terça-feira, 22 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9075: Bombolom XIX (Paulo Salgado): I Grande Guerra em África (1914-1918), guerra colonial (1961/74)... Relembrando os nossos mortos




Lisboa > 1914 > I Guerra Mundial (1914-1918) > Cais do Arsenal > Embarque de tropas portuguesas para Angola, durante a 1ª Guerra Mundial > Sob o comando de Alves Roçadas, foi enviado para Angola uma força expedicionária de 1600 homens, em Outubro de 1914. Por sua vez, o batalhão de infantaria nº 23 partiu para Moçambique.

Fonte: Cortesia de Wikipédia (2011). Imagem do domínio público (documento com mais de 70 anos).



1. Mensagem, de 20 do corrente, do nosso amigo Paulo Salgado [, transmontano de Moncorvo; administrador hospitalar reformado; consultor, especialista em gestão de serviços de saúde, a trabalhar em Angola;  ex-Alf Mil, CCAV 2721,Olossato e Nhacra, 1970/72]: 

Camaradas, Amigos, Camarigos: 

Tem andado calado o meu bombolom (*)… Há tanta coisa para contar. Mas, às vezes, fico indeciso… Se achardes bem,  postai esta mensagem de solidariedade para os que sofreram tanto como nós, lá no Rovuma, lá no Cunene, durante a primeira grande guerra. Como nós  – mais ainda, tenho a certeza – passámos na Guiné. Um abraço, Paulo.

2. Bombolom II > I Grande Guerra (1914-1918)

Em 18 de Agosto de 1914,  tendo sido declarada a Grande Guerra, o governo português, entendeu ser necessário guarnecer e reforçar diversos postos fronteiriços no norte de Moçambique e no sul de Angola,  para o que foram mobilizadas duas forças expedicionárias com destino àquelas colónias, ameaçadas pelos alemães.

As cenas mostradas nas fotografias da Ilustração Portuguesa e de outras revistas da época não eram muito diferentes das que todos quantos rumaram a Moçambique, Angola e Guiné conhecem sobejamente.

Na verdade, amigos do blogue, o meu velho amigo Ti Adriano contava-me as histórias que viveu no norte de Moçambique, de 1915 a 1919 – quatro anos…!

O seu neto veio a falecer cerca de 50 anos depois nas matas da Guiné! 

Os seus olhos marejaram-se de lágrimas no funeral, em choro convulsivo, e bem sabedor do que teria sido a “guerra” sofrida pelo neto. Ouvi-o após a cerimónia da secção que veio acompanhar o soldado na caixa de pinho (como cantava o Adriano – o outro: Correia de Oliveira…): 
- Pobre filho, quanto terás sofrido!
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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9074: O nosso blogue em números (22): Foi assim que eu vos conheci, irreverentes; foi assim que vos reencontrei, controversos... (Cherno Baldé)


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto fotográfico de Amílcar Ventura > "Foto 13 - Encontro das Altas Chefias de Pirada depois do 25 de Abril [de 1974]".

Fotos (e legendas): © Amílcar Ventura (2009)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Comentário, ao poste P9063, da autoria do querido amigo guineense Cherno Baldé [, primeiro da esquerda na primeira fila, foto ao lado,  Fajonquito, 1975, ] 



Caros amigos,


Foi assim que eu vos conheci, irreverentes;
Assim vos reencontrei, controversos;
No espaço deste nosso blogue e Tabanca Grande;
Espero e faço votos para que possam continuar a discutir, ainda por muito mais tempo;
Enquanto tiverem forças e engenho;
Enquanto ainda quiserem e puderem concordar ou discordar;
Apoiados na vossa consciência, na vossa capacidade de discernimento e de bom humor.


Eu acho que, neste blogue, há espaço para toda a gente se exprimir livremente, bastando para isso que sejamos um pouco mais tolerantes e abertos na recepção que fazemos das opiniões dos outros. Mas, às vezes, tenho a impressão que alguns camaradas se esquecem de que já não estão dentro das trincheiras dos tempos de outrora...


Senti alguma incompreensão na forma como foi recebido o Vitor Junqueira da última vez que ele reapareceu no blogue, com a apresentação do trabalho de um amigo guineense, depois de uma prolongada ausência, malgrado o seu "(...) chacun sa putain!...", que a seu tempo foi apreciado e criticado sob diferentes pontos de vista, não se tendo manifestado qualquer sentimento de ofensa ou de vitimização.


Senti alguma incompreensão em relação ao vosso camarada Amílcar Ventura que foi, literalmente, "banido" do blogue por ter feito declarações que denunciavam a sua visão e postura "alegadamente" diferentes e não conformes as regras de jogo da guerra colonial.


Como já disse alguém, no dia em que não houver diferençaas e todos tiverem a mesma visão e opinião sobre a vida e das coisas que a governam, será o fim da vida deste blogue onde nos reunimos com o prazer de ouvir histórias de outros tempos, das "nobas" da Guiné-Bissau e das "nobas" dos nossos amigos e camaradas.


Um grande abraço,


Cherno Baldé
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Nota do editor:


Último poste da série > 20 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9069: O nosso blogue em números (21): A propósito dos 3 milhões de visitas... Sondagem... Fotos de Nova Lamego, de Tino Neves

Guiné 63/74 - P9073: In memoriam (97): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74), falecido no dia 13 de Novembro de 2011

1. A propósito do comentário aposto por um anónimo no Poste 6351 que dizia:  

Agora que o Daniel Matos nos deixou, traído pela doença que o minou, curvemo-nos perante a memória de UM GRANDE HOMEM E UM GRANDE CARÁCTER.

O nosso camarada José Martins acaba de nos mandar este mail com a confirmação da triste notícia:

Boa tarde
Também li o comentário a que te referes.
Procurei obter um contacto, e apenas tinha o mail que referia SITAVA.
É um sindicato ligado à aviação e, assim, telefonei de imediato para o sindicato que, infelizmente, confirmou que o Daniel Matos partiu em 13 de Novembro último, após doença prolongada.

