quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4834: Parabéns a você (19): Mário Vicente Fitas Ralheta, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Os Editores)

1. Hoje, dia 19 de Agosto de 2009, faz anos um dos mais brilhantes tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, o nosso camarada Mário Vicente Fitas Ralheta, a quem desejamos o melhor da vida não só hoje, mas em todos os dias das próximas décadas, durante as quais contamos com a sua prestimosa colaboração.


Mário Fitas, o Mário Vicente, autor de "Putos, Gandulos e Guerra" e de "Pami Na Dondo, A Guerrilheira", foi Furriel Miliciano de Operações Especiais da CCAÇ 763 que esteve em Cufar entre 1965 e 1966.


O nosso blogue deu o devido destaque aos livros que o Mário Vicente escreveu, tendo até publicado 11 postes com a transcrição de "Pami Na Dondo, A Guerrilheira", porque seria uma pena que, pelo menos nós os ex-combatentes da Guiné, não tivéssemos acesso a esta história tão comovente. Todos nós nos revemos nesta narrativa, porque todos nós encontrámos uma Pami Na Dondo por onde passámos.

Qualquer dos dois livros deve ser lido, pois o nosso camarada consegue com a sua escrita, tão simples, mas tão profunda, fazer-nos sentir de tal modo as situações, que quase vivemos e sentimos as emoções neles contidas.


2. Recordemos agora Mário Fitas na sua mensagem de apresentação em Junho de 2007:

Nome: Mário Vicente Fitas Ralheta

Posto: Furriel Miliciano.

Unidade: CCAÇ 763, Guiné, Cufar, Fevereiro 1965/Novembro 1966. A minha Companhia foi a construtora do 1.º aquartelamento em Cufar.

Já editei dois livros sobre a Guiné. O último Pami na Dondo a Guerrilheira, ofereço a quem desejar, basta contactar:
Mário Fitas
Rua D. Bosco, 1106
2765-129 Estoril.

Gostava de entrar no vosso grupo e trocar conhecimentos sobre a Guiné. Envio, como solicitado, dados e fotografias para fazer parte com imenso gosto da Tabanca Grande. Na 1.ª foto, vê-se a primeira suite no Aquartelamento de Cufar. Na 2.ª foto, ficam a conhecer o jovem de hoje.

Sobre a família Brandão (1), recordo-me de um rapaz de estatura média, usando óculos que abriu uma casa de comércio em Cufar em 1966.

Com os melhores cumprimentos,
Mário Fitas



3. Deixo algumas imagens ao acaso que consegui encontrar no nosso Blogue:




Guiné > Região de Tomboli > Cufar > CCAÇ 763 (Fev 1965/ Nov 1966) > A suite do Mário Fitas...

Estrada Cufar-Catió> Elementos da CCAÇ 763 junto de uma autometralhadora Daimler

Elementos da CCaç 763 em Cufar (Mário Fitas, o 2.º da direita).

Cambança do rio Ganjola, no decurso da Operação Petardo, em 10 de Junho de 1966

Da esquerda para a direita: Soldado que não recordo o nome, de camuflado o Fur Mil Enf Juvenal, o Fernando que nos acompanhou desde Bissau, Mário Fitas Fur Mil Oper. Espec. e Olindo apontador de bazuca da minha secção. Foto de Mário Fitas.

Cascais > 9 de Abril de 2009 > " Foto: o primeiro do lado direito é Mário Fitas, ex-Fur Op Esp, CCAÇ. 763, Cufar, tendo à sua direita Luciano Mourão, Presidente da Junta de Freguesia do Estoril que pertenceu à C.CAÇ 816 em Bissorã. Ao lado do Gen Chito Rodrigues, o dr. António Capucho, presidente da Câmara de Cascais, seguindo-se o Comandante Naval de Cascais" (MF)

Além de ter escrito dois livros, Mário Fitas tem bastantes trabalhos em pirogravura, de que esta linda "Viúva do Alentejo" é um exemplo.

Mas não se julgue que as capacidades deste brilhante camarada se ficam pela escrita e pela pirogravura. E que tal criar umas lindas aves, de que esta "Agapornis Personata Verde" (ou Love Birds) é um belo exemplar?

Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2009). Direitos reservados.


Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, João Parreira, Piedade, Miguel, Giselda, Mário Fitas e Mário Dias (o mítico comando, que hoje se dedica à composição musical: tem uma cantata de hora e meia para estrear!... Venha o coro, a orquestra e o mecenas!)

Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > Uma surpresa para o Miguel Pessoa: a presença de um dos elementos, guineense (à esquerda) que fazia parte da equipa de busca e salvamento que o resgatou em 26 de Março de 1973, na região de Guileje, depois de ter sido abatido por um Strela... No meio, o Mário Fitas e mais atrás o Fernando Chapouto...

Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > O Mário Fitas e o J. L. Vacas de Carvalho (uma família que mandou, pelo menos, três dos seus homens para a guerra.

Fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados)

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Notas de CV:

Da vasta participação de Mário Fitas, vd. postes de:

26 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

27 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

2 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

5 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

17 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1961: "António Pedro, meu amigo e irmão, cruz de guerra ao peito, morreu de stresse, a 12 de Agosto de 2003" (Mário Fitas)

29 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P2006: Convívios (22): CCAÇ 763 (Cufar 1965/66), Almeirim, 23 de Setembro de 2007 (Mário Fitas)

7 de Agosto de 2007 >
Guiné 63/74 - P2034: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás, Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar) (Carlos Vinhal)

12 de Agosto de 2007 >
Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (23): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)

22 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)

11 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2257: Convívios (34): CCAÇ 763 (Cufar 1965/67) (Mário Fitas)

22 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2296: Notas de leitura (1): Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (José Martins)

29 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2315: Catió: A morança que poderá ter sido a da nossa Pami Na Dondo, a Guerrilheira (Victor Condeço)

12 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

18 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2664: Os Cães de Guerra (Mário Fitas e Carlos Filipe, CCaç 763, Cufar, 1965/66)

13 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2754: Fórum Guileje (15): Há ainda muita gente do PAIGC calada... Por medo ? Por falta de domínio da língua de Camões ? (Mário Fitas)

22 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3083: Os Nossos Regressos (12): Vagabundo e os outros fantasmas dos Lassas que lá ficaram na Região de Tombali (Mário Fitas)

27 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas

7 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3119: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (4): Ornitologia (Mário Fitas)

4 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3269: Memórias literárias da guerra colonial (1): Conferência do A. Graça de Abreu (Luís Graça / Mário Fitas)

25 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3793: Fauna & flora (16): Relações amistosas com o Macaco-cão na zona de Cufar (Mário Fitas)

20 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)

6 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4149: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (11): Meditei sobre as palavras do sr. gen. Almeida Bruno (Mário Fitas)

1 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4272: O Nosso Livro de Visitas (59): Em busca de Pami Na Dono, a guerrilheira (Branco Alves / Mário Fitas)

9 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 – P4313: Tugas - Quem é quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)

10 de Junho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4499: A Tabanca Grande no 10 de Junho de 2009 (7): O Jorge Cabral e o Vacas de Carvalho apanhados pela PE... (Mário Fitas)

11 de Junho de 2009:

Guiné 63/74 - P4506: A Tabanca Grande no 10 de Junho (9): Um dos Homens que socorreu Miguel Pessoa – Bodo Jau (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P4507: A Tabanca Grande no 10 de Junho (10): Apresentando João Saido Jaló, filho do Capitão João Bacar Jaló (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P4508: A Tabanca Grande no 10 de Junho (11): Uma festa do tamanho do Luís Graça & Camaradas da Guiné (Magalhães Ribeiro / Mário Fitas)

13 de Junho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4515: Controvérsias (17): A César o que é de César! (Mário Fitas)

Vd. postes sobre o livro "Pami Na Dondo a Guerrilheira":

21 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

23 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

18 de Dezembro de 2007 >
Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

30 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

16 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

5 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2506: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (9): Parte VIII: Os demónios étnicos (Mário Fitas)

20 de Fevereiro de 2008>
Guiné 63/74 - P2560: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (10) - Parte IX: A prisioneira é violada...

28 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

Vd. último poste da série "Parabéns a você" de 17 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4829: Parabéns a você (18): José Manuel Moreira Cancela da CCAÇ 2382 (Os Editores)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Guiné 64/74 - P4833: Armamento do PAIGC (4): Mikail Kalashnikov e a AK-47 (Avtomatni Kalashnikova – 1947) (Magalhães Ribeiro)


Mikhail Kalashnikov (foto, à esquerda)


1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974 [, foto à direita]:




Camaradas,O artigo é da autoria de Nick Paton Walsh e foi publicado na Pública, em 3 de Novembro de 2003, e aqui reproduzido com a devida vénia...

Apesar dos cerca de seis anos entretanto decorridos, mantêm-se completamente actualizados os factos descritos, visto que a citada arma continua a liderar a tenebrosa tabela do lamentável, infeliz e actual mercado da morte, pelo mundo fora, nomeadamente, em África e no Médio Oriente.

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
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Mikhail Kalashnikov

Para um homem cujo nome está tão inextricavelmente ligado à morte, Mikhail Kalashnikov não podia ter aspirado por um fim de vida mais calmo. Ele passa os seus dias de verão numa casa de campo na margem de um lago cristalino, no coração da planície sul dos Urais, a algumas milhas do coração industrial de Izhevsk. Aqui, entre pinheiros que tocam o céu e mosquitos do tamanho de pombos, ele e a sua endiabrada neta de sete anos, Ilona, brincam juntos nas clareiras do bosque, inspirando o ar puro e rico.

No entanto, para aqueles que rodeiam Mikhail a vida não é assim tão pacífica. Anos de testes de tiro das armas automáticas que têm o seu nome deixaram este velho, de 83 anos praticamente surdo. Se se quiser que ele nos ouça, tem que se colocar a boca a escassa distância da sua orelha e falar muito alto.




Essencialmente para todos aqueles que gostam de conhecer a história e origem de armas de fogo, trago neste poste ao vosso conhecimento, a estória do homem que idealizou a mortífera e eficaz Kalashnikov A-47, que à mais de 60 anos é a arma mais produzida, conhecida e vendida em todo o mundo.


Foi, sem dúvida nenhuma também, a arma mais usada contra as nossas tropas pelo PAIGC na Guiné.

Em 1947, a "Avtomatni Kalashnikova" ganhou um concurso soviético para a concepção da mais moderna metralhadora para o vitorioso Exército Vermelho. Cinquenta e seis anos, mais de 100 milhões de armas e muitos milhões de mortes mais tarde, ela permanece a mais prolífica máquina de morte do mundo. Mas Kalashnikov não mostra qualquer reticência em mostrar o amor e orgulho que ainda sente pela sua criação.

"Com [o desenho] das armas, passa-se o mesmo do que com uma mulher que cria um filho", explica. " Durante meses ele transporta o bebé e pensa nele. Um 'designer' faz quase o mesmo com um protótipo. Sinto-me como uma mãe - sempre orgulhoso. É um sentimento especial, como se tivesse recebido um prémio especial. Fartei-me de disparar. Ainda o faço. É por isso que sou duro de ouvido".

