Oitavo episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66) Bom ou mau tempo na bolanha.
Na segunda-feira seguinte, um dos novos companheiros, que
com ele repartiam as instalações na cave naquela casa de
emigrantes, leva o Tony para trabalhar com ele, fala com o
patrão, pede os documentos, faz uma breve inspecção médica e vai
trabalhar. No trabalho, a sua tarefa era cortar troncos de
madeira em tábuas. Quando começava a
cair neve, largava essa
ocupação e ia com uma grande pá, removê-la de todos os locais de
acesso à fábrica de serração de
madeiras.
Quando terminava num
local, já o outro local tinha que
ser limpo, terminava o dia todo
molhado e cheio de frio, mas com
alguma alegria, pois tinha trabalho
e podia pagar o local onde dormia.
De regresso à cave, esperava pela sua vez de usar o fogão, fazia
o seu comer, que quase sempre era arroz de moelas de galinha
partidas aos bocadinhos, uma comida barata, simples e que durava
alguns dias, pois muitas vezes, comia-se mesmo frio. Nunca
faltava pão, que era a comida preferida do Tony, lembram-se
quando todos os dias roubava pão ao “Arroz com Pão”, que era o
cabo do rancho, no aquartelamento de Mansoa, pão esse, trazido
por aquele que trabalhava na padaria, às vezes o que trabalhava
no restaurante também trazia restos de comida das festas que
eram servidas no restaurante, pelo menos aos fins de semana.
Nas horas que tinha de folga
procurava outra ocupação, era na rua,
nos bares, nas lojas de conveniência,
nas estações de serviço, aí é que se
faziam os contactos. Ajudou a lavar
carros, mais tarde, já não lavava, foi
promovido, só levava os carros até à
entrada da máquina de os lavar. Largou
a fábrica de serração de madeiras,
pois havia lugar de trabalho num grupo
de construção de estradas que pagava
muito bem. O trabalho era a duas horas
de viajem, pela madrugada largavam para
o local de trabalho, paravam pelo caminho para comprar café e
álcool, para poderem suportar o frio, chegavam ao trabalho já
todos sobre influência. Um dia houve um pequeno acidente no
trabalho, o patrão chega ao local de helicóptero e vê o estado
dos trabalhadores, não teve outra solução, chama o chefe do
grupo, que mostrava um estado de influência elevado, despede-o assim como a todo o grupo.

Não esteve desempregado dois
dias, ao outro dia foi trabalhar para uma fábrica de fazer ferramentas, no turno da
meia noite que se prolongava até
às oito horas da manhã. Era um trabalho
pesado e sujo. De dia trabalhava
na lavagem de carros, davam-lhe
gorjetas, ainda tinha umas horas
para limpar a cozinha e uns anexos
de um restaurante, onde comia e
trazia comida para o dia seguinte.
Atravessou o rio Hudson e foi
ver a tal editora em Nova
Iorque, era verdade,
ofereciam-lhe trabalho, mas
não pagavam lá muito bem, o
Tony não tinha tempo
disponível e nem queria, pois
sentia-se confortável com o
que fazia.
Durante todo este tempo ia vendo a cidade, já não lhe
parecia tão mal assim. Como
tinha um poder enorme de
aprendizagem e não perdia
nenhuma oportunidade para
falar, aos poucos ia
praticando o idioma, mas sem
técnica, dava só para se
desenrascar. Sempre que tinha
oportunidade ia levar
comida, leite, pão e outros géneros alimentícios, e mesmo roupa,
que arranjava dos restos do restaurante onde limpava a cozinha e
não só, às tais pessoas que continuavam a dormir na margem do
rio Passaic, falava
e aprendia com
elas, era como se
fossem suas amigas,
por vezes perdia-se
nas horas e passava
a noite com elas,
onde queimavam
lenha roubada,
dentro de um bidão de cinquenta
galões, fumando
cigarros feitos à
mão e bebendo
álcool da mesma
garrafa. Quando
isto acontecia, e não vinha dormir à cave, os colegas
repreendiam-no, dizendo:
- Qualquer dia, é mais um que vai aparecer a boiar, no rio
Passaic!
O Tony, sempre se sentiu confortável no meio deles e
lembrava-se quando um deles o cobriu com um plástico e se
juntou a ele para juntos suportarem melhor o frio.
Tudo corria mais ou menos, só com o problema das saudades do
bebé e da Margarida, que lhe ia mandando algumas cartas com
fotografias, contando como ia
crescendo e das coisas que já
fazia.
Começou a procurar alojamento para mandar vir a Margarida e o
filho. Havia um emigrante que
andava a remodelar a casa e alugou-lhe
um quarto com uma pequena
cozinha no sótão, pagava a renda
mas não vivia lá, continuava a
viver com os companheiros na cave.
Há sempre alguém que se quer
desfazer de alguma parte de mobília
velha e a põe na rua, o Tony
aproveitava, ia guardando no novo
quarto. Passado algum tempo já
tinha tudo preparado, incluindo cama, berço, algumas cadeiras, mesa, frigorífico, panelas,
pratos e alguns utensílios mais, que são necessários numa casa. Assim, quando viessem já podiam viver com o mínimo de comodidades.

Todo o seu tempo estava ocupado no restaurante onde
limpava a cozinha, também o queriam para ajudar nas festas que
se realizavam aos fins de semana. Ele ia agradando a todos
conforme podia, era novo, tinha saúde, um dos principais motores
que o fazia mover era a esperança de poder ver o seu bebé e a
Margarida,no mínimo espaço de tempo. Essa esperança
ultrapassava todos os obstáculos.
Entretanto descobre que o amigo Zarco, o tal pára-quedista a quem o Cifra deu água, só água, mais nada, no aquartelamento
na zona de guerra, vive numa cidade mais ao sul, em Nova Jersey, e consegue contactá-lo. O Zarco, que agora se chama John, já
casado com uma senhora americana, oferece-lhe trabalho numa
multinacional onde também trabalha, mas nos quadros superiores.
O Tony vai trabalhar para essa multinacional, nunca larga o
emprego da lavagem de carros, nem a limpeza da cozinha do
restaurante, para isso tira licença de conduzir e compra um
carro velho, daqueles muito grandes, que parecem uma banheira,
mas que andava muito bem.
Tem noites em que dorme apenas três ou quatro horas, mas
sente-se bem. Controla todo o seu dinheiro e verifica em termos
financeiros, que depois das despesas, sobrava mais numa semana,
do que antes em Portugal, em três ou quatro meses. Tinha saúde,
trabalho não lhe faltava, só as saudades da Margarida e do filho
é que o atormentavam um pouco, mas se continuasse com o ritmo de
trabalho que levava, em pouco tempo viriam ter com ele.
Ele
sabia e tinha quase a certeza que sim, ele acreditava.
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2013 >
Guiné 63/74 - P11513: Bom ou mau tempo na bolanha (7): És pessoal do Lisboa? (Tony Borié)