Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P395: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968
Guiné > Empada > 1969 > Desdobrável de propaganda, distribuído pelas NT, com apelo do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné Portuguesa para o IN e para a população sob o seu controlo se apresentarem às autoridades portuguesas.
© José Teixeira (2005)
Transcrição:
Legenda da imagem de cima:
"Faz como eles. Eles eram população que terrorista guardava no mato e que fugiu. Foge também e apresenta-te à autoridade civil ou à tropa que dá ajuda, comida, mezinho, paz e liberdade".
Legenda da imagem de baixo:
"Faz como eles. Eles são terroristas arrependidos. Apresenta-te também à tropa. Também terás paz, comida, mezinho e liberdade. Se levar arma, tropa dá prémio. Bandeira portuguesa é bandeira de nós todos! Autoridade Portuguesa ajuda toda a gente! Tropa dá protecção. Apresenta-te com esta guia"
__________________________________________________________________________________
Continuação da publicação do diário que o José Teixeira, 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381, foi escrevendo durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde também vêm ao de cima as dúvidas e a angústia do cristão. Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o 1º Cabo Enfermeiro Teixeira escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: "Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo".
O meu diário (cont.)
Aldeia Formosa, 1 de Agosto 1968
É dia de correio, mas pelos vistos o avião já não vem. Ontem aterraram dois Dakotas com páras e espera-se outro hoje. Mau sinal. Ou me engano muito ou em breve vamos ter "manga de chocolate".
No dia de S. João, enquanto me divertia em Ingoré nas marchas improvisadas do S. João, o pessoal da Companhia 2382 viu arder tudo o que trouxeram da Metrópole, aqui ao lado em Contabane, num ataque inimigo. Felizmente só tiveram 4 feridos. Que rico S. João !
Aldeia Formosa, 2 de Agosto 1968
A guerra é triste... Na estrada da Xamarra ia-se dando mais um drama. Vinte e sete abrigos de três homens e dois fornilhos a serem montados, eram a espera para a Secção que vem todos os dias a Aldeia buscar víveres. Quatro milícias passaram perto e avistando o IN abriram fogo. Três acabaram as munições e fugiram, o quarto, sozinho pôs o IN em fuga. Não fora os milícias e nesse dia a Secção podia ser apanhada à mão.
Pouco tempo antes o IN tinha tentado a sorte no mesmo local. Dizem que um nativo de 12 anos ao ver um branco com farda diferente da do nosso exército lhe apontou a Mauser e matou-o. Era um cubano que junto com outros tinha uma emboscada montada. O miúdo tentou avisar Xamarra e conseguiu-o, mesmo depois de ter apanhado um tiro de raspão no nariz.
Crianças na guerra, será possível ? Que futuro para esta gente que cresce no ódio, na guerra ?.
Aldeia Formosa, 4 de Agosto 1968
Ontem foi comemorado pelo IN o V Aniversário da implantação da luta pela independência da Guiné. No sector de Buba a festa começou cerca das 22 horas com um ataque a Mampatá com quatro canhões sem recuo e terminou às 3.30 horas em Aldeia Formosa (1).
Às 22 horas iniciaram em Mampatá. Às 22.30 acordaram Aldeia Formosa com algumas morteiradas e continuaram em Gandembel, Guilege e Buba. Às 24 h recomeçaram em Aldeia Formosa com pequenos intervalos até as 3.30 h.,não fazendo feridos.
Hoje o Senhor concedeu-me a graça de ouvir a missa pela telefonia. Sinto-me outro, mais [?]... Hoje é dia de correio. Para completar esta boa disposição é preciso que venhas também até mim com a tua confiança.
Ouvi o Spínola dar as boas vindas à tropa vinda da Metrópole. Segundo ele, o tempo de Comissão é de 21 meses.
Buba, 8 de Agosto de 1968
A Guerra e . . . a minha "paz"
Avisto a Selva,
Do outro lado, o mar...
Corpos negros,
Corpos brancos.
Almas assassinas
Que destroem, matam.
Não sabem amar.
Quando entro na guerra,
Esqueço quem sou.
Deram-me uma arma
Tenho que lutar...
Que coisa terrível !
Marca espíritos,
Destrói sentimentos,
Origina ódios.
Mais que tudo isto,
Ensina a matar !...
Mas se eu matar
E a "pátria" o afirma,
Em defesa dos "inocentes"
Buscando a "paz",
Porquê este remorso
Se quero somente amar !?
Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968
Cheguei à uma da madrugada de Buba. Tinha partido para baixo em coluna no dia 6. Desta vez o IN não apareceu. Fomos e voltámos pela estrada de Nhala.
Estava com medo desta coluna, depois do que aconteceu na última, mas o Senhor protegeu-me, a mim e aos meus colegas de aventura.
Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem.
Os homens não ouvem a voz de Deus, abafam a tua voz com o matraquear das armas. Matar pessoas, porquê ? ... E aquele corte de orelhas, vitorioso !?... Como se fosse um animal ! E se fosse, quem deu ao homem tal direito ?!...
Que faço eu nesta guerra ?... Curo uns e procuro matar outros para salvar a pele? Que culpa tenho eu que os homens não se amem ?!... Me queiram matar sem eu lhes fazer mal nenhum ?!...
Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo.
____
Nota de L.G.
(1) Em Aldeia Formosa vivia 0 Cherno Rachid, a autoridade máxima do Islão na Guiné. Eis po esc´revoi do Diário de um Tuga, Bbamdainca, 10 de Janeiro de 1970:
"De etnia futa-fula, vive em Aldeia Formosa [Quebo], rodeado duma auréola de lenda e santidade: a sua simples presença, asseguram os meus soldados, faz malograr qualquer ataque dos guerrilheiros àquela povoação onde aliás esta sedeado urn batalhão, e os seus mezinhos (amuletos ou talismãs) imunizam os homens-grandes, quer dizer, aqueles que praticam os preceitos do Alcorão, contra as balas do inimigo".
Vd. post de 15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás,Quebo)
Guiné 63/74 - P394: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968
Guiné > Buba> 1968> Domingo de Páscoa > 1º Cabo Enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
© José Teixeira (2005)
O meu diário (continuação)
Aldeia Formosa, 28 de Julho de 1968
Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.
Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma tempestade de chuva. Começamos por ouvir um ruido assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava, seguida de uma tromba de água que transformou a picada num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.
Pouca antes de chegar a Gandembel vimos o IN atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de pára-quedas.
Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.
Quando chegamos a Gandembel (1) fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os Camaradas que estão aqui estacionados dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez. Como é terrível...
Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné/Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à "estrada da morte" impedindo o IN de fazer os abastecimentos.
-Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?
Odeio... Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...
O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...
Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de "bom biaje", se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha, prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?
Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro,porque mata.
Aldeia Formosa, 30 de Julho 1968
Ontem o IN voltou a atacar Aldeia Formosa. Meia dúzia de granadas de morteiro, que caíram bem longe. Que quererá o IN com estes pequenos ataques ?
As Mãos de minha mãe
As mãos de minha mãe!
Mãos belas e puras,
Mãos de santa.
Mãos que sofreram, trabalharam,
Mãos que se sacrificaram,
... Para que não me faltasse o pão.
Mãos calejadas, doridas,
Sangrentas, mesmo.
As mãos de minha mãe !...
Era pequenino,
Talvez ainda não compreendesse
As mil carícias que me faziam,
Todo o amor que me dedicavam
Mas já sentia o calor dessas mãos.
Já sentia o seu amor,
O seu carinho.
Parece que sentia mesmo,
O enorme esforço dessas mãos.
Os sacrifícios de minha mãe.
O trabalho a que se votava,
A fome que passava
Para que nada faltasse
À criança
Que no berço dormia feliz,
Embalada com tanto amor.
... Como são belas
As mãos de minha mãe !...
_____________
(1) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel
Guiné 63/74 - P393: Tabanca Grande: Patrício Ribeiro, empresário, mais um amigo em Bissau
Guiné- Bissau > Bissau > Novembro de 2000 > O actual hospital civil [Hospital Nacional Simão Mendes]
© Albano Costa (2005)
1. Há dias o A. Marques Lopes recebeu uma mensagem alertando para o facto de uma foto de sua autoria, na nossa página sobre Bissau, estar mal identificada: aparece como sendo referente ao Hospital de Bissau, qaundo se trata "provavelmente, dum lapso já que a foto apresentada é a do antigo Grande Hotel, situado na Av. Mousinho de Albuquerque e cujo gerente foi, durante largos anos, o sr. Luís Marques. Caso se pretendam quaisquer esclarecimento complementares, poderei ser contactado pelo telefone 21 922 9058 pelo telemóvel 96 269 6155)". António Estácio
O fotógrafo reconhece o erro: "É possível que tenha sido um lapso meu. Foi uma passagem muito rápida por Bissau [em 1998], que eu até não conheço bem. No meio de outras fotografias deu-me para pensar que seria o hospital. As minhas desculpas e obrigado. A. Marques Lopes". Por nossa parte, também já procedemos à correcção da legenda.
O Albano Costa, por sua vez, que esteve na Guiné na Guiné-Bissau, com um grupo de camaradas em Novembro de 2000, envia-nos gentilmente uma foto do hospital em causa (que agora se chama Hospital Nacional Simão Mendes), além do tristemente famoso, no nosso tempo, Hospital Militar de Bissau, hoje em ruínas...
Guiné- Bissau > Bissau > Novembro de 2000 > O antigo Hospital Militar de Bissau
© Albano Costa (2005)
2. Mensagem de Patrício Ribeiro:
Caros Ex-Combatentes
Tenho estado a ler neste final de ano, um pouco de tudo que vem na vossa tertúlia, gosto!...
Sou um apaixonado por tudo o que seja relacionado com a Guiné. Há mais de 20 anos que percorro todos os caminhos e canoas da Guiné, desde Sucujaque até Campeane, das Ilhas do Poilão e Unhucomo até Buruntuma, em trabalhos profissionais.
Como já visitei milhares de tabancas, encontro muitos antigos quartéis e desde há muito que me interrogo: como seria isto em outros tempos ? Agora encontro as respostas, formidável!
É verdade que não fui militar na Guiné, mas fui em Angola de 69 a 72 e desconhecia como tinha sido por cá a vida. Embora falando com muitos amigos e antigos combatentes portugueses, naturais da Guiné, e com outros tantos do PAIGC e percorrendo o mato, verifiquei que a vida não era fácil.
Agradeço o lançamento na Net das cartas militares, que estão actualizadas, já que são as últimas a serem feitas, que me facilitam a vida no meu trabalho. As existentes para venda em Bissau, com a guerra de 1998, arderam.
Poderei indicar alojamento em hotéis ou pequenas pensões, por toda a Guiné, às pessoas que queiram visitar a Guiné.
Estou em Águeda na 1ª semana de Janeiro; viajo para Bissau na 2ª semana e vou para ao Norte, Varela; 3ª em Bolama e Bubaque; 4ª em Bissau e Farim. Fevereiro: Xitol, Rio Buba, Cacine, Catio.
Em Bissau, não tenho a mesma facilidade de contacto com a Net, nem em muitos locais há o telefone. Os telemóveis estão agora a ser lançados. A única forma de estar contactável é ser rádio amador. Mas através do Jorge Neto ou do Patrício Ribeiro.
Comentário de L.G.
Fico sem saber, concretamente, qual é a actividade profissional que o Patrício desenvolve na Guiné, mas presumo que trabalhe na área da cooperação, saúde ou educação. Ou que seja empresário, como é mais provável. Eu e o resto da nossa tertúlia ficamos muito gratos pela amabilidade das suas palavras e pela disponibilidade para futuros contactos e "appoio em Bissau".
Ficamos satisfeitos por saber que o nosso trabalho (a começar pelas cartas militares que estão disponíveis on line) também é apreciado por (e é útil a) aqueles que trabalham e vivem hoje na República da Guiné-Bissau. Creio que ganhámos mais um amigo, a somar àqueles que jká temos em Bissau.
Desejamos-lhe, ao Patrício, bom regresso à Guiné-Bissau, boa saúde e bom trabalho. E, já agora, pedimos-lhe que divulgue também a nossa tertúlia, o nosso blogue e as nossas páginas sobre a Guiné-Bissau de ontem e de hoje...
© Albano Costa (2005)
1. Há dias o A. Marques Lopes recebeu uma mensagem alertando para o facto de uma foto de sua autoria, na nossa página sobre Bissau, estar mal identificada: aparece como sendo referente ao Hospital de Bissau, qaundo se trata "provavelmente, dum lapso já que a foto apresentada é a do antigo Grande Hotel, situado na Av. Mousinho de Albuquerque e cujo gerente foi, durante largos anos, o sr. Luís Marques. Caso se pretendam quaisquer esclarecimento complementares, poderei ser contactado pelo telefone 21 922 9058 pelo telemóvel 96 269 6155)". António Estácio
O fotógrafo reconhece o erro: "É possível que tenha sido um lapso meu. Foi uma passagem muito rápida por Bissau [em 1998], que eu até não conheço bem. No meio de outras fotografias deu-me para pensar que seria o hospital. As minhas desculpas e obrigado. A. Marques Lopes". Por nossa parte, também já procedemos à correcção da legenda.
O Albano Costa, por sua vez, que esteve na Guiné na Guiné-Bissau, com um grupo de camaradas em Novembro de 2000, envia-nos gentilmente uma foto do hospital em causa (que agora se chama Hospital Nacional Simão Mendes), além do tristemente famoso, no nosso tempo, Hospital Militar de Bissau, hoje em ruínas...
Guiné- Bissau > Bissau > Novembro de 2000 > O antigo Hospital Militar de Bissau
© Albano Costa (2005)
2. Mensagem de Patrício Ribeiro:
Caros Ex-Combatentes
Tenho estado a ler neste final de ano, um pouco de tudo que vem na vossa tertúlia, gosto!...
Sou um apaixonado por tudo o que seja relacionado com a Guiné. Há mais de 20 anos que percorro todos os caminhos e canoas da Guiné, desde Sucujaque até Campeane, das Ilhas do Poilão e Unhucomo até Buruntuma, em trabalhos profissionais.
Como já visitei milhares de tabancas, encontro muitos antigos quartéis e desde há muito que me interrogo: como seria isto em outros tempos ? Agora encontro as respostas, formidável!
É verdade que não fui militar na Guiné, mas fui em Angola de 69 a 72 e desconhecia como tinha sido por cá a vida. Embora falando com muitos amigos e antigos combatentes portugueses, naturais da Guiné, e com outros tantos do PAIGC e percorrendo o mato, verifiquei que a vida não era fácil.
Agradeço o lançamento na Net das cartas militares, que estão actualizadas, já que são as últimas a serem feitas, que me facilitam a vida no meu trabalho. As existentes para venda em Bissau, com a guerra de 1998, arderam.
Poderei indicar alojamento em hotéis ou pequenas pensões, por toda a Guiné, às pessoas que queiram visitar a Guiné.
Estou em Águeda na 1ª semana de Janeiro; viajo para Bissau na 2ª semana e vou para ao Norte, Varela; 3ª em Bolama e Bubaque; 4ª em Bissau e Farim. Fevereiro: Xitol, Rio Buba, Cacine, Catio.
Em Bissau, não tenho a mesma facilidade de contacto com a Net, nem em muitos locais há o telefone. Os telemóveis estão agora a ser lançados. A única forma de estar contactável é ser rádio amador. Mas através do Jorge Neto ou do Patrício Ribeiro.
Comentário de L.G.
Fico sem saber, concretamente, qual é a actividade profissional que o Patrício desenvolve na Guiné, mas presumo que trabalhe na área da cooperação, saúde ou educação. Ou que seja empresário, como é mais provável. Eu e o resto da nossa tertúlia ficamos muito gratos pela amabilidade das suas palavras e pela disponibilidade para futuros contactos e "appoio em Bissau".
Ficamos satisfeitos por saber que o nosso trabalho (a começar pelas cartas militares que estão disponíveis on line) também é apreciado por (e é útil a) aqueles que trabalham e vivem hoje na República da Guiné-Bissau. Creio que ganhámos mais um amigo, a somar àqueles que jká temos em Bissau.