Segundo Aaron Karp, consultor da Base de Pequenas Armas, sediada em Genebra, os sucedâneos da Kalashnikov "poderão ter causado mais de 300 mil baixas anuais em combate nas guerras da década de 90. Elas são as armas principais de um ou de mais lados em praticamente todas as mais de 40 guerras registadas na última década". Foi talvez a principal exportação da União Soviética: existem agora 10 vezes mais AK-47 no mundo do que M16, a sua rival americana, já que os soviéticos as deram quase de borla a qualquer movimento por que sentissem empatia ou que pudesse ter uso para elas.

A chave para o seu sucesso reside num desenho simples, destinado a assegurar que mesmo as mulheres e crianças sem experiência que encheram as fábricas soviéticas durante o período de guerra as podiam produzir em massa e assim abastecer os seus pais e filhos deslocados na frente. É tão simples que versões rústicas têm sido produzidas em oficinas de aldeia no Paquistão. "Comparadas com outras espingardas automáticas, a sua produção, uso e manutenção é muito simples. Tem oito partes móveis. Desta simplicidade resulta que mesmo um soldado mal treinado a pode desmontar em cinco segundos e limpá-la facilmente".

Mas Kalashnikov parece ter encontrado uma forma de se absolver a si próprio de qualquer culpa ou responsabilidade pelo seu brinquedo de morte. Ele apresenta uma simples, mas aguçada defesa de modo a convencer-se tanto a a si próprio, como aos que o interpelam, da sua inocência: "Fiz isto para proteger a pátria mãe. E depois eles espalharam a arma (pelo mundo) não porque eu o quis. Não foi escolha minha. Foi como um génio que saísse da garrafa e começasse a andar pelos seus próprios pés e em direcções que eu não queria".

Mesmo assim "o lado positivo ultrapassou o negativo", insiste, "porque muitos países usam-na para se defender. O lado negativo é que por vezes fica fora de controlo. Os terroristas também querem usar armas simples e fáceis. Mas eu durmo descansado. O facto de haver pessoas que morrem por causa de uma AK-47 não é culpa de quem a concebeu, mas sim por causa dos políticos".

Para perceber este orgulho perene, tem que se perceber a forma de pensar caracteristicamente soviética que ainda é a de Mikhail. Antes, Kalashnikohv tinha-nos contado jovialmente como, nessa tarde, ele e Ilona se dedicaram a substituir pedaços de floresta morta. A sua alegria deixa a claro a adoração soviética pelo "trud"- um misto de trabalho e produtividade, que, em 1976, o levou a ganhar a medalha de Herói Socialista do Trabalho pelas suas invenções, e que alimenta as suas ideias. Para ele, é apenas o seu trabalho, sendo este uma pequena peça na grande engrenagem soviética.

Foi apenas quando ele viu como o grande projecto comunista eventualmente perverteu o objectivo original do seu "bebé" que Kalashnikov começou a sentir algum desconforto. Ele e a sua filha referem os dois momentos principais em que tal aconteceu. O primeiro ocorreu quando, em 1992, centenas de azerbeijanis foram massacrados em Nagorno-Karabakh pelos arménios, que contavam com o apoio do regimento 366 do exército russo.

Kalashnikov admite que ver as imagens do massacre na televisão foi "obviamente desagradável". O segundo foi quando, em 1993, Boris Ieltsin ordenou às tropas que atacassem a sede do parlamento russo.

A vida tranquila de Kalashnikov nos bosques da periferia de Izhevsk pode ser vista como uma tentativa para se distanciar daquilo em que a sua invenção se transformou. A sua calorosa e carismática filha olha por ele desveladamente. Elena organiza entrevistas, adora traduzir - ou gritar – as minhas perguntas, irradiando atenção, entusiasmo e orgulho. Nos olhos da neta Ilona brilha uma centelha.

Entretanto, a alguma milhas deste santuário, a arma continua a sua carreira Izhevsk, profusamente anunciada no site da empresa Izhmash. Num hotel, um turista americano enverga uma t-shirt com um "Roteiro de Destruição no Mundo" da AK-47. É um roteiro onde figuram a Chechénia, o Afeganistão, a faixa de Gaza, o Congo, Nagorno-Karabakh, etc. Mais abaixo na rua, num das lojas de venda de armas da cidade, Lilya, 12 anos, e um seu amigo, olham atemorizados para a exposição de Ak-47. "Foi a primeira vez que aqui viemos", conta ela. "Apenas queríamos ver".

A história de como esta ideia original apareceu está profundamente misturada com a história da vida de Kalashnikov. Nascido numa família de camponeses pobres em Novembro de 1919, pouco depois da revolução de Outubro, Mikhail Yefimiyevich Kalashnikov viu a sua família obrigada a sair da região do Altai para o exílio na Sibéria, onde arrastaram uma dura existência de camponeses. Mas foi o exílio - a vergonha de ter a família proscrita do sonho da Rússia soviética - que empurrou Kalashnikov para dar o seu melhor. "Tentei que o meu desempenho fosse o melhor possível. Era um rapaz na altura, mas trabalhava bem com os doentes".

Ele inventaria qualquer coisa pata tornar mais fácil a vida da sua família, e dos trabalhadores comunistas. "Tínhamos trigo, mas não moinhos, por isso inventei uma espécie um moinho de madeira para que pudéssemos fazer farinha. Provavelmente nasci com alguns talentos para desenho". Cedo foi enviado para trabalhar nos caminhos-de-ferro, como amanuense. Aqui as suas ambições criativas começaram a florescer. "Queria inventar uma máquina que pudesse correr para sempre. Podia ter desenvolvido um novo comboio, se tivesse continuado nos caminhos-de-ferro. Teria sido parecido com a Ak-47", brinca.