Mais um no Batalhão Celestial, menos um no Batalhão Terreno.

Certamente foi mais cedo para preparar a nossa chegada.

José Martins


2. Comentário de CV:

Foi com enorme pesar que recebemos a confirmação do falecimento do nosso camarada Daniel Matos*. Quando se perde um amigo, um pouco de nós que vai com ele.

Infelizmente, cada vez mais, estas notícias fazem parte do nosso dia a dia e, como afirma o nosso diligente camarada José Martins, estamos todos, aos poucos, a mudar de Unidade, deixando o Batalhão Terrestre a caminho do outro, onde iremos seguramente ter uma comissão de serviço bem mais prolongada.

À família do nosso camarada Daniel Matos apresentamos as nossas mais sentidas condolências pelo infausto acontecimento.
Para nós continuará sempre presente, e a sua colaboração neste blogue é a prova de que podemos morrer, mas a nossa obra fica.

Caro Daniel, até um dia destes.

Pela tertúlia
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

- Daniel Matos foi Fur Mil na CCaç 3518 - "Os Marados de Gadamael" - que esteve em Gadamael nos anos de 1971 a 1974. A madeirense CCAÇ 3518, independente, foi mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 20/12/1971 e regressou  a 28/3/974.... Dois anos e três meses de comissão!... Esteve em Gadamael, Brá e Bafatá. Comandante: Cap Mil Inf Manuel  Nunes de Sousa.

- Para consultar o espólio deixado pelo nosso camarada Daniel Matos no nosso Blogue, utilizar os marcadores Daniel Matos e/ou CCAÇ 3518.

(*) Vd. poste 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5981: Tabanca Grande (208): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9054: In memoriam (96): Dia 17 de Novembro de 1967, data tão distante, ainda hoje lembrada (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P9072: Tabanca Grande (308): Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857 (Mansoa e Bissorã, 1965/66)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Bissorã e Mansoa, 1965/66, dirigida a Virgínio Briote em 9 de Outubro passado:

Caro camarada de armas
Antecipo a tudo o mais o pedido de desculpas pela ousadia de te enviar este e-mail. Tenho lido com grande interesse e uma mescla de saudade e alguma paixão, onde é co-responsável, o julgo eu ex-alferes que algumas vezes comigo passou, algumas agruras e perigos no triângulo do OIO.

Pertenci à CCAÇ 1420 entre 1965 e finais de 1966 em Bissorã e Mansoa onde vim a ser gravemente atingido. Chamo-me Carlos Luís Martins Rios e era Fur. Milº.

Como sou um incipiente nestas novas tecnologias, não consigo entrar em contacto tornando-me mais um dos camarigos.
Daí ousar usar esta expediente para ver se me aceitam como mais um chato a choramingar quase 50 anos depois algumas recordações da juventude.

P.S.- Também sou natural de Cascais (Parede) e resido em Carnaxide.

Em anexo envio cópia de um pequeno cadernito de esparsas memórias que agradeço lhe dês o encaminhamento que entenderes e que agradeço com gratidão aceites um exemplar, porquanto já o mandei encadernar, bastando para o efeito se não vires inconveniente mandares-me a morada.

Apresento os melhores e mais respeitosos cumprimentos.
CARLOS RIOS

Mansabá > Ex-Fur Mil Carlos Rios e ex-Alf Mil Rui Alexandrino Ferreira da CCAÇ 1420

Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.


2. Comentário de CV:

Caro Carlos, estou a receber-te formalmente em nome da tertúlia e dos editores. Sê bem vindo à nossa Tabanca, onde esperamos te sintas como em casa. Não és propriamente um desconhecido, já que o teu, e nosso, amigo Rui Alexandrino Ferreira falou de ti no nosso Blogue, como se pode verificar nas ligações dos postes abaixo referidos*.

Muito obrigado por te quereres juntar à equipa e também pelo teu "Porto de Abrigo", trabalho que enviaste ao nosso camarada Virgíno Briote que por sua vez o fez chegar até nós. Vamos começar a publicá-lo estes dias porque será uma mais valia para o espólio do nosso blogue.

Publicamos hoje a Capa e a Dedicatória, início destas tuas memórias


Sabemos que neste momento estás a passar menos bem da tua saúde, mas podes contar desde já com a solidariedade destes teus 527 novos amigos e camaradas, que compõem este grupo enorme de tertulianos de que a partir de hoje fazes também parte.

Quando nos quiseres contactar usa o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Podes consultar os postes referentes à tua Unidade clicando no marcador CCAÇ 1420 existente no lado esquerdo da nossa página no grupo dos marcadores/descritores, assim como os teus postes, clicando no marcador Carlos Rios.

Antes de terminar o teu poste de apresentação quero deixar-te um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Recebe um abraço pessoal da minha parte com os votos de um rápido restabelecimento.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8438: (Ex)citações (141): Hospital Militar Principal: Sofri as piores atribulações naquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo, o Texas (Carlos Rios, ex-Fur Mil, CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)

21 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)
e
20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8579: (Ex)citações (143): Ex-Fur Mil Carlos Rios da CCAÇ 1420, um menino que as circunstâncias fizeram homem (Rui Alexandrino Ferreira)

Vd. último poste da série de 9 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

Guiné 63/74 - P9071: Notas de leitura (304): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Aqui se começa a falar do diário de JERO, um livro de 1965, de circulação restrita. Uma construção ingénua e comovente, um punho cheio de convicções e um olhar cheio de ternura. Pergunto se nalguma frente de combate houve um capitão tão estimado (quase idolatrado) como o de Binta, o “capitão do quadrado”. Mas pergunto se alguma vez nos passou pela cabeça que existisse um enfermeiro tão desvelado a fazer crónica, escondendo o seu heroísmo tal como se mascarava no arvoredo, nas longas esperas de uma emboscada. Não sei se é o JERO se somos nós quem está de parabéns.


