arquivos" particulares ( a nossa memória...); são muito mais ricos do que os oficiais ou oficiosos, os "arquivos mortos" de que alimentam os historiógrafos...
Obrigado Luís, pelo (s) teus estímulo(s), mas vou completar o comentário (cada vez lido pior com esta geringonça) ...de RPG, eu ajudei a retirá-lo para o Posto de Socorros, uma tenda nas ruínas da antiga fábrica de descasque de arroz. O alferes médico João Sequeira já não pode fazer nada por ele, à luz dum Petromax. A vítima foi um moço corajoso.
Mas o IN também também teve a sua paga, na retirada. A C. de Milícias comandada pelo João Bacar Jaló e por Zacarias Sayeg (furo capitão do MFA, assassinado após a independência) e o Grupo de Comandos Os Fantasmas, de Maurício Saraiva, futuro comandante do capitão Salgueiro Maia, em Moçambique, no qual se distinguia o então primeiro cabo Marcelino da Mata e o nosso amigo furriel João Parreira, montaram-lhe uma emboscada de muito sucesso.... sanguinário.
Dos intervenientes, o capitão Fernando Lacerda, o dr. João Luís Sequeira, o furriel Santos Oliveira e João Parreira, e outros indiretos, como os alferes João Sacoto e Carvalhinho estão vivos - e recomendam-se!
Aquele abraço!
Vou comunicar ao autor deo livro, o Jaime Silva, "Não esquecemos..." (2025), todos estes detalhes das circunstâncias da morte do meu primo... Obrigado. Luis
PS - Viou fazer um poste com os teus comentários...(Concordo que não está fácil vir a comentar; em caso de dificuldade, manda-me por email.)
Enviar um comentário