Com 19 anos de idade, foi incorporado no exército para combater na II Guerra Mundial. Integrado numa divisão de tanques, depressa descobriu uso para os seus talentos de 'designer'. Primeiro foi uma máquina para contar o número de projécteis disparado pela metralhadora do tanque - "para que soubéssemos quantos restavam". Depois foi uma engenhoca que permitia que as pistolas disparassem através das aberturas dos tanques; depois ainda um método para calcular a distância percorrida por estes.

A vida da AK-47 começou quando Kalashnikov se viu num hospital de guerra a recuperar de ferimentos e do choque nervoso provocado pelas explosões, cismando como era injusto que os alemães tivessem armas automáticas, e os seus colegas russos apenas espingardas de um só tiro. "Experimentei uma dúzia de modificações que foram rejeitadas, mas todas elas abriram caminho ao esboço final. Tinha que adquirir experiência porque não tinha preparação técnica". O processo foi longo e competitivo, com Kalashnikov a trabalhar numa série de institutos e as ideias alvo de críticas desde que nasciam e à medida que iam sendo desenvolvidas. "O departamento de artilharia forneceu esboços para uma nova arma. Tínhamos que os melhorar ou então éramos eliminados da corrida".

Em 1946, nasceu o o protótipo AK-46. Um ano, a arma verdadeira foi aprovada. Ele atribui o seu sucesso à "sorte que teve em encontrar pessoas simpáticas e prestáveis" durante toda a sua vida. Teve um bom manager, o capitão Vladimir Daikin, um encorajador chefe de departamento, Vladimir Glukhov, e um mentor, Anatoly Blagonravov, que foi o primeiro a informar os seus superiores, em 1941, da "excepcional capacidade de Kalashnikov em resolver problemas técnicos complicados".

Mikhail apresenta o produto final como se de uma verdadeira conquista comunista se tratasse - um triunfo colectivo que salvou a pátria mãe. Para ele, a arma quase que surgiu de um processo equivalente à selecção natural, fruto da necessidade e para garantir a sobrevivência - o empurrão de um jovem homem à guerra em curso. "O homem continua sempre a inventar coisas", diz. " A vida é feita de diferentes invenções. Continuei a trabalhar em diferentes coisas, reconstrui toda a minha casa. Fi-lo pela satisfação de fazer alguma coisa. Fi-lo porque aconteceu estar onde estava". Acima de tudo, ele parece orgulhoso de ter sido capaz de fazer algo, independentemente do que esse algo possa fazer: "A vida pode levar-nos a fazer muitas coisas. Até a beijar um homem com o nariz a pingar".

Nick Paton Walsh


Fonte: Pública, 3 de Novembro de 2003 (Com a devida vénia...)

Fotos: © http://images.google.pt (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P4832: Convívios (157): 6.º Encontro do pessoal da CCAÇ 4540, dia 3 de Outubro de 2009 em Odivelas (Vasco Ferreira)


6.º Convívio da Companhia de Caçadores 4540

"Somos um Caso Sério"

Guiné 1972/1972


Data do evento: 03 de Outubro de 2009

Hora de inicio: 12H00

Local do evento: QUINTA DO BRETÃO em Caneças, freguesia de Odivelas, distrito de Lisboa

Inscrição (contacto): Vasco Ferreira, 919 036 766

Desde já agradeço.

Cumprimentos
Vasco Ferreira
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Notas de CV:

Vasco Ferreira foi Alf Mil na CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra) 1972/74

Vd. poste de 9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2167: Breve história da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) (Vasco Ferreira)

Vd. último poste da série de 1 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4765: Convívios (153): Almoço/Convívio: CCAÇ 557, Cahcil, Bissau e Bafatá 1963/65 - (José Colaço)

Guiné 63/74 - P4831: (Ex)citações (40): Resposta a um comentário de Mário Fitas (António J. Pereira da Costa)

1. Resposta de A.J. Pereira da Costa, Coronel, ex-comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, ao comentário feito por Mário Fitas ao seu poste P4813 (*):


Olá Camarada

Se o Homem, com a barriga vazia não pensa – dizia o meu professor de Filosofia – o bloguista, ainda por cima atabancado e em férias, não lê e também não escreve. Daí a escassez de comentários às minhas bocas. Portanto, obrigado pelas tuas.

Ora vamos passar à análise e a reflectir, com pouca força, porque com esforço já custa um bocado!

Como a História recente (e passada) tem provado, a conquista de uma Bandeira marca o começo da individualização de um povo organizado em país e a sua diferença relativamente aos que lhe estão próximos. Lembremo-nos dos Estados Unidos da América, das independências do Séc. XIX, no continente americano e não só, e, mais recentemente, das recém-constituídas repúblicas europeias. Isto para não falar das independências envergonhadas – as autonomias… Para trás ficam situações como a da Escócia, do País de Gales, da(s) Irlanda(s), e da Córsega. É melhor não continuarmos senão a confusão é enorme…

Em África também foi assim. Tudo começa no campo da Sociologia – uma parte (maior ou menor) da população de uma dada área revolta-se contra as autoridades e tem êxito graças às condições do momento: estratégicas, políticas, culturais e ideológicas – estas que normalmente já vêm de trás – económicas etc. e mais etc. Claro que as sublevações, quando não há condições favoráveis ou não ocorrem (Cabo Verde) ou são cilindradas (S. Tomé). Cada caso é um caso, mas há linhas gerais e é bom que frise que raramente uma independência resulta de uma guerra, país contra país.

