1. Dá-me uma enorme nostalgia quando revejo as velhas fotos de meu pai, expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial (1941/43). É que elas também fazem parte do meu imaginário de criança. O fascínio que tenho pelo mar e pelas ilhas vem também muito provavelmente deste contacto precoce com Cabo Verde, que só conheço por imagens: minto, estive uma hora ou duas no avião da TAP Lisboa-Bissau, quando regressei de férias, em paragem técnica, no aeroporto do Sal... Julgo que nem sequer descemos do avião. A única imagem com que fiquei da ilha foi... a de um cabra a roer sacos de plástico junto do arame farpado!
A minha geração, a da guerra colonial (1961-1974), a que viveu e lutou duramente em Angola, Moçambique e Guiné, tem tendência a ignorar ou a esquecer a geração anterior, a de seus pais, que, em nome da Pátria, também foi mobilizada para os mais diversos sítios dos nossos territórios ultramarinos. Os sacrifícios que eles fizeram foram enormes: não poucos morreram, por motivo de doença; e outros terão ficado com a saúde arruinada.
É certo que os soldados da geração dos nossos pais não estiveram directamente em guerra (excepto em Timor, ocupada pelos japoneses), mas os expedicionários (como então se chamavam) sofreram o pesadelo da II Guerra Mundial. Sei muito pouco da história político-militar dessa época, mas em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados.
Reproduzo aqui um testemunho, publicado pelo DN, ainda recentemente, no âmbito da celebração do 60º aniversário do fim da II Guerra Mundial, da capitulação da Alemanha nazi, a 8 de Maio de 1945. Um dia em que tudo pareceu possível... , até no Portugal de Salazar.
Aproveito para inserir aqui mais algumas fotos, recuperadas e digitalizadas, do velho álbum do meu pai, devidamente anotadas e datadas, com a sua bonita letra, e às vezes a tinta verde (era ele quem escrevia as cartas para as namoradas dos camaradas que eram analfabetos).
2. "Viver em Cabo Verde à espera da invasão". Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005.
"Eles eram missionários, homens com uma missão de paz e não de guerra. O seu objectivo era defender Cabo Verde de uma possível invasão alemã durante a II Guerra Mundial." A história de um desses soldados, António Gavina, do corpo expedicionário do Regimento de Infantaria 11, de Setúbal, é contada pela sua filha, Vanda Gavina.
"O meu pai devia ter vinte e poucos anos quando foi para a ilha do Sal. Acabou por ficar lá durante quase quatro anos", recorda. Os pormenores da passagem do pai pelo arquipélago de Cabo Verde já começam a ser esquecidos, mas uma coisa ficará para sempre na sua memória "Eles não passavam fome, mas viviam em muitas dificuldades, com muitas restrições."
Os anos da II Guerra Mundial foram anos de seca nas ilhas do Atlântico. A comida não abundava e os soldados alimentavam-se com aquilo que podiam. As recordações desse tempo deixaram marcas em António Gavina. "O meu pai nunca mais comeu percebes na vida. Tudo porque em Cabo Verde viu um dos habitantes locais morrer quando os tentava apanhar", referiu Vanda Gavina.
Outro dos problemas que o regimento teve de enfrentar foram as doenças. "Lembro-me de o meu pai contar que houve muitos colegas que morreram devido a alguns surtos de doenças que afectaram os homens da companhia."
Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América do Sul. Com o início do conflito, o projecto italiano, com casas prefabricadas, foi abandonado. Enquanto aguardavam a invasão alemã, que não chegou, os soldados portugueses ajudavam à criação de melhores condições de vida. "Eles ajudaram a construir habitações, não só para eles mas também para os cabo-verdianos", lembra Vanda Gavina.
3. Fotos do Álbum de Luís Henriques. Vd. post Guiné 69/71 - CIV: Os mortos e os esquecidos do Império: Cabo Verde (1941/43)
Legenda no verso da foto:
" No dia 11 de Abril chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942. Luís Henriques".
© Luís Graça (2005)
Legenda no verso da foto:
"Posição das peças anti-áereas no Monte Socego, São Vicente, Cabo Verde. Fotografia oferecida pelo meu amigo Boaventura em 21/3/43. Luís Henriques".
© Luís Graça (2005).
Legenda no verso da foto:
"O Palácio do Governador de Cabo Verde, situado em Mindelo, [Ilha de] São Vicente. Luís Henriques. 1 de Maio de 1942". A bonito cidade do Mindelo é hoje a 2ª segunda cidade de Cabo Verde. E São Vicente é a terra da já mítica Cesária Évora. © Luís Graça (2005).
Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível):
"Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943".
A festa de São João Baptista Baptista continua a ser uma das festividades maiores das Ilhas e da comunidade cabo-verdiana da diáspora.
© Luís Graça (2005).
Outros links sobre Cabo Verde:
Cabo Verde > São Vicente > Mapa topográfico e planta da cidade do Mindelo
Cabo Verde > São Vicente > Mapa
Cabo Verde On Line
Cabo Verde 24 - O portal informativo de Cabo Verde
Cabo Verde - Página Oficial do Governo
Lura - Música Cabo-verdiana
Mindelo Infos Accueil Cap Vert - Cabo Verde - Cape Verde
Vidas Lusófonas > Amílcar Cabral (1924-1973) (uma excelente biografia do fundador e líder do PAIGC, por Carlos Pinto Santos).
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 26 de julho de 2005
domingo, 24 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P125: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005) (Luís Graça)
Pormenor do monumento aos lourinhanenses mortos na Guerra do Utramar. Lourinhã, Largo António Granjo. © Luís Graça (2005).
1. José António Canoa Nogueira, o primeiro morto da Lourinhã, na Guiné. Em 1965. Tinha eu os meus dezoito anos e, por isso, já tinha dado o nome para ir às sortes. A pacata vila do oeste estremenho foi sacudida pela notícia da morte do Nogueira. Já não me lembro onde nem em que circunstâncias. Sei que foi algures na Guiné. As Forças Armadas não davam explicações dessas. Um telegrama, seco e brutal, chegava normalmente a casa do pai e/ou mãe, uns dias depois, anunciando a funesta notícia: “As Forças Armadas cumprem o doloroso dever de o(a) informar que o seu filho morreu no campo da honra, servindo a Pátria”. Imagino que o teor do telegrama fosse esse...
Sei que o soldado Nogueira moreu em 30 de Janeiro de 1965. Soube-o através do memorial que consta da página do Jorge Santos (Obrigado, amigo!). O funeral do Nogueira, largas semanas ou até meses depois (já não posso precisar), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos: "Se calhar o caixão vem é cheio de pedras". Da estupefacção e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Nasci e vivi os meus primeiros anos, a 100 metros de um cemitério. Era incapaz de lá passar à noite quando puto. A paz do cemitério num país em guerra... a milhares de quilómetros das portas de cada um de nós.
O Nogueira era meu primo, embora em 3º grau. Não tínhamos grande convívio, mas os nossos pais (o pai dele e a minha mãe) eram primos direitos. As nossas avós maternas eram irmãs. Todavia, a sua morte tocou-me. A morte aproxima sempre os grupos, as famílias. Fiz-lhe uma singela (e creio que sentida) homenagem no jornal da terra, com direito a caixa alta. Um dia destes vou vasculhar os arquivos do quinzenário regionalista Alvorada para rever a sua foto e o meu texto. E eventualmente republicá-los aqui, no blogue, se o director do jornal, o Padre Joaquim Batalha, mo autorizar.
Na altura eu ainda era o chefe de redacção e o repórter principal daquela publicação. Já não me lembro do que escrevi nessas circunstâncias difíceis. Tenho uma vaga ideia de ter desejado, em letra de forma, que a morte do primeiro lourinhanense na guerra da Guiné não tivesse sido em vão. Não sei se foi depois disso que o director, o Padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar por que é que o jornal já não ia à censura prévia há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mais arrogante e intimadatória que eu jamais vi em toda a minha vida… Se o fascismo existiu na minha terra, na nossa terra, então essa assinatura do censor-mor (ou de algum dos seus esbirros) era fascismo, puro e duro.
2. Por contraste, o funeral do Nogueira trouxe-me à memória a festa da chegada de um meu vizinho que veio da Índia Portuguesa, são e salvo. Ainda antes da invasão de Goa, Damão e Diu. Terá sido por volta de 1956, andava já eu na escola. O Jorge da Ti Albertina teve honras de herói, na nossa rua, a Rua do Castelo, a rua do cemitério. Era a última ou penúltima casa antes do cemitério. Ainda ecoam, na minha cabeça, as manifestações de alegria (o riso, o choro sufocado, os gritos, os abraços, os beijos) com que a Ti Alberina, a família e os vizinhos da rua receberam o nosso soldado e herói da Índia, um dos nossos últimos soldados e heróis da Índia. Eu era puto de bibe, andava na escola e jogava ao pião: para mim, todos os soldados eram heróis.
Escultura em bronze do combatente da Guerra do Ultramar. O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto © Luís Graça (2005).
3. Em 26 de Junho passado, a Lourinhã, através da autarquia local, prestou a devida homenagem aos seus mortos no Ultramar: vinte ao todo, nove em Angola, seis na Guiné, cinco em Moçambique. Nesse dia foi inaugurado um "monumento aos lourinhanenses mortos na guerra do Ultramar”, obra do arquitecto Augusto Silva e da escultora Andreia Couto.
Fizeram parte da comissão organizadora, entre outros ex-combatentes, os meus amigos e conterrâneos João Delgado, Jaime Bonifácio e José Picão de Oliveira: este último, foi furriel miliciano na zona leste da Guiné, mesmo na ponta nordeste, em Canquelifá, tendo regressado já em Setembro de 1974, enquanto o Jaime foi alferes milicano paraquedista em Angola, sensivelmente na mesma época em que eu fui mobilizado para a Guiné (1969/71).
Vinte mortos (seis dos quais na Guiné, entre 1965 e 1973) foi o contributo da minha terra, o imposto de sangue que os lourinhanenses pagaram na defesa dum império e de um regime em agonia. Registo aqui, porque muito apropriadas, as palavras do presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, José Manuel Custódio, na homenagem aos nossos mortos: "Pior do que uma guerra é fazer de conta que ela nunca existiu, e a guerra de África existiu".
Não estive na cerimónia nem tive conhecimento conhecimento antecipado dela. Sou um lourinhanense da diáspora. Mas leio no jornal da terra, o mesmo de há quarenta anos, o Alvorada, a notícia a dizer que "numa cerimónia simples, a altura da chamada dos mortos em combate foi a mais sentida por todos os presentes" e que as honras militares foram feitas por um pelotão da Escola Prática de Infantaria (EPI) de Mafra, e a sua fanfarra. A mesma unidade que quarenta anos antes tinha prestado as honras fúnebres ao meu primo Nogueira, se a memória não me atraiçoa.
Registo ainda a presença do (i) Tenente General Jorge Silvério, um homem do MFA, natural de Ribamar onde tenho inúmeros parentes, do lado da minha visavó paterna (a família Maçarico); do (ii) Patuleia, o meu amigo Patuleia, natural do concelho vizinho do Bombarral, o Manuel Patuleia Mendes, presidente da Associação Portuguesa dos Deficientes das Forças Armadas, ele próprio talvez o mais dramático exemplo do horror, estampado no rosto, do que foi esta guerra para os jovens da nossa geração; e, por fim, do (iii) António Basto, Presidente da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra.
1. José António Canoa Nogueira, o primeiro morto da Lourinhã, na Guiné. Em 1965. Tinha eu os meus dezoito anos e, por isso, já tinha dado o nome para ir às sortes. A pacata vila do oeste estremenho foi sacudida pela notícia da morte do Nogueira. Já não me lembro onde nem em que circunstâncias. Sei que foi algures na Guiné. As Forças Armadas não davam explicações dessas. Um telegrama, seco e brutal, chegava normalmente a casa do pai e/ou mãe, uns dias depois, anunciando a funesta notícia: “As Forças Armadas cumprem o doloroso dever de o(a) informar que o seu filho morreu no campo da honra, servindo a Pátria”. Imagino que o teor do telegrama fosse esse...
Sei que o soldado Nogueira moreu em 30 de Janeiro de 1965. Soube-o através do memorial que consta da página do Jorge Santos (Obrigado, amigo!). O funeral do Nogueira, largas semanas ou até meses depois (já não posso precisar), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos: "Se calhar o caixão vem é cheio de pedras". Da estupefacção e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Nasci e vivi os meus primeiros anos, a 100 metros de um cemitério. Era incapaz de lá passar à noite quando puto. A paz do cemitério num país em guerra... a milhares de quilómetros das portas de cada um de nós.
O Nogueira era meu primo, embora em 3º grau. Não tínhamos grande convívio, mas os nossos pais (o pai dele e a minha mãe) eram primos direitos. As nossas avós maternas eram irmãs. Todavia, a sua morte tocou-me. A morte aproxima sempre os grupos, as famílias. Fiz-lhe uma singela (e creio que sentida) homenagem no jornal da terra, com direito a caixa alta. Um dia destes vou vasculhar os arquivos do quinzenário regionalista Alvorada para rever a sua foto e o meu texto. E eventualmente republicá-los aqui, no blogue, se o director do jornal, o Padre Joaquim Batalha, mo autorizar.
Na altura eu ainda era o chefe de redacção e o repórter principal daquela publicação. Já não me lembro do que escrevi nessas circunstâncias difíceis. Tenho uma vaga ideia de ter desejado, em letra de forma, que a morte do primeiro lourinhanense na guerra da Guiné não tivesse sido em vão. Não sei se foi depois disso que o director, o Padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar por que é que o jornal já não ia à censura prévia há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mais arrogante e intimadatória que eu jamais vi em toda a minha vida… Se o fascismo existiu na minha terra, na nossa terra, então essa assinatura do censor-mor (ou de algum dos seus esbirros) era fascismo, puro e duro.
2. Por contraste, o funeral do Nogueira trouxe-me à memória a festa da chegada de um meu vizinho que veio da Índia Portuguesa, são e salvo. Ainda antes da invasão de Goa, Damão e Diu. Terá sido por volta de 1956, andava já eu na escola. O Jorge da Ti Albertina teve honras de herói, na nossa rua, a Rua do Castelo, a rua do cemitério. Era a última ou penúltima casa antes do cemitério. Ainda ecoam, na minha cabeça, as manifestações de alegria (o riso, o choro sufocado, os gritos, os abraços, os beijos) com que a Ti Alberina, a família e os vizinhos da rua receberam o nosso soldado e herói da Índia, um dos nossos últimos soldados e heróis da Índia. Eu era puto de bibe, andava na escola e jogava ao pião: para mim, todos os soldados eram heróis.
Escultura em bronze do combatente da Guerra do Ultramar. O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto © Luís Graça (2005).
3. Em 26 de Junho passado, a Lourinhã, através da autarquia local, prestou a devida homenagem aos seus mortos no Ultramar: vinte ao todo, nove em Angola, seis na Guiné, cinco em Moçambique. Nesse dia foi inaugurado um "monumento aos lourinhanenses mortos na guerra do Ultramar”, obra do arquitecto Augusto Silva e da escultora Andreia Couto.
Fizeram parte da comissão organizadora, entre outros ex-combatentes, os meus amigos e conterrâneos João Delgado, Jaime Bonifácio e José Picão de Oliveira: este último, foi furriel miliciano na zona leste da Guiné, mesmo na ponta nordeste, em Canquelifá, tendo regressado já em Setembro de 1974, enquanto o Jaime foi alferes milicano paraquedista em Angola, sensivelmente na mesma época em que eu fui mobilizado para a Guiné (1969/71).
Vinte mortos (seis dos quais na Guiné, entre 1965 e 1973) foi o contributo da minha terra, o imposto de sangue que os lourinhanenses pagaram na defesa dum império e de um regime em agonia. Registo aqui, porque muito apropriadas, as palavras do presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, José Manuel Custódio, na homenagem aos nossos mortos: "Pior do que uma guerra é fazer de conta que ela nunca existiu, e a guerra de África existiu".
Não estive na cerimónia nem tive conhecimento conhecimento antecipado dela. Sou um lourinhanense da diáspora. Mas leio no jornal da terra, o mesmo de há quarenta anos, o Alvorada, a notícia a dizer que "numa cerimónia simples, a altura da chamada dos mortos em combate foi a mais sentida por todos os presentes" e que as honras militares foram feitas por um pelotão da Escola Prática de Infantaria (EPI) de Mafra, e a sua fanfarra. A mesma unidade que quarenta anos antes tinha prestado as honras fúnebres ao meu primo Nogueira, se a memória não me atraiçoa.
Registo ainda a presença do (i) Tenente General Jorge Silvério, um homem do MFA, natural de Ribamar onde tenho inúmeros parentes, do lado da minha visavó paterna (a família Maçarico); do (ii) Patuleia, o meu amigo Patuleia, natural do concelho vizinho do Bombarral, o Manuel Patuleia Mendes, presidente da Associação Portuguesa dos Deficientes das Forças Armadas, ele próprio talvez o mais dramático exemplo do horror, estampado no rosto, do que foi esta guerra para os jovens da nossa geração; e, por fim, do (iii) António Basto, Presidente da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra.
Guiné 63/74 - P124: Bibliografia da guerra no feminino (3): Madrinhas de guerra (Jorge Santos)
Pela mão do Jorge Santos, sempre atento, chegou-nos este belíssimo texto. É da autoria de Constança Lucas (2001), artista plástica e poeta. Vem na sua página pessoal (Pintura, Desenho, Aquarela, Pintura em Azulejos, Poesia, Prosa Poética, Fotografia, Poesia Visual, Desenhos no computador, Selos Postais, Desenhos para livros... Nascida em Coimbra em 1960, a autora vive e trabalha actualmente em S. Paulo, Brasil).
© Constança Lucas (1997-2005)
Madrinha de Guerra
Madrinha de Guerra, como se algo assim fosse possível de imaginar. Mas sim existiam e serviam para escrever aerogramas aos soldados da guerra colonial, algumas o faziam com entusiasmo, por também precisarem de ombro. A guerra - algo que nem sabiam bem porque existia.
Muitas perdidas na angústia da distância que as envolvia numa tristeza diária, na esperança de um retorno muitas vezes não acontecido, tentavam construir os seus afectos, divididas nem mesmo sabiam o que tinham com África. Esse continente distante que lhes engolia quem mais pensavam querer.
Tudo fingia mais calma, ninguém falava nos mortos e estropiados abertamente, tabu necessário à sobrevivência do regime.
As mulheres construíam os seus sonhos com pessoas que mal conheciam, na ânsia de amarem e serem amadas. Amavam perdidamente as poucas linhas que lhes chegavam, alimento das feridas tão fundas num mundo tão desigual.
Mesmo quando viam os imensos cortejos de gentes chorosas que seguiam num funeral, caixões de chumbo, corpos lacrados de jovens ou de pedras. E um povo assim sofrido é manipulado nas mais absurdas ideologias de dominação, as mortes tinham de fazer sentido, os inválidos tinham de ser vingados, os loucos tinham de ser esquecidos, os desertores eram clandestinos e chamados de fugidos a salto. Salto porque saltavam a fronteira da Espanha a pé sem serem vistos ou tentavam que assim fosse. Idos para terras que nem a língua conheciam e trabalho o mais miserável eras-lhes reservado como favor, afinal povo inferior.
Este povo olha para o mar há trezentos mil dias na crença que lá do outro lado poderão ser algo sem perseguições. Essa linha de horizonte que cria ilusões tão maravilhosas como funestas, ela que nos traz e mata as alegrias.
A água salgada cria laços de diálogo entre as diferenças, onde as lágrimas das mulheres são tão intensas, cansadas de ficarem sozinhas acreditavam que poderiam, sendo madrinhas, ter um coração aberto e correspondido. Perdidas nessas fantasias, a guerra impunha-se na chegada ou nos enterros de homens desconhecidos e atormentados, para quem elas haviam escrito, durante anos, todos os seus mais íntimos e inventados segredos.
Constança Lucas / 2001
© Constança Lucas (1997-2005)
Madrinha de Guerra
Madrinha de Guerra, como se algo assim fosse possível de imaginar. Mas sim existiam e serviam para escrever aerogramas aos soldados da guerra colonial, algumas o faziam com entusiasmo, por também precisarem de ombro. A guerra - algo que nem sabiam bem porque existia.
Muitas perdidas na angústia da distância que as envolvia numa tristeza diária, na esperança de um retorno muitas vezes não acontecido, tentavam construir os seus afectos, divididas nem mesmo sabiam o que tinham com África. Esse continente distante que lhes engolia quem mais pensavam querer.
Tudo fingia mais calma, ninguém falava nos mortos e estropiados abertamente, tabu necessário à sobrevivência do regime.
As mulheres construíam os seus sonhos com pessoas que mal conheciam, na ânsia de amarem e serem amadas. Amavam perdidamente as poucas linhas que lhes chegavam, alimento das feridas tão fundas num mundo tão desigual.