Estou a trabalhar com o exemplar nº 31, pertença do Belmiro Tavares.
Obrigado, Belmiro, por me teres confiado esta missão.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico, o diário da CCAÇ 675, o diário de JERO

Beja Santos

José Eduardo Reis de Oliveira (JERO) é um Furriel Miliciano Enfermeiro responsável por uma singularidade histórica: escreve o diário da CCAÇ 675 referente ao período de Maio de 1964 a 1965 que a SOCTIP (uma conceituada tipografia da época) imprimiu. Todos os volumes têm carimbado o termo “confidencial” e todos os exemplares estão numerados. O nosso confrade Belmiro Tavares muito me sensibilizou entregando-me para análise o diário que JERO, outro dos nossos confrades, registou e veio a ser impresso a Lisboa, quase em tempo real. O “capitão do quadrado”, Alípio Tomé Pinto, escreveu a ressalva de que tal diário continha matéria classificada e não podia ser do conhecimento de todas as pessoas. Agora já pode, o diário de JERO passou a ser um bem patrimonial por mérito próprio, pelo desvelo do autor em tudo quanto escreve, refugiando-se num semianonimato, exaltando o capitão de Binta, compendiando meticulosamente os actos de um colectivo que deixou memória pelo espírito corpo e pela sua mentalidade ofensiva, lá para os lados do Cacheu, em meados dos anos 60. Aqui se publicitou o ineditismo de Tarrafo, de Armor Pires Mota, publicado no Jornal da Bairrada, sem nenhum óbice da censura e logo retirado, em 1965, quando posto à venda em forma de livro. JERO, ao coligir todos os dados do seu diário, só queria registar um período de uma gesta colectiva anónima, escreveu para as gentes da CCAÇ 675, não para nós. Também por essa razão de pura discrição, o JERO já então revelava os seus primores de carácter.

Estamos em Maio de 1964, a Companhia independente parte de Évora, no dia 8 chegam a Lisboa cerca das 6.30 horas: “Particularmente impressionante a passagem em marcha lenta da composição pelas zonas do Areeiro, Campolide e Alcântara, com muitas pessoas, principalmente de classes humildes a caminho do seu trabalho, que nos acenavam, desejando-nos felicidades para a vida difícil que ia começar para todos nós”. Depois a despedida, o Uíge afasta-se e cumpre a JERO inquietar-se, falando por todos, como regista no seu poema “Partida”: “Que vai ser de mim? Viverei? Voltarei a ver os meus? A Pátria querida?”.

O Uíge vai fundear diante de Bissau, a mocetada arde em curiosidade: “Nos mais variados pontos do navio, empoleirados nos mastros, nas baleeiras, na ponte, nas amuradas, algumas centenas de olhos dirigiam-se para a pequena cidade que crescia junto do rio e se estendia para o interior". E o mês de Maio decorre com instrução na carreira de tiro e no campo, JERO anota: distribuição do correio. Junho é praticamente dedicado a exercícios operacionais, no dia 13 JERO anota: um mês na Guiné. Dia 19, pelas 8 da manhã: desastre de viação, choque de um Unimog com um tronco de palmeira, viatura destruída, um ferido ligeiro. A 23 há boatos de caserna, está próxima a ida para o mato. A 28 partem de Bissau no “Alexandre da Silva”. JERO já está afadigado a registar os eventos primigénios: “Poucos momentos depois do desembarque o nosso capitão saiu com o primeiro pelotão para uma patrulha de reconhecimento nas proximidades do estacionamento, seguindo até ao entroncamento de Courbá, onde se incendiaram duas moranças. Continuou-se a descarga do navio até cerca da meia-noite. No silêncio da noite as sentinelas estavam atentas. E o mês de Julho introduz os primeiros momentos épicos, mesmo o leitor menos experimentado nas fainas da guerrilha e da contra-guerrilha questiona porque é que Binta e arredores viviam entregues a uma quase total liberdade das forças do PAIGC. Vamos aos factos.

Obras no quartel e saída dos grupos de combate, montam-se emboscadas. Nada de viaturas, tudo a butes para evitar sinistros no homem e na máquina. O “capitão do quadrado” tem gente motivada, mal chegam arranca a operação Lenquetó (povoação situada a 12 quilómetros de Binta. Troca de tiros, um atirador de uma árvore é abatido e “outros dois indivíduos saíram em correria da tabanca e ziguezagueando conseguiram passar por meio de uma secção, escapando ao fogo de duas ou três dezenas de atiradores. Foi uma fuga desesperada que um mínimo de probabilidades de êxito resultou”. Houve um inimigo que apesar de ferido lançou uma granada e acto contínuo foi abatido. Prisioneiros foram cerca de 40. Vejamos os detalhes registados por JERO, acerca de um regresso enquanto Lenquetó ardia, enquanto, no chão, ficavam os corpos de duas ou três dezenas de inimigos: “Quando acerca de 500 metros de Caurbá progredíamos numa zona fortemente arborizada, fomos emboscados pelo inimigo. Depois de um primeiro momento de expectativa e surpresa, instalámo-nos rapidamente em círculo (…) Continuámos a responder ao inimigo com fogo baixo e uma bazucada deve ter feito grandes estrago no inimigo, pois ouviram-se gritos lancinantes durante alguns momentos. Junto a uma árvore o nosso capitão transmitia ordens e recomendava ordem no fogo para não virem a faltar munições (…) A pedido do nosso capitão o piloto metralhou a zona por onde, electrizados pelo exemplo do nosso capitão que arrancou para a frente, seguimos o mais rapidamente possível, respondendo ao fogo inimigo que de cima das árvores nos continuou a flagelar durante algum tempo. A experiência e o arrojo do nosso Comandante de Companhia conseguiu que dois grupos de maçaricos que se agarravam ao terreno logo que se ouvia um tiro “voassem” por uma zona batida pelo fogo do inimigo que nos viu afastar com rapidez e segurança. A registar a tentativa de fuga de três prisioneiros aquando da retirada da zona de emboscada que no entanto foram abatidos (…) Acabava-se de viver o nosso primeiro dia operacional em terras da Guiné. Tínhamos combatido duramente com o inimigo. Tinha chegado a Binta uma Companhia de homens duros chefiados por um leão que andava de pé debaixo das balas inimigas”.