No nosso tempo sabemos como foi e a tua expressão “Os anos 60, a Africanidade e a Guerra Fria” diz tudo. Este caldo político-ideológico que conhecemos, por termos vivido nele e sob ele, já está estudado e hoje só temos que aceitar que foi assim. Claro que não há aqui ficção nenhuma. A Guiné-Conakri, o Senegal, a OUA, a Suécia e os seus milhões e a necessidade de se afirmar ao respectivo povo como uma grandessíssima defensora dos direitos humanos e Bloco de Leste, por si ou por interposta pessoa, e até Cuba (também para resolver problemas internos). Podia ter sido de outra maneira? É pouco provável. A conjuntura era demasiado pressionante e a nossa capacidade para nos opormos à sua acção era baixa. Estávamos como os marinheiros, quando uma tempestade forte vem. A melhor atitude teria sido: calma, confiança nas capacidades e procedimentos e aceitação das características do fenómeno, navegando à vista. Não é bem o caso de “se não os podes vencer, junta-te a eles”, mas antes e a raciocinar de um modo tauromáquico (peço desculpa): se para pegar um touro de caras são necessários oito e nós não somos tantos, é melhor irmos de cernelha, porque são só necessários dois e não há choques de frente… que são sempre de evitar.

As imagens podem parecer pobres, mas sugerem bem o que penso…

As análises que faço terminam sempre na independência. Tudo o que sucedeu depois é História do País, quer se trate da luta pelo Poder, conflitos étnicos interiores ou interterritoriais para acesso e desfrute das boas áreas, ou outras questões que decorrem da vida dos países independentes, dentro dos seus espaços geoestratégicos. Daí que a sucessão dos presidentes não seja, para mim, um ponto de análise, aqui neste espaço, que suponho mais virado para a nossa (de nós) História. Claro que podemos analisar o que sucedeu depois ou mesmo o que está agora a suceder, mas até corremos o risco de sermos acusados de interferência nos assuntos internos do País…

Não falemos, por isso, do golpe "Nino" e contra o Nino, do golpe do Luís Cabral e de todos os outros ocorridos.

Quanto ao número de beligerantes, continuo a afirmar que só havia dois beligerantes. Claro que só no terreno é que era assim. Havia mais. Quem não se lembra de a nossa acção ser apresentada como uma cruzada anticomunista, sendo nós a primeira linha da civilização cristã e ocidental? O que era isso é que ninguém explicava. Até nós próprios, sem o sabermos, éramos beligerantes a combater noutra(s) frente(s) e sem armas. Quem mais poderia representar a Guiné senão o PAIGC? Considero imoral que, depois de tanto sacrifício, ainda se fosse dar uma oportunidade de se manifestar a outras forças. Não vejo bem quais, e estou seguro de que só poderiam ser arrivistas. Onde estariam elas durante a luta? Mas isto é a minha opinião que vale o que vale.

Quanto à variedade de nacionalidades, fui confrontado com ela, logo em 1968, quando encontrei um elemento da 3.ª de Comandos que era gambiano e para quem a guerra era uma espécie de trabalho nas obras públicas (sic). Quando a guerra acabasse ia para casa e arranjava outro emprego. É assim em todas as guerras e em todo o lado, vida em Paz incluída. Quantos de nós já encontrámos um português isolado, perfeitamente inserido na vivência de um lugar do mundo que ninguém esperou que pudesse existir? Essa multinacionalidade não é, do meu ponto de vista algo, que valha a pena considerar.

No que respeita aos cabo-verdianos, chamava a atenção para os esforços que fizemos para os separar e isolar dos guineenses, durante a guerra, porque sabíamos que ali existia uma fissura. Recentemente, nos CD do Joaquim Furtado (2.ª série), surgiu um guineense antigo combatente, que revelou que, até ao começo da guerra, os guineenses só podiam ter a 4.ª classe, por não existir liceu na Guiné, enquanto os cabo-verdianos, nas suas ilhas, podiam facilmente chegar ao 5.º ano e, como se viu, e continuar… Por isso, a malha administrativa da Guiné apoiava-se em funcionários cabo-verdianos, controlando largas populações de guineenses com o apoio de cipaios recrutados entre gente da terra. É um dos resultados da acção civilizadora dos portugueses. Se não estou em erro, o Liceu Honório Barreto foi inaugurado no tempo do general Schulz, o que pode dar uma ideia da dificuldade de acesso ao conhecimento, por parte dos naturais da Guiné. Voltando à faceta sociológica do problema relembro a independência de Cabo Verde feita sem um tiro e por simples cisão do Partido… Podem dizer que foi obtida à boleia dos factos. Não sou dessa opinião e acho que foi merecida, quer na luta (onde ela era possível) quer na acção política oportuna e eficaz.

Os que levaram o tiro na nuca e aqueles a quem as mãos foram amputadas, tinham, como é lógico, direito a essa Bandeira. Se eram vencidos de uma Guerra Civil ou colaboracionistas (o que distinguirá um colaboracionista dedicado de uma simples lavadeira?) eram guineenses, de facto, e tinham direito à respectiva bandeira. Se não eram deveriam ter sido enviados para a pátria que alguma vez disseram ser sua. Sabemos que estiveram para vir. Pelo menos os mais envolvidos com a acção das FA portuguesas (ou seriam nacionais?). Mas se não vieram logo, deveriam ter sido enviados mais tarde, como soldados esquecidos no cais… Contudo, a História é escrita e feita pelos vencedores: o PAIGC, neste caso. Ao longo da minha experiência fui detectando alguns que se sentiam desanimados com a marcha dos acontecimentos. Outros interrogar-se-iam, em segredo, como é que aquilo iria acabar e talvez começassem a sentir-se num beco sem saída. As coisas precipitaram-se como talvez não fosse difícil de prever, se bem atentássemos no desenrolar do dia-a-dia. As saídas encontradas foram as habituais que já tinham sido encontradas noutras situações: França, Bélgica, Extremo-Oriente, Vietname, etc.