Mesmo quando viam os imensos cortejos de gentes chorosas que seguiam num funeral, caixões de chumbo, corpos lacrados de jovens ou de pedras. E um povo assim sofrido é manipulado nas mais absurdas ideologias de dominação, as mortes tinham de fazer sentido, os inválidos tinham de ser vingados, os loucos tinham de ser esquecidos, os desertores eram clandestinos e chamados de fugidos a salto. Salto porque saltavam a fronteira da Espanha a pé sem serem vistos ou tentavam que assim fosse. Idos para terras que nem a língua conheciam e trabalho o mais miserável eras-lhes reservado como favor, afinal povo inferior.
Este povo olha para o mar há trezentos mil dias na crença que lá do outro lado poderão ser algo sem perseguições. Essa linha de horizonte que cria ilusões tão maravilhosas como funestas, ela que nos traz e mata as alegrias.
A água salgada cria laços de diálogo entre as diferenças, onde as lágrimas das mulheres são tão intensas, cansadas de ficarem sozinhas acreditavam que poderiam, sendo madrinhas, ter um coração aberto e correspondido. Perdidas nessas fantasias, a guerra impunha-se na chegada ou nos enterros de homens desconhecidos e atormentados, para quem elas haviam escrito, durante anos, todos os seus mais íntimos e inventados segredos.
Constança Lucas / 2001
Guiné 63/74 - P123: Op Mar Verde (invasão de Conacri) (5) (Afonso Sousa)
1. Mensagem do Afonso Sousa (22 de Julho de 2005), em resposta ao texto de A.Marques Lopes sobre o livro de Alpoím Galvão:
Binta, aonde estive !... Binta não era bem um quartel de mato, entalado no cerco alto do arame farpado, com velhos barracões de mancarra, outrora sinónimo de comércio, hoje com utilidades várias e sempre profundamente vazios. Vinham batelões rio [Cacheu] acima, sem perigos de morteiro, carregar colheitas de amendoim, que dariam óleo nos alambiques de Bissau. Não fossem as árvores e Binta seria agora um deserto.
Porquê, então, Binta ? Ponto estratégico (?), encostado ao Rio Cacheu, com Ganturé (nos tempos da guerra, a Base Fluvial de Alpoim Calvão) logo alí, um pouco mais a jusante (Bigene), ou local privilegiado para escoamento do produto.
O negrito talvez seja forte e quererá, também, significar que urge revisitar estes sítios !
Afinal fica claro. A Operação Mar Verde visava o derrube de Sekou Touré. O António Marques Lopes não refere se no livro o autor faz a justificação desse golpe de estado. Nós, no entanto, conhecemos alguns dos intentos, mas seria giro conhecê-los com maior profundidade através do seu maior protagonista (...).
2. Texto do A. Marques Lopes (23 de Julho de 2005):
Em especial para o amigo Afonso Sousa.
É muito claro no livro de Alpoim Calvão que o objectivo era derrubar o governo de Sékou Touré colocar no seu lugar a FLNG (Front de Libération National Guinéen), opositora do PDG, partido no poder, a qual impediria a existência de bases de apoio do PAIGC na Guiné-Conacri, o objectivo táctico. Com efeito, diz Calvão, a páginas 67-68:
"Desde 1964 que os oposicionistas guineenses, procuravam contactar, como é lógico, com as nossas autoridades. Foram-se trocando ideias, pesando possibilidades, mas não apareciam resultados práticos palpáveis. A política seguida pelo Governo Português dera origem a uma cautelosa estratégia militar, que considerava as fronteiras (?) tabu, permitindo assim que as unidades do PAIGC tivessem sempre possibilidades de refúgio, de recompletamento e de treino. Contudo, com a vinda do então Brigadeiro António de Spínola, as coisas tomaram outro rumo. Os oposicionistas guineenses começaram a sentir que havia viabilidades para realizações práticas que os poderiam ajudar a alcançar o objectivo das suas aspirações pertinazes — a queda do regime de Sekou Touré.
"As diversas ramificações do FNLG tinham vindo a contactar as autoridades portuguesas por canais diferentes — Ministério do Ultramar em Lisboa e Sub-Delegação da D.G.S. em Bissau. Esta, com o núcleo que se ia agrupando à sua volta, iniciou a recolha dum certo número de informações que, recortadas com as que vinham de Lisboa, fizeram perceber a amplitude da dissidência guineense.
"Foi primeira intenção do Governador e Comandante Chefe, instalar um ramo militar do FNLG algures em território da província, donde irradiariam acções de guerrilha contra o vizinho do Sul. Esta hipótese foi encarada em Outubro de 1969 começando-se os preparativos para a enformar. Necessariamente, assunto tão complexo levaria muito tempo a resolver em toda a extensão e assim de facto sucedeu.
"Mas com o decorrer do tempo, a viabilidade do plano parecia maior e verificava-se, com satisfação, que o projectado ataque aos navios do PAIGC em Conakry poderia ser perfeitamente enquadrado nas futuras operações de guerrilha do Front."
Mas diz ele [o Alpoím Galvão], logo à frente, que esta hipótese de uma guerrilha contra a República da Guiné a partir de território português levantaria problemas de política internacional junto da ONU e da OUA, pelo que, diz ele, "propôs que se executasse um golpe de Estado em Conakry o que obteve a imediata adesão do General Comandante Chefe".
Com esse objectivo, diz ele também, "após vários encontros de coordenação entre a parte portuguesa (Cap.ten.Calvão e Inspector Adjunto Matos Rodrigues [, da PIDE/DGS]) e os representantes do FNLG, realizados em Bissau, Paris e Genève, fizeram-se uma série de acções para a recolha do pessoal [do FNLG]" (p. 69).
Refere também que houve algumas reticências entre os operacionais desta acção. O major Leal de Almeida, supervisor da Companhia de Comandos Africanos, recusava-se a tomar parte nela, por achar ser contra a ética militar realizar uma operação contra o governo dum país com o qual não estávamos em guerra. Foi preso e mandado de helicóptero para Bissau, onde o General Spínola o mandou regressar novamente a Soga e reintegrar-se nas forças de assalto.
Mas esta atitude, reconhece ele [o Alpoím Galvão], teve efeito deletério no moral de alguns elementos da Companhia de Comandos Africanos. É assim que o capitão João Bacar Jaló, com grande ascendente sobre a CCA, revelou dúvidas e condicionalismos. Mas lá acedeu a participar. Esta situação terá, acho eu, tido alguma influência no resultado final da acção.
Claro que não restam dúvidas sobre os objectivos da Op Mar Verde. O Afonso Sousa tem razão.
Marques Lopes
Binta, aonde estive !... Binta não era bem um quartel de mato, entalado no cerco alto do arame farpado, com velhos barracões de mancarra, outrora sinónimo de comércio, hoje com utilidades várias e sempre profundamente vazios. Vinham batelões rio [Cacheu] acima, sem perigos de morteiro, carregar colheitas de amendoim, que dariam óleo nos alambiques de Bissau. Não fossem as árvores e Binta seria agora um deserto.
Porquê, então, Binta ? Ponto estratégico (?), encostado ao Rio Cacheu, com Ganturé (nos tempos da guerra, a Base Fluvial de Alpoim Calvão) logo alí, um pouco mais a jusante (Bigene), ou local privilegiado para escoamento do produto.
O negrito talvez seja forte e quererá, também, significar que urge revisitar estes sítios !
Afinal fica claro. A Operação Mar Verde visava o derrube de Sekou Touré. O António Marques Lopes não refere se no livro o autor faz a justificação desse golpe de estado. Nós, no entanto, conhecemos alguns dos intentos, mas seria giro conhecê-los com maior profundidade através do seu maior protagonista (...).
2. Texto do A. Marques Lopes (23 de Julho de 2005):
Em especial para o amigo Afonso Sousa.
É muito claro no livro de Alpoim Calvão que o objectivo era derrubar o governo de Sékou Touré colocar no seu lugar a FLNG (Front de Libération National Guinéen), opositora do PDG, partido no poder, a qual impediria a existência de bases de apoio do PAIGC na Guiné-Conacri, o objectivo táctico. Com efeito, diz Calvão, a páginas 67-68:
"Desde 1964 que os oposicionistas guineenses, procuravam contactar, como é lógico, com as nossas autoridades. Foram-se trocando ideias, pesando possibilidades, mas não apareciam resultados práticos palpáveis. A política seguida pelo Governo Português dera origem a uma cautelosa estratégia militar, que considerava as fronteiras (?) tabu, permitindo assim que as unidades do PAIGC tivessem sempre possibilidades de refúgio, de recompletamento e de treino. Contudo, com a vinda do então Brigadeiro António de Spínola, as coisas tomaram outro rumo. Os oposicionistas guineenses começaram a sentir que havia viabilidades para realizações práticas que os poderiam ajudar a alcançar o objectivo das suas aspirações pertinazes — a queda do regime de Sekou Touré.
"As diversas ramificações do FNLG tinham vindo a contactar as autoridades portuguesas por canais diferentes — Ministério do Ultramar em Lisboa e Sub-Delegação da D.G.S. em Bissau. Esta, com o núcleo que se ia agrupando à sua volta, iniciou a recolha dum certo número de informações que, recortadas com as que vinham de Lisboa, fizeram perceber a amplitude da dissidência guineense.
"Foi primeira intenção do Governador e Comandante Chefe, instalar um ramo militar do FNLG algures em território da província, donde irradiariam acções de guerrilha contra o vizinho do Sul. Esta hipótese foi encarada em Outubro de 1969 começando-se os preparativos para a enformar. Necessariamente, assunto tão complexo levaria muito tempo a resolver em toda a extensão e assim de facto sucedeu.
"Mas com o decorrer do tempo, a viabilidade do plano parecia maior e verificava-se, com satisfação, que o projectado ataque aos navios do PAIGC em Conakry poderia ser perfeitamente enquadrado nas futuras operações de guerrilha do Front."
Mas diz ele [o Alpoím Galvão], logo à frente, que esta hipótese de uma guerrilha contra a República da Guiné a partir de território português levantaria problemas de política internacional junto da ONU e da OUA, pelo que, diz ele, "propôs que se executasse um golpe de Estado em Conakry o que obteve a imediata adesão do General Comandante Chefe".
Com esse objectivo, diz ele também, "após vários encontros de coordenação entre a parte portuguesa (Cap.ten.Calvão e Inspector Adjunto Matos Rodrigues [, da PIDE/DGS]) e os representantes do FNLG, realizados em Bissau, Paris e Genève, fizeram-se uma série de acções para a recolha do pessoal [do FNLG]" (p. 69).
Refere também que houve algumas reticências entre os operacionais desta acção. O major Leal de Almeida, supervisor da Companhia de Comandos Africanos, recusava-se a tomar parte nela, por achar ser contra a ética militar realizar uma operação contra o governo dum país com o qual não estávamos em guerra. Foi preso e mandado de helicóptero para Bissau, onde o General Spínola o mandou regressar novamente a Soga e reintegrar-se nas forças de assalto.
Mas esta atitude, reconhece ele [o Alpoím Galvão], teve efeito deletério no moral de alguns elementos da Companhia de Comandos Africanos. É assim que o capitão João Bacar Jaló, com grande ascendente sobre a CCA, revelou dúvidas e condicionalismos. Mas lá acedeu a participar. Esta situação terá, acho eu, tido alguma influência no resultado final da acção.
Claro que não restam dúvidas sobre os objectivos da Op Mar Verde. O Afonso Sousa tem razão.
Marques Lopes
Guiné 63/74 - P122: Bibliografia da guerra no feminino (2) (Jorge Santos)
Sugestão de leitura e selecção de Jorge Santos.
TÍTULO: As Mulheres e a Guerra Colonial
PUBLICAÇÃO: Revista Crítica de Ciências Sociais, 68
EDITORA: Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra)
DATA: Abril 2004
AUTORES E RESUMOS DOS ARTIGOS:
Margarida Calafate Ribeiro
África no feminino: As mulheres portuguesas e a Guerra Colonial
Procura-se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa-se interpretar o "papel de apoio" que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.
Maria Manuela Cruzeiro
As mulheres e a Guerra Colonial: Um silêncio demasiado ruidoso
O texto pretende denunciar as várias camadas de silêncio com que a sociedade portuguesa fugiu ao encontro inevitável com a maior tragédia da sua contemporaneidade: a Guerra Colonial. A estratégia de ocultação, que oscila frequentemente entre o recalcamento e a denegação, atinge, quer os seus directos intervenientes (os militares mobilizados), quer as instituições do poder "político" e outro, quer sobretudo as suas vítimas mais ignoradas: as mulheres. Afastadas naturalmente da máquina de guerra, mas profundamente implicadas nos seus efeitos devastadores, o seu silêncio torna duplamente absurdo e incompreensível esse momento traumático da nossa história recente.
Helena Neves
Amor em tempo de guerra: Guerra Colonial, a (in)comunicabilidade (im)possível
O período da Guerra Colonial (1961-1974) produziu em Portugal profundas alterações de ordem demográfica, económica, social e cultural. Mas se o que é mensurável se encontra, hoje em dia, mais ou menos visível, há uma vertente que praticamente permanece por estudar: as vivências da intersubjectividade, dos afectos e das relações amorosas em tempo de guerra. O que se apresenta é um levantamento empírico desta problemática que urge analisar.
Maria Manuel Lisboa
"Até ao fim do mundo": Amor, rancor e guerra em Hélia Correia
A peça de teatro de Hélia Correia, O rancor: Exercício sobre Helena, oferece a base para uma análise textual do entendimento clássico e moderno do papel da mulher no contexto da guerra. As mulheres, na versão contemporânea de Hélia Correia, reproduzem e acentuam alguns dos indícios já disseminados pela tragédia e epopeia gregas, nomeadamente a problemática da sexualidade feminina e da paixão, enquanto forças contrapostas ao instinto belicoso masculino, por aquelas eventualmente derruido.
A leitura aqui apresentada focaliza aspectos variados da justaposição dos sexos no contexto da guerra: nomeadamente, a dinâmica entre mãe e filha enquanto agentes de um feminino solidário em confrontação com o imperativo belicoso masculino; a relação mãe-filho conforme inscrita no dilema edipiano filial de opção entre o pai guerreiro e a mãe atavicamente amada; a questão da maternidade/paternidade e do sacrifício voluntário ou recusado de filhos e filhas aos interesses da guerra; e o problema da representação passional do inimigo enquanto objecto de desejo e figuração do ideal do bem-amado.
Roberto Vecchi
Incoincidências de autoras: Fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial
Se a guerra é por excelência o território do androcêntrico, a experiência traumática da guerra e a sua representação pelo olhar feminino enxertar-se-ão numa margem periférica, numa orla de deslocação da própria experiência traumática. Deste ponto de vista, o feminino torna-se por excelência um “olhar testemunhal”, sendo a possibilidade sobrevivente, residual, da impossibilidade do testemunho integral diante do evento traumático. Uma deslocação esta que evidencia a não coincidência entre experiência e imagem, própria do testemunho, em que lógos e memória femininos se tornam portadores contundentes de um outro lógos, duma contra-memória.
Os romances de Wanda Ramos e Lídia Jorge são recolocados também na problemática trágica da aporia testemunhal, mostrando como uma reflexão crítica sobre o trágico moderno pode proporcionar uma perspectiva mais compreensiva de uma literatura problemática – pelo seu corpo a corpo com a história – como a da Guerra Colonial.
Ana de Medeiros
Re-escrevendo a História: A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge e L’Amour, la Fantasia de Assia Djebar
Dentro do tema geral da incompatibilidade entre a vida privada e a vida pública, decidi concentrar a minha atenção numa série de elementos comuns aos dois textos em análise e que explicam, em parte, a sua qualidade subversiva, num sentido político e histórico: a ideia das representações dominantes da mulher como falsas representações, o restaurar do passado da auto-representação feminina e o reconhecimento da necessidade de representar as diferenças entre mulheres. O trabalho de Lynn Hunt sobre a Revolução Francesa servirá como espaço teórico para início da minha análise.
Laura Cavalcante Padilha
Dois olhares e uma Guerra
A partir da leitura das obras poéticas Sangue negro (2001) e É nosso o solo sagrado da terra (1978), respectivamente de Noémia de Sousa e Alda Espírito Santo, o texto procura surpreender dois olhares africanos sobre a guerra, em perspectiva ao mesmo tempo étnica e de género. Para além disso, discute-se o duplo gesto de nomeação do conflito: a mudança, no universo discursivo, do sistema de referências imposto pelo colonialismo e, consequentemente, a encenação da interioridade de novos sujeitos históricos femininos.
Dossier
Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial
Depoimento de Elsa Adler Gomes da Costa
Depoimento de Ivone Reis
TÍTULO: As Mulheres e a Guerra Colonial
PUBLICAÇÃO: Revista Crítica de Ciências Sociais, 68
EDITORA: Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra)
DATA: Abril 2004
AUTORES E RESUMOS DOS ARTIGOS:
Margarida Calafate Ribeiro
África no feminino: As mulheres portuguesas e a Guerra Colonial
Procura-se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa-se interpretar o "papel de apoio" que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.
Maria Manuela Cruzeiro
As mulheres e a Guerra Colonial: Um silêncio demasiado ruidoso
O texto pretende denunciar as várias camadas de silêncio com que a sociedade portuguesa fugiu ao encontro inevitável com a maior tragédia da sua contemporaneidade: a Guerra Colonial. A estratégia de ocultação, que oscila frequentemente entre o recalcamento e a denegação, atinge, quer os seus directos intervenientes (os militares mobilizados), quer as instituições do poder "político" e outro, quer sobretudo as suas vítimas mais ignoradas: as mulheres. Afastadas naturalmente da máquina de guerra, mas profundamente implicadas nos seus efeitos devastadores, o seu silêncio torna duplamente absurdo e incompreensível esse momento traumático da nossa história recente.
Helena Neves
Amor em tempo de guerra: Guerra Colonial, a (in)comunicabilidade (im)possível
O período da Guerra Colonial (1961-1974) produziu em Portugal profundas alterações de ordem demográfica, económica, social e cultural. Mas se o que é mensurável se encontra, hoje em dia, mais ou menos visível, há uma vertente que praticamente permanece por estudar: as vivências da intersubjectividade, dos afectos e das relações amorosas em tempo de guerra. O que se apresenta é um levantamento empírico desta problemática que urge analisar.
Maria Manuel Lisboa
"Até ao fim do mundo": Amor, rancor e guerra em Hélia Correia
A peça de teatro de Hélia Correia, O rancor: Exercício sobre Helena, oferece a base para uma análise textual do entendimento clássico e moderno do papel da mulher no contexto da guerra. As mulheres, na versão contemporânea de Hélia Correia, reproduzem e acentuam alguns dos indícios já disseminados pela tragédia e epopeia gregas, nomeadamente a problemática da sexualidade feminina e da paixão, enquanto forças contrapostas ao instinto belicoso masculino, por aquelas eventualmente derruido.
A leitura aqui apresentada focaliza aspectos variados da justaposição dos sexos no contexto da guerra: nomeadamente, a dinâmica entre mãe e filha enquanto agentes de um feminino solidário em confrontação com o imperativo belicoso masculino; a relação mãe-filho conforme inscrita no dilema edipiano filial de opção entre o pai guerreiro e a mãe atavicamente amada; a questão da maternidade/paternidade e do sacrifício voluntário ou recusado de filhos e filhas aos interesses da guerra; e o problema da representação passional do inimigo enquanto objecto de desejo e figuração do ideal do bem-amado.
Roberto Vecchi
Incoincidências de autoras: Fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial
Se a guerra é por excelência o território do androcêntrico, a experiência traumática da guerra e a sua representação pelo olhar feminino enxertar-se-ão numa margem periférica, numa orla de deslocação da própria experiência traumática. Deste ponto de vista, o feminino torna-se por excelência um “olhar testemunhal”, sendo a possibilidade sobrevivente, residual, da impossibilidade do testemunho integral diante do evento traumático. Uma deslocação esta que evidencia a não coincidência entre experiência e imagem, própria do testemunho, em que lógos e memória femininos se tornam portadores contundentes de um outro lógos, duma contra-memória.
Os romances de Wanda Ramos e Lídia Jorge são recolocados também na problemática trágica da aporia testemunhal, mostrando como uma reflexão crítica sobre o trágico moderno pode proporcionar uma perspectiva mais compreensiva de uma literatura problemática – pelo seu corpo a corpo com a história – como a da Guerra Colonial.
Ana de Medeiros
Re-escrevendo a História: A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge e L’Amour, la Fantasia de Assia Djebar
Dentro do tema geral da incompatibilidade entre a vida privada e a vida pública, decidi concentrar a minha atenção numa série de elementos comuns aos dois textos em análise e que explicam, em parte, a sua qualidade subversiva, num sentido político e histórico: a ideia das representações dominantes da mulher como falsas representações, o restaurar do passado da auto-representação feminina e o reconhecimento da necessidade de representar as diferenças entre mulheres. O trabalho de Lynn Hunt sobre a Revolução Francesa servirá como espaço teórico para início da minha análise.