Desejamos-lhe, ao Patrício, bom regresso à Guiné-Bissau, boa saúde e bom trabalho. E, já agora, pedimos-lhe que divulgue também a nossa tertúlia, o nosso blogue e as nossas páginas sobre a Guiné-Bissau de ontem e de hoje...
domingo, 1 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P392: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968
Guiné > Empada > 1969> 1º Cabo Enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
© José Teixeira (2005)
Texto de José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
O meu diário (continuação)
Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968
Comecei a Guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro, às seis da manhã, e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco, às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.
A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros foram percorridos em oito horas e meia.
O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela côr que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada, um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada.
Depois... veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde !... Frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.
Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem ? Que culpa tenho eu ?
A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...
Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer.
Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu, entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçámos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.
Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate mal chegou para o primeiro dia. À frente havia IN, "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas. Havia minas, só não havia comida.
Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bigrupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia que protegia os flancos, descobriu-os e, sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a rectaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da rectaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.
A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses 14, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de héli. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.
Agora que sinto o barulho do matraquerar das armas, que sinto o silibar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que, em vez de se amarem, se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor ?
Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN estava em cima de uma palmeira à minha frente, a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador
Que eu jamais faça guerra... Que eu ame sempre.
Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito.
Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel há cerca de quinze dias: quando atacaram aquele destacamento com 11 canhões s/recuo, mataram um alferes e feriram vários militares.
© José Teixeira (2005)
Texto de José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
O meu diário (continuação)
Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968
Comecei a Guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro, às seis da manhã, e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco, às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.
A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros foram percorridos em oito horas e meia.
O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela côr que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada, um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada.
Depois... veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde !... Frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.
Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem ? Que culpa tenho eu ?
A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...
Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer.
Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu, entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçámos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.
Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate mal chegou para o primeiro dia. À frente havia IN, "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas. Havia minas, só não havia comida.
Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bigrupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia que protegia os flancos, descobriu-os e, sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a rectaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da rectaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.
A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses 14, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de héli. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.
Agora que sinto o barulho do matraquerar das armas, que sinto o silibar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que, em vez de se amarem, se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor ?
Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN estava em cima de uma palmeira à minha frente, a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador
Que eu jamais faça guerra... Que eu ame sempre.
Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito.
Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel há cerca de quinze dias: quando atacaram aquele destacamento com 11 canhões s/recuo, mataram um alferes e feriram vários militares.
Guiné 63/74 - P391: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
Guiné > Ingoré > 1968 > O 1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381 (1968/70), posando em cima de uma autrometralhadora Daimler.
© José Teixeira (2005)
Damos hoje início à publicação do diário que o José Teixeira foi escrevendo durante a sua comissão na Guiné. Além de ser um notável documento humano - escrito por um homem dos serviços de saúde militares, um enfermeiro de campanha, que estava sujeito aos mesmos riscos que qualquer operacional -, tem um grande interesse documental para melhor se conhecer o quotidiano dos militares portugueses no sul da Guiné:
"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].
"Aí a CCAÇ 23881 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.
"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão".
Guiné - O presente no passado > O MEU DÁRIO
PRÓLOGO
Buba, 20 de Julho de 1968
Após dois meses e vinte dias de vivência em estado de guerra na Guiné, inicio o meu DIÁRIO que não é "diário". Nele apontarei somente os casos ou situações mais importantes do meu dia a dia para a história da minha vida .
NOITE
Buba, 20 de Julho de 1968
Noite escura...
A chuva cai fortemente,
Atiçada pelo vento impiedoso.
O Capim dobra-se
Em homenagem àquele grupo de valentes
Que, esgotados pela longa espera,
Sedentos e esfomeados,
Aguardam impacientes
A ordem de retirar.
Os donos da Selva surgem,
Traiçoeiros, em massa.
Por largos momentos, o matraquear das automáticas,
O rebentar das granadas.
Os gritos de algum ferido .
Tudo fazem esquecer.
Trava-se uma luta de vida ou de morte.
Até que as armas se calam.
O Inimigo foge,
Protegido pela escuridão.
... E vinte jovens,
Valentes, decididos,
Dedo firme no gatilho,
Ouvido atento,
Lá se vão a caminho do Quartel,
Com mais uma missão cumprida.
Buba, 21 de Julho de 1968
Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado.
22 de Julho de 1968
Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" e por volta das doze recebi ordem para avançar. A coluna aproximava-se. Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... Será que a coluna foi atacada ?...
Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anti-carro, duas das quais rebentaram.
Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.
Ainda mal tinhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia, atacando de canhão sem recuo, morteiro e "costureirinha". Tentou durante alguns minutos arrasar Buba, o que não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.
Deitado na vala e a aguentar uma tempestade de chuva, completamente nu ( fui apanhado a tomar banho) assim esperei que acabasse a "festa", para ir jantar.
Que espectáculo! Centenas de corpos (muitos deles nus) encharcados, mas alegres, saíam das valas... Mais uma vez escaparam...
Encontrei três colegas da recruta. À noite, vieram-me procurar. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde...
Também eles estão nesta Guerra. Nove meses já se passaram, a meta final aproxima-se, mas quantos sacrifícios lhes vão ser exigidos ainda ?
_________
(1) Vd post de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
© José Teixeira (2005)
Damos hoje início à publicação do diário que o José Teixeira foi escrevendo durante a sua comissão na Guiné. Além de ser um notável documento humano - escrito por um homem dos serviços de saúde militares, um enfermeiro de campanha, que estava sujeito aos mesmos riscos que qualquer operacional -, tem um grande interesse documental para melhor se conhecer o quotidiano dos militares portugueses no sul da Guiné:
"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].
"Aí a CCAÇ 23881 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.
"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão".
Guiné - O presente no passado > O MEU DÁRIO
PRÓLOGO
Buba, 20 de Julho de 1968
Após dois meses e vinte dias de vivência em estado de guerra na Guiné, inicio o meu DIÁRIO que não é "diário". Nele apontarei somente os casos ou situações mais importantes do meu dia a dia para a história da minha vida .
NOITE
Buba, 20 de Julho de 1968
Noite escura...
A chuva cai fortemente,
Atiçada pelo vento impiedoso.
O Capim dobra-se
Em homenagem àquele grupo de valentes
Que, esgotados pela longa espera,
Sedentos e esfomeados,
Aguardam impacientes
A ordem de retirar.
Os donos da Selva surgem,
Traiçoeiros, em massa.
Por largos momentos, o matraquear das automáticas,
O rebentar das granadas.
Os gritos de algum ferido .
Tudo fazem esquecer.
Trava-se uma luta de vida ou de morte.
Até que as armas se calam.
O Inimigo foge,
Protegido pela escuridão.
... E vinte jovens,
Valentes, decididos,
Dedo firme no gatilho,
Ouvido atento,
Lá se vão a caminho do Quartel,
Com mais uma missão cumprida.
Buba, 21 de Julho de 1968
Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado.
22 de Julho de 1968
Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" e por volta das doze recebi ordem para avançar. A coluna aproximava-se. Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... Será que a coluna foi atacada ?...
Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anti-carro, duas das quais rebentaram.
Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.
Ainda mal tinhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia, atacando de canhão sem recuo, morteiro e "costureirinha". Tentou durante alguns minutos arrasar Buba, o que não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.
Deitado na vala e a aguentar uma tempestade de chuva, completamente nu ( fui apanhado a tomar banho) assim esperei que acabasse a "festa", para ir jantar.
Que espectáculo! Centenas de corpos (muitos deles nus) encharcados, mas alegres, saíam das valas... Mais uma vez escaparam...
Encontrei três colegas da recruta. À noite, vieram-me procurar. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde...
Também eles estão nesta Guerra. Nove meses já se passaram, a meta final aproxima-se, mas quantos sacrifícios lhes vão ser exigidos ainda ?
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(1) Vd post de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70)
Giné 63/74 - P390: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo (Magalhães Ribeiro)
Dos cadernos (1) do Magalhães Ribeiro, ex-furriel milicano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612 , que teve o seu momento de glória em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974 (2).
Para além do paludismo
Escrever sobre a guerra d’África,
Fiel aos factos e à verdade,
É além de uma questão de honra,
Um dever, justiça e lealdade.
Assim, sobre diversos aspectos
Já se falou, debateu e escreveu
Sobre políticas e estratégias,
Mas algo um pouco se esqueceu.
Por isso dedico estas linhas
Aos seis sentidos d’um combatente,
Aos actos vivos que o atormentam
N’um passado sempre presente.
Àquele que penou na picada,
Que ficou marcado p’ra toda vida...
Como traduzi-lo em palavras
Sem lhe abrir de novo a ferida ?!
Que conste na nossa História ,
Sem salamaleques, com coragem,
Que ali, na guerrilha, no mato
Cada dia... é uma contagem.
Nas folhas dum calendário
Risca-se mais um dia que passou,
Mede-se assim o pesadelo
E, ali, o fim... mais se aproximou.
Lá se foi uma porção da vida
Nos longos dias até ali riscados,
Esfumou-se de vez a juventude
Em factos na memória cicratizados.
Porque a guerra é muito mais...
É a lenta progressão na lama,
É o mistério da mata densa,
É o pressentimento do drama.
É sobreviver no lodo do rio,
É o calor... a chuva... o vento,
É o suor e o pó no rosto,
É o odor do corpo... nojento.
É o peso das armas e munições,
É a mochila, o cantil e o bornal,
É o comer, o dormir nos covões,
É as rações de combate... sabem mal .
É o chilrear da bicharada,
É sentir os mosquitos a picar,
É o cintilar das cobras e dos lagartos,
É as sanguessugas no corpo a sugar.
É o pousar das botas no solo,
É o terror de tropeçar na mina,
É o abandono do ser racional,
É o poder da adrenalina.
É o emperrar do pensamento,
É o cheiro diferente no ar,
É a observação... olhos atentos,
É um subtil movimento notar.
É um galho fresco partido,
É um ruído anormal captar,
É uma pegada... um objecto caído,
É um brilho fugaz detectar.
É dado o alerta e, de repente,
É o romper do silêncio... tolhe,
É o cheiro da pólvora queimada,
É a morte que chegou... e escolhe.
É logo saltar, correr, rastejar,
É o som da metralha infernal,
É o explodir seco das bombas,
É o deflagrar das granadas...mortal.
É o turra? Quantos?... Não se vê!
É algo que no capim se esconde,
É responder aos tiros, cuidado!
É uma armadilha ali... Onde?
É a sina; morrer ou matar!
É o alvo que surge numa fracção,
É premir o gatilho, o tiro certeiro,
É o momento da redenção.
É quando as armas se calam,
É ouvir os gemidos... regelar!
É a agonia dos feridos tombados.
É o assistir à carne a rasgar.
É o sangue do amigo...irmão!
É os buracos dos estilhaços,
É a angústia... o desespero,
É o vê-lo morrer... nos meus braços.
É aquele eterno minuto a escoar,
É a impotência, a frustração,
É mais um’eterna noite d’insónia,
É tempo de mais uma oração.
É um pedaço meu que morre também,
É a família, um breve recordar,
É a revolta das emoções,
É um lamento mais... escutar.
É um inacabar de missões,
É a incerteza do fim... que sorte?
É passar ao lado das balas,
É viver a par com a morte!
É contar o tempo que falta,
É o sonho com o regresso ao lar,
É recontar os dias que passam,
É uma contagem... por acabar!
RANGER Magalhães Ribeiro
Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74
Mansoa - Guiné
______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. pos de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1):o esplendor de Portugal
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
Para além do paludismo
Escrever sobre a guerra d’África,
Fiel aos factos e à verdade,
É além de uma questão de honra,
Um dever, justiça e lealdade.
Assim, sobre diversos aspectos
Já se falou, debateu e escreveu
Sobre políticas e estratégias,
Mas algo um pouco se esqueceu.
Por isso dedico estas linhas
Aos seis sentidos d’um combatente,
Aos actos vivos que o atormentam
N’um passado sempre presente.
Àquele que penou na picada,
Que ficou marcado p’ra toda vida...
Como traduzi-lo em palavras
Sem lhe abrir de novo a ferida ?!
Que conste na nossa História ,
Sem salamaleques, com coragem,
Que ali, na guerrilha, no mato
Cada dia... é uma contagem.
Nas folhas dum calendário
Risca-se mais um dia que passou,
Mede-se assim o pesadelo
E, ali, o fim... mais se aproximou.
Lá se foi uma porção da vida
Nos longos dias até ali riscados,
Esfumou-se de vez a juventude
Em factos na memória cicratizados.
Porque a guerra é muito mais...
É a lenta progressão na lama,
É o mistério da mata densa,
É o pressentimento do drama.
É sobreviver no lodo do rio,
É o calor... a chuva... o vento,
É o suor e o pó no rosto,
É o odor do corpo... nojento.
É o peso das armas e munições,
É a mochila, o cantil e o bornal,
É o comer, o dormir nos covões,
É as rações de combate... sabem mal .
É o chilrear da bicharada,
É sentir os mosquitos a picar,
É o cintilar das cobras e dos lagartos,
É as sanguessugas no corpo a sugar.
É o pousar das botas no solo,
É o terror de tropeçar na mina,
É o abandono do ser racional,
É o poder da adrenalina.
É o emperrar do pensamento,
É o cheiro diferente no ar,
É a observação... olhos atentos,
É um subtil movimento notar.
É um galho fresco partido,
É um ruído anormal captar,
É uma pegada... um objecto caído,
É um brilho fugaz detectar.
É dado o alerta e, de repente,
É o romper do silêncio... tolhe,
É o cheiro da pólvora queimada,
É a morte que chegou... e escolhe.
É logo saltar, correr, rastejar,
É o som da metralha infernal,
É o explodir seco das bombas,
É o deflagrar das granadas...mortal.
É o turra? Quantos?... Não se vê!
É algo que no capim se esconde,
É responder aos tiros, cuidado!
É uma armadilha ali... Onde?
É a sina; morrer ou matar!
É o alvo que surge numa fracção,
É premir o gatilho, o tiro certeiro,
É o momento da redenção.
É quando as armas se calam,
É ouvir os gemidos... regelar!
É a agonia dos feridos tombados.
É o assistir à carne a rasgar.
É o sangue do amigo...irmão!
É os buracos dos estilhaços,
É a angústia... o desespero,
É o vê-lo morrer... nos meus braços.
É aquele eterno minuto a escoar,
É a impotência, a frustração,
É mais um’eterna noite d’insónia,
É tempo de mais uma oração.
É um pedaço meu que morre também,
É a família, um breve recordar,
É a revolta das emoções,
É um lamento mais... escutar.
É um inacabar de missões,
É a incerteza do fim... que sorte?
É passar ao lado das balas,
É viver a par com a morte!
É contar o tempo que falta,
É o sonho com o regresso ao lar,
É recontar os dias que passam,
É uma contagem... por acabar!
RANGER Magalhães Ribeiro
Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74
Mansoa - Guiné
______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. pos de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1):o esplendor de Portugal
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
sábado, 31 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P389: Tabanca Grande: Jorge Tavares, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 2856 - A doce nostalgia de Bafatá
Caro Luís Graça,
Tomei conhecimento do seu site sobre a Guiné, o que me deu uma certa nostalgia do tempo que por lá passei.
Sou o ex-Furriel Miliciano Tavares, Radiomontador, do Batalhão de Caçadores 2856 que esteve em Bafatá, de 1968 a 1970.
Junto em anexo algumas fotos dessa altura e que, caso tenham interesse para juntar ao site, está por mim autorizado a fazê-lo. Tenho mais exemplares caso esteja interessado, mas são fotos de grupo, em lazer.
A referência das fotos vai embebida nas propriedades das mesmas.
Com os melhores cumprimentos e os votos de Boas Festas,
Jorge Tavares
1. Comentário de L.G.:
Tenho um especial afecto pela doce Bafatá que eu conheci ao longo da minha comissão, na CCAÇ 12 (1969/71). Bafatá era a única escapadela que nós tínhamos, nos escassos intervalos da nossa intensa actividade operacional no Sector L1 (Bambadinca). Muitas vezes à civil e sem armas, lá arrancávamos nós, de Bambadinca, de manhã cedo, a caminho do "bife com batatas fritas" da Transmontana e das nossas amigas de Bafatá (Quem não se lembra da alegre e doce Helena, amante de inúmeros batalhões que passaram pela zona leste, que eu um dia destes vou pôr na galeria dos meus heróis da guerra colonial ?!... ).