A dupla nacionalidade é um fenómeno meramente administrativo e que, normalmente, não tem que ver com amores pátrios e até tem sempre o seu quê fraude. É uma espécie de deixa ver o que é que isto dá e, conforme for a música, assim eu danço. Não faltam exemplos, mesmo em Portugal, de utilização (bastante) fraudulenta da dupla nacionalidade… Sendo assim, porque será que qualquer de nós não pode optar por uma dupla nacionalidade qualquer? Será que posso ser Luso-Caimonês? Dava-me jeito por causa dos offshores… Sempre se ganha algum… Ou Luso-Papuano? Era bom por causa das praias.

Caro camarada

Lerei "Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola", embora não me sinta à vontade para apreciar factos numa região que não conheço e cuja situação, no âmbito da tal conjuntura de que falámos acima, é complexíssima. O perigosíssimo partido comunista, pró-soviético, anti-democrático e anti-ocidental, continua paulatinamente no poder, agora com o apoio de todos os países democráticos. Talvez porque fazê-lo cair seria pior… A guerra civil com o Savimbi demonstrou-o para quem tivesse dúvidas… A Paz, mesmo imperfeita, não é opcional é imperativa.

O número de retornados, no que respeita à Guiné, é mínimo. Não consigo propor uma melhor solução para o problema dos retornados do que a que foi posta em prática, embora, a partir de certo momento da evolução da guerra, fosse de prever um desenlace e o consequente ruir das suas esperanças. A guerra não podia durar sempre e o fim dela iria ser dramático. Havia a possibilidade de ligação à Metrópole. Na maioria dos países esta solução não pôde e não pode ser posta em prática, em situações de grave crise social, como era o caso. Ao fim de pouco tempo, estavam integrados na sociedade e hoje nem damos por eles. Dentro de meia geração não existem. Com todos os sobressaltos e invalidada a solução de ficarem no país que acabava de nascer, creio que foi a melhor solução. Contudo, a existência de retornados levanta a questão da multirracialidade do Portugal de então. Existia, de facto ou estávamos perante um equívoco promovido pela Administração?

Só o caso dos abandonados, que acima falei, me dá que pensar e, mesmo assim, só no caso que conheço. Sei que esteve preparada a sua saída e tenho conhecimento que quase todos desistiram. Porquê? Não sei.

Quanto ao Cumbijã… procurei no mapa da Guiné e lá encontrei o tal regato saltitantemente alegre que tomaste como medida do teu abraço. É comprido, de facto. Mas que é isso comparado com magnificência do Cacine? Aquilo é que é um RIO!... É mais largo que o Tejo em frente da Torre de Belém. Aquilo é que se pode tomar como medida para uma abraço. Ora toma lá. E como é grande, podes distribui-lo pelos teus…

António Costa
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (37): Resposta a J. Mexia Alves (A.J. Pereira da Costa)

Comentário de Mário Fitas a que se refere o Coronel Pereira da Costa:

Bom artigo para análise!
Que fazer?
Reflectir!
Mas para não alongar uns pequenos pontos:

A conquista de uma Bandeira!Os anos 60, a Africanidade e a Guerra Fria.
Não era única a do PAIGC! Veja-se o que aconteceu após o golpe "Nino".
Só havia dois beligerantes!Portugal e a Guiné (representada pelo PAIGC)Oh sr. Coronel, vamos lá por os pontos nos "iis":Portugal incluia Cabo-Verdianos, Guineenses e até Sírios que existiram na mílicia do João Bacar Jaló oficial do Exército Português galardoado com a Torre Espada.
Voltamos ao principio, os que levaram o tiro na nuca e aos que as mãos foram amputadas, não tinham direito a essa Bandeira?Guiné (representada pelo PAIGC) por pouco tempo como vimos. Mas... e qué de os outros?É ficção? Guiné Conakri, Senegal, OUA, Suécia e os seus milhões e já me esquecia Cuba! Mas esses não estiveram lá.

Caro camarada é repetido mas volto ao assunto:É imperioso ler "Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola" de Leonor Figueiredo.Depois da leitura só peço uma infíma comparação com os "Retornados e os Abandonados" dá que pensar lá isso dá.

Só uma questão quantos Portugueses há com dulpa nacionalidade e Guineenses com dupla nacionalidade incluindo a Portuguesa.

São os que são presenteados com duas bandeiras!?
Como sempre o velho abraço do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas
Qua Ago 12, 11:27:00 PM


Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4824: (Ex)citações (39): "Ainda estás pouco lixado, pá?"

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4830: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (9): “Um Furriel desenrascado”


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 9ª estória, que faz parte do seu livro "Golpes de Mao's - Memórias de Guerra", que mais uma vez muito agradecemos, com data de 06 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:


Um Furriel desenrascado

É de todos os tempos, de todas as Unidades Militares, e até de todos os romances à base de conflitos bélicos ou passados em meios militares, uma figura, uma personagem típica, que em todas as circunstâncias, por mais difíceis que elas sejam, consegue «desenrascar-se» e arranjar para si e para os seus «compinchas», o melhor lugar, a melhor parte de um petisco ou a melhor parte de «alguma coisa» que um mortal comum nunca consegue ter antes deles.