Laura Cavalcante Padilha
Dois olhares e uma Guerra
A partir da leitura das obras poéticas Sangue negro (2001) e É nosso o solo sagrado da terra (1978), respectivamente de Noémia de Sousa e Alda Espírito Santo, o texto procura surpreender dois olhares africanos sobre a guerra, em perspectiva ao mesmo tempo étnica e de género. Para além disso, discute-se o duplo gesto de nomeação do conflito: a mudança, no universo discursivo, do sistema de referências imposto pelo colonialismo e, consequentemente, a encenação da interioridade de novos sujeitos históricos femininos.
Dossier
Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial
Depoimento de Elsa Adler Gomes da Costa
Depoimento de Ivone Reis
sábado, 23 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P121: Bibliografia da guerra no feminino (1) (Jorge Santos)
1. Caro Luís Graça:
Como há várias coisas escritas por mulheres sobre a Guerra Colonial (algumas já enviei), não seria uma boa ideia criar um espaço no blogue só para elas? Por exemplo, com a designação "Escrita feminina e Guerra Colonial", "As Mulheres e a Guerra Colonial", etc., ou mesmo uma outra que tenhas em mente. É apenas e só uma sugestão.
Um abraço e bom fim de semana.
Jorge Santos (1º Grumete Fuzileiro, DFA, Companhia de Fuzileiros nº 4, Moçambique > Niassa, 1968/70)
2. Respondi-lhe que sim, que podia ser "a guerra no feminino" ou qualquer coisa do género. Que tinha todo o meu apoio. E que fosse mandando coisas. Pois aqui vão as primeiras sobre a "bibliografia da guerra no feminino". A guerra ? A nossa, a colonial, que era só uma... Selecção e notas do Jorge Santos. L.G.
TÍTULO: Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo
AUTORA: Margarida Calafate Ribeiro
EDITORA: Afrontamento
ANO: 2004
NOTA: Margarida Calafate Ribeiro é investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e é doutorada em Literatura Portuguesa pelo King's College, Universidade de Londres. Foi professora convidada na Holanda e no Brasil. Co-organizou, com Ana Paula Ferreira, a obra colectiva Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Contemporâneo (Campo das Letras, Porto,).
SINOPSE: Em entrevista publicada no jornal Público, de 3 de Julho de 2004, a autora respondeu a uma pergunta do jornalista ("Ao ler-se o seu livro "Uma História de Regressos - Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo" fica-se com a ideia inquietante de que Portugal é um manicómio. É verdade?"):
"Há momentos na nossa História e na nossa História recente - os que têm a ver com os regressos - em que podemos utilizar essa linguagem da psiquiatria. Há loucura e loucura trágica que envolve a nossa identidade. Refiro-me à guerra colonial e à literatura da guerra colonial. Houve então supressão do humano. Nessa medida pode falar-se de loucura. A guerra colonial foi a grande tragédia da nossa contemporaneidade, não só para os rapazes que nela participaram, mas também para os pais que os viam partir e para as irmãs, namoradas e esposas que ficavam à espera. A insistência com que o Estado Novo impôs a guerra colonial mais longa em que um país europeu participou, a imposição de uma vontade, de uma maneira de estar no mundo podem também ser consideradas dementes. A poesia de Fernando Assis Pacheco (in "Musa Irregular") mostra isso, na sua componente autobiográfica: família salazarista, filho de um "Menino da Luz", apanhado por uma engrenagem. Mas o pai, que ameaçara alistar-se como oficial médico se ele desertasse, acabou por rever as suas posições quando Assis Pacheco foi o primeiro evacuado da frente de combate por razões neuro-psiquiátricas. Essa ruptura entre o Governo de Salazar e o país foi-se aprofundando. O ministro dos Negócios Estrangeiros Franco Nogueira escreveu uma carta a Marcello Caetano muito significativa a esse respeito: acusa a burguesia de ser invertebrada, de retirar o seu apoio ao esforço africano quando se tratava de enviar os filhos para as frentes de combate e de se interessar mais pelos negócios possíveis com a Europa do que com as colónias africanas".
Há uma versão mais reduzida, em formato.pdf, de 40 páginas, deste estudo, disponível na Net.
Como há várias coisas escritas por mulheres sobre a Guerra Colonial (algumas já enviei), não seria uma boa ideia criar um espaço no blogue só para elas? Por exemplo, com a designação "Escrita feminina e Guerra Colonial", "As Mulheres e a Guerra Colonial", etc., ou mesmo uma outra que tenhas em mente. É apenas e só uma sugestão.
Um abraço e bom fim de semana.
Jorge Santos (1º Grumete Fuzileiro, DFA, Companhia de Fuzileiros nº 4, Moçambique > Niassa, 1968/70)
2. Respondi-lhe que sim, que podia ser "a guerra no feminino" ou qualquer coisa do género. Que tinha todo o meu apoio. E que fosse mandando coisas. Pois aqui vão as primeiras sobre a "bibliografia da guerra no feminino". A guerra ? A nossa, a colonial, que era só uma... Selecção e notas do Jorge Santos. L.G.
TÍTULO: Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo
AUTORA: Margarida Calafate Ribeiro
EDITORA: Afrontamento
ANO: 2004
NOTA: Margarida Calafate Ribeiro é investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e é doutorada em Literatura Portuguesa pelo King's College, Universidade de Londres. Foi professora convidada na Holanda e no Brasil. Co-organizou, com Ana Paula Ferreira, a obra colectiva Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Contemporâneo (Campo das Letras, Porto,).
SINOPSE: Em entrevista publicada no jornal Público, de 3 de Julho de 2004, a autora respondeu a uma pergunta do jornalista ("Ao ler-se o seu livro "Uma História de Regressos - Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo" fica-se com a ideia inquietante de que Portugal é um manicómio. É verdade?"):
"Há momentos na nossa História e na nossa História recente - os que têm a ver com os regressos - em que podemos utilizar essa linguagem da psiquiatria. Há loucura e loucura trágica que envolve a nossa identidade. Refiro-me à guerra colonial e à literatura da guerra colonial. Houve então supressão do humano. Nessa medida pode falar-se de loucura. A guerra colonial foi a grande tragédia da nossa contemporaneidade, não só para os rapazes que nela participaram, mas também para os pais que os viam partir e para as irmãs, namoradas e esposas que ficavam à espera. A insistência com que o Estado Novo impôs a guerra colonial mais longa em que um país europeu participou, a imposição de uma vontade, de uma maneira de estar no mundo podem também ser consideradas dementes. A poesia de Fernando Assis Pacheco (in "Musa Irregular") mostra isso, na sua componente autobiográfica: família salazarista, filho de um "Menino da Luz", apanhado por uma engrenagem. Mas o pai, que ameaçara alistar-se como oficial médico se ele desertasse, acabou por rever as suas posições quando Assis Pacheco foi o primeiro evacuado da frente de combate por razões neuro-psiquiátricas. Essa ruptura entre o Governo de Salazar e o país foi-se aprofundando. O ministro dos Negócios Estrangeiros Franco Nogueira escreveu uma carta a Marcello Caetano muito significativa a esse respeito: acusa a burguesia de ser invertebrada, de retirar o seu apoio ao esforço africano quando se tratava de enviar os filhos para as frentes de combate e de se interessar mais pelos negócios possíveis com a Europa do que com as colónias africanas".
Há uma versão mais reduzida, em formato.pdf, de 40 páginas, deste estudo, disponível na Net.
sexta-feira, 22 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P120: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri (Marques Lopes)
TÍTULO: De Conakry ao M.D.L.P.: dossier secreto
AUTOR: Alpoím Calvão
EDITORA: Intervenção
ANO: 1976
Este livro foi publicado em 1976 pela Editorial Intervenção. Na sua segunda parte, o comandante Alpoím Calvão faz o relatório detalhado da preparação e do desenrolar da operação Mar Verde que levou ao ataque a Conacri.
Tem outros relatos sobe a sua infância em Moçambique, sobre o MDLP e sobre o 25 de Abril, do qual diz muito mal (embora, semanas antes, tivesse sido convidado pelo então comandante Pinheiro de Azevedo a aderir ao MFA, recusou-se).
Mas trago-o aqui porque terá interesse à nossa tertúlia saber em pormenor como é que sucedeu aquela acção. Este relatório tem 36 páginas e, é claro, não o trancrevo aqui. Algumas operações prepararam aquela principal: a operação Hitler (curioso!), junto do rio Camexibó, a operação Nebulosa, junto ao rio Inxanxe e a operação Gata Brava em Kadigné.
No seu relatório das acções em Conacri faz uma descrição detalhada delas, mas, curiosamente, faz apenas uma breve referência à libertação dos 26 prisioneiros portugueses que se encontravam na prisão "La Montaigne", feita pelo 1º tenente Cunha e Silva. Não foi este, de facto, o objectivo da operação Mar Verde. Se dúvidas houvesse sobre os objectivos dessa operação, ele próprio diz, a páginas 84, que "o insucesso do golpe de Estado ficou-se devendo à manifesta carência de informação, que falhou completamente no que toca à presença da aviação de caça em Conakry [ os Migs da Guiné-Conacri, tinham mudado de Conacri para outra base poucos dias antes; ele não refere, mas as suas forças ainda foram sobrevoadas por um Mig] aos apoios activos internos que não existiam ou, se existiam, não se concretizaram".
De acordo em não me meter nas questões internas do povo da Guiné-Bissau. Mas não deixa de ser curioso o que vai dizer amanhã o semanário Expresso: "O engenheiro Daniel Nunes participa, com o antigo oficial da Marinha Alpoím Calvão e o empresário Manuel Macedo (que tinha negócios com a Indonésia no regime de Suharto e é amigo do ex-Presidente Nino Vieira), num projecto de industrialização da castanha de caju - uma aposta do Governo para o relançamento da economia da Guiné. O empreendimento, que arranca este ano, prevê a instalação de unidades de processamento de castanha de caju em Bolola, na capital, na ilha de Bolama, no Sul do país, e em Binta."
A perspectiva de Nino Vieira em Presidente?
AUTOR: Alpoím Calvão
EDITORA: Intervenção
ANO: 1976
Este livro foi publicado em 1976 pela Editorial Intervenção. Na sua segunda parte, o comandante Alpoím Calvão faz o relatório detalhado da preparação e do desenrolar da operação Mar Verde que levou ao ataque a Conacri.
Tem outros relatos sobe a sua infância em Moçambique, sobre o MDLP e sobre o 25 de Abril, do qual diz muito mal (embora, semanas antes, tivesse sido convidado pelo então comandante Pinheiro de Azevedo a aderir ao MFA, recusou-se).
Mas trago-o aqui porque terá interesse à nossa tertúlia saber em pormenor como é que sucedeu aquela acção. Este relatório tem 36 páginas e, é claro, não o trancrevo aqui. Algumas operações prepararam aquela principal: a operação Hitler (curioso!), junto do rio Camexibó, a operação Nebulosa, junto ao rio Inxanxe e a operação Gata Brava em Kadigné.
No seu relatório das acções em Conacri faz uma descrição detalhada delas, mas, curiosamente, faz apenas uma breve referência à libertação dos 26 prisioneiros portugueses que se encontravam na prisão "La Montaigne", feita pelo 1º tenente Cunha e Silva. Não foi este, de facto, o objectivo da operação Mar Verde. Se dúvidas houvesse sobre os objectivos dessa operação, ele próprio diz, a páginas 84, que "o insucesso do golpe de Estado ficou-se devendo à manifesta carência de informação, que falhou completamente no que toca à presença da aviação de caça em Conakry [ os Migs da Guiné-Conacri, tinham mudado de Conacri para outra base poucos dias antes; ele não refere, mas as suas forças ainda foram sobrevoadas por um Mig] aos apoios activos internos que não existiam ou, se existiam, não se concretizaram".
De acordo em não me meter nas questões internas do povo da Guiné-Bissau. Mas não deixa de ser curioso o que vai dizer amanhã o semanário Expresso: "O engenheiro Daniel Nunes participa, com o antigo oficial da Marinha Alpoím Calvão e o empresário Manuel Macedo (que tinha negócios com a Indonésia no regime de Suharto e é amigo do ex-Presidente Nino Vieira), num projecto de industrialização da castanha de caju - uma aposta do Governo para o relançamento da economia da Guiné. O empreendimento, que arranca este ano, prevê a instalação de unidades de processamento de castanha de caju em Bolola, na capital, na ilha de Bolama, no Sul do país, e em Binta."
A perspectiva de Nino Vieira em Presidente?
Guiné 63/74 - P119: Antologia (10): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (conclusão) (A. Marques Lopes)
Prosseguimos a publicação de "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971. 3ª e última parte. Selecção e notas do nosso amigo e camarada de tertúlia A. Marques Lopes.
OPERAÇÃO FANTA
O exército do P. A.I.G.C. está organizado e estruturado conforme noutro local se revela. O planeamento dos ataques a diferentes objectivos processa-se do mesmo modo do que num exército regular, como se pode demonstrar no caso da operação Fanta, que foi desencadeada, em 1965, na frente Este, e cujas ordens de execução, emanadas do estado-maior do exército, foram assinadas por Amílcar Cabral.
Trata-se de um exemplo extraído dos arquivos do P.A.I.G.C. e consta das ordens endereçadas aos bigrupos 3 e 4 (constituídos cada um por 50-60 homens), as quais eram completadas e esclarecidas em cartas topográficas do estado-maior.
Operação Fanta
Ordem de participação dos bigrupos números 3 e 4 na frente Este (sector P)
Fase l — Destruição da ponte M.
Barragem de estrada:
1 — Estrada número 10 (perto do ponto B): grupo do camarada Sory Djalo, que deverá minar a estrada.
2 - Estrada numero 11 A (perto do ponto B): grupo do camarada N'Bare Tchuda, que deverá minar a estrada.
3 — Estrada número 11 B; perto de G: grupo do camarada Kemessene Camará, que deverá minar a estrada; perto de T: grupo do camarada Temna Kebeque, que deverá minar a estrada.
Destruição da ponte: camarada Malam Sanhá, com quatro outros camaradas, um de cada grupo.
Controle de estradas:
Após a destruição da ponte:
O bigrupo Numo-Hilário deverá assegurar a vigilância nas estradas 10 e 11 (emboscadas).
O bigrupo Sanhá-Luís deverá retirar-se para o sector T, para repouso e preparação do ataque de P, que será feito no dia seguinte, à tarde.
Fase 2 - Ataque a P
Barragem de estradas
Ataque ao campo entrincheirado de P: grupo dos camaradas Kemessene Camará e Temna Kebeque.
N.B. - Na mesma noite deve ser bombardeado o campo entrincheirado de C (morteiros dirigidos pelo camarada Cirilo).
Para atacar P seguir o plano da operação Fanta tendo em conta as mudanças exigidas pelo reforço em combatentes e em material.
Após o ataque a P:
O bigrupo Numo-Hilário. deverá vigiar as estradas convergentes para P.
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Barragem de estradas:
1 - Estrada número 10 (cruzamento D): grupo de Sory Djaló com Malam-Numo.
2 - Estrada número 11 A (cruzamento C): grupo de M'Bare Tchuda com Hilário.
3 - Estrada número 12:5 combatentes do grupo Kemessene Camará (1 ML(x), 2 PM(x) e l bazooca).
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Grupos Temna Kebeque e Kemessene Camará, apoiados por 1 morteiro e 1 bazooca.
N.B. - Antes do ataque, as estradas devem ser minadas.
Depois do ataque, o bigrupo Numo-Hilário deve prosseguir a vigilância das estradas, com patrulhas e emboscadas.
Fase 3 - Libertação de OM e de outras tabancas da zona.
Reforço do isolamento de C. Ataque ao campo entrincheirado de OM.
Barragem de estradas
Libertação das outras tabancas - Seguir o plano de vigilância nas estradas de P e de B — bigrupo Numo
Fase 4 — Ordenamento com outras forças para atacar C
Fase 5 - Ordenamento com outras forças para libertar todas as outras tabancas desta zona e isolar BT totalmente.
Fase 6 - Ordenamento com outras forças para atacar BT.
N.B. - A ordenação de forças nas fases 4, 5 e 6 será dirigida pelo camarada Domingos Ramos.
Amílcar Cabral
(x) M.L.-Metralhadora ligeira; P.M.-Pistola-metralhadora.
Esta ordem de operações - segundo uma fonte militar - não é mais do que o relatório escrito de instruções verbais e causa uma certa admiração ter sido assinado pelo chefe máximo dos guerrilheiros.
A ACTIVIDADE DOS GUERRILHEIROS
A acção dos guerrilheiros na Guiné tem-se feito sentir, ao longo dos anos, desde que o P.A.I.G.C. resolveu, em princípios de 1963, desencadear a luta no Sul daquele território, muito embora se saiba que já antes, em 1961, vários elementos dos grupos subversivos atacavam instalações localizadas na Guiné.
Com efeito, na noite de 23-24 de Julho de 1961, segundo uma notícia divulgada na Imprensa portuguesa, um grupo calculado em cerca de 200 indivíduos, vindos do Senegal, entrou na praia de Varela, tendo cortado o fio telefónico e causado estragos em algumas moradias de veraneantes, mas não atacou ninguém. Mais tarde, em 3 de Agosto do mesmo ano, era revelado que um outro grupo de indivíduos, proveniente do Senegal, atacou o porto de Bigene.
Como noutro local assinalamos, o primeiro contingente de tropas saído da Metrópole para o Ultramar, desde o início das operações militares nos territórios africanos, foi, exactamente, para a Guiné. Registe-se, ainda, que em 25 de Agosto de 1962 (Portaria 19 363) se constituiu a esquadrilha de lanchas de fiscalização da Guiné e, um ano mais tarde, em Outubro (Portaria 20 092), era reforçada com uma companhia móvel [1] o corpo de Polícia da Guiné.
A situação naquele território tem dado azo a várias controvérsias e, por isso, o Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, em 20 de Julho de 1963, divulgou o seguinte esclarecimento:
«O Diário Popular, ao entrevistar o ministro da Defesa Nacional, perguntou-lhe qual a província ultramarina em que a situação militar causa maiores preocupações ao ministro e porquê. O ministro, na sua resposta, analisou a situação interna e externa em cada uma das províncias. Ora, verifica-se que os termos em que o ministro examinou a situação interna da Guiné foram, por vezes, mal interpretadas, porquanto parece haver quem ficasse com a noção de que aquela província foi invadida e de que 15 por cento do seu território está na posse dos terroristas. Torna-se, por isso, indispensável restabelecer a verdade, esclarecendo melhor a situação e, portanto, aqueles termos, porquanto nem houve invasão da província nem os terroristas estão na posse da mínima parcela daquele território.
«A situação - continua o comunicado do S.I.P.F.A. - é, rigorosamente, a seguinte: Em 85 por cento da província, a vida é inteiramente normal. Nos restantes 15 por cento processaram-se, nos últimos meses, infiltrações de terroristas vindos da República da Guiné, que actuam na clandestinidade, a partir de refúgios nas matas e procuram iludir a presença das forças militares na execução de acções de vandalismo sobre aldeias nativas e instalações económicas. No entanto, grande parte das populações e os postos administrativos e povoações continuam a sua vida habitual e as vias de comunicação estão desimpedidas.
«Nem estas infiltrações - conclui o referido comunicado - insidiosas se podem classificar de invasão nem a presença de terroristas numa ou noutra mata que, repete-se, procuram subtrair-se à acção das forças que têm por missão a manutenção da ordem, pode permitir afirmar-se que há qualquer parcela do território, por mínima que seja, na sua posse.»
A entrevista do ministro da Defesa fora a primeira informação oficial da existência de uma situação alarmante na Guiné e, no dia 25, a ANI desmentia uma notícia dada pela Rádio Conakry segundo a qual «os terroristas teriam, afundado com explosivos, no Sul da província, quatro barcos a motor encarregados no transporte de mercadorias». O telegrama daquela agência de informações esclarecia: «Sabe-se que apenas um desses barcos desapareceu e que outro, descoberto no fundo mas a pouca profundidade, foi imediatamente recuperado, encontrando-se já de novo a navegar.»
Entretanto, nesse mesmo dia circulou a notícia de um ataque a Pirada e no ano seguinte, em 11 de Maio, a Imprensa divulgava um boletim informativo das Forças Armadas da Guiné no qual se assinalava que o inimigo «flagelou, à distância, Jabadá, Barro (fronteira norte) e Madina do Boé (fronteira leste)» e que tinham sido destruídos acampamentos na região de Ohio (em Camam e Queré), a sudeste de Farim, em Salancaur Fula (no Sul), em Flaque Cibe, onde foram inutilizadas ou capturadas treze canoas de que o inimigo se servia ilegalmente.
As flagelações ao território da Guiné têm continuado, cada vez com maior apoio, acentuando-se num outro comunicado das F.A. que «na fronteira norte, o inimigo, irradiando das bases de Samine [2] e Yaram, localizadas em território senegalês, atacou as povoações de Bigene e Barro, flagelando as povoações com bases de fogos situadas na República do Senegal [3]; nas fronteiras leste e sul, o inimigo, irradiando das bases de Kandiafara, Sansalé e Bidel Pavi (área de Massira Fulamansa), localizadas em território da República da Guiné, flagelou as povoações de Canquelifá e Gadamel Porto, e na flagelação a esta última povoação foi apoiado por fogos de artilharia do Exército da República da Guiné, instalada dentro do seu território».