Pois fico muito sensibilizado com a vinda de mais um tertuliano, ainda por cima da zona leste, da minha zona, do chão fula, da terra dos meus nharros... É muito provável que eu e o Jorge nos tenhamos cruzado em Bafatá. De qualquer modo, estou-te muito obrigado pelas fotos que nos enviaste e que vão, seguramente, enriquececer a memória desse lugar que ainda temos no coração e que era a Bafatá, de pitorescas casas colonais, de ruas direitas e limpinhas, de gente afável e tranquila, que nós ainda tivémos o privilégio de conhecer...
Jorge: está intimado a voltar a comparecer aqui, depois do Ano Novo!... E, como já, percebeste, nesta tertúlia todos os camaradas e amigos se tratam por tu... É um das poucas regras que temos e que respeitamos.
Guiné > Bafatá > 1968> A rua principal (alcatroada, como todas as demais) da doce e tranquila Bafatá, com as suas casas de arquitectura tipicamente colonial. Ao fundo era o mercado e cortava-se à direita, para a piscina. Na primeira à direita, ficava o Restaurante A Transmontana. Do lado esquerdo, no início da foto, ficava a casa do Administrador e os CTT. A meio, a rua era cortada pela estrada que ligava a Geba (Reconstituição do Humberto Reis).
A bordo do navio (Niassa ou Uíge), a caminho da Guiné > 1968 > Furriéis milicianos da CCS do BCAC 2856 (Bafatá, 1968/70). O Jorge Tavares é o segundo, a contar da direita. E o Manuel Cruz é o primeiro, do lado esquerdo.
Guiné > Bissau > Outubro de 1968 > Pessoal do BCAÇ 2856, à chegada ... O Jorge Tavares é o que está com a mão à cintura, expondo o relógio e o anel de casado, a seguir ao porta-estandarte... (Reconstituição do Humberto Reis).
Guiné >Bissau > 1968 > Desfile, à chegada, do BCAÇ 2856, colocado em Bafatá, Zona Leste
Guiné > Bafatá > Messe de sargentos >A Jantar de Natal de 1968 > Pessoal da CCS do BCaç 2856 em confraternização. "Da esqerda para a direita: fur mil Sousa e Silva, fur mil Abrantes, fur mil Cabrita, fur mil Abrantes, fur mil Cruz (Shemeiks), fur mil Ramalho, cabo corneteiro (?), fur mil Pinto, fur mil pelotão de morteiros (?), fur mil pelotão de morteiros Subtil, fur mil Pereira, fur mil Saúde, fur mil Cruz, fur mil Guilherme (Rodinhas), eu (fur mil Tavares) e fur mil Carneiro. Os nomes que faltam, pedi ajuda ao Cruz mas a memória já não nos ajuda" (Jorge Tavares).
Guiné > Bafatá > O furriel miliciano de transmissões Tavares, da CCS do BCAÇ 2856 (1968/70), à civil, no Jardim de Bafatá... Com o Rio Geba ao fundo.
2. Comentário de Humberto Reis:
Jorge Tavares
Sê BEM VINDO a esta Tertúlia. Tu se calhar tu não te lembras de mim mas eu recordo-me de ti. Moravas ali para a zona do Rego (em Lisboa, para os que não conhecem) e foste meu contemporâneo na Escola Industrial Afonso Domingues , no fim da década de 50 princípio da de 60. Apanhavas o comboio no Rego até Marvila para ires para a escola e eu já vinha no comboio desde Campolide.
É daí, de Campolide, do tempo da Escola Primária nº 13, na Rua das Amoreiras, que conheço o Manuel Evaristo Trindade Cruz, que casou com uma das libanesas, filha da D. Rosa, e era o furriel miliciano sapador da CCS do teu Batalhão.
Como vês isto é uma Aldeia Grande e ao fim de 45 anos voltamos a contactar. Nas fotos não consta nenhuma legenda identificativa dos elementos que lá aparecem, mas tu és o 2º a contar da direita.
Um Grande Abraço de Boas Vindas
Humberto Reis
3. Respoosta do Jorge Tavares:
Caro Humberto,
Fiquei surpreendido pela tua memória. De facto sou quem tu dizes, ou seja morava no Rêgo e andei na Afonso Domingues de 57 a 60. Peço desculpa por a minha memória não ser tão boa como a tua, mas não me recordo de ti dessa época. Eu era muito novo e acompanhava o meu irmão e os seus colegas. Ele era mais velho e andava um ano à minha frente. Penso que és capaz de te recordares dele porque era conhecido pelo “capicua”. Infelizmente faleceu em Agosto de morte súbita.
Volto a enviar a foto do jantar de Natal de 1968 na messe de sargentos com a respectiva leghenda (...)., a qual passo a legendar: nomes que faltam, pedi ajuda ao Cruz mas a memória já não nos ajuda. Nas outras fotos, caso estejas interessado, também é possível identificar alguns camaradas.
Créditos fotográficos: Jorge Tavares (2005)
Tomei conhecimento do seu site sobre a Guiné, o que me deu uma certa nostalgia do tempo que por lá passei.
Sou o ex-Furriel Miliciano Tavares, Radiomontador, do Batalhão de Caçadores 2856 que esteve em Bafatá, de 1968 a 1970.
Junto em anexo algumas fotos dessa altura e que, caso tenham interesse para juntar ao site, está por mim autorizado a fazê-lo. Tenho mais exemplares caso esteja interessado, mas são fotos de grupo, em lazer.
A referência das fotos vai embebida nas propriedades das mesmas.
Com os melhores cumprimentos e os votos de Boas Festas,
Jorge Tavares
1. Comentário de L.G.:
Tenho um especial afecto pela doce Bafatá que eu conheci ao longo da minha comissão, na CCAÇ 12 (1969/71). Bafatá era a única escapadela que nós tínhamos, nos escassos intervalos da nossa intensa actividade operacional no Sector L1 (Bambadinca). Muitas vezes à civil e sem armas, lá arrancávamos nós, de Bambadinca, de manhã cedo, a caminho do "bife com batatas fritas" da Transmontana e das nossas amigas de Bafatá (Quem não se lembra da alegre e doce Helena, amante de inúmeros batalhões que passaram pela zona leste, que eu um dia destes vou pôr na galeria dos meus heróis da guerra colonial ?!... ).
Pois fico muito sensibilizado com a vinda de mais um tertuliano, ainda por cima da zona leste, da minha zona, do chão fula, da terra dos meus nharros... É muito provável que eu e o Jorge nos tenhamos cruzado em Bafatá. De qualquer modo, estou-te muito obrigado pelas fotos que nos enviaste e que vão, seguramente, enriquececer a memória desse lugar que ainda temos no coração e que era a Bafatá, de pitorescas casas colonais, de ruas direitas e limpinhas, de gente afável e tranquila, que nós ainda tivémos o privilégio de conhecer...
Jorge: está intimado a voltar a comparecer aqui, depois do Ano Novo!... E, como já, percebeste, nesta tertúlia todos os camaradas e amigos se tratam por tu... É um das poucas regras que temos e que respeitamos.
Guiné > Bafatá > 1968> A rua principal (alcatroada, como todas as demais) da doce e tranquila Bafatá, com as suas casas de arquitectura tipicamente colonial. Ao fundo era o mercado e cortava-se à direita, para a piscina. Na primeira à direita, ficava o Restaurante A Transmontana. Do lado esquerdo, no início da foto, ficava a casa do Administrador e os CTT. A meio, a rua era cortada pela estrada que ligava a Geba (Reconstituição do Humberto Reis).
A bordo do navio (Niassa ou Uíge), a caminho da Guiné > 1968 > Furriéis milicianos da CCS do BCAC 2856 (Bafatá, 1968/70). O Jorge Tavares é o segundo, a contar da direita. E o Manuel Cruz é o primeiro, do lado esquerdo.
Guiné > Bissau > Outubro de 1968 > Pessoal do BCAÇ 2856, à chegada ... O Jorge Tavares é o que está com a mão à cintura, expondo o relógio e o anel de casado, a seguir ao porta-estandarte... (Reconstituição do Humberto Reis).
Guiné >Bissau > 1968 > Desfile, à chegada, do BCAÇ 2856, colocado em Bafatá, Zona Leste
Guiné > Bafatá > Messe de sargentos >A Jantar de Natal de 1968 > Pessoal da CCS do BCaç 2856 em confraternização. "Da esqerda para a direita: fur mil Sousa e Silva, fur mil Abrantes, fur mil Cabrita, fur mil Abrantes, fur mil Cruz (Shemeiks), fur mil Ramalho, cabo corneteiro (?), fur mil Pinto, fur mil pelotão de morteiros (?), fur mil pelotão de morteiros Subtil, fur mil Pereira, fur mil Saúde, fur mil Cruz, fur mil Guilherme (Rodinhas), eu (fur mil Tavares) e fur mil Carneiro. Os nomes que faltam, pedi ajuda ao Cruz mas a memória já não nos ajuda" (Jorge Tavares).
Guiné > Bafatá > O furriel miliciano de transmissões Tavares, da CCS do BCAÇ 2856 (1968/70), à civil, no Jardim de Bafatá... Com o Rio Geba ao fundo.
2. Comentário de Humberto Reis:
Jorge Tavares
Sê BEM VINDO a esta Tertúlia. Tu se calhar tu não te lembras de mim mas eu recordo-me de ti. Moravas ali para a zona do Rego (em Lisboa, para os que não conhecem) e foste meu contemporâneo na Escola Industrial Afonso Domingues , no fim da década de 50 princípio da de 60. Apanhavas o comboio no Rego até Marvila para ires para a escola e eu já vinha no comboio desde Campolide.
É daí, de Campolide, do tempo da Escola Primária nº 13, na Rua das Amoreiras, que conheço o Manuel Evaristo Trindade Cruz, que casou com uma das libanesas, filha da D. Rosa, e era o furriel miliciano sapador da CCS do teu Batalhão.
Como vês isto é uma Aldeia Grande e ao fim de 45 anos voltamos a contactar. Nas fotos não consta nenhuma legenda identificativa dos elementos que lá aparecem, mas tu és o 2º a contar da direita.
Um Grande Abraço de Boas Vindas
Humberto Reis
3. Respoosta do Jorge Tavares:
Caro Humberto,
Fiquei surpreendido pela tua memória. De facto sou quem tu dizes, ou seja morava no Rêgo e andei na Afonso Domingues de 57 a 60. Peço desculpa por a minha memória não ser tão boa como a tua, mas não me recordo de ti dessa época. Eu era muito novo e acompanhava o meu irmão e os seus colegas. Ele era mais velho e andava um ano à minha frente. Penso que és capaz de te recordares dele porque era conhecido pelo “capicua”. Infelizmente faleceu em Agosto de morte súbita.
Volto a enviar a foto do jantar de Natal de 1968 na messe de sargentos com a respectiva leghenda (...)., a qual passo a legendar: nomes que faltam, pedi ajuda ao Cruz mas a memória já não nos ajuda. Nas outras fotos, caso estejas interessado, também é possível identificar alguns camaradas.
Créditos fotográficos: Jorge Tavares (2005)
Guiné 63/74 - P388: Em perigos e guerras esforçados... (Afonso Sousa)
Guiné > Barro > 1970 (?) > Monumento em homenagem ao 1º Cabo Enfermeiro João Baptista da Slva, da CART 2412, morto em combate, em Bigene, em 21 de Setembro de 1968.
Mandado erigir, em Barro, pela CART 2412 (1968/70)
© Afonso M. F. Sousa (2005)
1. Achei bonito o gesto do nosso camarada Afonso Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412, que andou por Bigene, Binta, Guidage e Barro, nos já longínquos anos de 1968/70) de se lembrar de um camarada morto em combate, em Bigene, e que os seus camaradas não quiseram esquecer, erigindo-lhe um singelo monumento de homenagem... (Será que resistiu ao tempo e às intermitências da guerra e da paz, do ódio e do amor ? Será que ainda hoje pode ser fotografado em Barro ?).
Raramente falamos deles, dos nossos mortos, dos mais de dois mil camaradas que não voltaram connosco, na viagem de regresso à pátra, a casa (e dos quais cerca de 1240 cairam em combate).
No final do ano de 2005, no ano da fundação da nossa tertúlia de amigos e camaradas da Guiné, é bonito, e mais do que bonito, é justo que nos lembremos dos nossos mortos. Há muitas maneiras de os evocar, pela imagem e pela palavra. E quem souber rezar, que reze (sempre) por eles. Eu, que não sou crente, também rezo por eles, à minha maneira, trazendo aqui, e por sugestão do Afonso Sousa, as duas primeiras estrofes do Canto I dos Lusíadas, do nosso genial (e às vezes tão mal amdado...) Luís de Camões:
As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Os Lusíadas (I, 1-2)
A presente foto também foi inserida na página do nosso camarada Jorge Santos, sobre A Guerra Colonial, na secção "Monumentos", por sugestão do Afonso Sousa, iniciativa de um e outro que eu sou o primeiro a aplaudir. L.G.
2. Mensagem do Afonso Sousa:
Obrigado ao "grande" Luis Graça pela gentileza das palavras que teve a amabilidade de inserir como moldura desta lembrança singela.
Para o fim a que nos propusemos não poderiamos ter tido melhor sorte. O Luis é o homem certo no lugar certo ! ...e reparem que estes trabalhos já são referência na WIKIPÉDIA !...
Já agora aproveitava para pedir ao querido amigo A. Marques Lopes se poderia confirmar-nos se na sua última estada em Barro pôde verificar se este monumento ainda lá existia (situava-se junto à picada Bigene-Barro, a cerca de 50 m do edifício da secretaria e comando, para o lado de Bigene e logo a seguir à enorme mangueira contígua ao edifício).
3. Resposta do A. Marques Lopes:
Amigo Afonso Sousa
Não, esse monumento já não estava lá em 1998, quando estive em Barro. Na altura não deu para falar sobre essas coisas (eu desconhecia, aliás, a existência desse monumento). Mas estou a projectar voltar lá em Março deste ano de 2006, desta vez com mais calma, assim espero. Hei-de perguntar ao Cacuto Seidi (se é que ainda está vivo...) ou a quaisquer outros como é que ele desapareceu e hei-de tirar fotografia do local.
Abraços
A. Marques Lopes
Guiné 63/74 - P387: Estórias do Zé Teixeira (1): Maimuna, uma história de amor (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
Guiné > Mampatá (1)> 1968> O 1º cabo enfermeiro Teixeira (CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70), com a sua inseparável amiguinha Maimuna.
© José Teixeira (2005)
A minha homenagem à Maimuna, minha mascote que durante seis meses foi a minha companheira de todos os dias.
A Maimuna (2) tinha oito luas quando cheguei a Mampatá. Pretinha como carvão, um carrapito e um sorriso sempre que lhe fazia festas. Cativou-me e transformei-a na minha mascote. A casa da Answar, sua mãe era paredes meias com a enfermaria, isto é, o coberto onde montava todos os dias a enfermaria. A parede era de canas entrelaçadas, pelo que se ouvia tudo de um e outro lado.
Tudo começou, quando a avó da Maimuna, logo no dia seguinte à minha chegada me traz a menina:
- Minina e na tourse - dizia-me ela apontando para a garganta da bébé e tentando imitar uma pessoa a tossir. Custou-me a entender a velhinha, pedi ajuda a um Milicia e ele respondeu-me:
- Garganta de minina e na dê tourse, tourse -. De facto a bébé tinha os brônquios inflamados. Dei-lhe uma colher de xarope para a tosse e mandei-a vir três vezes por dia à enfermaria. Só tinha um frasco de antitússico e se lho desse era certo que quando chegasse a casa lho dava por inteiro de imediato para curar mais depressa.
Assim durante três dias tive a Maimuna no meu colo quatro vezes por dia e como ficou boa a mãe ofereceu-ma para minha mulher. Como o xarope era doce, ela vinha ao meu colo toda contente e habituou-se à minha pessoa e ao nome "Fermero". Então quando estava a chorar a mãe dizia-lhe:
- Cá na chora, Fermero e na vem (Não chores mais que vem aí o enfermeiro) . - A menina calava-se ficando a procurar com os olhos a minha pessoa. Quando saía a passear pela tabanca ou visitar os meus colegas aos postos de vigia, pegava na Maimuna ao ombro, ela, toda nua, agarrava-me uma orelha e lá ia toda contente. Habitou-se a ouvir o meu assobio e quando estava a chorar bastava eu assobiar, de cá de fora, para se calar. Aprendeu a rastejar e vinha ter comigo. Depois ensinei-a a andar. Passava tardes inteiras a brincar com ela e com a minha criação de camaleões.