Isto é o começo, estamos no dia 4 de Julho. Em catadupa, prosseguem os patrulhamentos ofensivos e golpes de mão e batidas. De vez em quando, o inimigo resiste mas acaba por se pôr em fuga. O fundamental é que ao longo do mês a CCAÇ 675 percorre todo o território da sua quadrícula, a prudência mantém-se, os temores esfumam-se. JERO participa ou colhe informações para compendiar as suas notas, por vezes são parágrafos adubados, outras vezes prima pelo laconismo: “Não foi possível carregar os géneros em virtude da chuva. A zona ficou armadilhada”. Registam-se ingenuidades, sustos com vacas e burros, dores de cabeça debaixo de fogo, alguém rasteja a pedir ao sargento enfermeiro umas aspirinas. As estradas que estavam ao abandono são limpas das abatizes, assim se chega a Guidage, se contacta com a população que fugira para o Senegal. Lá para o fim do mês vai-se até Canicó, há uma grande troca de fogo, impressivamente registada. O guia Pathé Baldé é morto em combate. O “capitão do quadrado” propõe no seu relatório uma condecoração para este brioso combatente: “Não posso deixar de frisar os bons serviços prestados pelo guia Pathé Baldé.

Além do entusiasmo permanente pela missão que estava cumprindo, era sempre o primeiro nos locais mais difíceis. Granjeou com as suas atitudes e maneira de ser a amizade de todo o pessoal da Companhia; correcto e bem-educado, ele “valia por uma secção” como os soldados diziam ao referir-se ao seu valor; com a sua morte perdeu esta Companhia um bom guia e auxiliar que dificilmente poderá ser substituído. Creio que seria de grande valor que à família do mesmo fosse dada uma pensão de sangue e se possível o Exército demonstrar-lhe reconhecimento, pelos serviços prestados, através de uma condecoração, que de facto merece”.

Isto é o princípio do diário de JERO, que soma cerca de 280 páginas. Surpresa mais gratificante não podia ter. Publicitar o diário do JERO no blogue, anunciá-lo a quem estuda a guerra da Guiné, é uma honra e um grato dever.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2011 < Guiné 63/74 - P9057: Notas de leitura (303): Amílcar Cabral Filho de África, de Oleg Ignatiev (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9070: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (2): Hugo Spadafora (1940-1985), que combateu como médico e guerrilheiro nas fileiras do PAIGC (entre 1965 e 1967), e que encontrei na década de 1980 no Panamá...

1. Texto do Zé Ferraz, nosso camarada da diáspora (*):

Na década de 80, quando era Zone service manager - para a América Central e Caraíbas - da divisão Detroit Diesel Allison da General Motors, ia muitas vezes ao Panamá. 


Numa dessas visitas estava num almoço com os meus contactos locais quando o gerente da nosso representante me disse:
- Como és Português e estiveste em África, quero apresentar-te a um amigo meu.
- Ok, onde está ?
- Está para chegar porque te quer conhecer pessoalmente.

Passados ums minutos chega um tipo que à guisa de apresentação me diz:
- Corpo di bó ?

Fiquei espantado mais ainda quando soube o seu nome:
- Eu sou o Hugo Spadafora, médico. 

Primeiro senti um ódio intenso, acalmei-me e durante a tarde ficámos na mesa do restaurante a falar dos nossos tempos na Guiné. Para mim, foi uma experiência catártica que fechou em mim o desejo de vingança que guardei comigo durante anos.

Posteriormente o Hugo foi morto (degolado), pelo que a gente diz, por ordem do ditador Noriega [e não Torrijos, como certamente por lapso escreveu o Zé]. Vox populi vox dei [, Voz do povo, voz de Deus].

Um forte abraço. 
Zé. 

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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 20 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9068: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (1): O valente soldado Júlio

(**) Vd. entrada da Wikipédia em inglês, sobre o médico, guerrilheiro e ativista político, panamiano, Hugo Spadafora (1940-1985):

(...) Hugo Spadafora Franco (September 1940 – September 1985) was a Italian and Panamanian doctor and guerrilla fighter in Guinea-Bissau and Nicaragua. He criticized the military in Panama, which led to his murder in 1985.

Born in Chitré, Spadafora was a doctor, graduated from the University of Bologna, in Italy. He served as a combat doctor with the independence guerrilla of Guinea-Bissau.

Originally a critic of the military regime headed by Omar Torrijos, he served as its Vice-Minister of Health. In 1978, he organized the Victoriano Lorenzo Brigade, formed by a group of Panamanian fighters to fight against the Anastasio Somoza Debayle regime in Nicaragua.

Concerned about the increased Soviet and Cuban influence in the Sandinista regime of Nicaragua and the delay of free elections, Spadafora joined the Sandino Revolutionary Front (FRS) alongside Edén Pastora ("Comandante Zero"), hero of the August 1978 seizure of Somoza's palace. 

The rise of Manuel Noriega as authoritarian ruler of Panama compelled Spadafora to denounce Noriega's protection of drug trafficking. Spadafora was detained by Noriega's forces when entering Panama from Costa Rica in September 1985, and his decapitated body was later found stuffed in a post office bag. The autopsy later found Spadafora's stomach full of the blood he had ingested during the slow severing of his head. 

He had also endured hours of severe torture, as is quoted in Gary Webb's book, Dark Alliance: 

"His body bore evidence of unimaginable tortures. The thigh muscles had been neatly sliced so he could not close his legs, and then something had been jammed up his rectum, tearing it apart. His testicles were swollen horribly, the result of prolonged garroting, his ribs were broken, and then, while he was still alive, his head had been sawed off with a butcher's knife." 

His head was never found. President Nicolás Ardito Barletta tried to set up a commission to investigate the murder but was forced to resign by Noriega, which increased suspicions that the military ordered the beheading.