Muito embora os ataques se tenham mantido, em 27 de Dezembro de 1969 o S.I.P.F.A. informava que «no dia 23 a povoação de Guidage havia sido flagelada pelo fogo de armas pesadas» e acentuava que «era a quarta flagelação depois do dia 8».
Com efeito, em 17 e 19, fora atacada à povoação de São Domingos e no dia 18 a de Ingoré. Em 4 e 6 de Janeiro de 1970 a flagelação atingia Gadamael, e no dia 5 coubera a vez a Guilege. Nestes ataques foram, assinalados, pelo menos, 150 rebentamentos. No mês de Fevereiro (11), a povoação de Guilege é atingida (6 feridos); rio dia seguinte, fogo de morteiros causa 15 mortos em Guidage, e 2 dias mais tarde. São Domingos e Gadamel sofrem os efeitos das armas pesadas do inimigo. Em 27 e 28 de Março, o fogo de armas pesadas atinge, a intervalos regulares, Buruntuma, causando 1 morto e 12 feridos.
Entretanto, no dia 15 de Julho, era distribuído à imprensa o seguinte comunicado:
«O Serviço de Informação Pública das Forças Armadas informa que, segundo notícias recebidas ontem, 14, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, um grupo inimigo com efectivo superior a 300 combatentes, atacou Pirada na noite de 12 para 13 do corrente, com apoio de foguetões, canhões anticarro, morteiros e outras armas pesadas. A acção foi de apreciável envergadura e o inimigo que realizou o assalto entrou na povoação e saqueou e incendiou 50 moranças.
«Toda a acção foi desencadeada de território senegalês, onde estiveram implantadas as bases de fogos dos canhões anticarro rebocados e dos foguetões e morteiros.
«O inimigo causou na população 15 mortos e 41 feridos tendo desaparecido um militar europeu".
____________
[1] O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães, que foi o primeiro comandante da CART 1690, e que morreu na estrada de Geba para Banjara, fez parte desta companhia móvel. (ML)
[2] Samine fica no Senegal a cerca de 6 km de Barro. Também lá os fomos atacar. E eles também iam a Barro, é claro. (ML)
[3] É verdade que, às vezes, nem saíam do Senegal, disparando com os morteiros 82 e canhões sem recuo. (ML)
OPERAÇÃO FANTA
O exército do P. A.I.G.C. está organizado e estruturado conforme noutro local se revela. O planeamento dos ataques a diferentes objectivos processa-se do mesmo modo do que num exército regular, como se pode demonstrar no caso da operação Fanta, que foi desencadeada, em 1965, na frente Este, e cujas ordens de execução, emanadas do estado-maior do exército, foram assinadas por Amílcar Cabral.
Trata-se de um exemplo extraído dos arquivos do P.A.I.G.C. e consta das ordens endereçadas aos bigrupos 3 e 4 (constituídos cada um por 50-60 homens), as quais eram completadas e esclarecidas em cartas topográficas do estado-maior.
Operação Fanta
Ordem de participação dos bigrupos números 3 e 4 na frente Este (sector P)
Fase l — Destruição da ponte M.
Barragem de estrada:
1 — Estrada número 10 (perto do ponto B): grupo do camarada Sory Djalo, que deverá minar a estrada.
2 - Estrada numero 11 A (perto do ponto B): grupo do camarada N'Bare Tchuda, que deverá minar a estrada.
3 — Estrada número 11 B; perto de G: grupo do camarada Kemessene Camará, que deverá minar a estrada; perto de T: grupo do camarada Temna Kebeque, que deverá minar a estrada.
Destruição da ponte: camarada Malam Sanhá, com quatro outros camaradas, um de cada grupo.
Controle de estradas:
Após a destruição da ponte:
O bigrupo Numo-Hilário deverá assegurar a vigilância nas estradas 10 e 11 (emboscadas).
O bigrupo Sanhá-Luís deverá retirar-se para o sector T, para repouso e preparação do ataque de P, que será feito no dia seguinte, à tarde.
Fase 2 - Ataque a P
Barragem de estradas
Ataque ao campo entrincheirado de P: grupo dos camaradas Kemessene Camará e Temna Kebeque.
N.B. - Na mesma noite deve ser bombardeado o campo entrincheirado de C (morteiros dirigidos pelo camarada Cirilo).
Para atacar P seguir o plano da operação Fanta tendo em conta as mudanças exigidas pelo reforço em combatentes e em material.
Após o ataque a P:
O bigrupo Numo-Hilário. deverá vigiar as estradas convergentes para P.
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Barragem de estradas:
1 - Estrada número 10 (cruzamento D): grupo de Sory Djaló com Malam-Numo.
2 - Estrada número 11 A (cruzamento C): grupo de M'Bare Tchuda com Hilário.
3 - Estrada número 12:5 combatentes do grupo Kemessene Camará (1 ML(x), 2 PM(x) e l bazooca).
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Grupos Temna Kebeque e Kemessene Camará, apoiados por 1 morteiro e 1 bazooca.
N.B. - Antes do ataque, as estradas devem ser minadas.
Depois do ataque, o bigrupo Numo-Hilário deve prosseguir a vigilância das estradas, com patrulhas e emboscadas.
Fase 3 - Libertação de OM e de outras tabancas da zona.
Reforço do isolamento de C. Ataque ao campo entrincheirado de OM.
Barragem de estradas
Libertação das outras tabancas - Seguir o plano de vigilância nas estradas de P e de B — bigrupo Numo
Fase 4 — Ordenamento com outras forças para atacar C
Fase 5 - Ordenamento com outras forças para libertar todas as outras tabancas desta zona e isolar BT totalmente.
Fase 6 - Ordenamento com outras forças para atacar BT.
N.B. - A ordenação de forças nas fases 4, 5 e 6 será dirigida pelo camarada Domingos Ramos.
Amílcar Cabral
(x) M.L.-Metralhadora ligeira; P.M.-Pistola-metralhadora.
Esta ordem de operações - segundo uma fonte militar - não é mais do que o relatório escrito de instruções verbais e causa uma certa admiração ter sido assinado pelo chefe máximo dos guerrilheiros.
A ACTIVIDADE DOS GUERRILHEIROS
A acção dos guerrilheiros na Guiné tem-se feito sentir, ao longo dos anos, desde que o P.A.I.G.C. resolveu, em princípios de 1963, desencadear a luta no Sul daquele território, muito embora se saiba que já antes, em 1961, vários elementos dos grupos subversivos atacavam instalações localizadas na Guiné.
Com efeito, na noite de 23-24 de Julho de 1961, segundo uma notícia divulgada na Imprensa portuguesa, um grupo calculado em cerca de 200 indivíduos, vindos do Senegal, entrou na praia de Varela, tendo cortado o fio telefónico e causado estragos em algumas moradias de veraneantes, mas não atacou ninguém. Mais tarde, em 3 de Agosto do mesmo ano, era revelado que um outro grupo de indivíduos, proveniente do Senegal, atacou o porto de Bigene.
Como noutro local assinalamos, o primeiro contingente de tropas saído da Metrópole para o Ultramar, desde o início das operações militares nos territórios africanos, foi, exactamente, para a Guiné. Registe-se, ainda, que em 25 de Agosto de 1962 (Portaria 19 363) se constituiu a esquadrilha de lanchas de fiscalização da Guiné e, um ano mais tarde, em Outubro (Portaria 20 092), era reforçada com uma companhia móvel [1] o corpo de Polícia da Guiné.
A situação naquele território tem dado azo a várias controvérsias e, por isso, o Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, em 20 de Julho de 1963, divulgou o seguinte esclarecimento:
«O Diário Popular, ao entrevistar o ministro da Defesa Nacional, perguntou-lhe qual a província ultramarina em que a situação militar causa maiores preocupações ao ministro e porquê. O ministro, na sua resposta, analisou a situação interna e externa em cada uma das províncias. Ora, verifica-se que os termos em que o ministro examinou a situação interna da Guiné foram, por vezes, mal interpretadas, porquanto parece haver quem ficasse com a noção de que aquela província foi invadida e de que 15 por cento do seu território está na posse dos terroristas. Torna-se, por isso, indispensável restabelecer a verdade, esclarecendo melhor a situação e, portanto, aqueles termos, porquanto nem houve invasão da província nem os terroristas estão na posse da mínima parcela daquele território.
«A situação - continua o comunicado do S.I.P.F.A. - é, rigorosamente, a seguinte: Em 85 por cento da província, a vida é inteiramente normal. Nos restantes 15 por cento processaram-se, nos últimos meses, infiltrações de terroristas vindos da República da Guiné, que actuam na clandestinidade, a partir de refúgios nas matas e procuram iludir a presença das forças militares na execução de acções de vandalismo sobre aldeias nativas e instalações económicas. No entanto, grande parte das populações e os postos administrativos e povoações continuam a sua vida habitual e as vias de comunicação estão desimpedidas.
«Nem estas infiltrações - conclui o referido comunicado - insidiosas se podem classificar de invasão nem a presença de terroristas numa ou noutra mata que, repete-se, procuram subtrair-se à acção das forças que têm por missão a manutenção da ordem, pode permitir afirmar-se que há qualquer parcela do território, por mínima que seja, na sua posse.»
A entrevista do ministro da Defesa fora a primeira informação oficial da existência de uma situação alarmante na Guiné e, no dia 25, a ANI desmentia uma notícia dada pela Rádio Conakry segundo a qual «os terroristas teriam, afundado com explosivos, no Sul da província, quatro barcos a motor encarregados no transporte de mercadorias». O telegrama daquela agência de informações esclarecia: «Sabe-se que apenas um desses barcos desapareceu e que outro, descoberto no fundo mas a pouca profundidade, foi imediatamente recuperado, encontrando-se já de novo a navegar.»
Entretanto, nesse mesmo dia circulou a notícia de um ataque a Pirada e no ano seguinte, em 11 de Maio, a Imprensa divulgava um boletim informativo das Forças Armadas da Guiné no qual se assinalava que o inimigo «flagelou, à distância, Jabadá, Barro (fronteira norte) e Madina do Boé (fronteira leste)» e que tinham sido destruídos acampamentos na região de Ohio (em Camam e Queré), a sudeste de Farim, em Salancaur Fula (no Sul), em Flaque Cibe, onde foram inutilizadas ou capturadas treze canoas de que o inimigo se servia ilegalmente.
As flagelações ao território da Guiné têm continuado, cada vez com maior apoio, acentuando-se num outro comunicado das F.A. que «na fronteira norte, o inimigo, irradiando das bases de Samine [2] e Yaram, localizadas em território senegalês, atacou as povoações de Bigene e Barro, flagelando as povoações com bases de fogos situadas na República do Senegal [3]; nas fronteiras leste e sul, o inimigo, irradiando das bases de Kandiafara, Sansalé e Bidel Pavi (área de Massira Fulamansa), localizadas em território da República da Guiné, flagelou as povoações de Canquelifá e Gadamel Porto, e na flagelação a esta última povoação foi apoiado por fogos de artilharia do Exército da República da Guiné, instalada dentro do seu território».
Muito embora os ataques se tenham mantido, em 27 de Dezembro de 1969 o S.I.P.F.A. informava que «no dia 23 a povoação de Guidage havia sido flagelada pelo fogo de armas pesadas» e acentuava que «era a quarta flagelação depois do dia 8».
Com efeito, em 17 e 19, fora atacada à povoação de São Domingos e no dia 18 a de Ingoré. Em 4 e 6 de Janeiro de 1970 a flagelação atingia Gadamael, e no dia 5 coubera a vez a Guilege. Nestes ataques foram, assinalados, pelo menos, 150 rebentamentos. No mês de Fevereiro (11), a povoação de Guilege é atingida (6 feridos); rio dia seguinte, fogo de morteiros causa 15 mortos em Guidage, e 2 dias mais tarde. São Domingos e Gadamel sofrem os efeitos das armas pesadas do inimigo. Em 27 e 28 de Março, o fogo de armas pesadas atinge, a intervalos regulares, Buruntuma, causando 1 morto e 12 feridos.
Entretanto, no dia 15 de Julho, era distribuído à imprensa o seguinte comunicado:
«O Serviço de Informação Pública das Forças Armadas informa que, segundo notícias recebidas ontem, 14, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, um grupo inimigo com efectivo superior a 300 combatentes, atacou Pirada na noite de 12 para 13 do corrente, com apoio de foguetões, canhões anticarro, morteiros e outras armas pesadas. A acção foi de apreciável envergadura e o inimigo que realizou o assalto entrou na povoação e saqueou e incendiou 50 moranças.
«Toda a acção foi desencadeada de território senegalês, onde estiveram implantadas as bases de fogos dos canhões anticarro rebocados e dos foguetões e morteiros.
«O inimigo causou na população 15 mortos e 41 feridos tendo desaparecido um militar europeu".
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[1] O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães, que foi o primeiro comandante da CART 1690, e que morreu na estrada de Geba para Banjara, fez parte desta companhia móvel. (ML)
[2] Samine fica no Senegal a cerca de 6 km de Barro. Também lá os fomos atacar. E eles também iam a Barro, é claro. (ML)
[3] É verdade que, às vezes, nem saíam do Senegal, disparando com os morteiros 82 e canhões sem recuo. (ML)
Guiné 63/74 - P118: Antologia (9): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (2ª parte) (Marques Lopes)
Prosseguimos a publicação de "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971. 2ª parte. Selecção e notas do nosso amigo e camarada de tertúlia A. Marques Lopes.
O CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DE LISBOA
Em 1948, três estudantes africanos - que viviam, como muitos outros, em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império - decidiram formar um centro de estudos africanos. Curiosamente, regista-se que esses três estudantes eram Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Mário de Andrade.
Manifestaram o interesse que tinham pelas línguas africanas para conseguir as necessárias autorizações para a fundação do Centro e adquiriram, assim, os meios para, com toda a legalidade, se reunirem, discutirem e, ainda, reafricanizarem-se, aprendendo as línguas dos povos de onde eram originários.
Entretanto, Andrade revelou-se um poeta na sua língua natal – o quimbundo -, Cabral continua os seus estudos sobre hidráulica, para se formar em Engenharia, e Neto, outro estudante de quimbundo, pretende formar-se em Medicina. As suas discussões levaram-nos à conclusão, por convicção, de que uma revolução, sob uma forma ou outra, seria necessária em qualquer momento para libertar cada um dos seus territórios e acreditaram que esse momento estava já próximo. Tornaram-se, portanto, revolucionários e separaram-se.
Agostinho Neto esteve várias vezes preso. Andrade refugiou-se em Paris, onde viveu conforme podia, até desempenhar o cargo de chefe da redacção da revista «Presença Africana». Cabral, por sua vez, volta à Guiné, como engenheiro-agrónomo, onde trabalha na Administração local.
Durante dois anos (1952 a 1954), Amílcar Cabral trabalha na Guiné percorrendo o território em todas as direcções e adquirindo um conhecimento local detalhado. No entanto, em 1953, pronuncia um discurso contra a dominação portuguesa, facto que lhe causa alguns dissabores, pelo que regressa a Lisboa onde consegue arranjar colocação para uma plantação de açúcar em Angola. Ali, em Dezembro de 1956, com o seu antigo condiscípulo Agostinho Neto, torna-se fundador do M.P.L.A. (Movimento Popular para a Libertação de Angola), evidentemente, na clandestinidade.
Amílcar Cabral, que nunca deixara de estar em contacto com os seus conterrâneos, alguns meses antes da fundação do M.P.L.A., no decorrer de uma reunião efectuada em Bissau, tomou a direcção da organização do P.A.I.G.C., igualmente na clandestinidade. Abandonou Angola c dirigiu-se a Bissau. Nesta cidade despede-se da mãe e desaparece da cena legal.
Sabe-se, no entanto, mais tarde, que em 19 de Setembro de 1959 - um domingo -, os chefes do P.A.I.G.C. se reuniram, secretamente, num arrabalde de Bissau e declararam-se a favor do combate contra os portugueses, por todos os meios possíveis, até mesmo a luta armada.
Entre os assistentes a essa reunião encontravam-se, entre outros, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral e Fernando Fortes, tendo presidido Amílcar Cabral, desde logo reconhecido como chefe.
PROGRAMA DE ACÇÃO
Não existe qualquer documento do que se passou nessa reunião mas, segundo um relatório confidencial do partido, redigido imediatamente depois o seu teor e conclusões foram os seguintes:
«Tendo passado em revista a experiência de três anos de luta política clandestina e depois de analisar a situação política, na reunião de 19 de Setembro de 1959, constatou-se à luz da experiência de Pidgiguiti que, pela própria natureza do colonialismo português, a luta por todos os meios, compreendendo a armada, é a única via que pode conduzir à libertação do país. Em resultado da passagem a nova fase e seguindo o princípio «esperar o melhor preparando-se para o pior» adoptou-se o programa de acção seguinte:
1 - Mobilizar e organizar rapidamente as massas de trabalhadores que se têm revelado, segundo a experiência, a força principal da luta de libertação nacional;
2 - Reforçar a organização nos meios urbanos, mantendo-a na clandestinidade, evitando-se qualquer manifestação pública;
3 - Desenvolver e reforçar a unidade dos africanos de todos os grupos étnicos, de todas as origens e categorias sociais, em redor do partido;
4 - Preparar o maior número de quadros, tanto no interior como no exterior, para a direcção política da organização e para o desenvolvimento vitorioso da luta;
5 - Mobilizar os emigrantes nos territórios vizinhos, para servirem na luta da liberalização e no futuro do povo:
6 - Lutar pela obtenção de meios indispensáveis que conduzam a vitória na luta.
Para garantir a segurança de uma parte dos dirigentes e para assegurar o desenvolvimento da luta no exterior, o partido decidiu mudar o seu secretariado-geral para o estrangeiro.»
DISCREPÂNCIAS
Afirma que «Cabral, nascido em Bafatá, filho de pais cabo-verdianos, é engenheiro-agrónomo, tem cerca de 40 anos e é casado com uma senhora europeia, natural da Metrópole. Quando estudante, além de ter sido vice-presidente da Casa dos Estudantes do Império, terá fundado em 1949, em Lisboa, juntamente com Agostinho Neto e Mário de Andrade, o organismo denominado Centro de Estudos, Africanos. Após ter concluído o seu curso, regressou a Guiné onde exerceu funções nos serviços de agricultura e publicou alguns interessantes artigos da sua especialidade no «Boletim Cultural da Guiné Portuguesa». Parece possível que, durante o período que exerceu funções públicas, tivesse sido alvo de quaisquer agravos da parte de um ou outro irresponsável que o tivessem levado a negar-se a si próprio e a deixar-se arrastar por impulsos de amor-próprio ferido.
Ao justificar .esta última afirmação, Pereira Neto baseia-se no «Boletim Geral do Ultramar» (Ano XL1, número 482, Agosto de 1965, pág. 268) e num artigo de Dutra Faria intitulado «Na Guiné Portuguesa junto à Cortina de Ferro».
ESTRUTURA RELATIVAMENTE SÓLIDA
Ao referir-se às ajudas recebidas pelo P.A.l.G.C., Hélio Felgas assinala que cerca de um quarto do auxílio recebido pelo Comité de Libertação da O.U.A. para os movimentos africanos reverte hoje a favor do P.A.l.G.C. que, de longe, e considerado o movimento mais bem estruturado de toda a África. Da Rússia, o P.A.l.G.C. recebe a maior parte do armamento e dos fundos e nela são treinados elementos combatentes e pessoal sanitário, etc. Muitos encarregados dos reabastecimentos, civis e militares, estagiaram na Alemanha Oriental, na Jugoslávia, na Checoslováquia, na Roménia e em Cuba. Neste ultimo país são feitos os fardamentos, embora parte do tecido empregue seja proveniente da China Popular. E é Cuba que fornece os mercenários, quer militares quer civis (médicos e enfermeiros, em especial). Alguns dos principais chefes militares do P.A.I.G.C. estagiaram em Pequim - de onde o partido recebeu, também, armamento, medicamentos, etc.
A Coreia do Norte e a Frente de Libertação Nacional (Vietcong) do Vietname parece forneceram treino militar a alguns elementos do P.A.I.G.C. Não há dúvidas sobre a presença na Guiné de «observadores» vietcongs. «E pessoalmente - termina o coronel Hélio Folgas - acreditamos que mercenários vietcongs venham a substituir os cubanos (que poucos resultados têm conseguido). Com eles aparecerão, talvez, na Guiné os foguetões e a inegável eficiência técnico-militar com que os norte-americanos têm deparado no Vietname.»
P.A.I.G.C. - MOVIMENTO QUE COMBATE NA GUINÉ
O coronel, Hélio Folgas publicou, recentemente, na «Revista Militar» um estudo subordinado ao tema «Os movimentos subversivos africanos» no qual se refere, entre outros, ao movimento designado por P.A.I.G.C.