Guiné > Mampatá (1)> 1968> O 1º cabo enfermeiro Teixeira (CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70), noutra foto, com a Maimuna.
© José Teixeira (2005)
Há dias levei-a para o meu abrigo e como eram horas de ela dormir deitei-a na minha cama, ficando ao lado dela. Armou um berreiro e tive de a levar à mãe e então compreendi a razão do choro. A mãe disse-me:
- Leva-a e deita-a atrás de ti de modo a que se possa agarrar às tuas costas . - Assim fiz e a menina dormiu um grande sono que eu acompanhei. Simplesmente, a mãe à noite dormia com a menina amarrada às costas, tal como é costume de dia quando andam a trabalhar, mas por razões diferentes, ou seja se houvesse um ataque tinham de fugir para o abrigo subterrâneo, por sinal ao lado do Posto de rádio e assim, com a menina amarrada às costas, não corria o perigo de na precipitação da fuga deixar a menina sem protecção.
________
(1) No sul da Guiné, a sudeste de Buba, junto a Aldeia Formosa (Quebo)
(2) – Deixem passar este poema que dedico à Maimuna, trinta anos depois …
MAIMUNA
Um amor que encontrei,
Me acompanhou e viveu,
Como eu.
A guerra que não queria,
Mas sentia,
Nas corridas para o abrigo,
Da mãe que fugia ao perigo.
Comigo aprendeste a andar,
No meio de balas, granadas,
Minas, na tua terra, semeadas.
Perigosas bonecas para o teu brincar.
E só de pensar,
Meu coração tremia
Que uma bala perdida,
Tua vida fosse roubar.
Eras a esperança.
O futuro que não queria perder.
Foste razão do meu viver,
Quando aos ombros
Percorrias, comigo, os escombros.
Da guerra que nos fazia sofrer.
Abandonei-te
à guerra fugi.
Mas hoje,
Trinta anos depois, ainda gosto de ti.
Tu e eu.
Companheiros de horas vazias.
Passeios de sonho e esperança.
Teu chilrear de bonança
Enchia a minha alma,
E me transmitia imensa calma.
Eu, em troca, te abandonei.
Fugi e nada te dei.
Hoje,
Quero ver-te, tocar-te
E dizer-te.
Quanto te amei.
José Teixeira - 1996
Guiné 63/74 - P386: a tertúlia do Porto (Luís Graça)
Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné...
Da esquerda para direita: Eu, Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada...)
© Hugo Costa / Francisco Allen (2005)
Estive com malta de Matosinhos... na Madalena, na casa de uns cunhados do Porto onde passei o Natal: A. Marques Lopes, Albano Costa e filho (Hugo), José Teixeira, Francisco Allen.... Também estive com o Eduardo Ribeiro, o "pira de Mansoa", o ranger que arriou a nossa bandeira, em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974, e conheceu a "Maria Turra", a segunda mulher do Amílcar Cabreal... Ele trabalha na EDP, estive com ele na Rua do Bolhão. Desencontrei-me do David Guimarães, que é da Madalena, trabalha no Porto (na Segurança Social) e mora em Espinho, mas falei com ele pelo telefone...
Igualmente falei ao telefone com o Paulo Salgado e a Conceição que passaram o Natal, em Vila Nova de Gaia, perto de mim... Tive pena de não poder emcontrar-me com o Rui Esteves, estive mesmo ao pé da casa dele, andei a passear entre Lavadores e a Madalena, no excelente passeio marítimo que eles agora lá têm, mas esqueci-me do número de telemóvel dele... em Lisboa.
É tudo gente fixe, malta do norte, cinco estrelas... Já andam a combinar viagens à Guiné e um próximo encontro (alargado) da tertúlia... O novo periquito, o Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada) acaba de trazer um jipe da Alemanha e quer pô-lo em Bissau, para ficar ao serviço dos... tertulianos que lá forem!... Vai levá-lo por estrada, do Porto até Bissau, 4 dias e meio... Alguém estará interessado em alinhar com ele ? Ele diz que é uma aventura inesquecível, muito melhor que o Lisboa-Dakar!... Aliás, que o diga o nosso amigo Jorge Neto!...
O Allen prometeu-me mandar um e-mail um dia destes: vai ser um acontecimento (para ele, que jurou nunca mais, depois da reforma como bancário, pegar num computador!)... Vejam só o que é (ou o que faz) a camaradagem dos tertulianos da Guiné...
Verifico que o entusiasmo com a nossa tertúlia está a aumentar cada vez mais... Isso também me assusta, por que se estão a criar expectativas muito altas...
Trouxe uma série de documentação, que me foi fornecida pelo Ribeiro, pelo Teixeira e pelo Allen... O Costa e o Allen têm montes de documentação fotográfica de 1973/74, de 1998 e de 2000. Um e outros são grandes entusiastas e amigos da Guiné. E prometem abastecer a nossa tertúlia até, pelo menos, ao final da década...
Fiz questão de visitar a Foto-Guifões, em Guifões, Matosinhos... para perceber melhor como é que o Albano se tornou o chefe... da tabanca dos tugas de Guifões... Ele conseguiu (é obra!) reunir toda a malta de Guifões que esteve na Guiné. É um exemplo a seguir, não há dúvida.
Desta vez não deu para visitar os tertulianos de Viana do Castelo. Fico satisfeito em saber que a ADSL já chegou à tabanca do Sousa de Castro, o nosso tertuliano nº 1... e que ele agora já pode receber toda a nossa correspondência, incluindo os novos mapas que aí vão aparecer no princípio do ano (Bissau, Tite, Jumbemben, Bigene, Binta, Teixeira Pinto, Pirada...).
Cheguei dia 28, de madrugada, por volta das 1.30h... Celebro o Novo Ano em Lisboa, como de costume.
No último do ano, ultrapassados os 400 posts em menos de 9 meses, aproveito para mandar Um chicoração para todos os amigos e camaradas de tertúlia (desculpem a pieguice de fim-de-ano...). Tenho imenso material para inserir no blogue (e no nosso site, no resto das vinte e tal páginas com as memórias dos lugares, além dos mapas...). Vocês vão ter que ter paciência, a começar pelo Humberto que está na calha, há semanas, com montanhas de mapas pesadíssimos (megas e megas de baites de Guiné, bolanhas, lalas, tabancas, palmeirais), pelo Zé Teixeira (e o seu diário), o Albano (e o seu inesgotável álbum de fotografias), o Ribeiro (e o seu cancioneiro de Mansoa), etc... Mas isto é como o Lisboa-Dakar: está tudo na fila, controlado... Por isso, não fiquem "apanhados pelo clima"...
Continuação de boas festas para o Sousa de Castro e para a rapaziada dos Estaleiros. Um abraço para os restantes tertulianos, incluindo o António Joaquim Serradas Pereira, de Leiria, que não tem dado sinais de vida... Congratulo-me por receber notícias do meu amigo e camarada da ex-CCAÇ 12, o Joaquim Fernandes...
Guiné 63/74 - P385: Em busca de: Batalhão de Caçadores 3872 (Galomaro, 1971/74) (Carlos Filipe)
1. Mensagem de Carlos Flipe Coelho, com data de 28 de Dezembro último:
Caros amigos:
Hoje, 28 de Dezembro de 2005, encontrei-vos, finalmente.
Chamo-me Carlos Filipe, fui radiomontador, formei Batalhão em 20 de Novembro de 1971 em Abrantes.
O Batalhão de Caçadores 3872 desembarcou em Bissau no dia 24 Dezembro de 1971. A minha CCS ficou sediada em Galomaro, mas antes estive aproximadamente um mês no QG em Bissau.
Depois fiz o velho percurso do rio Geba, e depois estrada, do Xime …até Galomaro. Claro que ainda tenho recordações de Dulombi, Cancolim, Bafatá, Bambadinca, Saltinho, Sete Fontes (fonte de água para abastecimento), Bolama (onde passei as minhas “férias”)...
O Cmdt de Batalhão era o Ten Cor Castro e Lemos, natural do Porto.
Será que haverá um camarada deste BCAÇ 3872 por aqui ??? De facto vejo muitas referências ao 3873 com percursos e referências que não me são de todo estranhas (1).
Por agora aceitem um forte abraço de amizade e muito obrigado a todos pela nostálgica alegria que me propocinaram.
Até à próxima.
Carlos Filipe A. Coelho
Ct0408@aeiou.pt
2. Resposta do Manuel Pereira (ex-furriel milicaino da CCAÇ 3547) (2):
Camarada, não serei talvez aquele que procuras, mas prometo, e conforme apelo do Luis, encetar contactos no sentido de comunicares com alguém do teu antigo Batalhão. A minha estadia em Galomaro foi relativamente curta, os desentendimentos com o Cmdt eram imensos (eu comandava um pelotão de reforço/destacado da CCAÇ 3547 - Os Répteis de Contuboel) - do BCAÇ 3884 sediado em Bafatá) daí e como medida de represália me obrigar a sair quase todas as noites para “emboscada” – protecção à distância e que eu numa atitude de desafio ficava pela “fonte”.
Conhecedor disso ou não, o Sr. Cmdt e mais uma vez, após acesa discussão ordenou-me que conjuntamente com o meu pelotão (também rebelde) fosse ocupar o aquartelamento do Dulombi. Foi a prenda do Sr. Cmdt para um conjunto de homens que já traziam na pele 24 meses de Guiné, distribuídos por Contuboel, Sonaco, Bafatá, Bambadinca Tabanca (Cambeidare), Sare Bacar, Medina Mandinga (Nova Lamego) e eu próprio com um currículo mais vasto acrescento também as muitas subidas em batelão de Bissau-Xime-Bambadinca (Porto), Bissau-Farim, trazendo tudo (?) o necessário para abastecimento das tropas. No sentido inverso (menos vezes, pois regressava de avião) o material evacuado (mortos inclusive).
A minha (nossa) estadia em Dulombi foi penosa mas felizmente curta. O 25 de Abril tinha chegado e O Sr. Cmdt foi ”levado” em Cesna pelos Homens do MFA e nosso desterro e destacamento no BCAÇ 3884 tinha chegado ao fim. Em Julho de 74 regressámos à metrópole.
Termino com votos de BOM ANO para todos os camaradas.
____
Notas de L.G.
(1) O Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, editava em 1973 o jornal O Jantum. Director: o Cmdt.
Há um membro desta tertúlia que fez parte da CCAÇ 3490 do BCAÇ 3872, e que esteve do Saltinho (1971/74). É o Joaquim Guimarães, minhoto, que vive actualmente nso EUA. Vd. pots de 15 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXI: Saltinho, 1971/74... United States of America, 2005
(2) Vd. post de 17 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
Caros amigos:
Hoje, 28 de Dezembro de 2005, encontrei-vos, finalmente.
Chamo-me Carlos Filipe, fui radiomontador, formei Batalhão em 20 de Novembro de 1971 em Abrantes.
O Batalhão de Caçadores 3872 desembarcou em Bissau no dia 24 Dezembro de 1971. A minha CCS ficou sediada em Galomaro, mas antes estive aproximadamente um mês no QG em Bissau.
Depois fiz o velho percurso do rio Geba, e depois estrada, do Xime …até Galomaro. Claro que ainda tenho recordações de Dulombi, Cancolim, Bafatá, Bambadinca, Saltinho, Sete Fontes (fonte de água para abastecimento), Bolama (onde passei as minhas “férias”)...
O Cmdt de Batalhão era o Ten Cor Castro e Lemos, natural do Porto.
Será que haverá um camarada deste BCAÇ 3872 por aqui ??? De facto vejo muitas referências ao 3873 com percursos e referências que não me são de todo estranhas (1).
Por agora aceitem um forte abraço de amizade e muito obrigado a todos pela nostálgica alegria que me propocinaram.
Até à próxima.
Carlos Filipe A. Coelho
Ct0408@aeiou.pt
2. Resposta do Manuel Pereira (ex-furriel milicaino da CCAÇ 3547) (2):
Camarada, não serei talvez aquele que procuras, mas prometo, e conforme apelo do Luis, encetar contactos no sentido de comunicares com alguém do teu antigo Batalhão. A minha estadia em Galomaro foi relativamente curta, os desentendimentos com o Cmdt eram imensos (eu comandava um pelotão de reforço/destacado da CCAÇ 3547 - Os Répteis de Contuboel) - do BCAÇ 3884 sediado em Bafatá) daí e como medida de represália me obrigar a sair quase todas as noites para “emboscada” – protecção à distância e que eu numa atitude de desafio ficava pela “fonte”.
Conhecedor disso ou não, o Sr. Cmdt e mais uma vez, após acesa discussão ordenou-me que conjuntamente com o meu pelotão (também rebelde) fosse ocupar o aquartelamento do Dulombi. Foi a prenda do Sr. Cmdt para um conjunto de homens que já traziam na pele 24 meses de Guiné, distribuídos por Contuboel, Sonaco, Bafatá, Bambadinca Tabanca (Cambeidare), Sare Bacar, Medina Mandinga (Nova Lamego) e eu próprio com um currículo mais vasto acrescento também as muitas subidas em batelão de Bissau-Xime-Bambadinca (Porto), Bissau-Farim, trazendo tudo (?) o necessário para abastecimento das tropas. No sentido inverso (menos vezes, pois regressava de avião) o material evacuado (mortos inclusive).
A minha (nossa) estadia em Dulombi foi penosa mas felizmente curta. O 25 de Abril tinha chegado e O Sr. Cmdt foi ”levado” em Cesna pelos Homens do MFA e nosso desterro e destacamento no BCAÇ 3884 tinha chegado ao fim. Em Julho de 74 regressámos à metrópole.
Termino com votos de BOM ANO para todos os camaradas.
____
Notas de L.G.
(1) O Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, editava em 1973 o jornal O Jantum. Director: o Cmdt.
Há um membro desta tertúlia que fez parte da CCAÇ 3490 do BCAÇ 3872, e que esteve do Saltinho (1971/74). É o Joaquim Guimarães, minhoto, que vive actualmente nso EUA. Vd. pots de 15 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXI: Saltinho, 1971/74... United States of America, 2005
(2) Vd. post de 17 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
sexta-feira, 30 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P384: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos
Guiné > Olossato > 1972 (?) > O Alferes miliciano Salgado (em cima do capô da GTMC) e o primeiro cabo Marques (sentado na roda sobresselente), da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), e cujo comandante era o capitão de cavalaria Mário Tomé.
© Paulo Salgado (2005)
Embora de férias (natalícias) em Vila Nova de Gaia, o Paulo não deixa de enviar, através do seu 'bombolom', notícias para a nossa tertúlia. Aqui vão:
Camaradas e Amigos,
Hoje tenho duas notícias para vos dar:
Primeira: o Rocha Lobo esteve na Guiné entre 71 e 73. Vive em Guimarães e convidei-o a entrar na tertúlia. Cacine foi o seu aquartelamento. Ficou contente por haver um blogue. Espero que ele venha ter connosco... por isso o convidei (Luís, tem paciência...).
Segunda: Recebi uma carta do Moura Marques - primeiro cabo que eu promovi no IAO, em Santa Margarida - escolha acertadíssima. Um grande homem, um grande camarada...é um dos meus amigos verdadeiros, profundamente humano e camaradão.O que é que ele me dizia? Pois bem: vou recebê-lo em Bissau no dia 24 de Fevereiro. E vou recebê-lo como um príncipe, um verdadeiro "Jacinto" (lembram-se de "A Cidade e as Serras", do Eça de Queirós...!)
Vai uma foto em que estamos vários numa ida à lenha. É Moura Marques o que está no ponto mais alto, em cima da rodada da GMC com a arma "apontada" ao alferes (eu próprio).
Honra ao meu amigo, vai estar comigo em Bissau, iremos ao Olossato, passando por Nhacra, Dugal, Mansoa, Bissorã, Maqué. Recordaremos juntos o passado para compreeendermos o presente e melhorarmos (no que pudermos) o futuro...