It was not until the administration of President Guillermo Endara that a court found Noriega (in absentia) and other followers guilty of a conspiracy to murder Spadafora.

In 2010, the Spadafora family published a website on the life of Hugo Spadafora Hugo Spadafora Website (...). (***)



Tradução livre:

Hugo Spadafora nasceu em 1940, filho de uma família pobre, do sul de Itália, que emigrara para o Panamá. Formou-se em medicina, pela Universidade de Bolonha, em 1964. Entre 1965 e 1967, combateu nas fileiras do PAIGC. Foi talvez na Guiné que começou a ser conhecido como o "Che Guevara italiano"...

De regresso ao Panamá,  foi vice-ministro da saúde sob o governo de Omar Torrijos (1968-1981).   Em, 1978, formou a brigada panamiana Lorenzo Vitoriano para combater a ditadura de Somoza, no país vizinho, a Nicarágua.

Mais tarde, preocupado com a crescente influência soviética e cubana no regime sandinista da Nicarágua e com o atraso do processo eleições livres, Spadafora juntou-se à frente sul da Frente Revolucionária Sandinista (FRS), ao lado de Edén Pastora ("Comandante Zero"), herói do 25 de Agosto de 1978 (tomada de assalto do palácio de Somoza). 

A ascensão de Manuel Noriega, em 1982,  como ditador da Nicarágua, leva Spadafora a denunciar o tráfico de drogas e a proteção que beneficia por parte dos militares. Spadafora será foi detido pelas forças de Noriega ao entrar Panamá a partir de Costa Rica, em setembro de 1985. O seu corpo, decapitado, foi encontrado mais tarde escondido num saco de correios. A autópsia viria a descobrir que o estômago estava cheio de sangue, ingerido durante o corte lento de cabeça de Spadafora. O médico e guerrilheiro enfrentou horas e horas de tortura antes da sua morte infamante e horrorosa… 
A cabeça nunca chega a ser encontrada. 

O Presidente Nicolás Ardito Barletta tentou criar uma comissão para investigar o assassinato, mas foi forçado a desistir por pressão de Noriega, o que veio fazer aumentar as suspeitas de que por detrás da ordem de decapitação estavam os militares. Só sob a administração do presidente Guillermo Endara é que um tribunal considerou Noriega (entretanto deposto e capturados pelos americanos em 1990) e outros seguidores, culpados de conspiração para assassinar Spadafora. No princípio de 2010, o último condenado no processo saiu da prisão, depois de cumprir uma pena de cerca de 20 anos. Nesse ano a família Spadafora abriu, na Net, um “site” sobre a vida de Hugo Spadafora, continuando a sua luta pela justiça... Noriega cumpre uma sentença de 30 anos nos EUA por crimes relacionados com o tráfico de droga...


(***) Neste "site" da família pode ler-se o seguinte sobre a atividade de Hugo Spadafora [, foto á direita, reproduzida com a devida vénia,] como médico e guerrilheiro na Guiné-Bissau, entre 1965 e 1967:

(...) Hugo nació el 6 de Septiembre de 1940 (...). Haciendo uso de la beca, Hugo decide ir a estudiar a la Universidad de Boloña en Italia donde opta por estudiar Medicina, graduándose en Noviembre de 1964. Luego de su graduación regresa al país [, Panama,] , donde realiza su internado de año y medio.


(...) Con la excusa de haberse ganado otra beca, pero esta vez para tomar un postgrado, viaja a El Cairo (Egipto), pero su verdadero propósito no era buscar una especialización o maestría si no enrolarse un movimiento revolucionario independista que en 1960 pululaban en África, allí en el Cairo, luego de varios intentos y cartas enviadas a los líderes revolucionarios independentistas logra hacer contacto con el movimiento de separación de Guinea Bissau y las Islas de Cabo Verde, luchas éstas lideradas por ese gran líder africano Amílcar Cabral. 

Hugo se ofrece como voluntario, brindando sus conocimientos médicos, y es así como forma parte de ese movimiento revolucionario y los anales de ese país. Hoy independiente, con el nombre de la República de Guinea Bissau, existe una avenida con el nombre del médico panameño Hugo Spadafora.


En África Hugo lucha contra el colonialismo Portugués y luego después de dos años regresa a Panamá en 1967 y decide hacer su segundo año de internado. Allí lo sorprende el golpe de estado del 11 de Octubre de 1968 (...)  

Comentário de L.G.:


Spadafora não tem a ver com os primeiros médicos cubanos que se juntaram ao PAIGC,  em 1966. Faziam parte de um primeiro grupo de "voluntários", enviados por Fidel Castro. Eram todos cubanos, num total de 24. O grupo era composto sobretudo por instrutores. Os médicos eram três. Vd. depoimento do dr. Domingo Diaz Delgado, cirurgião, que chefiava a equipa médica (1966/67): Tinha 29 anos - nascera em 1936 - quando parte de Cuba... Mais velho,  portanto, e com mais  experiência clínica, decerto,  do que o jovem italopanamiano Hugo Safadora, que parte para a Guiné, com 24  anos, acabado de se formar em medicina, em Bolonha... Seria interessante saber o que fez (medicina ? guerrilha ? ) e por onde andou este homem na Guiné, entre 1965 e 1967... 


É a primeira vez que oiço falar do seu nome... Teve um destino trágico às mãos dos torcionários de Noriega, em setembro de 1985. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9069: O nosso blogue em números (21): A propósito dos 3 milhões de visitas... Sondagem... Fotos de Nova Lamego, de Tino Neves





Guiné > Zona leste > Região do Gabu >   Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Cerimónia de Inauguração do Quartel Novo em 31 de Janeiro de 1971.

Fotos do Constantino (ou Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário, desta CCS/BCAÇ 2893, membro da nossa Tabanca Grande desde 2006, mas de quem não temos tido notícia há muito tempo.