Num dos capítulos desse trabalho, aquele oficial do Exercito, ao tecer considerações acerca dos movimentos subversivos do Ultramar Português acentua, num passo designado por «generalidades»:
«Estes movimentos actuam nas três províncias continentais e são, actualmente, dos mais antigos da África. O de Angola exteriorizou a sua acção a partir de 4 de Fevereiro de 1961. O da Guiné começou em meados do mesmo ano e o de Moçambique desencadeou os primeiros actos terroristas em Setembro de 1964. São, também, os mais importantes da África, tanto no aspecto político internacional como na estrutura interna e no potencial militar (ver noutro local «Como funciona o «exército» do P.A.I.G.C.») dos seus grupos combatentes. Não há, praticamente, reunião internacional africana alguma onde os seus dirigentes não sejam acolhidos como representantes dos respectivos territórios.»
Ao descrever a actuação do P.A.I.G.C. na Guiné, o coronel Hélio Felgas acentua: «Actos esporádicos de terrorismo tiveram lugar no Noroeste da nossa Guiné, junto da fronteira senegalesa, desde meados de 1961. Estavam a cargo do M.L.G. e foram rapidamente dominados pelas forças portuguesas bem auxiliadas pelas populações locais. Reiniciados em 1963, não tiveram êxito diferente, dissolvendo-se na primeira metade de 1964.
«A verdadeira luta começou no Sul, no princípio de 1963, desencadeada pelo P.A.I.G.C., dirigido por Amílcar Cabral e amplamente auxiliado pelo Governo de Conakry.
«Os grupos combatentes do P.A.I.G.C. surgiram logo muito bem armados e, dada a exiguidade da ocupação militar da província, não tiveram dificuldade em se infiltrar até ao rio Geba, cortando os principais itinerários e montando emboscadas às forças que procuravam manter a ordem. Actuando pela persuasão, nuns casos, pela força, noutros, e pelo terror, nos restantes, o P.A.I.G.C. conseguiu levar grande parte das populações locais a acompanhar os seus grupos até aos locais de refugio habilmente camuflados nas florestas ou até à República da Guiné.»
Acrescenta, ainda, o coronel Hélio Folgas no seu trabalho a que nos vimos reportando:
«Em Julho de 1963, o P.A.I.G.C. estendeu as suas infiltrações até às espessas matas de Oio, já a norte do rio Geba, e em Janeiro de 1964 começou a actuar na área de Farim. Em Agosto deste ano realizou algumas acções terroristas no Gabu, no canto nordeste da província, e apareceu no Boé, no Sudeste, no final do ano. Mas, a primeira tentativa de chegar ao chão manjaco, a oeste, foi eficientemente desfeita pelas forças militares, em Novembro de 1964, e só conseguiu concretizar-se em meados de 1965.
«A actuação ao norte do rio Geba só ganhou alguma eficiência depois do P.A.I.G.C. ter estabelecido com o Governo senegalês o acordo de 21 de Março de 1966 . Até aí, a maior parte dos reabastecimentos para aquela região era transportada desde o Sul, atravessando quase toda a Guiné e sofrendo ataques das tropas portuguesas.»
O P.A.I.G.C. constituiu-se em 1956 e, em 1961, o movimento não era mais do que uma guarda avançada composta por homens e mulheres muito resolutos, ao qual se juntavam depois centenas de jovens voluntários que, pouco a pouco, adquiriram experiência e funções de direcção. Entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, os chefes do partido julgaram oportuno proceder à reorganização e à democratização do movimento. Reuniram-se num congresso, algures nas florestas do Sul, e nele foram tomadas grandes decisões. O território - segundo a mesma fonte - foi dividido em regiões e zonas, respectivamente para a administração política e comando militar, e a reestruturaçâo do partido assentou nas bases seguintes:
l - Secretariado político de 20 membros (15 efectivos e 5 suplentes) para eleição de um «comité» executivo de 7 membros (Amilcar Cabral foi designado secretário-geral, sendo os restantes elementos Aristides Pereira, Luís Cabral, Osvaldo Vieira, Bernardo Vieira «Nino» e dois outros cuja identidade não foi revelada. A idade média daqueles elementos, em 1964, era de 31 anos);
2- «Comité» executivo de 65 membros (dos quais, 20 eram candidatos), dividido em 7 departamentos:
a) - forças armadas;
b) - negócios estrangeiros;
c) - «controle» político das forças armadas e aparelho do partido;
d) - secretariado dos quadros políticos, para a informação e para a propaganda;
e) - segurança;
O - economia e finanças; e,
g) - desenvolvimento e coordenação da organização do partido no meio da população; constituição de «comités» de aldeias e integração nos «comités» regionais.
A esta reorganização outras se seguiram e, assim, os departamentos foram reduzidos a cinco, em 1967, controlados, na prática, pelo «comité» executivo:
1 - Comissão de «controle» - encarregada de verificar o trabalho concreto em cada estrato da estrutura do partido; desenvolvimento que se considere oportuno em resultado da multiplicação dos membros e das actividades do partido;
2 - Comissão de segurança - que se encarregará, principalmente, da informação;
3-Comissão dos Negócios Estrangeiros;
4 — Comissão para a reconstrução nacional — a qual se ocupará, especialmente, da h
AS FORÇAS ARMADAS DO P.A.I.G.C.
No sector armado do P.A.I.G.C. - escreveu Dutra Faria, na sua série de reportagens publicada no «Diário da Manhã» subordinada ao título «Guiné - Sol e Suor» - há, pois, que distinguir entre exército e milícia (por vezes passa a guerrilheiro o homem de qualquer tabanca controlada pelo P.A.I.G.C. que dá alguma evidente prova de valentia. À população dessas tabancas - segundo cálculos dignos de crédito, não mais de 30 mil pessoas em toda a Guiné — distribuem os guerrilheiros, de resto, armas para sua defesa, velhas Mauser e Kropatchek, quando não, mesmo, espingardas de caça. Os canhangulos é que já desapareceram de todo.
Milicianos são todos os homens das tabancas controladas pelo inimigo e que possuem uma arma. Em regra, os milicianos não participam nas operações ofensivas e, mesmo como força defensiva, o seu valor é escasso e o seu moral muito baixo. (Pode anotar-se, como elemento elucidativo, que em 1969 se verificaram 1734 apresentações de nativos e, até Julho de 1970, já ocorreram 1862 apresentações).
O exército por sua vez, é constituído pelos guerrilheiros (uns 5 mil, talvez) enquadrados em grupos cujo efectivo, em princípio, é de 50 homens, mais os oficiais — habitualmente 4 ou 5 por grupo, incluindo o comandante ou chefe de guerra e o comissário político, este destinado ao controle ideológico de cada elemento, inclusive o comandante.
Na actuação, a unidade táctica é, porém, quase sempre o bigrupo (2 grupos) de infantaria, apoiado por um grupo dotado de armas pesadas. Mas, na realidade, o efectivo de qualquer dessas unidades raramente soma os 150 homens.
Quando, todavia, dois bigrupos de infantaria actuam em regiões vizinhas, acontece que utilizam, alternadamente, o apoio do mesmo grupo de armas pesadas.
Num outro passo daquela reportagem, o seu autor refere que entre as armas apreendidas ao inimigo se encontram canhões sem recuo; morteiros; metralhadoras 14,5 antiaéreas sobre rodas, que horizontalmente também podem disparar granadas anticarro; «bazoocas»; metralhadoras antiaéreas quádruplas; metralhadora pesadas Gurianov; lança-granadas RPG-2 e RPG-7, este com um alcance que vai até aos 500 metros; metralhadoras ligeiras Degtyarev; espingardas automáticas Kalashnikov (adaptada pelo Exército soviético) e Siminov; carabinas Mosin Nagan; pistolas-metralhadoras Sudayev M-23 e M-25; pistolas Tokarev e Ceskae; pistolas-metralhadoras Berette.
Quanto aos instrutores - continua Dutra Faria a revelar na sua reportagem — de princípio foram, ao que parece, exclusivamente guinéus e cabo-verdianos treinados na Rússia e na Checoslováquia, os quais têm sido substituídos por instrutores estrangeiros: primeiro, supõe-se que argelinos e, agora, cubanos.
Numa entrevista concedida ao mesmo jornalista pelo general Spínola há uma referência a «um inimigo numeroso e persistente a quem não faltam nem armamento do mais moderno nem munições», e numa outra com o oficial cubano feito prisioneiro em 20 de Novembro do ano passado [1970], quando lhe foi perguntado se havia outros cubanos com os guerrilheiros do P.A.I.G.C., a resposta foi um simples Há acrescentada de alguns (instrutores militares, médicos e enfermeiros). Noutro passo, segundo afirma Dutra Faria, aquele oficial teria dito que conheceu, mesmo, um médico radiologista jugoslavo num dos hospitais do P.A.I.G.C.
Há guerrilheiros do P.A.I.G.C. que estão em armas, no mato, ininterruptamente, desde 1962 - escreve, ainda, Dutra Faria – e que adquiriram uma experiência de luta que faltará, quase sempre, aos seus adversários. O inimigo, indubitavelmente, move-se mais à vontade no mato (está no seu meio ambiente), por mais espesso, e na bolanha, por mais pantanosa, do que o combatente de origem metropolitana. Alguns dos chefes de guerra de Amílcar Cabral têm revelado qualidades de inteligência e de energia que os tornam temíveis como inimigos e que os têm enormemente prestigiado aos olhos dos que os seguem. Esses chefes de guerra são todos guinéus e o seu prestígio entre guerrilheiros deve seriamente preocupar tanto Amílcar Cabral como os cabo-verdianos que constituem, em Conakry, o estado-maior político do P.A.I.G.C. Segundo Dutra Faria, essa deve ter sido a razão por que Amílcar Cabral pediu a seu irmão Luís que fosse a Havana solicitar envio de instrutores cubanos.
Registe-se que Amílcar Cabral, numa entrevista concedida, recentemente, à revista norte-americana «Newsweek», sublinhou que «em 1962 encontrávamo-nos prontos para lutar, primeiro nas regiões do Sul e, depois, gradualmente, em todo o país. «No começo aprendemos táctica militar debaixo de fogo. Mais tarde montámos campos de treino. O nosso maior problema era criar um exército móvel formado por grupos de guerrilheiros locais.»
Aliás, Dutra Faria, numa das suas reportagens para a ANI, refere que «dos comandantes que dispõem, evidentemente, de larga autonomia de acção quando em operações, hoje, o de mais prestígio entre os guerrilheiros é um antigo cabo africano, o Nino, uma espécie de Ministro da guerra de Amilcar Cabral.
Na referida entrevista dada à «Newsweek», Amílcar Cabral revela ainda, a par de uma metodologia chinesa, que «é difícil dar uma ideia da grandeza actual do exército regular porque, num certo sentido, o nosso exercito é o povo inteiro. Apesar de tudo, não poderíamos prosseguir a nossa luta sozinhos. Além de outras nações africanas, os países socialistas - e em especial a União Soviética - forneceram-nos armas. Alguns países ocidentais, a Suécia por exemplo, têm-nos ajudado no campo humanitário».
O exército do P.A.I.G.C. divulga também - por intermédio dos serviços de Propaganda - comunicados referentes às acções que desenvolveu, na Guiné.
O CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DE LISBOA
Em 1948, três estudantes africanos - que viviam, como muitos outros, em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império - decidiram formar um centro de estudos africanos. Curiosamente, regista-se que esses três estudantes eram Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Mário de Andrade.
Manifestaram o interesse que tinham pelas línguas africanas para conseguir as necessárias autorizações para a fundação do Centro e adquiriram, assim, os meios para, com toda a legalidade, se reunirem, discutirem e, ainda, reafricanizarem-se, aprendendo as línguas dos povos de onde eram originários.
Entretanto, Andrade revelou-se um poeta na sua língua natal – o quimbundo -, Cabral continua os seus estudos sobre hidráulica, para se formar em Engenharia, e Neto, outro estudante de quimbundo, pretende formar-se em Medicina. As suas discussões levaram-nos à conclusão, por convicção, de que uma revolução, sob uma forma ou outra, seria necessária em qualquer momento para libertar cada um dos seus territórios e acreditaram que esse momento estava já próximo. Tornaram-se, portanto, revolucionários e separaram-se.
Agostinho Neto esteve várias vezes preso. Andrade refugiou-se em Paris, onde viveu conforme podia, até desempenhar o cargo de chefe da redacção da revista «Presença Africana». Cabral, por sua vez, volta à Guiné, como engenheiro-agrónomo, onde trabalha na Administração local.
Durante dois anos (1952 a 1954), Amílcar Cabral trabalha na Guiné percorrendo o território em todas as direcções e adquirindo um conhecimento local detalhado. No entanto, em 1953, pronuncia um discurso contra a dominação portuguesa, facto que lhe causa alguns dissabores, pelo que regressa a Lisboa onde consegue arranjar colocação para uma plantação de açúcar em Angola. Ali, em Dezembro de 1956, com o seu antigo condiscípulo Agostinho Neto, torna-se fundador do M.P.L.A. (Movimento Popular para a Libertação de Angola), evidentemente, na clandestinidade.
Amílcar Cabral, que nunca deixara de estar em contacto com os seus conterrâneos, alguns meses antes da fundação do M.P.L.A., no decorrer de uma reunião efectuada em Bissau, tomou a direcção da organização do P.A.I.G.C., igualmente na clandestinidade. Abandonou Angola c dirigiu-se a Bissau. Nesta cidade despede-se da mãe e desaparece da cena legal.
Sabe-se, no entanto, mais tarde, que em 19 de Setembro de 1959 - um domingo -, os chefes do P.A.I.G.C. se reuniram, secretamente, num arrabalde de Bissau e declararam-se a favor do combate contra os portugueses, por todos os meios possíveis, até mesmo a luta armada.
Entre os assistentes a essa reunião encontravam-se, entre outros, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral e Fernando Fortes, tendo presidido Amílcar Cabral, desde logo reconhecido como chefe.
PROGRAMA DE ACÇÃO
Não existe qualquer documento do que se passou nessa reunião mas, segundo um relatório confidencial do partido, redigido imediatamente depois o seu teor e conclusões foram os seguintes:
«Tendo passado em revista a experiência de três anos de luta política clandestina e depois de analisar a situação política, na reunião de 19 de Setembro de 1959, constatou-se à luz da experiência de Pidgiguiti que, pela própria natureza do colonialismo português, a luta por todos os meios, compreendendo a armada, é a única via que pode conduzir à libertação do país. Em resultado da passagem a nova fase e seguindo o princípio «esperar o melhor preparando-se para o pior» adoptou-se o programa de acção seguinte:
1 - Mobilizar e organizar rapidamente as massas de trabalhadores que se têm revelado, segundo a experiência, a força principal da luta de libertação nacional;
2 - Reforçar a organização nos meios urbanos, mantendo-a na clandestinidade, evitando-se qualquer manifestação pública;
3 - Desenvolver e reforçar a unidade dos africanos de todos os grupos étnicos, de todas as origens e categorias sociais, em redor do partido;
4 - Preparar o maior número de quadros, tanto no interior como no exterior, para a direcção política da organização e para o desenvolvimento vitorioso da luta;
5 - Mobilizar os emigrantes nos territórios vizinhos, para servirem na luta da liberalização e no futuro do povo:
6 - Lutar pela obtenção de meios indispensáveis que conduzam a vitória na luta.
Para garantir a segurança de uma parte dos dirigentes e para assegurar o desenvolvimento da luta no exterior, o partido decidiu mudar o seu secretariado-geral para o estrangeiro.»
DISCREPÂNCIAS
Afirma que «Cabral, nascido em Bafatá, filho de pais cabo-verdianos, é engenheiro-agrónomo, tem cerca de 40 anos e é casado com uma senhora europeia, natural da Metrópole. Quando estudante, além de ter sido vice-presidente da Casa dos Estudantes do Império, terá fundado em 1949, em Lisboa, juntamente com Agostinho Neto e Mário de Andrade, o organismo denominado Centro de Estudos, Africanos. Após ter concluído o seu curso, regressou a Guiné onde exerceu funções nos serviços de agricultura e publicou alguns interessantes artigos da sua especialidade no «Boletim Cultural da Guiné Portuguesa». Parece possível que, durante o período que exerceu funções públicas, tivesse sido alvo de quaisquer agravos da parte de um ou outro irresponsável que o tivessem levado a negar-se a si próprio e a deixar-se arrastar por impulsos de amor-próprio ferido.
Ao justificar .esta última afirmação, Pereira Neto baseia-se no «Boletim Geral do Ultramar» (Ano XL1, número 482, Agosto de 1965, pág. 268) e num artigo de Dutra Faria intitulado «Na Guiné Portuguesa junto à Cortina de Ferro».
ESTRUTURA RELATIVAMENTE SÓLIDA
Ao referir-se às ajudas recebidas pelo P.A.l.G.C., Hélio Felgas assinala que cerca de um quarto do auxílio recebido pelo Comité de Libertação da O.U.A. para os movimentos africanos reverte hoje a favor do P.A.l.G.C. que, de longe, e considerado o movimento mais bem estruturado de toda a África. Da Rússia, o P.A.l.G.C. recebe a maior parte do armamento e dos fundos e nela são treinados elementos combatentes e pessoal sanitário, etc. Muitos encarregados dos reabastecimentos, civis e militares, estagiaram na Alemanha Oriental, na Jugoslávia, na Checoslováquia, na Roménia e em Cuba. Neste ultimo país são feitos os fardamentos, embora parte do tecido empregue seja proveniente da China Popular. E é Cuba que fornece os mercenários, quer militares quer civis (médicos e enfermeiros, em especial). Alguns dos principais chefes militares do P.A.I.G.C. estagiaram em Pequim - de onde o partido recebeu, também, armamento, medicamentos, etc.
A Coreia do Norte e a Frente de Libertação Nacional (Vietcong) do Vietname parece forneceram treino militar a alguns elementos do P.A.I.G.C. Não há dúvidas sobre a presença na Guiné de «observadores» vietcongs. «E pessoalmente - termina o coronel Hélio Folgas - acreditamos que mercenários vietcongs venham a substituir os cubanos (que poucos resultados têm conseguido). Com eles aparecerão, talvez, na Guiné os foguetões e a inegável eficiência técnico-militar com que os norte-americanos têm deparado no Vietname.»
P.A.I.G.C. - MOVIMENTO QUE COMBATE NA GUINÉ
O coronel, Hélio Folgas publicou, recentemente, na «Revista Militar» um estudo subordinado ao tema «Os movimentos subversivos africanos» no qual se refere, entre outros, ao movimento designado por P.A.I.G.C.
Num dos capítulos desse trabalho, aquele oficial do Exercito, ao tecer considerações acerca dos movimentos subversivos do Ultramar Português acentua, num passo designado por «generalidades»:
«Estes movimentos actuam nas três províncias continentais e são, actualmente, dos mais antigos da África. O de Angola exteriorizou a sua acção a partir de 4 de Fevereiro de 1961. O da Guiné começou em meados do mesmo ano e o de Moçambique desencadeou os primeiros actos terroristas em Setembro de 1964. São, também, os mais importantes da África, tanto no aspecto político internacional como na estrutura interna e no potencial militar (ver noutro local «Como funciona o «exército» do P.A.I.G.C.») dos seus grupos combatentes. Não há, praticamente, reunião internacional africana alguma onde os seus dirigentes não sejam acolhidos como representantes dos respectivos territórios.»
Ao descrever a actuação do P.A.I.G.C. na Guiné, o coronel Hélio Felgas acentua: «Actos esporádicos de terrorismo tiveram lugar no Noroeste da nossa Guiné, junto da fronteira senegalesa, desde meados de 1961. Estavam a cargo do M.L.G. e foram rapidamente dominados pelas forças portuguesas bem auxiliadas pelas populações locais. Reiniciados em 1963, não tiveram êxito diferente, dissolvendo-se na primeira metade de 1964.
«A verdadeira luta começou no Sul, no princípio de 1963, desencadeada pelo P.A.I.G.C., dirigido por Amílcar Cabral e amplamente auxiliado pelo Governo de Conakry.
«Os grupos combatentes do P.A.I.G.C. surgiram logo muito bem armados e, dada a exiguidade da ocupação militar da província, não tiveram dificuldade em se infiltrar até ao rio Geba, cortando os principais itinerários e montando emboscadas às forças que procuravam manter a ordem. Actuando pela persuasão, nuns casos, pela força, noutros, e pelo terror, nos restantes, o P.A.I.G.C. conseguiu levar grande parte das populações locais a acompanhar os seus grupos até aos locais de refugio habilmente camuflados nas florestas ou até à República da Guiné.»
Acrescenta, ainda, o coronel Hélio Folgas no seu trabalho a que nos vimos reportando:
«Em Julho de 1963, o P.A.I.G.C. estendeu as suas infiltrações até às espessas matas de Oio, já a norte do rio Geba, e em Janeiro de 1964 começou a actuar na área de Farim. Em Agosto deste ano realizou algumas acções terroristas no Gabu, no canto nordeste da província, e apareceu no Boé, no Sudeste, no final do ano. Mas, a primeira tentativa de chegar ao chão manjaco, a oeste, foi eficientemente desfeita pelas forças militares, em Novembro de 1964, e só conseguiu concretizar-se em meados de 1965.
«A actuação ao norte do rio Geba só ganhou alguma eficiência depois do P.A.I.G.C. ter estabelecido com o Governo senegalês o acordo de 21 de Março de 1966 . Até aí, a maior parte dos reabastecimentos para aquela região era transportada desde o Sul, atravessando quase toda a Guiné e sofrendo ataques das tropas portuguesas.»