Para o Rocha Lobo e para o Moura Marques (este não tem internet) espero o vosso
aplauso.
Paulo Salgado
PS - Luís, mais uma vez a tua paciência...
© Paulo Salgado (2005)
Embora de férias (natalícias) em Vila Nova de Gaia, o Paulo não deixa de enviar, através do seu 'bombolom', notícias para a nossa tertúlia. Aqui vão:
Camaradas e Amigos,
Hoje tenho duas notícias para vos dar:
Primeira: o Rocha Lobo esteve na Guiné entre 71 e 73. Vive em Guimarães e convidei-o a entrar na tertúlia. Cacine foi o seu aquartelamento. Ficou contente por haver um blogue. Espero que ele venha ter connosco... por isso o convidei (Luís, tem paciência...).
Segunda: Recebi uma carta do Moura Marques - primeiro cabo que eu promovi no IAO, em Santa Margarida - escolha acertadíssima. Um grande homem, um grande camarada...é um dos meus amigos verdadeiros, profundamente humano e camaradão.O que é que ele me dizia? Pois bem: vou recebê-lo em Bissau no dia 24 de Fevereiro. E vou recebê-lo como um príncipe, um verdadeiro "Jacinto" (lembram-se de "A Cidade e as Serras", do Eça de Queirós...!)
Vai uma foto em que estamos vários numa ida à lenha. É Moura Marques o que está no ponto mais alto, em cima da rodada da GMC com a arma "apontada" ao alferes (eu próprio).
Honra ao meu amigo, vai estar comigo em Bissau, iremos ao Olossato, passando por Nhacra, Dugal, Mansoa, Bissorã, Maqué. Recordaremos juntos o passado para compreeendermos o presente e melhorarmos (no que pudermos) o futuro...
Para o Rocha Lobo e para o Moura Marques (este não tem internet) espero o vosso
aplauso.
Paulo Salgado
PS - Luís, mais uma vez a tua paciência...
Guiné 63/74 - P383: O Hino de Gandembel (Luís Graça)
Guiné > Quebo > 1968 > O José Teixeira, 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/79), junto ao obus 14, apontado à fronteira.
© José Teixeira (2005)
É com visível satisfação que inserimos hoje, aqui no nosso blogue, a famosa letra do hino de Gandembel. No meu tenpo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) era provavelmente a canção de caserna mais popular, passando de boca em boca. Guileje, Gadamael e Gandembel eram três nomes que aquartelamentos que os periquitos, em Bissau ou na Zona Leste, pronunciavam com temor e respeito... Estou a fazer um esforço por me lembrar da música que acompanhva esta letra: creio que era um fado ou um balada conhecida... Se alguém se lembrar que me diga.
Gandembel era um aquartelamento, no sul, junto à fronteira, a nordeste de Guileje.
A recolha foi feita pelo nosso camarada José Teixeira, na altura 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381 que andou por Buba e Empada, entre 1968 e 1970. O Teixeira voltou recentemente à Guiné, em Março de 2005, com o Allen e outros camaradas. Desse regresso vais-nos dar conta em crónica que está a elaborar para a nossa tertúlia. Além disso, deu-nos o privilégio de partilhar o seu diário da época (1968/70) , bem como as suas fotos, que iremos divulgando nos proximos dias...
Hino a Gandembel
Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.
- Meu Alferes, uma saída!
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte!,
Logo se ouve dizer.
Oh!, Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (1) e morteiradas.
Oh!, Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.
A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (2)
É preciso protecção.
Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.
Temos por v’zinhos Balana (3),
Do outro lado o Guilleje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (4) te protege.
Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!
Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.
____
(1) Verylights
(2) WC
(3) A famosa ponte Balana
(4) A espingarda automática G-3
© José Teixeira (2005)
É com visível satisfação que inserimos hoje, aqui no nosso blogue, a famosa letra do hino de Gandembel. No meu tenpo (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) era provavelmente a canção de caserna mais popular, passando de boca em boca. Guileje, Gadamael e Gandembel eram três nomes que aquartelamentos que os periquitos, em Bissau ou na Zona Leste, pronunciavam com temor e respeito... Estou a fazer um esforço por me lembrar da música que acompanhva esta letra: creio que era um fado ou um balada conhecida... Se alguém se lembrar que me diga.
Gandembel era um aquartelamento, no sul, junto à fronteira, a nordeste de Guileje.
A recolha foi feita pelo nosso camarada José Teixeira, na altura 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381 que andou por Buba e Empada, entre 1968 e 1970. O Teixeira voltou recentemente à Guiné, em Março de 2005, com o Allen e outros camaradas. Desse regresso vais-nos dar conta em crónica que está a elaborar para a nossa tertúlia. Além disso, deu-nos o privilégio de partilhar o seu diário da época (1968/70) , bem como as suas fotos, que iremos divulgando nos proximos dias...
Hino a Gandembel
Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.
- Meu Alferes, uma saída!
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte!,
Logo se ouve dizer.
Oh!, Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (1) e morteiradas.
Oh!, Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.
A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (2)
É preciso protecção.
Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.
Temos por v’zinhos Balana (3),
Do outro lado o Guilleje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (4) te protege.
Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!
Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.
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(1) Verylights
(2) WC
(3) A famosa ponte Balana
(4) A espingarda automática G-3
Guiné 63/74 - P382: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Carlos Marques Santos)
Guiné > Zona Leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > A famigerada árvore que servia de mira aos guerrilheiros do PAIGC nas flagelações, com armas pesadas, ao aquartelamento.
Ela resistiu a estes anos todos... Em 1996, o nosso camarada Humberto Reis fotografou-a, ainda resistente, de pé, mas aparentemente já sem vida...
© Carlos Marques Santos (2005)
Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)
Mansambo, 17 de Setembro de 1969 (1)
Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (2), eis Mansambo (3).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Trabalhos de construção de mais um abrigo...
© Carlos Marques Santos (2005)
Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação (4).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > A tristemente célebre fonte de Mansambo, na imediações do aquartelamento... Hoje estas e outras fotos fazem-nos rir, mas também pensar e chorar: como foi possível que nós, jovens, pudéssemos viver, nos melhores anos da nossa vida, em buracos como Mansambo ou Guileje ?
Uma emboscada à viatura da água causou gaves baixas às NT, obrigando à abertura posterior de um poço no perímetro do aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes.
A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina. Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendida pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água, a partir de uma nascente local, era não apenas penoso como inseguro.
© Carlos Marques Santos (2005)
O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole (5). Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca.
Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné (5).
Luis Graça
(ex-furriel Miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
_________
Notas de L. G.
(1) No decurso da Op Belo Dia II, coluna logística do BCAÇ 2852 para as unidades de Xitole e Saltinho (17-18 de Setembro de 1969). A CCAÇ 12 participou a 2 Grupos de Combate. Chegámos a Mansambo por volta das 17:30h. Pernoitámos no aquartelamento, amontoados uns sobre os outros. No dia seguinte, a 18 de Setembro, a caminho do Xitole, a GMC do Dalot, o "melhor condutor do mundo de GMC", que ia em quarto lugar, accionou uma mina anticarro. Eu ia em 3º lugar, num Unimog… Mais um dia de sorte, para mim. Hoje penso que tive um irã a velar por mim, na Guiné… (vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água feito à mão (!), com jericãs, na fonte de Mansambo...
© Carlos Marques Santos (2005)
(2) Hoje tenho dúvidas sobre o que escrevi na época: não me parece que os nossos bunkers tanto em Mansambo como no resto da Guiné fossem à prova de canhão sem recuo. Seguramente que não eram. Tectos e paredes não eram de cimento armado. Muitos deles não passavam de buracos escavados no chão, com um tecto de rachas de cibe (tronco de palmeira) e argamassa de terra e cimento… Na melhor das hipóteses, poderiam aguentar uma roquetada ou até uma morteirada do 82! (Vd foto, a seguir, do poço do quartel, com um abrigo-casermna atrás).
(3) Em Setembro de 1969, a unidade de quadrícula estacionada em Mansambo era a CART 2339 (1968/69). Tinha um pelotão (- 1 secção) na tabanca em autodefesa de Candamã e uma secção em Afiá, no regulado do Corubal, a leste de Mansambo.
Havia ainda um esquadrão (-) do Pelotão de Morteiros 2106 e o 8º Pelotão da Bateria de Artilharia de Campanha (-) (um secção estava em Bissau).
Na ZA (zona de acção) de Mansambo incluía-se ainda o destacamento de Moricanhe (a norte de Mansambo e a sul de Dembataco), guarnecida pelo Pel Mil 145, mas retirada pelas NT, na sequência da reacção do PAIGC à Op Lança Afiada (8-18 Março de 1969) (vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli ).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 >
"Depois de casa arrombada, trancas á porta"...
Depois das baixas sofridas na fonte (2 mortos e 10 feridos) foi decidido abrir um poço dentro do próprio aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Só no subsector de Mansambo, e até finais de Julho de 1969, a guerrilha tinha lançado uma série de acções ofensivas (para além da sua reacção defensiva à contrapenetração das NT nos seus redutos ou zonas de controlo na região compreendida entre a margem direita do Rio Corubal e a estrada Bambadinca - Mansambo – Xitole):
(i) 2 de Abril de 1969: emboscada, com mina A/C comandada, a uma secção do Pel Mil 145, na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 15 minutos, por um grupo IN estimnado em 30 elementos, equipados com LGF, PM e espingardas automáticas;
(ii) 15 de Maio de 1969: emboscada a forças da CART 2339 na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 25 minutos, por um grupo IN estimado em 30 elementos, equipado de LGF e armas automáticas; sem consequências;
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Vista geral dos "novos balneários": Um luxo !!!
© Carlos Marques Santos (2005)
(iii) 2 de Junho de 1969, três grupos IN não estimados flagelaram em simultâneo, durante a noite, os destacamentos de Amedalai, Dembataco e Moricanhe (os dois primeiros pertencentes ao sub-sector do Xime), utilizando um número impressionante de armas pesadas: 7 canhões s/r, 8 morteiro 82, 13 LGFog, Metralhadoras 12.7, metralhadoras ligeiras e outras armas automáticas; causaram um morto e 3 feridos entre as milícias, um morto e qutro feridos entre os civis, para além de danos materiais nas tabancas;
(iv) 11 de Junho de 1969: flagelação, à meia-noite, do aquartelamento de Mansambo, do lado oeste, durante 30 minutos, por um grupo estimado em 20/30 elementos, com canhão s/r, Mort 82, LGFog e armas automáticas;
(v) 13 de Junho de 1969: idem, mas do lado sul, e ao anoitecer…
(vi) 24 e 27 de Julho de 1969: flagelação, à distância, ao fim da tarde (cerca das 17h) do aquartelamento de Mansambo, com Mort 82;
(vii) 30 de Julho de 2005: flagelação, à distância, durante 20 minutos, do aquartelamento de Mansambo, por um grupo não estimado, utilizando Canhão s/r e Mort 82;
(viii) 30 de Julho de 1969: ataque, de madrugada, à tabanca em autodefesa de Candamã durante 2 horas e 20 minutos (!), por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando 2 Canhões r/s, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Metralhadoras Ligeiras e Granadas de Mão Defensivas, causando 5 feridos (um grave) às NT, 2 mortos e diversos feridos à população civil (três dos quais graves)
(ix) 11 de Agosto de 1969: flagelação a Candamã, àss 19:00h, durante 5 minutos, sem consequências;
(x) 15 de Agosto de 1969: ataque, às 5:00h da manhã, à tabanca em autodefesa de Afiá, durante 30 minutos, e à distância de 500 metros do arame farpado, por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando Canhão r/s, Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada e Metralhadoras Ligeiras causando 3 mortos e 9 feridos (um grave) à população civil;
(xi) 21 de Agosto de 1969: forças da CART 2339 detectam e levantam 9 minas antipessoais na região do Rio Bissari; ao mesmo tempo, accionam um mina A/P reforçada, causando um morto (guia nativo) e cinco feridos (um grave) às NT;
(3) Gadamael e Guileje eram, para além de Madina do Boé (abandonado em Fevereiro de 1969) os aquartelamentos do sul de que mais se falava, nesta época, em Bambadinca; o nome de Gandembel também era referido; havia canções que evocavam estes nomes já míticos e que serviam para assutar os periquitos…
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nem os amuletos ou mezinhos nos carros dos Viriatos (neste caso, um par de cornos...) os livraram de minas e emboscadas...
© Carlos Marques Santos (2005)
(4) No dia seguinte, 18 de Setembro, uma coluna logística do BCAÇ 2852, uma viatura GMC da CCAÇ 12, com três toneladas de arroz, iria accionar uma mina anticarro, junto á ponte do Rio Jago, no troço Mansambo- Xitole (Xime 8 A 5 – 36) Este itinerário estava interdito desde Novembro de 1968. A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores que seguiam na frente com 2 Grupo de Combate.
Dias depois, a 29 de Setembro de 1969, forças da CART 2339 (6) sofrem um morto e um ferido grave, na sequência de um emboscada, levada a cabo por um grupo estimado em15/20 elementos, às 06:50h, na estrada Mansambo-Bambadinca n(Xime 8B 4 -72). Na emboscada, que durou 15 minutos, foram utilizados LGFog, Mort 60 e armas automáticas.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nicho de Nossa Senhora num dos abrigos do aquartelamento...
A fé (cristã) também ajudou muitos dos nossos camaradas de armas a suportar as duras provações da guerra...
© Carlos Marques Santos (2005)
(5) Assisti aqui em Mansambo, em data que já não posso precisar (ou melhor: não quero, para não comprometer o bom nome dos nossos antigos camaradas) , a uma cena que - julgo eu - não seria não rara quanto isso, no TO da Guiné, em resultado do stresse de guerra, e que me impressionou vivamente: no final de uma operação, no regresso ao quartel, um comandante de unidade chamou um dos operadores de transmissões que terá cometido um erro qualquer no decorrer da operação e “enfiou-lhe um enxerto de porrada”, daquela de criar bicho… Assim, sem mais nem menos, a quente, à frente dos seus homens e de alguns graduados da CCAÇ 12… Constava que também não eram raras as cenas de pugilato entre esse capitão (miliciano!, se a memória me não atraiçoa...) e os seus sargentos e alferes…
(6) Mensagem (posterior) do Humberto Reis:
Carlos Marques
Bem vindo a esta Tertúlia. Lembro-me tão bem da 2339. Fizemos algumas, e não foram poucas, operações juntos. Eu na CCAÇ 12 e tu na 2339. Tenho um slide na minha colecção que tirei a um dos Unimog com pessoal da 2339, ainda estacionado na pista em Bambadinca, quando em Dezembro de 1969 vos escoltei até ao Xime (vocês a virem embora e eu cheio de inveja de ter de ficar e alinhar para o mato).
Infelizmente só me lembro de um nome da vossa companhia exactamente por ser parecido com o meu. Era o furriel miliciano Rei. Sabes alguma coisa deste amigo?
Um abraço e Bom Ano de 2006
Humberto Reis
Ela resistiu a estes anos todos... Em 1996, o nosso camarada Humberto Reis fotografou-a, ainda resistente, de pé, mas aparentemente já sem vida...
© Carlos Marques Santos (2005)
Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)
Mansambo, 17 de Setembro de 1969 (1)
Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (2), eis Mansambo (3).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Trabalhos de construção de mais um abrigo...
© Carlos Marques Santos (2005)
Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação (4).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > A tristemente célebre fonte de Mansambo, na imediações do aquartelamento... Hoje estas e outras fotos fazem-nos rir, mas também pensar e chorar: como foi possível que nós, jovens, pudéssemos viver, nos melhores anos da nossa vida, em buracos como Mansambo ou Guileje ?
Uma emboscada à viatura da água causou gaves baixas às NT, obrigando à abertura posterior de um poço no perímetro do aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes.
A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina. Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendida pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água, a partir de uma nascente local, era não apenas penoso como inseguro.
© Carlos Marques Santos (2005)
O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole (5). Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca.
Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné (5).
Luis Graça
(ex-furriel Miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
_________
Notas de L. G.