Fotos: © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem enviada, internamente, pelo correio da Tabanca Grande aos amigos e camaradas da Guiné, em 16 do corrente, e que republicamos aqui com as necessárias adaptações:

 Amigos/as e camaradas:

(i)  Não queremos abusar da vossa santa paciência... Mas   a vossa opinião (sobre a forma e o conteúdo do blogue) interessa-nos... Queremos fazer todos os dias mais e melhor... Claro que a qualidade do blogue não depende tanto (ou tão só) dos editores como (sobretudo) dos autores que nos enviam os seus escritos, fotos e outros documentos...

(ii) Não queremos pensar que o "baú de memórias da Guiné" está a chegar ao fim... Na realidade, podemos perguntar:

Quantas histórias ainda há por contar ?!...
Quantos camaradas ainda há a espreitar à porta da Tabanca Grande ?!...
Quantos lugares há ainda por visitar (e conhecer) ?!...
Quantas fotos, aerogramas e outros papéis ainda estão por ver a luz do dia ?!...
(iii) Nos próximos 6 dias vai decorrer (está já a decorrer até amanhá) uma sondagem, "on line", para a qual se pede a vossa colaboração (assilando o vosso voto no blogue, no respetivo sítio,  na coluna ao lado esquerdo)...

(iv) Infelizmente o enunciado tem uma malvada gralha que já não pode ser corrigida... Mas é facilmente detetável: "Expetivas iniciais" em vez de "expetativas iniciais"... 

(v) O enunciado correto é este:

Sondagem: Tendo em conta as minhas expetativas iniciais e a minha experiência de utilização, hoje, com 3 milhões de visitas, o nosso blogue está...
Seguem-se depois 7 hipóteses de resposta... Quem quiser fazer o favor de votar, é só escolher uma dessas hipóteses, a que corresponder mais aproximadamente  à vossa opinião...
Muito melhor / Melhor / Bom / Nem bom nem mau / Mau / Pior / Muito pior
(vi) Mandem-nos, também, por email (ou escrevam diretamente na respetiva caixa), os vossos comentários a fundamentar a vossa escolha: por exemplo, "Acho que o blogue está melhor ou  está pior, por isto e por aquilo"... E, se possível, deem uma ou duas sugestões de melhoria...

A quem já participou, votando e/ou comentando, o nosso agradecimento e o nosso apreço.
Um Alfa Bravo para todos/as. Luís Graça
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9067: O nosso blogue em números (20): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários dos tertulianos António Estácio, Armandino Oliveira e Juvenal Amado

Guiné 63/74 - P9068: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (1): O valente soldado Júlio





Guiné > Região do Oio > Bissorã > Pessoal da CART 1525 (1966/67) e da CART 1746 (1967/69) > Na messe de oficiais: O Rogério Freire, alf mil da CART 1525, é o de "de óculos ao lado do Madaíl" (Gilberto Madaíl, em primeiro plano, no lado esquerdo). "Ao fundo está o (na altura) Capitão Mourão da CART 1525 e, ao seu lado, à direita da foto de óculos, o Capitão Vaz" (RF)... Este último comandava a companhia a que pertencia o Alf Mil Madaíl, a CART 1746 (que irá acabar a sua comissão no Xime, Zona Leste, Sector L1;; aqui, no Xime, os oficiais dormiam em rulotes que, segundo o Zé Ferraz, terão da antiga estação agronómica de Fá Mandinga onde dizem - mas ainda não vi documentado - terá trabalhado o Eng. Agrónomo Amílcar Cabral e possivelmente a sua esposa e colega, portuguesa, Helena).

Em Bissorã, sempre houve uma tradição ligada à actividade desportiva e, nomeadamente, ao futebol... Não sabemos se o jovem Madaíl tinha jeito para a bola ou, na altura, já tinha revelado a sua vocação para dirigente desportivo... Diz o Rogério Freire (RF) sobre o Gilberto Madaíl, que é hoje uma figura pública (presidente da Federação Portuguesa de Futebol): "A imagem que retenho do Madaíl daquele tempo é o de uma pessoa muito alegre e bem disposta e de muito fácil conversa e diálogo"... Pergunto ao Zé Ferraz se o reconhece... a ele e ao Cap Vaz, aqui referido no texto supra... (LG)

Foto: CART 1525 - Os Falcões (Bissorã,Guiné-Bissau, 1966-67) (Reproduzida com a devida vénia...).





1. Texto do José Ferraz [de Carvalho] que vive nos EUA há mais de 40 anos, e que fez a sua comissão de serviço na Guiné entre 1968 e 1970 (*):


Companheiro e camarada Luís: Aqui está a história do Júlio.

Uma manhã ao alvorecer saí do Xime com a minha malta para montar segurança na área do costume,  entre o Xime e Amedalai para uma coluna de reabastecimentos que sairia pouco depois. Sem novidades passaram e nós regressamos ao Xime.

Essas colunas de reabastecimento de costume regressavam por volta das 3 da tarde. Chegam as três e nada... Quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze e nada. Nunca soube porque os meios rádio nesse dia estavam de rastos e não conseguíamos comunicar com Bambadinca.

Por volta da meia noite fui chamado à  rulotes [, onde dormíam os oficiais]:
- Ferraz,  aguarre no seu grupo e vá ver o que se passa.

Noite de lua nova,  não se via nada.... Agarrei na G-3,  passei pelo abrigo da minha malta,  acordei dois ou três passando duma ponta a outra dizendo:
-Tá no ir,  pessoal balanta!...

E arranquei pelo arame farpado fora. Já no trilho da bolanha passaram-me à frente a bazuca e o morteiro porque suspeitávamos que o IN estava emboscado junto à primeira ponte. Fazia sempre fogo de reconhecimento com 3 morteiradas e isso fazia com que o IN levantasse a emboscada. Nessa noite,  devido ao imprevisto,  tinha a certeza que eles não teriam tido tempo de fazer nenhuma emboscada nem teriam tido nenhuma informação [, do pessoal da tabanca,] indicando a nossa saída... Íamos à vontade mas,  como sempre,  prevenidos.