O P.A.I.G.C. constituiu-se em 1956 e, em 1961, o movimento não era mais do que uma guarda avançada composta por homens e mulheres muito resolutos, ao qual se juntavam depois centenas de jovens voluntários que, pouco a pouco, adquiriram experiência e funções de direcção. Entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, os chefes do partido julgaram oportuno proceder à reorganização e à democratização do movimento. Reuniram-se num congresso, algures nas florestas do Sul, e nele foram tomadas grandes decisões. O território - segundo a mesma fonte - foi dividido em regiões e zonas, respectivamente para a administração política e comando militar, e a reestruturaçâo do partido assentou nas bases seguintes:
l - Secretariado político de 20 membros (15 efectivos e 5 suplentes) para eleição de um «comité» executivo de 7 membros (Amilcar Cabral foi designado secretário-geral, sendo os restantes elementos Aristides Pereira, Luís Cabral, Osvaldo Vieira, Bernardo Vieira «Nino» e dois outros cuja identidade não foi revelada. A idade média daqueles elementos, em 1964, era de 31 anos);
2- «Comité» executivo de 65 membros (dos quais, 20 eram candidatos), dividido em 7 departamentos:
a) - forças armadas;
b) - negócios estrangeiros;
c) - «controle» político das forças armadas e aparelho do partido;
d) - secretariado dos quadros políticos, para a informação e para a propaganda;
e) - segurança;
O - economia e finanças; e,
g) - desenvolvimento e coordenação da organização do partido no meio da população; constituição de «comités» de aldeias e integração nos «comités» regionais.
A esta reorganização outras se seguiram e, assim, os departamentos foram reduzidos a cinco, em 1967, controlados, na prática, pelo «comité» executivo:
1 - Comissão de «controle» - encarregada de verificar o trabalho concreto em cada estrato da estrutura do partido; desenvolvimento que se considere oportuno em resultado da multiplicação dos membros e das actividades do partido;
2 - Comissão de segurança - que se encarregará, principalmente, da informação;
3-Comissão dos Negócios Estrangeiros;
4 — Comissão para a reconstrução nacional — a qual se ocupará, especialmente, da h
AS FORÇAS ARMADAS DO P.A.I.G.C.
No sector armado do P.A.I.G.C. - escreveu Dutra Faria, na sua série de reportagens publicada no «Diário da Manhã» subordinada ao título «Guiné - Sol e Suor» - há, pois, que distinguir entre exército e milícia (por vezes passa a guerrilheiro o homem de qualquer tabanca controlada pelo P.A.I.G.C. que dá alguma evidente prova de valentia. À população dessas tabancas - segundo cálculos dignos de crédito, não mais de 30 mil pessoas em toda a Guiné — distribuem os guerrilheiros, de resto, armas para sua defesa, velhas Mauser e Kropatchek, quando não, mesmo, espingardas de caça. Os canhangulos é que já desapareceram de todo.
Milicianos são todos os homens das tabancas controladas pelo inimigo e que possuem uma arma. Em regra, os milicianos não participam nas operações ofensivas e, mesmo como força defensiva, o seu valor é escasso e o seu moral muito baixo. (Pode anotar-se, como elemento elucidativo, que em 1969 se verificaram 1734 apresentações de nativos e, até Julho de 1970, já ocorreram 1862 apresentações).
O exército por sua vez, é constituído pelos guerrilheiros (uns 5 mil, talvez) enquadrados em grupos cujo efectivo, em princípio, é de 50 homens, mais os oficiais — habitualmente 4 ou 5 por grupo, incluindo o comandante ou chefe de guerra e o comissário político, este destinado ao controle ideológico de cada elemento, inclusive o comandante.
Na actuação, a unidade táctica é, porém, quase sempre o bigrupo (2 grupos) de infantaria, apoiado por um grupo dotado de armas pesadas. Mas, na realidade, o efectivo de qualquer dessas unidades raramente soma os 150 homens.
Quando, todavia, dois bigrupos de infantaria actuam em regiões vizinhas, acontece que utilizam, alternadamente, o apoio do mesmo grupo de armas pesadas.
Num outro passo daquela reportagem, o seu autor refere que entre as armas apreendidas ao inimigo se encontram canhões sem recuo; morteiros; metralhadoras 14,5 antiaéreas sobre rodas, que horizontalmente também podem disparar granadas anticarro; «bazoocas»; metralhadoras antiaéreas quádruplas; metralhadora pesadas Gurianov; lança-granadas RPG-2 e RPG-7, este com um alcance que vai até aos 500 metros; metralhadoras ligeiras Degtyarev; espingardas automáticas Kalashnikov (adaptada pelo Exército soviético) e Siminov; carabinas Mosin Nagan; pistolas-metralhadoras Sudayev M-23 e M-25; pistolas Tokarev e Ceskae; pistolas-metralhadoras Berette.
Quanto aos instrutores - continua Dutra Faria a revelar na sua reportagem — de princípio foram, ao que parece, exclusivamente guinéus e cabo-verdianos treinados na Rússia e na Checoslováquia, os quais têm sido substituídos por instrutores estrangeiros: primeiro, supõe-se que argelinos e, agora, cubanos.
Numa entrevista concedida ao mesmo jornalista pelo general Spínola há uma referência a «um inimigo numeroso e persistente a quem não faltam nem armamento do mais moderno nem munições», e numa outra com o oficial cubano feito prisioneiro em 20 de Novembro do ano passado [1970], quando lhe foi perguntado se havia outros cubanos com os guerrilheiros do P.A.I.G.C., a resposta foi um simples Há acrescentada de alguns (instrutores militares, médicos e enfermeiros). Noutro passo, segundo afirma Dutra Faria, aquele oficial teria dito que conheceu, mesmo, um médico radiologista jugoslavo num dos hospitais do P.A.I.G.C.
Há guerrilheiros do P.A.I.G.C. que estão em armas, no mato, ininterruptamente, desde 1962 - escreve, ainda, Dutra Faria – e que adquiriram uma experiência de luta que faltará, quase sempre, aos seus adversários. O inimigo, indubitavelmente, move-se mais à vontade no mato (está no seu meio ambiente), por mais espesso, e na bolanha, por mais pantanosa, do que o combatente de origem metropolitana. Alguns dos chefes de guerra de Amílcar Cabral têm revelado qualidades de inteligência e de energia que os tornam temíveis como inimigos e que os têm enormemente prestigiado aos olhos dos que os seguem. Esses chefes de guerra são todos guinéus e o seu prestígio entre guerrilheiros deve seriamente preocupar tanto Amílcar Cabral como os cabo-verdianos que constituem, em Conakry, o estado-maior político do P.A.I.G.C. Segundo Dutra Faria, essa deve ter sido a razão por que Amílcar Cabral pediu a seu irmão Luís que fosse a Havana solicitar envio de instrutores cubanos.
Registe-se que Amílcar Cabral, numa entrevista concedida, recentemente, à revista norte-americana «Newsweek», sublinhou que «em 1962 encontrávamo-nos prontos para lutar, primeiro nas regiões do Sul e, depois, gradualmente, em todo o país. «No começo aprendemos táctica militar debaixo de fogo. Mais tarde montámos campos de treino. O nosso maior problema era criar um exército móvel formado por grupos de guerrilheiros locais.»
Aliás, Dutra Faria, numa das suas reportagens para a ANI, refere que «dos comandantes que dispõem, evidentemente, de larga autonomia de acção quando em operações, hoje, o de mais prestígio entre os guerrilheiros é um antigo cabo africano, o Nino, uma espécie de Ministro da guerra de Amilcar Cabral.
Na referida entrevista dada à «Newsweek», Amílcar Cabral revela ainda, a par de uma metodologia chinesa, que «é difícil dar uma ideia da grandeza actual do exército regular porque, num certo sentido, o nosso exercito é o povo inteiro. Apesar de tudo, não poderíamos prosseguir a nossa luta sozinhos. Além de outras nações africanas, os países socialistas - e em especial a União Soviética - forneceram-nos armas. Alguns países ocidentais, a Suécia por exemplo, têm-nos ajudado no campo humanitário».
O exército do P.A.I.G.C. divulga também - por intermédio dos serviços de Propaganda - comunicados referentes às acções que desenvolveu, na Guiné.
Guiné 63/74 - P117: Antologia (8): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (1ª Parte) (Marques Lopes)
Texto enviado pelo A. Marques Lopes, em 30 de Junho de 2005, na véspera de ir de férias.
Caros camaradas de tertúlia:
Vejam este dossiê que extraí de um longo artigo ("Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque") da extinta revista Vida Mundial, de 19 de Fevereiro de 1971.
Mesmo este extracto é um pouco longo também, mas vale a pena lê-lo, sobretudo no aspecto da organização do PAIGC, o seu exército regular e a forma como actuavam, bem como a fase preparativa da sublevação. Por exemplo, no plano da Operação Fanta é evidente que não atacavam ao acaso, e nós sabemo-lo. Há também uns comunicados do SIPFA (Serviço de Informação Pública das Forças Armadas) com interesse.
É um documento feito no tempo da velha senhora, mas considero-o uma boa peça jornalística, com intenção de elucidar sobre muita coisa, embora condimentada com algumas citações para dar uns posinhos da objectividade do regime.
Nas circunstâncias e limitações que havia, [a Vida Mundial] foi uma revista com alguns trabalhos de interesse, e muitos jornalistas democratas e antifascistas trabalharam nela, fazendo o possível para que alguma coisa passasse nas malhas da censura.
A. Marques Lopes
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A ORIGEM DA PALAVRA GUINÉ
Qual a origem e o que se entende, exactamente, pela palavra Guiné? João Ameal, no seu estudo «Perspectiva histórica sobre a Guiné e Cabo Verde», responde a essa pergunta nos termos seguintes:
«No curso dos tempos, diversos significados lhe têm sido atribuídos. A sua origem estará, porventura, no nome de um aglomerado que, segundo alguns, data do século XI - mais precisamente de 1040 - aglomerado sito junto às margens do Alto Níger, a cerca de 14 graus de latitude Norte. Por ser um centro bastante frequentado pelas caravanas de mercadores sudaneses e outros, que andavam em constante negócio com os povos da Arábia, espalhou-se, muito cedo, a suafama e chegou mesmo até países da orla mediterrânica. Aparecia designado por modos diferentes: Geny, Gena, Ginya, Genni, Gineva, Djienné, Djenné, Gynoia – tantos como as pronunciações fantasiosas dos caravaneiros de múltiplas raças e origens (João de Barros chamou-lhe, por sua vez, Guinauhá). E acabou por cristalizar, entre nós, de preferência, na forma Guiné, às vezes, também, Guinee ou Guinea.»
Por sua vez, António de Almeida, num trabalho intitulado «Das Etnias da Guiné Portuguesa, do Arquipélago de Cabo Verde e das Ilhas de São Tomé e Príncpe» refere que «o topónimo Guiné figura na grande maioria dos idiomas das gentes nativas desta província e nos crioulos do Cacheu, de Bolama e de Bissau - os mais importantes e praticamente idênticos; com efeito, o nome Guine dado aos territórios habitados por negros da África Ocidental, ao norte do Equador, após o descobrimento pelos portugueses, em 1446, é equivalente, embora evidenciando amiúde alterações fonéticas que, alias, não conseguem encobrir a sua etimologia».
Acrescenta, ainda, António de Almeida que, de acordo com informações colhidas «in loco», o vocábulo toma as formas Ghiné ou Djiné (felupes e baiotes); Ghiné (mandingas, manjacos e saracolés); Njiné (naius de Catió); -Njini Bo-portuguêsse (papéis, querendo dizer «Guiné dos Portugueses»); Njiné (brames de Bula); Njiné e Ghiné (futa-fulas e . no crioulo de Bissau); Guiné (fulas-forros); Guiné Portuguisse (cassangas); Guiné Portuguêsse (brames de Bolama e nos crioulos de Bolame e Cacheu); Guiné Portuguêsse, La Guiné (fulas-pretos) e Guiné Bo-portuguêsse (biafadas).
Referindo-se ao termo Guiné, António de Almeida acentua que «seja qual for o motivo da adopção da palavra Guiné, provenha ou não de Guinéus (derivado de Ghináweu - Fernando Rogado Quintino) ou da denominação do remoto e prestigioso reino de Gana (Ghana, Ghanah, Ganata) dos Árabes e Kumbi dos Negros, e se filie, ou não, no Guinauha do topónimo do centro urbano Jenné ou Ujenné, quer derive, ainda, do nome do império e cidade de Ghana (Manuel Dias Belchior), do que não restam dúvidas é de que os antepenúltimo e penúltimo vocábulos se revelam análogos, morfológica e foneticamente, às designações correntemente empregadas, ainda hoje, pelos naturais da Guiné Portuguesa nos próprios idomas ou nos crioulos».
(...)
ORGANIZAÇÕES QUE LUTAM (OU LUTARAM) NA GUINÉ
É muito frequente aparecer no noticiário referente aos acontecimentos da Guiné uma série de siglas identificadoras das organizações a que pertencem os guerrilheiros que lutam (ou lutaram) naquele território, os quais, dispõem de bases nas nações vizinhas.
Pouco mais se sabe, todavia, do que a tradução dessas siglas, desconhecendo-se, quase em absoluto, quais as motivações determinantes do aparecimento das respectivas organizações. Para uma mais esclarecida informação apresentamos, esquematicamente, a indicação das referidas siglas e alguns elementos que permitem saber os porquês da sua existência.
P. A. I. G. (Partido Africano para a Independência da Guiné) - Fundado antes de 1957 por Amílcar Cabral, este agrupamento, que antecedeu o P.A.I.G.C., colaborava com os organizadores do M.P.L.A. (Movimento para a Libertação de Angola) e com alguns revolucionários de Cabo Verde, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe no seio do M.A.C.
M.A.C. (Movimento Anti-Colonialista) - Movimento que foi dado como extinto, em Tunes [Tunísia], em Janeiro de 1960, por ocasião da II Conferência dos Povos Africanos. Deu origem ao F.R.A.I.N.
F.R.A.I.N. (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas) - Esta organização englobava, após a extinção do M.A.C., os movimentos conhecidos por P.A.I.G.C., M.P.L.A. e a U.P.A. Foi extinto em Abril de 1961 para surgir com a designação de C.O.N.C.P.
C.O.N.C.P. (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) - Como o próprio nome indica, este movimento resultou de uma associação dos vários movimentos existentes para conseguirem a «Independência Nacional das Colónias Portuguesas» e apareceu com esta designação após várias alterações já anteriormente assinaladas.
M.L.G.C. (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde) - Este partido dividiu-se em dois porque os naturais da Guiné (cerca de 60 mil), residentes no Senegal, não desejavam qualquer associação com os cabo-verdianos. Surgiu, assim, o M.L.G.
M. L. G. (Movimento de Libertação da Guiné) – Organização constituída quase exclusivamente por manjacos (...). Este movimento tinha por chefe François Mendy, estudante de Direito, de ascendência manjaca, nascido no Senegal e que cumprira o serviço militar no Exército francês. A organização estava dividida em duas, pois tinha uma filial em Conakry (M.L.G.-Conakry) e uma outra delegação, embora rudimentarmente estruturada, em Bissau (M.L.G.-Bissau), segundo revelou, em Agosto de 1963, o jornal Le Monde Diplomatique.
U.P.L.G. (União Popular para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Este movimento enquadrava alguns fulas residentes no Senegal.
R.D.A.L.(Reagrupamento Democrático Africano para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Esta organização parecia englobar os mandingas existentes no Senegal.
U.P.G. (Unido das Populações da Guiné dita Portuguesa) – Esta associação apareceu após a dissolução do M.L.G.C, e tinha uma secção formada por naturais da Guine, em Kolda, província senegalesa do Casamansa.
U.G.T.G. (União Geral dos Trabalhadores Guineenses) – Órgão paralelo à U.N.T.G. (União Nacional dos Trabalhadores Guineenses) e que forma uma secção do P.A.I.G.C. Estes agrupamentos têm carácter sindicalista.
U.N.G.P. - Alguns elementos do M.L.G.-Bissau e do U.P.G. aderiram ao U.N.G.P., mas o comité da Organização da Unidade Africana considerou-o como movimento que, efectivamente, não combatia a presença portuguesa. Após a decisão da O.U.A. acima referida, o U.N.G.P. viu decrescer a sua importância.
Alguns destes movimentos, como o M.A.C., o F.R.A.I.N. e o C.O.N.C.P. não chegaram a lutar e, presentemente, só o P.A.I.G.C. parece dispor de força na Guiné. A esse movimento, pela importância de que se reveste, nos referiremos mais em pormenor noutro local deste dossier. Acentue-se, no entanto, que o P.A.I.G.C. foi fundado em 1956 e o seu chefe é Amilcar Cabral.
A LUTA NA GUINÉ: PORQUÊ... COMO...
A Guiné - escreve João Baptista Nunes Pereira Neto, no seu estudo «Movimentos subversivos da Guiné, Cabo Verde c São Tomé e Príncipe - Tentativa de esboço sociopolítico», publicado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina - foi, durante muito tempo, teatro de agitação que, praticamente, só cessou no continente, em 1915, devido à acção decisiva de Teixeira Pinto, embora, nas duas décadas subsequentes, tivesse, por vezes, havido necessidade de submeter as populações de algumas ilhas do arquipélago de Bijagós.
Terminadas estas últimas operações, gozou (a Guiné), praticamente, um quarto de século de paz - acrescenta o mesmo autor, que continua, assim, o seu estudo: «No entanto, pouco depois da independência da República da Guiné, conseguida em fins de Novembro de 1958, esta província portuguesa passou a ser citada nos órgãos da informação internacionais como sendo alvo das atenções conjuntas de N'Krumâ e Sekou Touré, que desejariam criar a Federação dos Estados Unidos da África Ocidental, a qual englobaria, além daquela parcela do território português, a Libéria, a Serra Leoa, a Gâmbia, a Costa do Marfim, o Gana, a República da Guiné e a Nigéria.
«Um ministro deste último país - continua Pereira Neto - parecia mesmo ter projectos mais audaciosos a esse respeito, pois sugeria que nessa federação entrassem, além daqueles países e territórios, o Togo, o Níger, o actuai Mali, a República do Alto Volta, os Camarões, o Daomé e o Senegal.»
Prosseguindo o referido estudo, o aludido autor acentua que «esses projectos de reagrupamento, que tanta tinta fizeram correr nos primeiros meses após a ascensão à independência de alguns países, depressa caíram no esquecimento e, assim, a Guiné deixa, novamente, de despertar as atenções dos órgãos da informação internacional mas, infelizmente, por alguns meses, pois, em 3 de Agosto de 1959, deu-se um grave incidente no porto de Bissau, devido a uma paralisação de trabalho, em virtude do qual houve alguns mortos e feridos.
«Após um pequeno surto de interesse provocado por esse incidente e pelo subsequente envio, poucos dias depois, de um reduzido contingente de tropas - que foi o primeiro que na actual conjuntura se teve de deslocar para o Ultramar - tudo se manteve calmo.»
Fonte: "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971.
Selecção e notas de A. Marques Lopes.
Caros camaradas de tertúlia:
Vejam este dossiê que extraí de um longo artigo ("Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque") da extinta revista Vida Mundial, de 19 de Fevereiro de 1971.
Mesmo este extracto é um pouco longo também, mas vale a pena lê-lo, sobretudo no aspecto da organização do PAIGC, o seu exército regular e a forma como actuavam, bem como a fase preparativa da sublevação. Por exemplo, no plano da Operação Fanta é evidente que não atacavam ao acaso, e nós sabemo-lo. Há também uns comunicados do SIPFA (Serviço de Informação Pública das Forças Armadas) com interesse.
É um documento feito no tempo da velha senhora, mas considero-o uma boa peça jornalística, com intenção de elucidar sobre muita coisa, embora condimentada com algumas citações para dar uns posinhos da objectividade do regime.
Nas circunstâncias e limitações que havia, [a Vida Mundial] foi uma revista com alguns trabalhos de interesse, e muitos jornalistas democratas e antifascistas trabalharam nela, fazendo o possível para que alguma coisa passasse nas malhas da censura.
A. Marques Lopes
_________________
A ORIGEM DA PALAVRA GUINÉ
Qual a origem e o que se entende, exactamente, pela palavra Guiné? João Ameal, no seu estudo «Perspectiva histórica sobre a Guiné e Cabo Verde», responde a essa pergunta nos termos seguintes:
«No curso dos tempos, diversos significados lhe têm sido atribuídos. A sua origem estará, porventura, no nome de um aglomerado que, segundo alguns, data do século XI - mais precisamente de 1040 - aglomerado sito junto às margens do Alto Níger, a cerca de 14 graus de latitude Norte. Por ser um centro bastante frequentado pelas caravanas de mercadores sudaneses e outros, que andavam em constante negócio com os povos da Arábia, espalhou-se, muito cedo, a suafama e chegou mesmo até países da orla mediterrânica. Aparecia designado por modos diferentes: Geny, Gena, Ginya, Genni, Gineva, Djienné, Djenné, Gynoia – tantos como as pronunciações fantasiosas dos caravaneiros de múltiplas raças e origens (João de Barros chamou-lhe, por sua vez, Guinauhá). E acabou por cristalizar, entre nós, de preferência, na forma Guiné, às vezes, também, Guinee ou Guinea.»