(1) No decurso da Op Belo Dia II, coluna logística do BCAÇ 2852 para as unidades de Xitole e Saltinho (17-18 de Setembro de 1969). A CCAÇ 12 participou a 2 Grupos de Combate. Chegámos a Mansambo por volta das 17:30h. Pernoitámos no aquartelamento, amontoados uns sobre os outros. No dia seguinte, a 18 de Setembro, a caminho do Xitole, a GMC do Dalot, o "melhor condutor do mundo de GMC", que ia em quarto lugar, accionou uma mina anticarro. Eu ia em 3º lugar, num Unimog… Mais um dia de sorte, para mim. Hoje penso que tive um irã a velar por mim, na Guiné… (vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > O abastecimento de água feito à mão (!), com jericãs, na fonte de Mansambo...
© Carlos Marques Santos (2005)
(2) Hoje tenho dúvidas sobre o que escrevi na época: não me parece que os nossos bunkers tanto em Mansambo como no resto da Guiné fossem à prova de canhão sem recuo. Seguramente que não eram. Tectos e paredes não eram de cimento armado. Muitos deles não passavam de buracos escavados no chão, com um tecto de rachas de cibe (tronco de palmeira) e argamassa de terra e cimento… Na melhor das hipóteses, poderiam aguentar uma roquetada ou até uma morteirada do 82! (Vd foto, a seguir, do poço do quartel, com um abrigo-casermna atrás).
(3) Em Setembro de 1969, a unidade de quadrícula estacionada em Mansambo era a CART 2339 (1968/69). Tinha um pelotão (- 1 secção) na tabanca em autodefesa de Candamã e uma secção em Afiá, no regulado do Corubal, a leste de Mansambo.
Havia ainda um esquadrão (-) do Pelotão de Morteiros 2106 e o 8º Pelotão da Bateria de Artilharia de Campanha (-) (um secção estava em Bissau).
Na ZA (zona de acção) de Mansambo incluía-se ainda o destacamento de Moricanhe (a norte de Mansambo e a sul de Dembataco), guarnecida pelo Pel Mil 145, mas retirada pelas NT, na sequência da reacção do PAIGC à Op Lança Afiada (8-18 Março de 1969) (vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli ).
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 >
"Depois de casa arrombada, trancas á porta"...
Depois das baixas sofridas na fonte (2 mortos e 10 feridos) foi decidido abrir um poço dentro do próprio aquartelamento...
© Carlos Marques Santos (2005)
Só no subsector de Mansambo, e até finais de Julho de 1969, a guerrilha tinha lançado uma série de acções ofensivas (para além da sua reacção defensiva à contrapenetração das NT nos seus redutos ou zonas de controlo na região compreendida entre a margem direita do Rio Corubal e a estrada Bambadinca - Mansambo – Xitole):
(i) 2 de Abril de 1969: emboscada, com mina A/C comandada, a uma secção do Pel Mil 145, na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 15 minutos, por um grupo IN estimnado em 30 elementos, equipados com LGF, PM e espingardas automáticas;
(ii) 15 de Maio de 1969: emboscada a forças da CART 2339 na estrada Mansambo-Bambadinca, durante 25 minutos, por um grupo IN estimado em 30 elementos, equipado de LGF e armas automáticas; sem consequências;
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Vista geral dos "novos balneários": Um luxo !!!
© Carlos Marques Santos (2005)
(iii) 2 de Junho de 1969, três grupos IN não estimados flagelaram em simultâneo, durante a noite, os destacamentos de Amedalai, Dembataco e Moricanhe (os dois primeiros pertencentes ao sub-sector do Xime), utilizando um número impressionante de armas pesadas: 7 canhões s/r, 8 morteiro 82, 13 LGFog, Metralhadoras 12.7, metralhadoras ligeiras e outras armas automáticas; causaram um morto e 3 feridos entre as milícias, um morto e qutro feridos entre os civis, para além de danos materiais nas tabancas;
(iv) 11 de Junho de 1969: flagelação, à meia-noite, do aquartelamento de Mansambo, do lado oeste, durante 30 minutos, por um grupo estimado em 20/30 elementos, com canhão s/r, Mort 82, LGFog e armas automáticas;
(v) 13 de Junho de 1969: idem, mas do lado sul, e ao anoitecer…
(vi) 24 e 27 de Julho de 1969: flagelação, à distância, ao fim da tarde (cerca das 17h) do aquartelamento de Mansambo, com Mort 82;
(vii) 30 de Julho de 2005: flagelação, à distância, durante 20 minutos, do aquartelamento de Mansambo, por um grupo não estimado, utilizando Canhão s/r e Mort 82;
(viii) 30 de Julho de 1969: ataque, de madrugada, à tabanca em autodefesa de Candamã durante 2 horas e 20 minutos (!), por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando 2 Canhões r/s, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Metralhadoras Ligeiras e Granadas de Mão Defensivas, causando 5 feridos (um grave) às NT, 2 mortos e diversos feridos à população civil (três dos quais graves)
(ix) 11 de Agosto de 1969: flagelação a Candamã, àss 19:00h, durante 5 minutos, sem consequências;
(x) 15 de Agosto de 1969: ataque, às 5:00h da manhã, à tabanca em autodefesa de Afiá, durante 30 minutos, e à distância de 500 metros do arame farpado, por um grupo estimado em 80/100 elementos, utilizando Canhão r/s, Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada e Metralhadoras Ligeiras causando 3 mortos e 9 feridos (um grave) à população civil;
(xi) 21 de Agosto de 1969: forças da CART 2339 detectam e levantam 9 minas antipessoais na região do Rio Bissari; ao mesmo tempo, accionam um mina A/P reforçada, causando um morto (guia nativo) e cinco feridos (um grave) às NT;
(3) Gadamael e Guileje eram, para além de Madina do Boé (abandonado em Fevereiro de 1969) os aquartelamentos do sul de que mais se falava, nesta época, em Bambadinca; o nome de Gandembel também era referido; havia canções que evocavam estes nomes já míticos e que serviam para assutar os periquitos…
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nem os amuletos ou mezinhos nos carros dos Viriatos (neste caso, um par de cornos...) os livraram de minas e emboscadas...
© Carlos Marques Santos (2005)
(4) No dia seguinte, 18 de Setembro, uma coluna logística do BCAÇ 2852, uma viatura GMC da CCAÇ 12, com três toneladas de arroz, iria accionar uma mina anticarro, junto á ponte do Rio Jago, no troço Mansambo- Xitole (Xime 8 A 5 – 36) Este itinerário estava interdito desde Novembro de 1968. A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores que seguiam na frente com 2 Grupo de Combate.
Dias depois, a 29 de Setembro de 1969, forças da CART 2339 (6) sofrem um morto e um ferido grave, na sequência de um emboscada, levada a cabo por um grupo estimado em15/20 elementos, às 06:50h, na estrada Mansambo-Bambadinca n(Xime 8B 4 -72). Na emboscada, que durou 15 minutos, foram utilizados LGFog, Mort 60 e armas automáticas.
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > CART 2339 > Nicho de Nossa Senhora num dos abrigos do aquartelamento...
A fé (cristã) também ajudou muitos dos nossos camaradas de armas a suportar as duras provações da guerra...
© Carlos Marques Santos (2005)
(5) Assisti aqui em Mansambo, em data que já não posso precisar (ou melhor: não quero, para não comprometer o bom nome dos nossos antigos camaradas) , a uma cena que - julgo eu - não seria não rara quanto isso, no TO da Guiné, em resultado do stresse de guerra, e que me impressionou vivamente: no final de uma operação, no regresso ao quartel, um comandante de unidade chamou um dos operadores de transmissões que terá cometido um erro qualquer no decorrer da operação e “enfiou-lhe um enxerto de porrada”, daquela de criar bicho… Assim, sem mais nem menos, a quente, à frente dos seus homens e de alguns graduados da CCAÇ 12… Constava que também não eram raras as cenas de pugilato entre esse capitão (miliciano!, se a memória me não atraiçoa...) e os seus sargentos e alferes…
(6) Mensagem (posterior) do Humberto Reis:
Carlos Marques
Bem vindo a esta Tertúlia. Lembro-me tão bem da 2339. Fizemos algumas, e não foram poucas, operações juntos. Eu na CCAÇ 12 e tu na 2339. Tenho um slide na minha colecção que tirei a um dos Unimog com pessoal da 2339, ainda estacionado na pista em Bambadinca, quando em Dezembro de 1969 vos escoltei até ao Xime (vocês a virem embora e eu cheio de inveja de ter de ficar e alinhar para o mato).
Infelizmente só me lembro de um nome da vossa companhia exactamente por ser parecido com o meu. Era o furriel miliciano Rei. Sabes alguma coisa deste amigo?
Um abraço e Bom Ano de 2006
Humberto Reis
quinta-feira, 29 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P381: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (2): as CART 2339, 2714, 3493 e 3494 (Carlos Marques Santos)
© Carlos Marques Santos (2005)
No post anterior, de 28 de Dezembro último, publicámos duas fotos relativas aos trabalhos de construção do aquartelamento de Mansambo, a cargo da CART 2339 (1968/70).
Essas duas primeiras fotos são um hino à vida: (i) a abertura de um poço e a instalação da motobomba; (ii) os chuveiros e a alegria da água correndo sobre os corpos sedentos e sujos.
© Carlos Marques Santos (2005)
Hoje publicamos mais algumas das fotos que oe x-furriel miliciano Samtos, da CART 2339, nos mandou: os soldados que, além da G-3, também sabiam pegar na pá, na picareta, na enxada, na serra, no balde e na colher da massa, no enxó, no formão, no martelo, etc. para construir abrigos subterrâneos e outras instalações para o pessoal... Com materiais baratos mas frágeis: troncos de palmeira, tijolos de areia e cimento, chapa de zinco, colmo...
© Carlos Marques Santos (2005)
Guiné > Zona leste > 1968 > Vista parcial do quartel de Mansambo >
Recebemos, entretanto, uam mensagem do Manuel Cruz, ex-capitão miliciano, ex-comandante da CART 3493, fazendo algumas correcções às legendas das fotos que estão na página Memórias dos ligares > Mansambo. aqui fica:
Olá
Temos aqui umas fotos de Mansambo, e com gente da nossa CART 3493 junto da Fonte (1).
Creio que as descrições das fotos têm alguns erros / dúvidas (abrir a página sobre Mansambo para ver fotos do Manuel Ferreira da CART 3494)
- Não estivemos em Mansambo até Abril de 1974;
- De Mansambo fomos para Cobumba, Fá Mandinga e terminamos no COMBIS (comando de Bissau) de onde chegamos a participar em escolta de coluna até Farim;
- É verdade que o BART 3873 esteve na Guiné entre finais de 1971 (passámos o Natal a bordo do Navio Uíge (2); a passagem de ano, 1971/72, foi já em Bolama;
- Saímos de Mansambo para Cobumba e não para o Cantanhês;
- Que companhia é que foi ocupar Mansambo quando saímos para Cobumba, terá sido a CCAÇ12?
- Não fomos do Xime para Mansambo, mas sim directamente de Bolama (centro de instrução);
Com votos de que este período festivo esteja a decorrer bem para todos Vós e um Bom Ano 2006.
Manuel Cruz (3)
(ex-Cmdt CCART 3493, 1971/74)
______________________
Nota de L.G.
Guiné > Bolama > Princípios do Ano de 1972 > O Manuel Ferreira, condutor auto da CART 3494 (que fez a sua comissão no Xime e em Mansambo, entre 1972 e 1974)
© Manuel Ferreira (2005)
(1) Involuntariamente, o Manuel Cruz foi induzido em erro: na realidade, o Manuel Ferreira era da CART 3494, e não da CART 3493.
A primeira esteve originalmente no Xime e depois é que foi para Mansambo, em Abril de 1973. Ambas pertenciam ao BART 3873 (Dezembro de 1971 / Abril de 1974), que esteve sediado em Bambadinca.
A CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula nessa época, tendo sido destacada para o Xime até à data da independência.
(2) O Manuel Carvalhido, da CCS do BART 3873, corrige: o navio não era o Uíge mas o Niassa...
(3) Vd. post de 13 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)
"Chegámos a Bolama para treinos militares entre o Natal e o Ano Novo (1971/1972. Depois seguimos para Mansambo onde estivemos em sobreposição com a companhia [2714] comandada por um capitão miliciano, de nome Agordela. Não sei exactamente quando, mas o senhor comandante da Guiné, General Spínola, transferiu-nos para Cobumba, [região de Tombali] (perto de Cufar - COP4 e perto de Bedanda e um pouco mais a montante do rio Cobumba instalou-se um grupo de Fuzileiros.
"Alguns meses depois a CCAÇ 3493 foi para Fá Mandinga, onde estivemos poucos meses.A última parte da comissão, que nos custou ao todo 27 meses, estivemos em Bissau no COMBIS, onde integrávamos a defesa de Bissau e dávamos apoio / segurança a colunas militares e civis para Farim".
No post anterior, de 28 de Dezembro último, publicámos duas fotos relativas aos trabalhos de construção do aquartelamento de Mansambo, a cargo da CART 2339 (1968/70).
Essas duas primeiras fotos são um hino à vida: (i) a abertura de um poço e a instalação da motobomba; (ii) os chuveiros e a alegria da água correndo sobre os corpos sedentos e sujos.
© Carlos Marques Santos (2005)
Hoje publicamos mais algumas das fotos que oe x-furriel miliciano Samtos, da CART 2339, nos mandou: os soldados que, além da G-3, também sabiam pegar na pá, na picareta, na enxada, na serra, no balde e na colher da massa, no enxó, no formão, no martelo, etc. para construir abrigos subterrâneos e outras instalações para o pessoal... Com materiais baratos mas frágeis: troncos de palmeira, tijolos de areia e cimento, chapa de zinco, colmo...
© Carlos Marques Santos (2005)
Guiné > Zona leste > 1968 > Vista parcial do quartel de Mansambo >
Recebemos, entretanto, uam mensagem do Manuel Cruz, ex-capitão miliciano, ex-comandante da CART 3493, fazendo algumas correcções às legendas das fotos que estão na página Memórias dos ligares > Mansambo. aqui fica:
Olá
Temos aqui umas fotos de Mansambo, e com gente da nossa CART 3493 junto da Fonte (1).
Creio que as descrições das fotos têm alguns erros / dúvidas (abrir a página sobre Mansambo para ver fotos do Manuel Ferreira da CART 3494)
- Não estivemos em Mansambo até Abril de 1974;
- De Mansambo fomos para Cobumba, Fá Mandinga e terminamos no COMBIS (comando de Bissau) de onde chegamos a participar em escolta de coluna até Farim;
- É verdade que o BART 3873 esteve na Guiné entre finais de 1971 (passámos o Natal a bordo do Navio Uíge (2); a passagem de ano, 1971/72, foi já em Bolama;
- Saímos de Mansambo para Cobumba e não para o Cantanhês;
- Que companhia é que foi ocupar Mansambo quando saímos para Cobumba, terá sido a CCAÇ12?
- Não fomos do Xime para Mansambo, mas sim directamente de Bolama (centro de instrução);
Com votos de que este período festivo esteja a decorrer bem para todos Vós e um Bom Ano 2006.
Manuel Cruz (3)
(ex-Cmdt CCART 3493, 1971/74)
______________________
Nota de L.G.
Guiné > Bolama > Princípios do Ano de 1972 > O Manuel Ferreira, condutor auto da CART 3494 (que fez a sua comissão no Xime e em Mansambo, entre 1972 e 1974)
© Manuel Ferreira (2005)
(1) Involuntariamente, o Manuel Cruz foi induzido em erro: na realidade, o Manuel Ferreira era da CART 3494, e não da CART 3493.
A primeira esteve originalmente no Xime e depois é que foi para Mansambo, em Abril de 1973. Ambas pertenciam ao BART 3873 (Dezembro de 1971 / Abril de 1974), que esteve sediado em Bambadinca.
A CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula nessa época, tendo sido destacada para o Xime até à data da independência.
(2) O Manuel Carvalhido, da CCS do BART 3873, corrige: o navio não era o Uíge mas o Niassa...
(3) Vd. post de 13 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)
"Chegámos a Bolama para treinos militares entre o Natal e o Ano Novo (1971/1972. Depois seguimos para Mansambo onde estivemos em sobreposição com a companhia [2714] comandada por um capitão miliciano, de nome Agordela. Não sei exactamente quando, mas o senhor comandante da Guiné, General Spínola, transferiu-nos para Cobumba, [região de Tombali] (perto de Cufar - COP4 e perto de Bedanda e um pouco mais a montante do rio Cobumba instalou-se um grupo de Fuzileiros.