Passámos Amedalai, e nada da coluna...Chegámos a Bambadinca e eles ali estavam porque a GMC tinha tido um problema com o eixo. Disse ao meu pessoal que se desenrrascasse com os amigos e eu fui dormir. Na manhã seguinte vieram-me avisar que o Júlio estava na enfermaria,  todo cortado.

Primeiro pensamento: O sacana foi para a tabanca mandar a queca da ordem e lixou-se!... Fui à enfermaria e aí estava o Júlio, nu,  na cama,  a G-3 e o saco de dilagramas no chão. 
- Ó Julio,  o que é que te aconteceu ?...
- Meu furriel - diz-me ele - como é que nós chegámos aqui ?
- Ó Júlio,  estavas com a burra,  não?
- Meu furriel,  sabia lá que íamos sair ontem à noite nem me lembro do caminho..

É evidente que o nosso amigo -  vim mais tarde a saber - acordaram- no no gosse gosse,  tá no ir,  ele de tanga,  para não dizer nu,  agarra na sua G-3 e saco de dilagramos e porta fora... Durante esse trajecto,  lua nova,  ninguém se deu conta do estado em que estava ou o que trazia vestido. E aos trambolhões lá foi andando até Bambadinca.


A partir desse dia tive o maior respeito pela sua façanha. Que grande soldado,  que bêbado ou não, não deixou os seus companheiros!... Valente!

Lembro agora, depois da minha louca chegada ao Xime,  quando o Cap Vaz me chamou ao seu gabinete no dia seguinte e me apresentei... Lembro bem da sua figura,  pera e tudo (se bem me lembro,   era arquitecto)..
- Ó nosso furriel,  se não é louco tem-nos de bronze... Benvindo,  agora quero que forme um grupo de combate com aquilo que aprendeu...

E eu disse-lhe:
- Meu capitão,  posso pedir voluntários ?...

Disse-me que sim e,  quando a palavra passou que eu queria voluntários,  quase a toda companhia se apresentou na "parada"... Nunca se formou nada e vi-me como o furriel reponsável pelo 2º pelotão cujo alferes tinha ido para Lisboa evacuado.

Realmente foi um pelotão formidável,  éramos companheiros e tinhamos a maior confiança em todos nós, em situações de perigo ou fora de perigo. Tenho imensas saudades de todos esse valiosos companheiros.

Um forte abraço,  Luís... Do Zé...e aí tens agora o resto história do valente [soldado] Júlio... Se bem me lembro...



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Nota do editor:


(*)  vd. postes de apresentação:



19 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

(...) Assentei tropa em Setembro de 1966 no CSM [ Curso de Sargentos Milicianos,] das Caldas da Rainha [ RI 5,] e depois da recruta fui enviado para Lamego, para o primeiro curso de Operações Especiais como especialização.



Posteriormente ofereci-me como voluntário para a 16ª  Companhia de Comandos com a qual cheguei a Guiné em 68. No fim da fase operacional não quis ser comando e fui então destacado para a Cart 1746, Xime,  onde o Capitão Vaz me responsabilizou em formar um grupo de combate com o segundo pelotão cujo alferes tinha sido enviado para Lisboa doente. (...)

[Depois do regresso da CART 1746 à Metrópole, em Julho de 1969, ] passei os meus últimos meses da minha comissão como adido ao QG em Bissau. Regressei a Lisboa no velho Carvalho Araujo em 1970. (...)

Guiné 63/74 - P9067: O nosso blogue em números (20): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários dos tertulianos António Estácio, Armandino Oliveira e Juvenal Amado

Mansoa > Mulheres à pesca
Foto: © Ex-Alf Mil Alfredo Montezuma do BCAÇ 2885 (2011). Todos os direitos reservados.


1. Comentário do nosso tertuliano António Estácio:

O Blog assume-se como o valioso repositório temático de depoimentos da chamada (e porque não dizê-lo) Guerra do Ultramar, em que a juventude portuguesa foi obrigada a intervir e em que grande parte sofreu e foi muito sacrificada, perdendo a vida, comprometendo carreiras profissionais, ficando cursos a meios, serem portadores de maleitas e limitações físicas, sem o merecido apoio pós traumático, etc.

Para além disso, o que muito me surpreende e, frequentemente, me leva a interrogar quanto a essa postura ─ que não encontro nem é evidenciado, por outros camaradas que (como eu) estiveram em cenários de guerra muito mais suaves, o não aparentam ─ que é a forte ligação que, de um modo geral, se estabeleceu com os guineenses, em que muitos dos antigos combatentes manifestam o desejo de voltarem ao que foi o autêntico Vietname militar português!

Dada a abundância de temas, afigura-se-me desejável e ouso (re)propô-lo que, muito embora reconheça o contributo que tem sido dado e a dificuldade em gerir-se a imensidão de informação acumulada, se proceda, logo que possível, a uma divisão temática o que, salvo melhor opinião, permitirá a celeridade a nível de busca e de análise. Aliás, creio bem que, mais cedo ou mais tarde, essa arrumação terá que ser feita e, ou muito me engano, quanto mais tarde a executarem, maior será o esforço e o tempo necessário para a efetuarem.

Sem destacar nomes, felicito pelo trabalho desenvolvido a equipe que é a alma do projeto e respondendo objetivamente ao que é solicitado, votarei atribuindo um merecido Bom.

Com um abração do guineense amigo
António J. Estácio


2. ...E do nosso camarada Armandino José de Jesus Oliveira, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/682:

(…) Já votei e o meu único comentário é que o blog não está... ele é óptimo.

Considero que sou preguiçoso, pois poderia colaborar um pouco convosco, mas vou tentar, pelo menos enviando algumas fotos.
Parabéns pela vossa perseverança.

Abs
Armandino (Brasil )
Ex-Fur Mil
BCAV 1897


3. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 19 de Novembro de 2011:

O blogue com três milhões de visitas e ser Proibido Proibir

Já por diversas vezes li afirmações de que o blogue está a ser afastado do caminho inicial para que foi criado e de que a sua utilização por franjas mais intelectuais, inibe os com menos facilidade de escrever e de se expressar.