Ora, como não podia deixar de ser, a «675» também tem entre os seus elementos esta personagem, que pediria meças, por exemplo, àquele cabo Kowalski, que a pena conhecida do célebre Hans Hellmut Kirst criou e deu vida no «08/15 – A Caserna», embora este seja apenas «desenrascado» e não brigão como o cabo alemão, frequentemente metido em complicações por isso mesmo.

É transmontano, «duro», infatigável, leal e amigo do seu amigo, como é apanágio das gentes daquelas regiões altas e pedregosas do nosso Portugal, um bom combatente, um excelente chefe de secção, estimado pelos seus homens, pelos seus camaradas e pelos seus superiores, caçador, cozinheiro de bons petiscos, excelente «garfo» que todos os dias consegue ter no seu prato, mesmo quando na Companhia há só feijão ou conservas, por falta de géneros, uma perdiz, um pato ou uma lebre, e uma cerveja ou um copo de vinho gelado quando todos os outros o não conseguiram.


Chama-se Luís Correia da Cruz Moreira, este Furriel «desenrascado» que como não podia deixar de ser tinha o melhor lugar na camarata onde dorme com os seus camaradas, uma secretária por sua conta para escrever à família (enquanto os outros o fazem às vezes apenas em cima de um caixote...) e outras comodidades que o seu «engenho e arte» conseguiram.

São inúmeras as histórias dos seus «desenrascanços» mas vamos só contar uma que, por decorrer em ambiente difícil, revela melhor o seu espírito e as «qualidades» que temos vindo a referir.

No meio do mato, no decorrer de uma operação que fez estar instalado o seu grupo de combate durante uma semana frente a Farim, na margem do Rio Cacheu que dava acesso ao “K 3”, para manter uma «testa de ponte», ele conseguiu «desenrascar» das outras «forças» que cooperavam na acção, os mantimentos necessários para melhorar a sua alimentação e a dos seus camaradas, fazendo alguns petiscos de sabor divinal, atendendo às circunstâncias difíceis em que todos se encontravam.

Até da dispensa do navio de guerra, que apoiava a operação, ele conseguiu Nescafé, e só não tiveram pudim em plena «guerra» porque isso até parecia mal e mais tarde quando o contassem ninguém acreditaria...

Mas se lá está mais tempo era capaz de ter conseguido por intermédio dos «T6», que por vezes davam apoio aéreo às operações, uns camarões vindos directa e expressamente de Bissau. É que o que ele não conseguir ninguém mais o conseguirá...

Também era possuidor de um sentido de humor muito especial e algumas das suas partidas ficaram para a história.

Vamos relatar só uma que conhecemos particularmente bem pois fomos o “otário” de serviço...

Já tínhamos uns largos meses de mato e já se faziam contas de “diminuir” em relação à data de regresso.

Por causa da minha mania das escritas deitei-me uma noite particularmente tarde.

Quando cheguei ao meu “quarto particular”, que partilhava com o nosso 1º. Santos e o Furriel Cravino, já toda a gente dormia.

No “quarto” ao lado, onde estavam hospedados mais uns 3 ou 4 furriéis, pareceu-me ouvir uns “cochichos”mas não liguei. Estava cheio de sono.

Com o clima tropical não se usava muita roupa para dormir e rapidamente levantei o mosquiteiro para me estender... vestido só com o relógio!

Engano meu...

Mal levantei o mosquiteiro sai-me uma galinha do interior, situação de todo inesperada que me fez desequilibrar e gritar a meio da noite:

Mas que merda é esta!?

Tive que acordar os meus companheiros de quarto e com a ajuda de uma “pilha” percebi que, até onde a minha vista alcançava, os lençóis estavam todos borrados. Incrivelmente cagados e mal cheirosos!

Comecei a coçar a cabeça e a perguntar a mim mesmo como é que o raio da galinha tinha ido parar dentro do mosquiteiro!

Entretanto já tinha uma quantidade de “sacanas” perto de mim que gozavam “o prato” e que, entre gargalhadas, “lamentavam a sorte do Oliveira”.

De facto, em tantos meses de mato, nunca tinha acontecido a ninguém uma daquelas...

E agora como é que eu safo? Onde é que vou dormir?

Eis se não quando aparece o Moreira com dois lençóis lavados.

Ajudou-me a tirar os ”borrados” – a galinha já tinha sido corrida a pontapés – e fez-me a cama de lavado.

Gajo porreiro.

Deitei-me e... pensava eu que ia dormir.

Mas... poucos minutos depois... tinha comichão por todo o lado e cada vez que me virava parecia-me que estava a ser comido vivo...

Mas que merda é esta (parte dois)!?

Com o auxílio da pilha lá investiguei o interior do mosquiteiro e pareceu-me ver milhares de minúsculos “pontos negros”!

Mas que merda é esta (parte três)!?

Os “pontos negros” deslocavam-se e afinal eram piolhos!

Está claro que tive de me levantar... sem saber muito bem o que havia de fazer.

Mais uma vez apareceu por perto o Moreira para dar uma “mão”.

Ajudou-me a desmontar o “cenário” para... sacudir o material.

Mosquiteiro e... lençóis lavados!

Informaram-me entretanto os mirones que os piolhos eram da galinha.

Grande consolação.

Lá aumentei a minha cultura geral e -depois de mais uma vez agradecer ao Moreira - esfreguei-me todo com álcool e tentei dormir.

O que foi... mentira.

Ainda tentei contar carneiros a saltar mas... só dava piolhos.

Por espantoso que pareça nunca me passou pela cabeça que toda aquela “cena” tivesse sido montada.

Meses depois, já a bordo do “Uíge”, quando regressávamos a Lisboa é que soube que a galinha”tinha aterrado” dentro do meu mosquiteiro graças a uma mão malandra.

A mão do Moreira, está claro.