"Alguns meses depois a CCAÇ 3493 foi para Fá Mandinga, onde estivemos poucos meses.A última parte da comissão, que nos custou ao todo 27 meses, estivemos em Bissau no COMBIS, onde integrávamos a defesa de Bissau e dávamos apoio / segurança a colunas militares e civis para Farim".
quarta-feira, 28 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P380: Tabanca Grande: Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2339 - Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (1): a água da vida
Guiné > Zona leste > Mansambo > 1968 > Para além dos abrigos subterrâneos à prova de morteiro e de bazuca (pelo menos), e das demais infraestrutuars indispensáveis à vida de uma companhia de quadrícula (refeitório, depósito de géneros, paiol, secretaria, campo de futebol, etc.), a água era talvez o bem mais precioso... Água, água!, diziam eles...
© Carlos Marques Santos (2005)
Temos mais um tertuliano, na recta final do ano de 2005: é o Carlos Marques dos Santos, de Coimbra, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/70) , afecta ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Esta undiade foi rendida pela CART 2714 (1970/72).
Aqui vão as duas primeiras mensagem dele (enviadas em 26 e 28 de Dezembro de 2005):
Companheiro(s):
(i) Alertado por um mail do Ernesto Ribeiro, explorei o vosso blogue e, em anexo, envio cinco fotos do construção de raiz do quartel Mansambo, incluindo o poço e os chuveiros, em estreia (naquela altura) absoluta (1).
Anteriormente, um pelotão em linha, pronto a disparar, tinha que fazer segurança para o banho na célebre nascente (?) depois de ter havido uma emboscada, com atiradores do PAIGC na copa das árvores, emboscada essa que provocou graves danos na Companhia (2).
(ii) Por mero acaso descobri nas minhas navegações na Internet um site que referia Mansambo. Ao explorá-lo encontrei dois nomes: Ernesto Ribeiro e António Santos Almeida (CART 2339).
Por mail, entrei em contacto com o Almeida e descobri que ele iria à Guiné em Março próximo. Manifestei o desejo de ir também e logo a seguir um telefonema de quem há cerca de 35 anos não tinha notícias, apesar de termos desde há dez anos encontros anuais da nossa unidade. Este ano vai ser no Gerês, em Maio, o nosso encontro.
Este mail serve-me de primeiro contacto.Ao mesmo tempo, e vendo fotos de Mansambo, quero contribuir para a memória colectiva, enviando algumas das que possuo. Em anexos vou mandar umas tantas.
Um abraço de Marques dos Santos
(ex-furriel miliciano da CART 2339, hoje professor de Educação Física do Ensimno Secundário, aposentado, vivendo em Coimbra)
Guiné > Zona leste > Mansambo (3)> 1968 >
Depois da água para beber, o bem a seguir mais precioso era o duche... Quem não se podia dar ao luxo de tomar um duche, como este aqui documentado na foto, tomava uma banho à fula... com água recolhida das chuvas, em bidões!
© Carlos Marques Santos (2005)
___
Notas de L.G.:
(1) A água (doce, potável ou não) era um dos bens mais preciosos, não só para as NT como para o PAIGC e para a população guineense. A água era duramente disputada por ambos os contendores. Naslguns sítios havia um acordo de cavaleiros, tácito; noutras, imoeraca a lei da guerra... Aconteceu em Mansambo: as NT foram emboscadas junto à nascente que abastecia o quartel em construção... Mansambo não existia no mapa, mas a sua importância era estratrégica ficando a meio dos trinta e tal quilómetros que separavam Bambadinca e o Xitole. O quartel foi construído de raíz pela CART 2339, com quem a CCAÇ 12 ainda colaborou durante meio ano (até Dezembro de 1969) em operações e colunas logísticas...
(2) Vd. na página sobre Mansambo fotos da famigerada nascente que havia nas imediações do aquartelamentoonde e onde tanto as NT como o PAIGC se abasteciam de água. Foi local de emboscadas e de mortes. Nessas fotos, pode-se ver o soldado condutor auto Manuel G. Ferreira, da CART 3494, do BART 3873, Jan. 1972 / Abr. 1974).
(3) No nosso tempo costumava-se dizer que Mansambo era um sítio que não vinha no mapa. Não tinha qualquer importância administrativa, por comparação com Bambadinca, a norte, e o Xitole, a sul. O quartel foi implantado na mata, desbastada: era um campo de futebol ou pouco mais, constituído por abrigos subterrâneos, construções de superfície abarracadas e arame farpado a toda a volta... No mapa do Xime, dos Serviços Cartográficos do Exército, anterior à guerra, havia uma minúscula tabanca, com duas moranças...
© Carlos Marques Santos (2005)
Temos mais um tertuliano, na recta final do ano de 2005: é o Carlos Marques dos Santos, de Coimbra, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/70) , afecta ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Esta undiade foi rendida pela CART 2714 (1970/72).
Aqui vão as duas primeiras mensagem dele (enviadas em 26 e 28 de Dezembro de 2005):
Companheiro(s):
(i) Alertado por um mail do Ernesto Ribeiro, explorei o vosso blogue e, em anexo, envio cinco fotos do construção de raiz do quartel Mansambo, incluindo o poço e os chuveiros, em estreia (naquela altura) absoluta (1).
Anteriormente, um pelotão em linha, pronto a disparar, tinha que fazer segurança para o banho na célebre nascente (?) depois de ter havido uma emboscada, com atiradores do PAIGC na copa das árvores, emboscada essa que provocou graves danos na Companhia (2).
(ii) Por mero acaso descobri nas minhas navegações na Internet um site que referia Mansambo. Ao explorá-lo encontrei dois nomes: Ernesto Ribeiro e António Santos Almeida (CART 2339).
Por mail, entrei em contacto com o Almeida e descobri que ele iria à Guiné em Março próximo. Manifestei o desejo de ir também e logo a seguir um telefonema de quem há cerca de 35 anos não tinha notícias, apesar de termos desde há dez anos encontros anuais da nossa unidade. Este ano vai ser no Gerês, em Maio, o nosso encontro.
Este mail serve-me de primeiro contacto.Ao mesmo tempo, e vendo fotos de Mansambo, quero contribuir para a memória colectiva, enviando algumas das que possuo. Em anexos vou mandar umas tantas.
Um abraço de Marques dos Santos
(ex-furriel miliciano da CART 2339, hoje professor de Educação Física do Ensimno Secundário, aposentado, vivendo em Coimbra)
Guiné > Zona leste > Mansambo (3)> 1968 >
Depois da água para beber, o bem a seguir mais precioso era o duche... Quem não se podia dar ao luxo de tomar um duche, como este aqui documentado na foto, tomava uma banho à fula... com água recolhida das chuvas, em bidões!
© Carlos Marques Santos (2005)
___
Notas de L.G.:
(1) A água (doce, potável ou não) era um dos bens mais preciosos, não só para as NT como para o PAIGC e para a população guineense. A água era duramente disputada por ambos os contendores. Naslguns sítios havia um acordo de cavaleiros, tácito; noutras, imoeraca a lei da guerra... Aconteceu em Mansambo: as NT foram emboscadas junto à nascente que abastecia o quartel em construção... Mansambo não existia no mapa, mas a sua importância era estratrégica ficando a meio dos trinta e tal quilómetros que separavam Bambadinca e o Xitole. O quartel foi construído de raíz pela CART 2339, com quem a CCAÇ 12 ainda colaborou durante meio ano (até Dezembro de 1969) em operações e colunas logísticas...
(2) Vd. na página sobre Mansambo fotos da famigerada nascente que havia nas imediações do aquartelamentoonde e onde tanto as NT como o PAIGC se abasteciam de água. Foi local de emboscadas e de mortes. Nessas fotos, pode-se ver o soldado condutor auto Manuel G. Ferreira, da CART 3494, do BART 3873, Jan. 1972 / Abr. 1974).
(3) No nosso tempo costumava-se dizer que Mansambo era um sítio que não vinha no mapa. Não tinha qualquer importância administrativa, por comparação com Bambadinca, a norte, e o Xitole, a sul. O quartel foi implantado na mata, desbastada: era um campo de futebol ou pouco mais, constituído por abrigos subterrâneos, construções de superfície abarracadas e arame farpado a toda a volta... No mapa do Xime, dos Serviços Cartográficos do Exército, anterior à guerra, havia uma minúscula tabanca, com duas moranças...
Guiné 63/74 - P379: Estórias cabralianas: 'turras brancos' em Bissaque, uma ficcção cabraliana (Jorge Cabral)
Em 1952, terminado o curso de engenheiro agrónomo em Lisboa, Amílcar Cabral regressa à sua terra, contratado pelos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné Portuguesa, trabalhando nomeadamente em Fá Mandinga (dizia-se, no meu tempo...) e em Pessubé, em Bissau (onde dirige uma exploração agrícola, a famosa Granja de Pessube: vd. mapa da cidade de Bissau).
Em 1969/71, outro Cabral passaria por Fá (Mandinga): era Alferes Miliciano do Exército Colonial Português, poeta e grande admirador da beleza feminina africana... Fá também foi centro de instrução da 1ª Companhia de Comandos Africanos.
Em 18 de Dezembro de 1969, o Alferes Cabral, à frente do seu Pel Caç Nat 63, vai, de noite, em socorro de Bissaque, atacada por um "turras brancos"... Trinta e cinco anos depois, em primeira mão, neste blogue, faz-se história: o próprio Cabral vem revelar que essa dos brancos em Bissaque foi uma "ficção cabraliana"... Esses delíros eram frequentes enre os soldados portugueses: recordo-me de um dos nossos básicos (da CCAÇ 12) que um dia terá visto elefantes junto ao arame farpado do quratel de Bambadinca!
© Jorge Cabral (2005)
1. Em Dezembro de 1969 a disposição das NT no Sector L1 da Zona Leste (Bambadinca) era a seguinte:
BCAÇ 2852 > Bambadinca
(1) CSS do BBCAÇ 2852 > Bambadinca
(2) CART 2520 (-) > Xime
(21) Um pelotão > Enxalé
(3) CCAÇ 2404 (-) > Mansambo
(31) Uma pelotão (-) > Candamã
(32) Uma secção > Afiá
(4) CART 2413 (-) > Xitole
(41) Um pelotão > Ponte dos Fulas
(5) Pel Caç Nat 52 > Bambadinca
(6) Pel Caç Nat 54 > Missirá
(7) Pel Caç Nat 63 > Fá
(8) Pel Autometralhadoras DAIMLER 2046 > Bambadinca
(9) Pel Mort 2106 (-) > Bambadinca. Com um esquadrão (-) em cada um dos seguintes aquartelamentos ou destacamentos: Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Fá, Missirá
(10) 20º Pel BAC 1 > Xime
(11) CCAÇ 12 (-) > Bambadinca
(111) Uma secção > Sansacuta
(12) Pelotões de milícias nas seguintes localidades: Missirá (201), Finete (202), Madina Bonco (241), Amedalai (203), Taibatá (242) e Dembataco (242).
2. Na História do BCAÇ 2852, Capítulo II, página 123, pode ler-se:
“Em 18 [de Dezembro de 1969 ], pelas 00h01 horas, um “Grupo IN, estimado em cerca de 20 elementos com alguns brancos (negrito meu), assaltou com armas ligeiras e granadas de mão, durante 20 minutos, a tabanca de Bissaque (Bambadinca 8 C 6), roubando uma vaca, um porco, várias galinhas e diversos objectos de uso pessoal, causando um ferido ligeiro à população que reagiu à catana e pelo fogo, o único elemento armado.
Em 1969/71, outro Cabral passaria por Fá (Mandinga): era Alferes Miliciano do Exército Colonial Português, poeta e grande admirador da beleza feminina africana... Fá também foi centro de instrução da 1ª Companhia de Comandos Africanos.
Em 18 de Dezembro de 1969, o Alferes Cabral, à frente do seu Pel Caç Nat 63, vai, de noite, em socorro de Bissaque, atacada por um "turras brancos"... Trinta e cinco anos depois, em primeira mão, neste blogue, faz-se história: o próprio Cabral vem revelar que essa dos brancos em Bissaque foi uma "ficção cabraliana"... Esses delíros eram frequentes enre os soldados portugueses: recordo-me de um dos nossos básicos (da CCAÇ 12) que um dia terá visto elefantes junto ao arame farpado do quratel de Bambadinca!
© Jorge Cabral (2005)
1. Em Dezembro de 1969 a disposição das NT no Sector L1 da Zona Leste (Bambadinca) era a seguinte:
BCAÇ 2852 > Bambadinca
(1) CSS do BBCAÇ 2852 > Bambadinca
(2) CART 2520 (-) > Xime
(21) Um pelotão > Enxalé
(3) CCAÇ 2404 (-) > Mansambo
(31) Uma pelotão (-) > Candamã
(32) Uma secção > Afiá
(4) CART 2413 (-) > Xitole
(41) Um pelotão > Ponte dos Fulas
(5) Pel Caç Nat 52 > Bambadinca
(6) Pel Caç Nat 54 > Missirá
(7) Pel Caç Nat 63 > Fá
(8) Pel Autometralhadoras DAIMLER 2046 > Bambadinca
(9) Pel Mort 2106 (-) > Bambadinca. Com um esquadrão (-) em cada um dos seguintes aquartelamentos ou destacamentos: Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Fá, Missirá
(10) 20º Pel BAC 1 > Xime
(11) CCAÇ 12 (-) > Bambadinca
(111) Uma secção > Sansacuta
(12) Pelotões de milícias nas seguintes localidades: Missirá (201), Finete (202), Madina Bonco (241), Amedalai (203), Taibatá (242) e Dembataco (242).
2. Na História do BCAÇ 2852, Capítulo II, página 123, pode ler-se:
“Em 18 [de Dezembro de 1969 ], pelas 00h01 horas, um “Grupo IN, estimado em cerca de 20 elementos com alguns brancos (negrito meu), assaltou com armas ligeiras e granadas de mão, durante 20 minutos, a tabanca de Bissaque (Bambadinca 8 C 6), roubando uma vaca, um porco, várias galinhas e diversos objectos de uso pessoal, causando um ferido ligeiro à população que reagiu à catana e pelo fogo, o único elemento armado.
"O IN sofreu um ferido motivado por catanadas, deixando poças de sangue, retirando e cambando o Rio Geba na Região (Bambadinca 3 I 7-65). As NT estavam emboscadas em (Bambadinca 5 I l-98), alertadas e passando obrigatoriamente pelo quartel de Fá [Madinga], fizeram fogo de morteiro sobre a última cambança (Bambadinca 5 I 9-24) reconhecendo o trilho IN de retirada até ao Rio Geba”.
O comandante da força que estava emboscada (o Alf Mil Cabral, do Pel Caç Nat 63) e que fez depois o reconhecimento - ainda nessa mesma noite - da acção do IN em Bissaque, deixou transparecer há dias, aqui neste blogue (1), que a notícia de brancos, integrando o grupo IN que terá assaltado Bissaque, foi tão exagerada… quanto a notícia da morte de Mark Twain comentada pelo próprio.
Em Dezembro de 1969, o Alf Mil Cabral comandava o destacamento de Fá Mandinga, guarnecido pelo PEL CAÇ NAT 63. Aqui vemo-lo, em traje de combate, devidamente protegido, contra as balas do IN, pelo mezinhos mandingas
© Jorge Cabral (2005)
O Jorge Cabral terá querido assustar o valoroso tenente-coronel e os magníficos majores de Bambadinca ao dar a notícia (fantasiosa) dos brancos em Bissaque. Nunca ninguém viu ou apanhou brancos no Sector L1, integrados na guerrilha do PAIGC.
Era uma ficção que já vinha da Operação Lança Afiada (Março de 1969) (2): os homens do BCAÇ 2852 ficaram muito frustrados quando entraram no Fiofioli e não encontraram nem enfermeiras nem médicos cubanos!