Não me parece que esta crítica seja justa!
E não parece justa uma vez que ninguém aqui assumiu normas quanto ao que se escreve, no que diz respeito à qualidade da escrita mas por vezes sim ao conteúdo. Pela maneira que se expressam, tais assuntos bem como os próprios livros, (nas tais montras do blogue) deviam ser pura e simplesmente afastados do blogue.
As estórias, ou relatos, mais os diários, mais o antes e o depois das nossas comissões, mais as pessoas que viveram aqueles tempos ainda de forma paralela, são testemunhos importantes para se fazer a História daquela época das nossas vidas, que não começou com o nosso embarque, mas muito antes nas escolas, nos campos e nas fábricas. Também não terminou com o nosso regresso.

Porquê amputarmos o conhecimento e não transcrever o que nos tocou, ou a forma como tocamos nos outros?

No fundo nestas opiniões há uma forma subtil de censura à qualidade do que se escreve e sobre o que se escreve. Não restam dúvidas que a vontade de riscar alguns textos e postes do blogue é latente para alguns.
Há camaradas que não estão de acordo com aquilo que penso, que é a evolução do blogue. Defendem que ele só foi criado para relatar os dias de Sol tórrido, operações, minas, tiros e vitórias ou derrotas, estando logo em desacordo com a prática de neste sítio se dar a conhecer, o que se escreve politicamente desse tempo, (especialmente se for contra as suas ideias) as suas implicações na guerra e na sociedade portuguesa.
Com facilidade se suporta algumas mentiras e não se tolera algumas verdades.
Se não se falar desses assuntos como saberemos que eles existem? Quem lia livros de cowboys em criança nunca poderá ler Manuel da Fonseca ou Saramago?

O blogue pode e deve ser um veículo de abertura das mentes e dará assim um contributo para aclarar o nosso passado comum.
Algumas normas do blogue coincidem com os direitos básicos da nossa Constituição e a essas eu acrescentaria, a proibição da ignorância.
Atenção porque não quero que pensem que estou a chamar ignorante a alguém, mas sim ao princípio de que há coisas que não têm lá cabimento e por isso não se devem falar delas.

Dentro da estrita observação das normas da Tabanca Grande, penso que deve ser proibido proibir, porque proibir alguma coisa, pode levar a que proíbam todas as coisas.
Não fui que fui que criei esta frase mas sabe-me bem citá-la.

Um abraço a todos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9063: O nosso blogue em números (19): A propósito dos 3 milhões de visitas... Bom mesmo é termos um espaço onde, cada um à sua maneira, diga a verdade da sua vida e da dos seus na mata da Guiné, no respeito e conservando a amizade que aqui se cultiva (José Brás)

Guiné 63/74 - P9066: Agenda cultural (169): Colóquio, Arquivos do Silêncio: Alianças Secretas da Guerra Colonial, dia 29 de Novembro de 2011 às 10 horas no Colégio de S. Jerónimo - Centro de Estudos Sociais - Coimbra (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71:

Caríssimos,
O colóquio aqui divulgado, para 29 de Novembro, parece-me de muito interesse para os antigos combatentes, nomeadamente os que integram o Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

É gratutita a participação. Podemo-nos organizar, e os que entenderem ir organizam-se para partilha de transporte. Se quiserem, podem dizer-me até 2ª. feira (para acautelar as reservas), quem quer deslocar-se a Coimbra, se disponibiliza a viatura, para fazermos contas a cada carro e dividirmos o pessoal em grupos de 4. Proponho que cada "pendura" pague 15 euros ao condutor, para despesas de gasolina e portagens.

Abraços
JD




Colóquio*
Arquivos do Silêncio: Alianças Secretas da Guerra Colonial

29 de Novembro de 2011, 10h00, Sala 1, CES-Coimbra
Programa | Inscrições


Enquadramento:

Assinalam-se este ano os 50 anos sobre o Início da Guerra Colonial portuguesa. O tema da Guerra Colonial tem vindo a conhecer novas revelações suscitando debates sobre o sentido desta guerra e das lutas nacionalistas que conduziram a processos de independências em meados dos anos 70. Questionar o colonial implica o levantar de inúmeras questões, quer nos espaços outrora metropolitanos imperiais, quer nos vários contextos colonizados. Esta relação obriga a repensar o tempo da história e a própria História. A luta pela independência de Angola, da Guiné e de Moçambique esteve intimamente ligada a outros processos geopolíticos, a apoios do continente africano e à persistência do fascismo em Portugal. Porém muito permanece por dizer sobre a Guerra Colonial e suas implicações geoestratégicas no contexto da guerra-fria.

O ritmo crescente das polémicas associadas a este conflito opõe-se todavia ao ritmo lento da constituição de saberes académicos. Este colóquio procura cruzar olhares e perspectivas sobre a última etapa da história colonial de Portugal, abrindo portas para uma análise mais profunda dos vários sujeitos e narrativas que este violento processo encerrou, integrando oradores com diferentes percursos. Procura-se, igualmente, aprofundar os conhecimentos sobre os contornos e implicações do Exercício Alcora, uma aliança nunca publicamente reconhecida, que Portugal estabeleceu com a África do Sul e a Rodésia em 1970 para apoiar a sua luta contra os movimentos nacionalistas na Guerra Colonial. Neste sentido a aliança estabelecida pelo Exercício Alcora oferece elementos importantes para confrontar visões já estabelecidas sobre a Guerra Colonial e para uma melhor compreensão das suas consequências.

ENTRADA LIVRE, ATÉ O LIMITE DOS LUGARES DISPONÍVEIS, COM INSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA.


(*) Nota: - Com a devida vénia a Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8940: Agenda cultural (168): Lançada no passado dia 13, no Museu Militar, em Lisboa, a 3ª edição do livro do Cor Inf Ref Manuel Bernardo, Marcelo e Spínola: a ruptura, sob a chancela da Edium Editores, Porto