Grande sacana.

Ainda hoje acho incrivelmente engraçada toda a “estória” que, julgo eu, terá ultrapassado o enredo inicial, pois a caganeira da galinha (e os piolhos) não deviam estar previstos no guião primitivo, o que motivou as “ajudas suplementares” de que fui alvo daquela noite engalinhada!

Luís Moreira o tipo acabado de “um bom malandro”...


Quarenta e tal anos depois... o Luís Moreira está na mesma... ou quase!

Depois de algumas voltas na vida ficou-se pelo Porto.

É empresário individual e trabalha que se farta na área dos... presuntos.

Passa muito do seu tempo a viajar.

Não pára e só não dorme na sua carrinha porque tem que ir de vez em quando a casa para ver a mulher e... os netos...

Obviamente que continua desenrascado e com uma “lata” que só visto.

A “estória” que se segue passou-se já há algum tempo (mas como os eventuais ilícitos criminais podem ainda não ter prescrito...) é relatada sem nomes nem indicação de locais...

O nosso Moreira levanta-se normalmente cedo e vai para a estrada quando às vezes o sol ainda não se levantou.

Dirigia-se a Espanha com a carrinha carregada de presuntos.

O livro das guias de remessa seguia, como de costume, no porta-luvas.

A posteriori conta o Moreira que, antes de sair do seu armazém, tinha mesmo pensado em preencher as respectivas guia mas...era ainda tão cedo que... não deu!

Já perto da fronteira foi mandado parar por uma brigada de trânsito. A continência da ordem e o pedido habitual.

– Os seus documentos, por favor.

O Moreira nem lhes deu tempo para dizer mais nada.

– Oh Senhor Guarda. Hoje você e o seu colega deviam jogar no totoloto ou comprar lotaria. Mas que pontaria com que vocês estão. Hoje vocês ganhavam o “Euro milhões”. É incrível.

Não vão acreditar mas levo a carrinha carregada de presuntos, tenho aqui o livro das guias de remessa e com a pressa saí de casa sem as preencher.

– É formidável. Deviam jogar no totobola, na lotaria... eu sei lá Vocês estão cá com uma pontaria.

E... repetia-se, repetindo os argumentos da sorte e do jogo até à exaustão.

Não se calava e os guardas olhavam um para o outro... sem palavras. Que “freguês” para começar o dia!

Num dos intervalos do “arrazoado” do Moreira um dos guardas pediu-lhe para se calar.

– Preencha lá as guias e siga.

Poucos dias depois estavam os três a almoçar algures na zona do Porto Alto.

A atitude pedagógica dos guardas granjeou dois novos amigos para o Moreira. Que ainda hoje se mantêm!

E se não ganharam o “Euromilhões” ganharam um amigo especial.

Luís Moreira além de “um bom malandro”... é também um amigo para a vida e para a morte.

A “família da 675” faz-lhe essa justiça.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4829: Parabéns a você (18): José Manuel Moreira Cancela da CCAÇ 2382 (Os Editores)

Hoje, dia 17 de Agosto de 2009, está de parabéns o nosso camarada José Cancela que se apresentou à Tabanca Grande Janeiro deste ano.

José Cancela, ex-Soldado AM da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70.


Escrevia assim o nosso camarada na sua mensagem de 28 de Janeiro de 2009 (*):

Caros camaradas editores Luís, Vinhal e Briote

Antes de mais passo a apresentar-me:
Sou o José Manuel Moreira Cancela, fui Soldado A.M. da CCaç 2382 e sou ex-camarada do tertuliano Manuel Traquina

Estive emigrado entre 1970 e 2003 e, em todo esse tempo, e por muito que procurasse, nunca consegui encontrar qualquer camarada de armas, até que um dia recebo um telefonema de Coimbra, do meu amigo Fausto, Enfermeiro, que conseguiu encontrar-me em 2006, através da lista telefonica, tão simples quanto isso.

Claro que fiquei feliz e muito emocionado e logo no ano a seguir fui à minha primeira concentração da nossa Companhia, que se realizou em Coimbra.

Não sei descrever a alegria que senti ao ver aquela malta com quem convivi durante dois anos. Claro que tive de me apresentar, pois à parte o Fausto com quem me tinha encontrado depois do telefonema, não reconheci ninguém, trinta e oito anos mudam-nos, e de que maneira.

Fica-me em especial recordação, aquele abraço do meu amigo Vieira, que me ia partindo todo. Ele ao ver que me apertou demais, volveu-me o seguinte, com aquele sotaque à moda do Porto que eu adoro:

- Desculpa lá, carago, é da imoçom.

Depois de um lauto almoço, fomos revivendo tudo que de bom e de mau passámos na Guiné e recordando as terras por onde palmilhámos. Foram elas: BISSAU, BULA, BUBA, ALDEIA FORMOSA, CONTABANE, MAMPATÁ e CHAMARRA e, em cada uma destas, há uma história para contar, mas fica para a próxima.

Caros editores, desculpem se isto não vai conforme, mas eu sou ainda muito periquito nisto.

Um abraço grande como o mundo, para todos os ex-combatentes e em especial os da Guiné
J.M.M. Cancela


A Tertúlia deseja ao camarada José Cancela um dia de aniversário pleno de saúde e felicidade junto dos seus familiares e amigos. Este dia há-de comemorar-se durante muitos anos e deste lado estaremos aqui nós para lembrá-lo.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3857: Tabanca Grande (113): José Manuel Moreira Cancela, ex-Soldado AM da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4805: Parabéns a você (17): Alberto Nascimento da CCAÇ 84 e Tomás Carneiro da CCAÇ 4745 (Os Editores)