O Jorge Cabral era o único, de nós, que muito provavelmente se divertia com a guerra, “avacalhando” o sistema, fazendo “non sense” e produzindo inventonas como esta. "Ficções cabralianas", como ele próprio as define... A verdade é que os brancos de Bissaque, tal como os cubanos do Fiofioli, ficaram registados nos livros da tropa, o mesmo é dizer, no Arquivo Histórico-Militar...
Bissaque era uma aldeia balanta, em pleno chão fula (Zona Leste), situada no Geba Estreito, nas proximidades de Ponta Amaro, na margem esquerda, a norte de Fá Mandinga, a menos de cinco quilómetros em linha recta (pelo mapa). Pela carta (de 1955) era uma tabanca dispersa com meia dúzia de moranças. Não me lembro de lá ter passado, mas é bem possível que sim, numa qualquer acção de patrulhamento. De qualquer modo, Bissaque fazia parte do importante núcleo de população balanta do Sector L1, considerado sob duplo controlo, a par de Nhabijões, Mero e Santa Helena (3).
A população destas tabancas ribeirinhas, localizadas ao longo do Geba Estreito, hostilizava-nos ou, pelo menos, colaborava com o PAIGC, até por razões de parentesco e de etnia. Contrariamente às tabancas fulas, as tabancas balantas não estavam em autodefesa nem tinham milícias. Lembro-me de estar destacado em Nhabijões, já depois do seu reordenamento, e ser alertado, à noite, para a presença de guerrilheiros. Entravam e saíam com relativa facilidade no reordenamento, nas nossas barbas, quase descaradamente. Em contrapartida, nunca nos atacaram, por muito provavelmente recearem as nossas represálias sobre a população balanta. Limitaram-se, um dia, a 13 de Janeiro de 1971, a montar duas minas anticarro, à saída do reordenamento, na estrada de Nhabijões-Bambadinca,que nos custaram 2 mortos e vários feridos graves (entre eles, o Alf Mil Sapador Luís Moreira e o Fur Mil Atirador de Infantaria Joaquim Fernandes, membros da nossa tertúlia) (4).
Não sei, de resto, o que nos poderia acontecer se um dia a “esquadra de polícia” do Reordenamento de Nhabijões fosse atacada, à noite, de surpresa… Até Julho de 1970, o destacamento de Nhabijões era guarnecido por forças da CCAÇ 12… A partir daí foi constituído um pelotão permanente da CCS do BART 2917, enquadrado por graduados da CCAÇ 12. Os homens da CCS não tinham qualquer experiência de combate… No essencial, era um “pelotão de básicos” que seria rapidamente destroçado se algum dia o PAIGC nos atacasse…
A menos que se tratasse de um pequeno grupo de ladrões de gado, de etnia balanta (o que era vulgar acontecer, no Sector L1, mesmo em plena guerra...) ou de um pequeno grupo de guerrilha esfomeado e fora do controlo do seu comissário político, não vejo qual o interesse do PAIGC em amedrontar a pacata e colaborante população de Bissaque. Par mais à meia noite e para roubar apenas um vaca, um porco e algumas galinhas. Em suma, esta história parece-me estar mal contada, como muitas outras relatadas pelas NT...
Três dias depois, a 21, às 5h30 da manhã, os Pel Caç Nat 53 e 64, reforçados com duas secções de milícia, efectuaram uma operação de dois dias para detecção de vestígios do IN na região de Missirá, Finete, Chicri, Mato Cão, Finete. Não houve contacto nem vestígios (Op Espada Gaulesa). O Mato Cão era um dos pontos sensíveis do Geba Estreito donde a guerrilha costumava desencadear acções de barragem à navegação. Era uma zona intensamente patrulhada pela CCAÇ 12. Depois do regresso a casa dos quadros metropolitanos da CCAÇ 12 (Março de 1971), foi instalado um destacamento no Mato Cão (A informação é do Jorge Cabral que lá ficou na região por mais uns meses).
As forças do PAIGC que actuavam nesta região eram provenientes da base de Madina/Belel, no regulado do Cuor. Ataques e flagelações aos destacamentos de Missirá, Finete e Enxalé eram frequentes, obrigando ao reforço temporário de alguns deles (como era sobretudo o caso de Missirá).
Já em 28 de Setembro de 1969, há o registo, na história do BCAÇ 2852, de uma incursão de um grupo IN, armado, na povocação de Nhabijões Bedinca:
“Em 28, pelas 1h30, um grupo IN estimado em 50 elementos, armados de PM [ Pistolas Metralhadoras] e de espingardas [ automáticas ?] assaltaram a tabanca de Nhabijões Bedinca (Bambadinca 4 A – 3), agredindo à coronhada alguns africanos e roubando arroz, milho, uma vaca e um porco e diversos agasalhos. Retiraram para Norte, cambando o Rio Geba em canoas para a bolanha de São Belchior (Bambadinca 1 F 3 ?)”.
Alguns dias depois, a 3 de Outubro, pelas 14h00, muito provavelmente o mesmo grupo IN flagelou a embarcação Gouveia XVI da margem direita do Rio Geba, na região de São Belchior, “causando 1 morto, 4 feridos graves e 6 feridos ligeiros à população”… A embarcação, da Casa Gouveia, transportava apenas “carga civil” e dirigia-se, segundo presumo, de Bafatá para Bissau.
De qualquer modo nesse mês de Dezembro de 1969, há o registo de mais duas acções intimidatórias deste tipo, atribuídos pelo comando de Bambadinca à guerrilha do PAIGC:
“Em 10 de Dezembro, pelas 1h45, um grupo IN estimado em 6/8 elementos roubou 2 vacas na tabanca de Canchicamo (Bambadinca 8 A 8 ?) incendiando a morança do dono daquelas e tendo morrido uma criança e um nativo quando reagia ao IN com um pau. O IN atravessou o Rio Geba (Bambadinca 5I2) a nado, retirando pelo mesmo local. As NT, alertadas por elementos da população, imediatamente se deslocaram à tabanca de Canchicamo tendo detectado o trilho IN e tendo encontrado uma GMO [granada de mão ofensiva] (5).
“A 16, pelas 21h30, um grupo IN não estimado assaltou as moranças da tabanca de Nhabijões Bedinca roubando 2 vacas, um porco e tendo agredido o dono daquelas à coronhada e ocasionando nestes ferimentos. O IN cambou o Rio Geba na região (Bambadinca 1 I 5- 52)”.
Como se pode avaliar pela magnífica carta de Bambadinca, as povoações ribeirinhas ao longo do Geba Estreita eram de difícil (para não dizer impossível) controlo por parte das NT.
Ainda, nesse mês e ano, nas vésperas de Natal, a 24, dois Gr Comb da CCAç 12, “em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca levam a cabo uma rusga, com cerco, à tabanca de Mero”. Na história desta unidade (Cap. II, pág. 20) diz-se que “apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN”; por outro lado, “para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Acção Guilhotina)”.
Luís Graça
__________
(1) Vd. post de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque:
"Porque estamos no Natal, recordas o teu de 69 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho. Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque, o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do "inimigo" ter retirado. O ataque referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei- lhe alguns pormenores (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca!"
(2) Vd post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(3) Vd mapa de Bambadinca
(4) Vd. posts de:
21 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70)
23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
(5) Na brochura sobre a história do BCAÇ 2852, a grafia é Canxicamo. A mim parece-me que a grafia correcta é Canchicamo, de acordo com o mapa de Bambadinca, dos Serviços Cartográficos do Exército (1955). Canchicamo ficava a norte de Bissaque, junto a Ponta Amado numas curvas (caprichosas) desse mítico rio que era, para nós, o Geba (ou Xainga).
O comandante da força que estava emboscada (o Alf Mil Cabral, do Pel Caç Nat 63) e que fez depois o reconhecimento - ainda nessa mesma noite - da acção do IN em Bissaque, deixou transparecer há dias, aqui neste blogue (1), que a notícia de brancos, integrando o grupo IN que terá assaltado Bissaque, foi tão exagerada… quanto a notícia da morte de Mark Twain comentada pelo próprio.
Em Dezembro de 1969, o Alf Mil Cabral comandava o destacamento de Fá Mandinga, guarnecido pelo PEL CAÇ NAT 63. Aqui vemo-lo, em traje de combate, devidamente protegido, contra as balas do IN, pelo mezinhos mandingas
© Jorge Cabral (2005)
O Jorge Cabral terá querido assustar o valoroso tenente-coronel e os magníficos majores de Bambadinca ao dar a notícia (fantasiosa) dos brancos em Bissaque. Nunca ninguém viu ou apanhou brancos no Sector L1, integrados na guerrilha do PAIGC.
Era uma ficção que já vinha da Operação Lança Afiada (Março de 1969) (2): os homens do BCAÇ 2852 ficaram muito frustrados quando entraram no Fiofioli e não encontraram nem enfermeiras nem médicos cubanos!
O Jorge Cabral era o único, de nós, que muito provavelmente se divertia com a guerra, “avacalhando” o sistema, fazendo “non sense” e produzindo inventonas como esta. "Ficções cabralianas", como ele próprio as define... A verdade é que os brancos de Bissaque, tal como os cubanos do Fiofioli, ficaram registados nos livros da tropa, o mesmo é dizer, no Arquivo Histórico-Militar...
Bissaque era uma aldeia balanta, em pleno chão fula (Zona Leste), situada no Geba Estreito, nas proximidades de Ponta Amaro, na margem esquerda, a norte de Fá Mandinga, a menos de cinco quilómetros em linha recta (pelo mapa). Pela carta (de 1955) era uma tabanca dispersa com meia dúzia de moranças. Não me lembro de lá ter passado, mas é bem possível que sim, numa qualquer acção de patrulhamento. De qualquer modo, Bissaque fazia parte do importante núcleo de população balanta do Sector L1, considerado sob duplo controlo, a par de Nhabijões, Mero e Santa Helena (3).
A população destas tabancas ribeirinhas, localizadas ao longo do Geba Estreito, hostilizava-nos ou, pelo menos, colaborava com o PAIGC, até por razões de parentesco e de etnia. Contrariamente às tabancas fulas, as tabancas balantas não estavam em autodefesa nem tinham milícias. Lembro-me de estar destacado em Nhabijões, já depois do seu reordenamento, e ser alertado, à noite, para a presença de guerrilheiros. Entravam e saíam com relativa facilidade no reordenamento, nas nossas barbas, quase descaradamente. Em contrapartida, nunca nos atacaram, por muito provavelmente recearem as nossas represálias sobre a população balanta. Limitaram-se, um dia, a 13 de Janeiro de 1971, a montar duas minas anticarro, à saída do reordenamento, na estrada de Nhabijões-Bambadinca,que nos custaram 2 mortos e vários feridos graves (entre eles, o Alf Mil Sapador Luís Moreira e o Fur Mil Atirador de Infantaria Joaquim Fernandes, membros da nossa tertúlia) (4).
Não sei, de resto, o que nos poderia acontecer se um dia a “esquadra de polícia” do Reordenamento de Nhabijões fosse atacada, à noite, de surpresa… Até Julho de 1970, o destacamento de Nhabijões era guarnecido por forças da CCAÇ 12… A partir daí foi constituído um pelotão permanente da CCS do BART 2917, enquadrado por graduados da CCAÇ 12. Os homens da CCS não tinham qualquer experiência de combate… No essencial, era um “pelotão de básicos” que seria rapidamente destroçado se algum dia o PAIGC nos atacasse…
A menos que se tratasse de um pequeno grupo de ladrões de gado, de etnia balanta (o que era vulgar acontecer, no Sector L1, mesmo em plena guerra...) ou de um pequeno grupo de guerrilha esfomeado e fora do controlo do seu comissário político, não vejo qual o interesse do PAIGC em amedrontar a pacata e colaborante população de Bissaque. Par mais à meia noite e para roubar apenas um vaca, um porco e algumas galinhas. Em suma, esta história parece-me estar mal contada, como muitas outras relatadas pelas NT...
Três dias depois, a 21, às 5h30 da manhã, os Pel Caç Nat 53 e 64, reforçados com duas secções de milícia, efectuaram uma operação de dois dias para detecção de vestígios do IN na região de Missirá, Finete, Chicri, Mato Cão, Finete. Não houve contacto nem vestígios (Op Espada Gaulesa). O Mato Cão era um dos pontos sensíveis do Geba Estreito donde a guerrilha costumava desencadear acções de barragem à navegação. Era uma zona intensamente patrulhada pela CCAÇ 12. Depois do regresso a casa dos quadros metropolitanos da CCAÇ 12 (Março de 1971), foi instalado um destacamento no Mato Cão (A informação é do Jorge Cabral que lá ficou na região por mais uns meses).
As forças do PAIGC que actuavam nesta região eram provenientes da base de Madina/Belel, no regulado do Cuor. Ataques e flagelações aos destacamentos de Missirá, Finete e Enxalé eram frequentes, obrigando ao reforço temporário de alguns deles (como era sobretudo o caso de Missirá).
Já em 28 de Setembro de 1969, há o registo, na história do BCAÇ 2852, de uma incursão de um grupo IN, armado, na povocação de Nhabijões Bedinca:
“Em 28, pelas 1h30, um grupo IN estimado em 50 elementos, armados de PM [ Pistolas Metralhadoras] e de espingardas [ automáticas ?] assaltaram a tabanca de Nhabijões Bedinca (Bambadinca 4 A – 3), agredindo à coronhada alguns africanos e roubando arroz, milho, uma vaca e um porco e diversos agasalhos. Retiraram para Norte, cambando o Rio Geba em canoas para a bolanha de São Belchior (Bambadinca 1 F 3 ?)”.
Alguns dias depois, a 3 de Outubro, pelas 14h00, muito provavelmente o mesmo grupo IN flagelou a embarcação Gouveia XVI da margem direita do Rio Geba, na região de São Belchior, “causando 1 morto, 4 feridos graves e 6 feridos ligeiros à população”… A embarcação, da Casa Gouveia, transportava apenas “carga civil” e dirigia-se, segundo presumo, de Bafatá para Bissau.
De qualquer modo nesse mês de Dezembro de 1969, há o registo de mais duas acções intimidatórias deste tipo, atribuídos pelo comando de Bambadinca à guerrilha do PAIGC:
“Em 10 de Dezembro, pelas 1h45, um grupo IN estimado em 6/8 elementos roubou 2 vacas na tabanca de Canchicamo (Bambadinca 8 A 8 ?) incendiando a morança do dono daquelas e tendo morrido uma criança e um nativo quando reagia ao IN com um pau. O IN atravessou o Rio Geba (Bambadinca 5I2) a nado, retirando pelo mesmo local. As NT, alertadas por elementos da população, imediatamente se deslocaram à tabanca de Canchicamo tendo detectado o trilho IN e tendo encontrado uma GMO [granada de mão ofensiva] (5).
“A 16, pelas 21h30, um grupo IN não estimado assaltou as moranças da tabanca de Nhabijões Bedinca roubando 2 vacas, um porco e tendo agredido o dono daquelas à coronhada e ocasionando nestes ferimentos. O IN cambou o Rio Geba na região (Bambadinca 1 I 5- 52)”.
Como se pode avaliar pela magnífica carta de Bambadinca, as povoações ribeirinhas ao longo do Geba Estreita eram de difícil (para não dizer impossível) controlo por parte das NT.
Ainda, nesse mês e ano, nas vésperas de Natal, a 24, dois Gr Comb da CCAç 12, “em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca levam a cabo uma rusga, com cerco, à tabanca de Mero”. Na história desta unidade (Cap. II, pág. 20) diz-se que “apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN”; por outro lado, “para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Acção Guilhotina)”.
Luís Graça
__________
(1) Vd. post de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque:
"Porque estamos no Natal, recordas o teu de 69 e um ataque a Bissaque. Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho. Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque, o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do "inimigo" ter retirado. O ataque referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei- lhe alguns pormenores (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca!"
(2) Vd post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(3) Vd mapa de Bambadinca
(4) Vd. posts de:
21 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70)
23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
(5) Na brochura sobre a história do BCAÇ 2852, a grafia é Canxicamo. A mim parece-me que a grafia correcta é Canchicamo, de acordo com o mapa de Bambadinca, dos Serviços Cartográficos do Exército (1955). Canchicamo ficava a norte de Bissaque, junto a Ponta Amado numas curvas (caprichosas) desse mítico rio que era, para nós, o Geba (ou Xainga).
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