Por sua vez, António de Almeida, num trabalho intitulado «Das Etnias da Guiné Portuguesa, do Arquipélago de Cabo Verde e das Ilhas de São Tomé e Príncpe» refere que «o topónimo Guiné figura na grande maioria dos idiomas das gentes nativas desta província e nos crioulos do Cacheu, de Bolama e de Bissau - os mais importantes e praticamente idênticos; com efeito, o nome Guine dado aos territórios habitados por negros da África Ocidental, ao norte do Equador, após o descobrimento pelos portugueses, em 1446, é equivalente, embora evidenciando amiúde alterações fonéticas que, alias, não conseguem encobrir a sua etimologia».
Acrescenta, ainda, António de Almeida que, de acordo com informações colhidas «in loco», o vocábulo toma as formas Ghiné ou Djiné (felupes e baiotes); Ghiné (mandingas, manjacos e saracolés); Njiné (naius de Catió); -Njini Bo-portuguêsse (papéis, querendo dizer «Guiné dos Portugueses»); Njiné (brames de Bula); Njiné e Ghiné (futa-fulas e . no crioulo de Bissau); Guiné (fulas-forros); Guiné Portuguisse (cassangas); Guiné Portuguêsse (brames de Bolama e nos crioulos de Bolame e Cacheu); Guiné Portuguêsse, La Guiné (fulas-pretos) e Guiné Bo-portuguêsse (biafadas).
Referindo-se ao termo Guiné, António de Almeida acentua que «seja qual for o motivo da adopção da palavra Guiné, provenha ou não de Guinéus (derivado de Ghináweu - Fernando Rogado Quintino) ou da denominação do remoto e prestigioso reino de Gana (Ghana, Ghanah, Ganata) dos Árabes e Kumbi dos Negros, e se filie, ou não, no Guinauha do topónimo do centro urbano Jenné ou Ujenné, quer derive, ainda, do nome do império e cidade de Ghana (Manuel Dias Belchior), do que não restam dúvidas é de que os antepenúltimo e penúltimo vocábulos se revelam análogos, morfológica e foneticamente, às designações correntemente empregadas, ainda hoje, pelos naturais da Guiné Portuguesa nos próprios idomas ou nos crioulos».
(...)
ORGANIZAÇÕES QUE LUTAM (OU LUTARAM) NA GUINÉ
É muito frequente aparecer no noticiário referente aos acontecimentos da Guiné uma série de siglas identificadoras das organizações a que pertencem os guerrilheiros que lutam (ou lutaram) naquele território, os quais, dispõem de bases nas nações vizinhas.
Pouco mais se sabe, todavia, do que a tradução dessas siglas, desconhecendo-se, quase em absoluto, quais as motivações determinantes do aparecimento das respectivas organizações. Para uma mais esclarecida informação apresentamos, esquematicamente, a indicação das referidas siglas e alguns elementos que permitem saber os porquês da sua existência.
P. A. I. G. (Partido Africano para a Independência da Guiné) - Fundado antes de 1957 por Amílcar Cabral, este agrupamento, que antecedeu o P.A.I.G.C., colaborava com os organizadores do M.P.L.A. (Movimento para a Libertação de Angola) e com alguns revolucionários de Cabo Verde, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe no seio do M.A.C.
M.A.C. (Movimento Anti-Colonialista) - Movimento que foi dado como extinto, em Tunes [Tunísia], em Janeiro de 1960, por ocasião da II Conferência dos Povos Africanos. Deu origem ao F.R.A.I.N.
F.R.A.I.N. (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas) - Esta organização englobava, após a extinção do M.A.C., os movimentos conhecidos por P.A.I.G.C., M.P.L.A. e a U.P.A. Foi extinto em Abril de 1961 para surgir com a designação de C.O.N.C.P.
C.O.N.C.P. (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) - Como o próprio nome indica, este movimento resultou de uma associação dos vários movimentos existentes para conseguirem a «Independência Nacional das Colónias Portuguesas» e apareceu com esta designação após várias alterações já anteriormente assinaladas.
M.L.G.C. (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde) - Este partido dividiu-se em dois porque os naturais da Guiné (cerca de 60 mil), residentes no Senegal, não desejavam qualquer associação com os cabo-verdianos. Surgiu, assim, o M.L.G.
M. L. G. (Movimento de Libertação da Guiné) – Organização constituída quase exclusivamente por manjacos (...). Este movimento tinha por chefe François Mendy, estudante de Direito, de ascendência manjaca, nascido no Senegal e que cumprira o serviço militar no Exército francês. A organização estava dividida em duas, pois tinha uma filial em Conakry (M.L.G.-Conakry) e uma outra delegação, embora rudimentarmente estruturada, em Bissau (M.L.G.-Bissau), segundo revelou, em Agosto de 1963, o jornal Le Monde Diplomatique.
U.P.L.G. (União Popular para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Este movimento enquadrava alguns fulas residentes no Senegal.
R.D.A.L.(Reagrupamento Democrático Africano para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Esta organização parecia englobar os mandingas existentes no Senegal.
U.P.G. (Unido das Populações da Guiné dita Portuguesa) – Esta associação apareceu após a dissolução do M.L.G.C, e tinha uma secção formada por naturais da Guine, em Kolda, província senegalesa do Casamansa.
U.G.T.G. (União Geral dos Trabalhadores Guineenses) – Órgão paralelo à U.N.T.G. (União Nacional dos Trabalhadores Guineenses) e que forma uma secção do P.A.I.G.C. Estes agrupamentos têm carácter sindicalista.
U.N.G.P. - Alguns elementos do M.L.G.-Bissau e do U.P.G. aderiram ao U.N.G.P., mas o comité da Organização da Unidade Africana considerou-o como movimento que, efectivamente, não combatia a presença portuguesa. Após a decisão da O.U.A. acima referida, o U.N.G.P. viu decrescer a sua importância.
Alguns destes movimentos, como o M.A.C., o F.R.A.I.N. e o C.O.N.C.P. não chegaram a lutar e, presentemente, só o P.A.I.G.C. parece dispor de força na Guiné. A esse movimento, pela importância de que se reveste, nos referiremos mais em pormenor noutro local deste dossier. Acentue-se, no entanto, que o P.A.I.G.C. foi fundado em 1956 e o seu chefe é Amilcar Cabral.
A LUTA NA GUINÉ: PORQUÊ... COMO...
A Guiné - escreve João Baptista Nunes Pereira Neto, no seu estudo «Movimentos subversivos da Guiné, Cabo Verde c São Tomé e Príncipe - Tentativa de esboço sociopolítico», publicado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina - foi, durante muito tempo, teatro de agitação que, praticamente, só cessou no continente, em 1915, devido à acção decisiva de Teixeira Pinto, embora, nas duas décadas subsequentes, tivesse, por vezes, havido necessidade de submeter as populações de algumas ilhas do arquipélago de Bijagós.
Terminadas estas últimas operações, gozou (a Guiné), praticamente, um quarto de século de paz - acrescenta o mesmo autor, que continua, assim, o seu estudo: «No entanto, pouco depois da independência da República da Guiné, conseguida em fins de Novembro de 1958, esta província portuguesa passou a ser citada nos órgãos da informação internacionais como sendo alvo das atenções conjuntas de N'Krumâ e Sekou Touré, que desejariam criar a Federação dos Estados Unidos da África Ocidental, a qual englobaria, além daquela parcela do território português, a Libéria, a Serra Leoa, a Gâmbia, a Costa do Marfim, o Gana, a República da Guiné e a Nigéria.
«Um ministro deste último país - continua Pereira Neto - parecia mesmo ter projectos mais audaciosos a esse respeito, pois sugeria que nessa federação entrassem, além daqueles países e territórios, o Togo, o Níger, o actuai Mali, a República do Alto Volta, os Camarões, o Daomé e o Senegal.»
Prosseguindo o referido estudo, o aludido autor acentua que «esses projectos de reagrupamento, que tanta tinta fizeram correr nos primeiros meses após a ascensão à independência de alguns países, depressa caíram no esquecimento e, assim, a Guiné deixa, novamente, de despertar as atenções dos órgãos da informação internacional mas, infelizmente, por alguns meses, pois, em 3 de Agosto de 1959, deu-se um grave incidente no porto de Bissau, devido a uma paralisação de trabalho, em virtude do qual houve alguns mortos e feridos.
«Após um pequeno surto de interesse provocado por esse incidente e pelo subsequente envio, poucos dias depois, de um reduzido contingente de tropas - que foi o primeiro que na actual conjuntura se teve de deslocar para o Ultramar - tudo se manteve calmo.»
Fonte: "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971.
Selecção e notas de A. Marques Lopes.
Guiné 63/74 - P116: Bibliografia de uma guerra (8): A Guerra Colonial, o MFA e o 25 de Abril (A. Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967, e da CCAÇ 3, Barro, 1968; actualmente Coronel, DFA, na situação de reforma):
TÍTULO: Guiné, três vezes vinte e cinco
AUTOR: Luís Ataíde Banazol, tenente-coronel
EDITOR: Prelo
ANO: 1974
Neste livro, em linguagem coloquial e aliterária, narram-se algumas situações no período imediatamente antes e depois do 25 de Abril na Guiné.
O tenente-coronel Banazol, que foi mandado para a Guiné à frente de um batalhão que se recusara a embarcar, mas que a isso fora obrigado, e com destino a Bambadinca, convocou uma reunião de oficiais, em Fevereiro de 1974, quando já estava em Bissau.
A reunião realizou-se em Nhacra e , entre outros, estavam os capitães do quadro Matos Gomes (o Carlos Viale Ferraz, do Nó Cego ) e José Manuel Barroso e o capitão miliciano Franco. A ideia transmitida pelo tenente-coronel Banazol era cercar o Comando-Chefe com o seu batalhão e tomar o poder na Guiné.
Embora entusiasmados, os participantes acharam que seria uma acção prematura e que poderia pôr em risco o "Movimento" já em andamento na metrópole. Mas o Banazol,insatisfeito, fez uma circular, "Movimento de Resistência das Forças Armadas", em Março de 1974, apelando à rebelião para Maio de 1974. O tenente-coronel Banazol estivera desde o início na formação do Movimento das Forças Armadas.
E a verdade é que o MFA já decidira que, se falhasse o 25 de Abril na metrópole, a rebelião se deveria dar na Guiné. Mas o 25 de Abril teve sucesso. De qualquer modo, e para garantir, o MFA da Guiné tomou imediatamente o poder em 26 de Abril de 1974, "destronando" o brigadeiro Bettencourt Resende, então Comandante-Chefe do CTIG.
O tenente-coronel Banazol é também autor do livro As Origens do Movimento das Forças Armadas. O Guiné-Bissau Três Vezes Vinte e Cinco não é o relato desse período pré-insurreccional, mas dá umas pinceladas do espírito vivido nesse período.
TÍTULO: Uma Noite na Guerra
AUTOR: Carlos Coutinho
EDITOR: Campo das Letras
ANO: 2003
Vai mais um para a bibliografia. É Uma Noite na Guerra, de Carlos Coutinho. Além da nota biográfica que envio e que é a que consta na contracapa do livro, acrescento mais um dado: o Carlos Coutinho foi preso pela PIDE/DGS em Fevereiro de 1973 porque fazia parte da ARA (Acção Revolucionária Armada), que era, digamos, e para facilitar, o braço armado do PCP.
Na bibliografia que consta da página do Jorge Santos, está lá este livro como tendo sido editado pela Editora Caminho em 1978. Alguma coisa deve estar mal, pois esta é a primeira edição da obra, publicada pela editora Campo das Letras em 2003. Admito, no entanto, que a Caminho tenha editado uma versão anterior, não tão completa.
"Sendo ficção, Uma Noite na Guerra assenta, assumidamente, uma certa historicidade, que é a característica de quase toda a obra literária de Carlos Coutinho. Concebida como uma novela atípica, ao gosto de um certo experimentalismo dos anos 70, aproxima-se às vezes da crónica antropológica, do testemunho, da reportagem psicológica e mesmo da literatura oral dos antigos rapsodos, colhendo sinais díspares de um clima psicológico desagregado, próprio de uma pequena cidade sertaneja moçambicana que teimava em sobreviver no coração da guerra colonial no dilacerado planalto do Niassa. Aí se cruzam vidas apressadas ou breves de bichos e homens, militares e civis, crianças e adultos, vítimas e carrascos, resistentes e cúmplices, oportunistas e angustiados, mãos limpas e mãos sujas, temperando aquele caldo espesso e azedo que foi idêntico em Moçambique, Angola e Guiné e em que levedaram algumas das energias do Movimento das Forças Armadas e da gesta popular que sucedeu ao 25 de Abril de 1974.» (Texto da contracapa).
Nota sobre o autor:
"Carlos Alberto da Silva Coutinho nasceu em 1943. Mobilizado para a guerra colonial, passou dois anos em Moçambique como enfermeiro militar de Neuropsiquiatria.
"Muito empenhado na agitação política, participou num movimento espontâneo e nunca articulado de criadores de cantigas de protesto que esteve na origem do Cancioneiro do Niassa. Regressado a Lisboa em 1969, enveredou pelo jornalismo e integrou-se mais profundamente na luta política contra o fascismo e a guerra colonial, vindo a ser preso em Fevereiro de 1973. Foi libertado em 26 de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, tendo retomado a sua carreira jornalística em paralelo com uma actividade literária diversificada".
TÍTULO: Guiné, três vezes vinte e cinco
AUTOR: Luís Ataíde Banazol, tenente-coronel
EDITOR: Prelo
ANO: 1974
Neste livro, em linguagem coloquial e aliterária, narram-se algumas situações no período imediatamente antes e depois do 25 de Abril na Guiné.
O tenente-coronel Banazol, que foi mandado para a Guiné à frente de um batalhão que se recusara a embarcar, mas que a isso fora obrigado, e com destino a Bambadinca, convocou uma reunião de oficiais, em Fevereiro de 1974, quando já estava em Bissau.
A reunião realizou-se em Nhacra e , entre outros, estavam os capitães do quadro Matos Gomes (o Carlos Viale Ferraz, do Nó Cego ) e José Manuel Barroso e o capitão miliciano Franco. A ideia transmitida pelo tenente-coronel Banazol era cercar o Comando-Chefe com o seu batalhão e tomar o poder na Guiné.
Embora entusiasmados, os participantes acharam que seria uma acção prematura e que poderia pôr em risco o "Movimento" já em andamento na metrópole. Mas o Banazol,insatisfeito, fez uma circular, "Movimento de Resistência das Forças Armadas", em Março de 1974, apelando à rebelião para Maio de 1974. O tenente-coronel Banazol estivera desde o início na formação do Movimento das Forças Armadas.
E a verdade é que o MFA já decidira que, se falhasse o 25 de Abril na metrópole, a rebelião se deveria dar na Guiné. Mas o 25 de Abril teve sucesso. De qualquer modo, e para garantir, o MFA da Guiné tomou imediatamente o poder em 26 de Abril de 1974, "destronando" o brigadeiro Bettencourt Resende, então Comandante-Chefe do CTIG.
O tenente-coronel Banazol é também autor do livro As Origens do Movimento das Forças Armadas. O Guiné-Bissau Três Vezes Vinte e Cinco não é o relato desse período pré-insurreccional, mas dá umas pinceladas do espírito vivido nesse período.
TÍTULO: Uma Noite na Guerra
AUTOR: Carlos Coutinho
EDITOR: Campo das Letras
ANO: 2003
Vai mais um para a bibliografia. É Uma Noite na Guerra, de Carlos Coutinho. Além da nota biográfica que envio e que é a que consta na contracapa do livro, acrescento mais um dado: o Carlos Coutinho foi preso pela PIDE/DGS em Fevereiro de 1973 porque fazia parte da ARA (Acção Revolucionária Armada), que era, digamos, e para facilitar, o braço armado do PCP.
Na bibliografia que consta da página do Jorge Santos, está lá este livro como tendo sido editado pela Editora Caminho em 1978. Alguma coisa deve estar mal, pois esta é a primeira edição da obra, publicada pela editora Campo das Letras em 2003. Admito, no entanto, que a Caminho tenha editado uma versão anterior, não tão completa.
"Sendo ficção, Uma Noite na Guerra assenta, assumidamente, uma certa historicidade, que é a característica de quase toda a obra literária de Carlos Coutinho. Concebida como uma novela atípica, ao gosto de um certo experimentalismo dos anos 70, aproxima-se às vezes da crónica antropológica, do testemunho, da reportagem psicológica e mesmo da literatura oral dos antigos rapsodos, colhendo sinais díspares de um clima psicológico desagregado, próprio de uma pequena cidade sertaneja moçambicana que teimava em sobreviver no coração da guerra colonial no dilacerado planalto do Niassa. Aí se cruzam vidas apressadas ou breves de bichos e homens, militares e civis, crianças e adultos, vítimas e carrascos, resistentes e cúmplices, oportunistas e angustiados, mãos limpas e mãos sujas, temperando aquele caldo espesso e azedo que foi idêntico em Moçambique, Angola e Guiné e em que levedaram algumas das energias do Movimento das Forças Armadas e da gesta popular que sucedeu ao 25 de Abril de 1974.» (Texto da contracapa).
Nota sobre o autor:
"Carlos Alberto da Silva Coutinho nasceu em 1943. Mobilizado para a guerra colonial, passou dois anos em Moçambique como enfermeiro militar de Neuropsiquiatria.
"Muito empenhado na agitação política, participou num movimento espontâneo e nunca articulado de criadores de cantigas de protesto que esteve na origem do Cancioneiro do Niassa. Regressado a Lisboa em 1969, enveredou pelo jornalismo e integrou-se mais profundamente na luta política contra o fascismo e a guerra colonial, vindo a ser preso em Fevereiro de 1973. Foi libertado em 26 de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, tendo retomado a sua carreira jornalística em paralelo com uma actividade literária diversificada".
Guiné 63/74 - P115: Bibliografia de uma guerra (7) (Luís Graça)
Os textos, de diversos autores, que temos vindo a inserir no blogue, reportam-se à experiência de guerra da Guiné, a qual decorreu entre 1963 e 1974 (11 anos)... Faz, pois, todo o sentido, alterarmos o nosso o título inicial "Guiné 69/71" (a época em que eu e a malta da CCAÇ 12 estivemos lá) para Guiné 63/74 (um período de tempo mais abrangente, onde cabemos todos, a velhice e os periquitos...).
Continuamos a publicar sugestões bibliográficas do Jorge Santos, que é autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso muito estimado companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique). L.G.
TÍTULO: Os Heróis e o Medo
AUTOR: Magalhães Pinto
EDITORA: Âncora
ANO: 2003
Nota sobre o autor:
Magalhães Pinto nasceu no Porto. Economista por formação académica tem, contudo, na escrita, a sua paixão. Magalhães Pinto publicou Belmiro - História de Uma Vida (editora: Âncora, 2001), que relata com rigor a vida privada e o percurso essencial do empresário Belmiro de Azevedo, de quem é amigo pessoal (trata-se de uma biografia autorizada pelo próprio). Em Os Heróis e o Medo, o seu segundo romance, Magalhães Pinto revisita a guerra colonial que ele viveu, no seu período crítico, na Guiné.
RESUMO: "Não há heróis sem medo. A heroicidade não se mede pelo número de adversários mortos. Há outra heroicidade na capacidade de guardar, no meio da tragédia que é a guerra, um profundo sentido de humanidade, de solidariedade, de ausência total de racismo. Há uma outra heroicidade na capacidade de não deixar que o medo abafe a noção de que em ambos os lados de uma arma estão seres humanos. É dessa heroicidade e desse medo que aqui se fala". (Apresentação da editora).
Continuamos a publicar sugestões bibliográficas do Jorge Santos, que é autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso muito estimado companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique). L.G.
TÍTULO: Os Heróis e o Medo
AUTOR: Magalhães Pinto
EDITORA: Âncora
ANO: 2003
Nota sobre o autor:
Magalhães Pinto nasceu no Porto. Economista por formação académica tem, contudo, na escrita, a sua paixão. Magalhães Pinto publicou Belmiro - História de Uma Vida (editora: Âncora, 2001), que relata com rigor a vida privada e o percurso essencial do empresário Belmiro de Azevedo, de quem é amigo pessoal (trata-se de uma biografia autorizada pelo próprio). Em Os Heróis e o Medo, o seu segundo romance, Magalhães Pinto revisita a guerra colonial que ele viveu, no seu período crítico, na Guiné.
RESUMO: "Não há heróis sem medo. A heroicidade não se mede pelo número de adversários mortos. Há outra heroicidade na capacidade de guardar, no meio da tragédia que é a guerra, um profundo sentido de humanidade, de solidariedade, de ausência total de racismo. Há uma outra heroicidade na capacidade de não deixar que o medo abafe a noção de que em ambos os lados de uma arma estão seres humanos. É dessa heroicidade e desse medo que aqui se fala". (Apresentação da editora).
terça-feira, 19 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P114: Bibliografia de uma guerra (6) (Jorge Santos)
O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique) continua a enviar-nos referências bibliográficas sobre a guerra colonial na Guiné. Em breve iremos alargar a bibliografia a outras frentes. Afinal, a guerra (colonial) era só uma...
