sábado, 4 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11527: Bom ou mau tempo na bolanha (8): Os primeiros contactos e empregos (Tony Borié)





Oitavo episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66) Bom ou mau tempo na bolanha.






Na segunda-feira seguinte, um dos novos companheiros, que com ele repartiam as instalações na cave naquela casa de emigrantes, leva o Tony para trabalhar com ele, fala com o patrão, pede os documentos, faz uma breve inspecção médica e vai trabalhar. No trabalho, a sua tarefa era cortar troncos de madeira em tábuas. Quando começava a cair neve, largava essa ocupação e ia com uma grande pá, removê-la de todos os locais de acesso à fábrica de serração de madeiras.
Quando terminava num local, já o outro local tinha que ser limpo, terminava o dia todo molhado e cheio de frio, mas com alguma alegria, pois tinha trabalho e podia pagar o local onde dormia.

De regresso à cave, esperava pela sua vez de usar o fogão, fazia o seu comer, que quase sempre era arroz de moelas de galinha partidas aos bocadinhos, uma comida barata, simples e que durava alguns dias, pois muitas vezes, comia-se mesmo frio. Nunca faltava pão, que era a comida preferida do Tony, lembram-se quando todos os dias roubava pão ao “Arroz com Pão”, que era o cabo do rancho, no aquartelamento de Mansoa, pão esse, trazido por aquele que trabalhava na padaria, às vezes o que trabalhava no restaurante também trazia restos de comida das festas que eram servidas no restaurante, pelo menos aos fins de semana.

Nas horas que tinha de folga procurava outra ocupação, era na rua, nos bares, nas lojas de conveniência, nas estações de serviço, aí é que se faziam os contactos. Ajudou a lavar carros, mais tarde, já não lavava, foi promovido, só levava os carros até à entrada da máquina de os lavar. Largou a fábrica de serração de madeiras, pois havia lugar de trabalho num grupo de construção de estradas que pagava muito bem. O trabalho era a duas horas de viajem, pela madrugada largavam para o local de trabalho, paravam pelo caminho para comprar café e álcool, para poderem suportar o frio, chegavam ao trabalho já todos sobre influência. Um dia houve um pequeno acidente no trabalho, o patrão chega ao local de helicóptero e vê o estado dos trabalhadores, não teve outra solução, chama o chefe do grupo, que mostrava um estado de influência elevado, despede-o assim como a todo o grupo.

Não esteve desempregado dois dias, ao outro dia foi trabalhar para uma fábrica de fazer ferramentas, no turno da meia noite que se prolongava até às oito horas da manhã. Era um trabalho pesado e sujo. De dia trabalhava na lavagem de carros, davam-lhe gorjetas, ainda tinha umas horas para limpar a cozinha e uns anexos de um restaurante, onde comia e trazia comida para o dia seguinte.

Atravessou o rio Hudson e foi ver a tal editora em Nova Iorque, era verdade, ofereciam-lhe trabalho, mas não pagavam lá muito bem, o Tony não tinha tempo disponível e nem queria, pois sentia-se confortável com o que fazia.

Durante todo este tempo ia vendo a cidade, já não lhe parecia tão mal assim. Como tinha um poder enorme de aprendizagem e não perdia nenhuma oportunidade para falar, aos poucos ia praticando o idioma, mas sem técnica, dava só para se desenrascar. Sempre que tinha oportunidade ia levar comida, leite, pão e outros géneros alimentícios, e mesmo roupa, que arranjava dos restos do restaurante onde limpava a cozinha e não só, às tais pessoas que continuavam a dormir na margem do rio Passaic, falava e aprendia com elas, era como se fossem suas amigas, por vezes perdia-se nas horas e passava a noite com elas, onde queimavam lenha roubada, dentro de um bidão de cinquenta galões, fumando cigarros feitos à mão e bebendo álcool da mesma garrafa. Quando isto acontecia, e não vinha dormir à cave, os colegas repreendiam-no, dizendo:
- Qualquer dia, é mais um que vai aparecer a boiar, no rio Passaic!

O Tony, sempre se sentiu confortável no meio deles e lembrava-se quando um deles o cobriu com um plástico e se juntou a ele para juntos suportarem melhor o frio.

Tudo corria mais ou menos, só com o problema das saudades do bebé e da Margarida, que lhe ia mandando algumas cartas com fotografias, contando como ia crescendo e das coisas que já fazia.

Começou a procurar alojamento para mandar vir a Margarida e o filho. Havia um emigrante que andava a remodelar a casa e alugou-lhe um quarto com uma pequena cozinha no sótão, pagava a renda mas não vivia lá, continuava a viver com os companheiros na cave. Há sempre alguém que se quer desfazer de alguma parte de mobília velha e a põe na rua, o Tony aproveitava, ia guardando no novo quarto. Passado algum tempo já tinha tudo preparado, incluindo cama, berço, algumas cadeiras, mesa, frigorífico, panelas, pratos e alguns utensílios mais, que são necessários numa casa. Assim, quando viessem já podiam viver com o mínimo de comodidades.

Todo o seu tempo estava ocupado no restaurante onde limpava a cozinha, também o queriam para ajudar nas festas que se realizavam aos fins de semana. Ele ia agradando a todos conforme podia, era novo, tinha saúde, um dos principais motores que o fazia mover era a esperança de poder ver o seu bebé e a Margarida,no mínimo espaço de tempo. Essa esperança ultrapassava todos os obstáculos.

Entretanto descobre que o amigo Zarco, o tal pára-quedista a quem o Cifra deu água, só água, mais nada, no aquartelamento na zona de guerra, vive numa cidade mais ao sul, em Nova Jersey, e consegue contactá-lo. O Zarco, que agora se chama John, já casado com uma senhora americana, oferece-lhe trabalho numa multinacional onde também trabalha, mas nos quadros superiores. O Tony vai trabalhar para essa multinacional, nunca larga o emprego da lavagem de carros, nem a limpeza da cozinha do restaurante, para isso tira licença de conduzir e compra um carro velho, daqueles muito grandes, que parecem uma banheira, mas que andava muito bem.

Tem noites em que dorme apenas três ou quatro horas, mas sente-se bem. Controla todo o seu dinheiro e verifica em termos financeiros, que depois das despesas, sobrava mais numa semana, do que antes em Portugal, em três ou quatro meses. Tinha saúde, trabalho não lhe faltava, só as saudades da Margarida e do filho é que o atormentavam um pouco, mas se continuasse com o ritmo de trabalho que levava, em pouco tempo viriam ter com ele.

Ele sabia e tinha quase a certeza que sim, ele acreditava.

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11513: Bom ou mau tempo na bolanha (7): És pessoal do Lisboa? (Tony Borié)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Tony Borié

Eis um retrato fiel do que foi a saga de muitos dos nossos emigrantes que demandaram os EUA.
Conheço muitos deles, dos meus tempos de adolescente, que tiveram de se "desunhar" assim, mas também sou filho de um que chegou a essas paragens em 1922...

Abraço e continua com as tuas narrativas, que são muito bem escritas.

JPicado