TITULO: Guiné – A cobardia ali não tinha lugar
AUTOR: José Silveira da Rosa
EDITORA: Autor (Horta, Faial, Açores)
ANO: 2003
NOTA: O autor fez parte da Companhia de Artilharia 1688 (BART 1913) em Biambi, tendo feito a comissão entre 1967 e 1968.
RESUMO: O autor navegou cerca de 20 meses entre duas emoções fortes: o jogo da vida e o jogo da morte. E para enfrentar qualquer um deles, é preciso coragem e teimosia. Fazendo bem as contas, a cobardia ali não podia ter mesmo lugar. Portanto, teve que cerrar dentes e dizer: "alma até almeida". Quem sabia dominar-se, libertava-se de um jugo que a natureza lhe tinha colocado ao pescoço.
© Carlos Alberto dos Santos Serra Fonte: Página pessoal do autor TÍTULO: Scherno ou Memórias da Guerra na Guiné
AUTOR: Carlos Serra
EDITORA: Autor
ANO: 2003
RESUMO: "É um depoimento vivo e corajoso, de uma época que muitos fazem por esquecer, e muitos outros por ignorar. É um discurso corrido, no característico idioma da tropa, directo e sem artifícios de linguagem, um misto de testemunho despojado, jornal de caserna, crónica de um universo circunscrito ao aquartelamento improvisado nas matas - como o eram todos os aquartelamentos da guerra colonial - e às surtidas pelas picadas, pelas tabancas e os seus amores efémeros, bolanhas e terras de ninguém. São pedaços de um quotidiano agridoce, onde se partilha a respiração daqueles homens ainda meninos que entraram na idade adulta, a confrontarem-se com os pequenos e grandes dramas de quem se vê despejado no turbilhão do império que se esboroava, com as perversões e contradições tecidas por uma guerra madrasta, fruto de um tempo histórico desacertado e moribundo.
"Sente-se o cheiro a óleo de limpeza das armas, o restolhar entre o capim, à mistura com o fedor da transpiração entranhada nos camuflados, o odor acre da terra ensopada por chuvas e cacimbos e esventrada pelas morteiradas. É uma espécie de uma Crónica da Guiné dos tempos modernos, que se lê de um fôlego e com todos os sentidos". (Fernando Torres - 2002 Dezembro)
Scherno ou Memórias de Guerra na Guiné pode ser consultado e lido na Net, na página do autor (vd. a capa do livro e o respectivo índice). Tem um capítulo sobre Conakri, mas pouco adianta.
TÍTULO: Guiné, Sempre – Testemunho de uma Guerra
AUTOR: Piçarra Mourão
EDITORA: Quarteto
ANO: 2001
Nota sobre o autor: Fez uma comissão de serviço na Guiné na Companhia de Artilharia 1525 (BISSORÃ), e duas em Angola.
RESUMO: "Mais do que um testemunho de um conflito que envolveu toda uma Nação em Armas e uma geração de Homens devotadas a uma causa, cujas origens e consequência estão hoje sancionadas pela História, estas crónicas encerram narrativas exemplares, pessoais e directas, vividas no contexto de uma das mais violentas e duras guerras com que essa mesma geração se debateu no teatro africano.
"Sem menosprezar os episódios do combate verdadeiro, onde a fronteira entre a Vida e a Morte era por vezes muito ténue, ou outras referências a pequenas mas gratificantes histórias que só o percurso ali traçado pode contemplar e permitir, o livro é, a cada passo, enriquecido com a tremenda experiência humana resultante da profusa vivência que, num e noutro ambiente, todos os interlocutores permutaram.
A uma distância histórica e temporal conveniente, sem preconceitos ou falsas reservas, admitindo erros, virtudes, precariedades e sucessos, os relatos traçados consentem uma abordagem isenta, justa e rigorosa de um conflito sério e constituem, para além de todos os aspectos políticos circunstanciais, um prodigioso contributo para a nossa memória colectiva" (Texto da responsabilidade da editora).
Índice:
Prefácio; I. Apresentação; II. A Preparação
III. No Mato Profundo: O Amigo Americano; Uma Oportunidade Perdida; Uma Santa Bárbara Negra; Elefantes, 4!; O Fernando; Um Autêntico Bambúrrio; Duas Flâmulas;
Um Caixote de Peso.
IV. Crónicas Avulsas: Um Piloto Certeiro; A Visita do Papa; O Máximo; O "Zaire"; O Baptismo de Fogo; As Vacas da Companhia; Minas Gerais; O Senhor dos Céus; O jipe do "Ronco"
V. As Milícias de Bissorã; VI. Bissorã; VII. O Regresso; VIII. Final
Glossário e Código de Abreviaturas.
É ainda autor do livro Da Guiné a Angola.
TITULO: Guiné – A cobardia ali não tinha lugar
AUTOR: José Silveira da Rosa
EDITORA: Autor (Horta, Faial, Açores)
ANO: 2003
NOTA: O autor fez parte da Companhia de Artilharia 1688 (BART 1913) em Biambi, tendo feito a comissão entre 1967 e 1968.
RESUMO: O autor navegou cerca de 20 meses entre duas emoções fortes: o jogo da vida e o jogo da morte. E para enfrentar qualquer um deles, é preciso coragem e teimosia. Fazendo bem as contas, a cobardia ali não podia ter mesmo lugar. Portanto, teve que cerrar dentes e dizer: "alma até almeida". Quem sabia dominar-se, libertava-se de um jugo que a natureza lhe tinha colocado ao pescoço.
© Carlos Alberto dos Santos Serra Fonte: Página pessoal do autor TÍTULO: Scherno ou Memórias da Guerra na Guiné
AUTOR: Carlos Serra
EDITORA: Autor
ANO: 2003
RESUMO: "É um depoimento vivo e corajoso, de uma época que muitos fazem por esquecer, e muitos outros por ignorar. É um discurso corrido, no característico idioma da tropa, directo e sem artifícios de linguagem, um misto de testemunho despojado, jornal de caserna, crónica de um universo circunscrito ao aquartelamento improvisado nas matas - como o eram todos os aquartelamentos da guerra colonial - e às surtidas pelas picadas, pelas tabancas e os seus amores efémeros, bolanhas e terras de ninguém. São pedaços de um quotidiano agridoce, onde se partilha a respiração daqueles homens ainda meninos que entraram na idade adulta, a confrontarem-se com os pequenos e grandes dramas de quem se vê despejado no turbilhão do império que se esboroava, com as perversões e contradições tecidas por uma guerra madrasta, fruto de um tempo histórico desacertado e moribundo.
"Sente-se o cheiro a óleo de limpeza das armas, o restolhar entre o capim, à mistura com o fedor da transpiração entranhada nos camuflados, o odor acre da terra ensopada por chuvas e cacimbos e esventrada pelas morteiradas. É uma espécie de uma Crónica da Guiné dos tempos modernos, que se lê de um fôlego e com todos os sentidos". (Fernando Torres - 2002 Dezembro)
Scherno ou Memórias de Guerra na Guiné pode ser consultado e lido na Net, na página do autor (vd. a capa do livro e o respectivo índice). Tem um capítulo sobre Conakri, mas pouco adianta.
TÍTULO: Guiné, Sempre – Testemunho de uma Guerra
AUTOR: Piçarra Mourão
EDITORA: Quarteto
ANO: 2001
Nota sobre o autor: Fez uma comissão de serviço na Guiné na Companhia de Artilharia 1525 (BISSORÃ), e duas em Angola.
RESUMO: "Mais do que um testemunho de um conflito que envolveu toda uma Nação em Armas e uma geração de Homens devotadas a uma causa, cujas origens e consequência estão hoje sancionadas pela História, estas crónicas encerram narrativas exemplares, pessoais e directas, vividas no contexto de uma das mais violentas e duras guerras com que essa mesma geração se debateu no teatro africano.
"Sem menosprezar os episódios do combate verdadeiro, onde a fronteira entre a Vida e a Morte era por vezes muito ténue, ou outras referências a pequenas mas gratificantes histórias que só o percurso ali traçado pode contemplar e permitir, o livro é, a cada passo, enriquecido com a tremenda experiência humana resultante da profusa vivência que, num e noutro ambiente, todos os interlocutores permutaram.
A uma distância histórica e temporal conveniente, sem preconceitos ou falsas reservas, admitindo erros, virtudes, precariedades e sucessos, os relatos traçados consentem uma abordagem isenta, justa e rigorosa de um conflito sério e constituem, para além de todos os aspectos políticos circunstanciais, um prodigioso contributo para a nossa memória colectiva" (Texto da responsabilidade da editora).
Índice:
Prefácio; I. Apresentação; II. A Preparação
III. No Mato Profundo: O Amigo Americano; Uma Oportunidade Perdida; Uma Santa Bárbara Negra; Elefantes, 4!; O Fernando; Um Autêntico Bambúrrio; Duas Flâmulas;
Um Caixote de Peso.
IV. Crónicas Avulsas: Um Piloto Certeiro; A Visita do Papa; O Máximo; O "Zaire"; O Baptismo de Fogo; As Vacas da Companhia; Minas Gerais; O Senhor dos Céus; O jipe do "Ronco"
V. As Milícias de Bissorã; VI. Bissorã; VII. O Regresso; VIII. Final
Glossário e Código de Abreviaturas.
É ainda autor do livro Da Guiné a Angola.
Guiné 63/74 - P113: Piçarra Mourão, militar e escritor (CART 1525, Bissorã, 1966/67) (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes:
Não conheço o coronel Piçarra MOURÃO, mas li o livro [Guiné, sempre: testemunho de uma guerra. Quarteto, 2001]. A companhia com que foi inicialmente, uma CART, foi colocada em Bissau às ordens do Comando Chefe (noto que ele nunca diz o nome das companhias, é cumpridor das normas, não é como eu).
Conta que uma vez a companhia foi mandada para o Queré com um pendura, um tenente-coronel americano que vinha ver como era a guerra na Guiné e que, parece, iria depois para o Vietnam. Conta a sua atrapalhação, pois que o deram à sua responsabilidade pessoal. Acabaram por cair numa emboscada e o pendura desatou a tirar fotografias e a filmar de máquina em punho, em vez de usar a G3 (a melhor da companhia) que lhe fora distribuída. Não aconteceu nada e ele pergunta-se se aquelas imagens lhe terão valido alguma coisa no Vietnam.
A sua companhia ficou, depois, adida a um Batalhão colocado em Mansoa, colocada no Olossato. Diz que durante 1966 foi quatro vezes ao Morés, com o apoio de outras forças. Da primeira vez conseguiram capturar material. Na segunda, em Junho, o guia fugiu na altura decisiva e valeu-lhe um segundo guia para indicar o caminho da retirada. A terceira investida foi em Setembro, com o apoio dos páras e de artilharia; tiveram dificuldades, levaram porrada antes de lá chegar, e os páras não quizeram mais e retiraram para Mansabá. Em Outubro chegaram a Morés, mas a base estava abandonada. Diz ele que: "Era visivelmente uma base em fim de estação, com certeza tinha conhecido melhores dias. Ou então a ficção tinha-se sobreposto à realidade e a imaginação dos homens composto um cenário surrealista!..."
Ele é de opinião que o IN abandonara o Morés por questões tácticas e colocara a base numa mata profunda. No meu tempo, em 1967, pensámos que se mudara para Sinchã Jobel. Era, de facto, a táctica do PAIGC: mudar com frequência as suas bases, sobretudo qundo as via em perigo ou demasiado recomhecidas.
A companhia dele esteve depois no Biambe.
Em resumo, gostei do livro escrito por este militar de carreira. Tem um olhar crítico sobre a preparação antes de ir para a Guiné. Curiosamente, fez o IAO, como eu, na serra de Sintra e na Carregueira. Foi uma lástima para ele, como foi para mim. Como profissional fez a guerra, mas reconhece que esteve envolvido num processo sem saída. O livro, com um traço de humanidade sentida, procura transmitir os sentimentos dos intervenientes, tem relatos de actividade opracional, tem um perspectiva correcta sobre o povo da Guiné, o IN é um combatente sério e motivado. Vale a pena ler.
Curiosamente (para mim), quem assina o texto do prefácio é o Gen Octávio de Cerqueira Rocha, que era Oficial de Operações do BCAÇ 1857, o tal para onde a companhia do coronel Piçarra Mourão foi como adida. O "Vidrão" (a alcunha que foi dada ao Gen Cerqueira Rocha quando foi Chefe do Estado-Maior do Exército) diz que a companhia do coronel Piçarra Mourão era a CART 1525.
A. Marques Lopes
Não conheço o coronel Piçarra MOURÃO, mas li o livro [Guiné, sempre: testemunho de uma guerra. Quarteto, 2001]. A companhia com que foi inicialmente, uma CART, foi colocada em Bissau às ordens do Comando Chefe (noto que ele nunca diz o nome das companhias, é cumpridor das normas, não é como eu).
Conta que uma vez a companhia foi mandada para o Queré com um pendura, um tenente-coronel americano que vinha ver como era a guerra na Guiné e que, parece, iria depois para o Vietnam. Conta a sua atrapalhação, pois que o deram à sua responsabilidade pessoal. Acabaram por cair numa emboscada e o pendura desatou a tirar fotografias e a filmar de máquina em punho, em vez de usar a G3 (a melhor da companhia) que lhe fora distribuída. Não aconteceu nada e ele pergunta-se se aquelas imagens lhe terão valido alguma coisa no Vietnam.
A sua companhia ficou, depois, adida a um Batalhão colocado em Mansoa, colocada no Olossato. Diz que durante 1966 foi quatro vezes ao Morés, com o apoio de outras forças. Da primeira vez conseguiram capturar material. Na segunda, em Junho, o guia fugiu na altura decisiva e valeu-lhe um segundo guia para indicar o caminho da retirada. A terceira investida foi em Setembro, com o apoio dos páras e de artilharia; tiveram dificuldades, levaram porrada antes de lá chegar, e os páras não quizeram mais e retiraram para Mansabá. Em Outubro chegaram a Morés, mas a base estava abandonada. Diz ele que: "Era visivelmente uma base em fim de estação, com certeza tinha conhecido melhores dias. Ou então a ficção tinha-se sobreposto à realidade e a imaginação dos homens composto um cenário surrealista!..."
Ele é de opinião que o IN abandonara o Morés por questões tácticas e colocara a base numa mata profunda. No meu tempo, em 1967, pensámos que se mudara para Sinchã Jobel. Era, de facto, a táctica do PAIGC: mudar com frequência as suas bases, sobretudo qundo as via em perigo ou demasiado recomhecidas.
A companhia dele esteve depois no Biambe.
Em resumo, gostei do livro escrito por este militar de carreira. Tem um olhar crítico sobre a preparação antes de ir para a Guiné. Curiosamente, fez o IAO, como eu, na serra de Sintra e na Carregueira. Foi uma lástima para ele, como foi para mim. Como profissional fez a guerra, mas reconhece que esteve envolvido num processo sem saída. O livro, com um traço de humanidade sentida, procura transmitir os sentimentos dos intervenientes, tem relatos de actividade opracional, tem um perspectiva correcta sobre o povo da Guiné, o IN é um combatente sério e motivado. Vale a pena ler.
Curiosamente (para mim), quem assina o texto do prefácio é o Gen Octávio de Cerqueira Rocha, que era Oficial de Operações do BCAÇ 1857, o tal para onde a companhia do coronel Piçarra Mourão foi como adida. O "Vidrão" (a alcunha que foi dada ao Gen Cerqueira Rocha quando foi Chefe do Estado-Maior do Exército) diz que a companhia do coronel Piçarra Mourão era a CART 1525.
A. Marques Lopes
segunda-feira, 18 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P112: Mais estórias do Xitole (CART 2716, 1970/72) (David Guimarães)
A grande árvore que dominava o aquartelamento do Xitole. Lá continua de pé, mais de trinta anos depois.
© David J. Guimarães (2001)
Texto do David J. Guimarães (ex-Furriel Mil. da CART 2716, Xitole, 1970-72):
Junto mais quatro fotografias à nossa página do Xitole. Como é óbvio estou a contar as coisas mais ou menos encadeadas no tempo. Uma das fotografias que em estou com cotos (ou invólucros) de granadas de canhão sem recuo, é algo que conto em breve. Talvez coloque um título: "Nino e os seus canhões" ou "Uma rajada de canhões -a primeira de várias"... São os episódios da nossa guerra. Só que mais histórias surgirão ainda antes desses bombardeamentos...
O camarada Quaresma é esse aí que aparece ao meu lado: eu estou a dedilhar a viola e ele parece que canta o fado... Se repararem ele usa um colar ao pescoço. Isso era mesinha, que era pressuposto protegê-lo daquilo que lhe veio a acontecer... E lá cai a crença de rastos: negam-se os amuletos pela sua funcionalidade. Ironia das ironias, o fado (ou o destino) diz que contra a morte, afinal, não há nada a fazer...
Os negros da Guiné crêem muito nas mesinhas, como vocês sabem... Um dia em Bissau fui ver um jogo de futebol: era o Benfica contra os Balantas... Não é que a bola batia na trave, chegava à linha de golo e não entrava!... Enfim, aqueles casos de se gritar golo e a bola nunca entrar!... Foi lindo: de seguida começou tamanha cena de porrada, que só só visto... Tudo por que o guarda redes tinha mesinha num canto da baliza.
São os intervalos da guerra.
David J. Guimarães
2.O nosso amigo e camarada Guimarães é uma caixinha de surpresas. Aqui o vemos, à direita, tocando viola, quando há 3 anos esteve na Índia (Panjim, Goa, Damão) com um grupo de fados de Coimbra.
© David J. Guimarães (2005)
Diz ele: "Dediquei-me sempre a isto após a guerra e sou convidado por eles para tocar aqui ou ali. Nesta caso foi a Fundação Oriente.
"O poeta, o Camões, tinha aquela frase famosa Numa mão a espada e noutra a pena... Na Guiné, eu bem poderia dizer, a respeito de mim próprio: Numa mão a G3 e noutra a viola... É que também no Xitole era eu quem dava uma certa alegria àquela gente com a minha viola - não esta, que vocês vêem na foto, em Panjim, mas uma que comprei na Rua do Carmo, em Lisboa, para fazer a comissão. No fim vendi-a por 80 escudos... Engraçado!... É essa mesma que vocês podem ver na foto com o Quaresma".
© David J. Guimarães (2001)
Texto do David J. Guimarães (ex-Furriel Mil. da CART 2716, Xitole, 1970-72):
Junto mais quatro fotografias à nossa página do Xitole. Como é óbvio estou a contar as coisas mais ou menos encadeadas no tempo. Uma das fotografias que em estou com cotos (ou invólucros) de granadas de canhão sem recuo, é algo que conto em breve. Talvez coloque um título: "Nino e os seus canhões" ou "Uma rajada de canhões -a primeira de várias"... São os episódios da nossa guerra. Só que mais histórias surgirão ainda antes desses bombardeamentos...
O camarada Quaresma é esse aí que aparece ao meu lado: eu estou a dedilhar a viola e ele parece que canta o fado... Se repararem ele usa um colar ao pescoço. Isso era mesinha, que era pressuposto protegê-lo daquilo que lhe veio a acontecer... E lá cai a crença de rastos: negam-se os amuletos pela sua funcionalidade. Ironia das ironias, o fado (ou o destino) diz que contra a morte, afinal, não há nada a fazer...
Os negros da Guiné crêem muito nas mesinhas, como vocês sabem... Um dia em Bissau fui ver um jogo de futebol: era o Benfica contra os Balantas... Não é que a bola batia na trave, chegava à linha de golo e não entrava!... Enfim, aqueles casos de se gritar golo e a bola nunca entrar!... Foi lindo: de seguida começou tamanha cena de porrada, que só só visto... Tudo por que o guarda redes tinha mesinha num canto da baliza.
São os intervalos da guerra.
David J. Guimarães
2.O nosso amigo e camarada Guimarães é uma caixinha de surpresas. Aqui o vemos, à direita, tocando viola, quando há 3 anos esteve na Índia (Panjim, Goa, Damão) com um grupo de fados de Coimbra.
© David J. Guimarães (2005)
Diz ele: "Dediquei-me sempre a isto após a guerra e sou convidado por eles para tocar aqui ou ali. Nesta caso foi a Fundação Oriente.
"O poeta, o Camões, tinha aquela frase famosa Numa mão a espada e noutra a pena... Na Guiné, eu bem poderia dizer, a respeito de mim próprio: Numa mão a G3 e noutra a viola... É que também no Xitole era eu quem dava uma certa alegria àquela gente com a minha viola - não esta, que vocês vêem na foto, em Panjim, mas uma que comprei na Rua do Carmo, em Lisboa, para fazer a comissão. No fim vendi-a por 80 escudos... Engraçado!... É essa mesma que vocês podem ver na foto com o Quaresma".
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