1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2013:
Queridos amigos,
É graças à solicitude da Teresa Almeida, da biblioteca da Liga dos Combatentes que tenho tido acesso a estes segredos bem guardados.
Manuel Pires da Silva, reformado em sargento-mor, fez três comissões na Guiné e uma em Angola.
Este Homem Ferro é o depósito das suas memórias. Comove e enternece o que escreve sobre a sua infância e adolescência. O acervo informativo da sua primeira comissão é um caudal precioso que bem pode ser compaginado com os dados oficiais, descreve minuciosamente a subversão do Sul e o seu alastramento ao Xime e ao Morés, de 1962 para 1963. E pelo registo que nos deixa da sua segunda comissão, as escoltas nos rios encontravam uma agressividade permanente.
Temos aqui um ex-combatente com muito contado e para contar.
Um abraço do
Mário
Homem Ferro, Memórias de um combatente (1)
Beja Santos
As memórias do fuzileiro Manuel Pires da Silva trazem surpresas, uma delas é abrir novas perspetivas ao que se passou na Guiné em 1962, ninguém desconhece que as investigações dirigem-se sempre para os acontecimentos a partir de Janeiro de 1963, há como que uma nebulosa sobre os preparativos da subversão e a respetiva resposta do lado português. Manuel Pires da Silva conta-nos como se fez marujo, ele levou uma vida atribulada em Vale de Espinho, concelho do Sabugal, mourejou no campo, trabalhou com o pai numa oficina de carpinteiro de carros de bois, andou a furar batentes de portas com martelo e formão, fez a instrução primária, andou no contrabando e apanhou alguns sustos. Adolescente, veio com o irmão mais velho para Lisboa, deram-lhe trabalhos de construção civil, foi depois carpinteiro de cofragem, sentia-se desalentado, queria ir mais longe. Inscreveu-se na Marinha, fez a recruta em Vila Franca de Xira, aos 17 anos era segundo-grumete voluntário. Em 1961, foi frequentar o curso de Fuzileiro Especial, recebeu a boina.
É incorporado no DFE 2, destinado à Guiné, ali chega em Junho de 1962. Fazem guarda ao Palácio do Governador, levam prisioneiros do PAIGC para a Ilha das Galinhas, são mandados para o Sul, onde o PAIGC já desencadeava ações de sabotagem. A primeira operação de reconhecimento visava obter informações das gentes das tabancas de Campeane, Cacine, Gadamael Porto, entre outros lugares; seguem depois para Bula, havia fortes suspeitas de guerrilheiros infiltrados naquela zona. Descreve o efetivo da Marinha, ao tempo. O DFE 2 é pau para toda a obra: operação Darsalame; vão ao rio Corubal em lanchas de fiscalização, “chegam às tabancas e só veem velhos, mulheres e crianças, que fogem para todo o lado. Rebentam-se canoas, interrogam-se pessoas, mas ninguém sabe nada”. Em Dezembro vão até Caiar. “Quando se tentava contactar com a população da tabanca, surge o tiroteio, o primeiro contacto com as armas de fogo do inimigo. O comandante é ferido no pé direito, tendo sido o primeiro fuzileiro ferido em combate”. Pouco antes do Natal, voltam ao rio Corubal, os botes são postos na água e vai de subir o rio. “Passada cerca de meia hora após largar do navio ouvem-se rajadas de pistola-metralhadora”. E escreve adiante: “A situação agravava-se de dia para dia. O comandante-chefe andava preocupado, pois Lisboa não mandava reforços suficientes. Esta preocupação era partilhada pelo comandante da Defesa Marítima, capitão-de-fragata Manuel Mendonça”.
Em Março de 1963, fazem batidas nas áreas de S. João, Tite e Fulacunda, no mesmo mês em que os guerrilheiros se apoderaram dos navios “Arouca” e “Mirandela” perto de Cafine. A situação agrava-se no rio Cobade e Cumbijã, os guerrilheiros atacam ousadamente as embarcações. Na sequência do acidente aéreo que vitimou um piloto e levou à captura do sargento-piloto Lobato, os fuzileiros bateram a zona, encontraram o cadáver do piloto sinistrado e os restos do avião. “Os guerrilheiros tinham a população do Sul completamente controlada. Os fuzileiros estavam ali sozinhos a remar contra a maré”.
Em Julho, com o apoio de um pelotão de paraquedistas, passam Gampará a pente fino. É nisto que foi necessário acudir na área do Xime, todos os dias há fugas para o mato; em Junho, vão até à tabanca de Jabadá e são recebidos a tiro. O inimigo já desencadeia ações violentas a partir da mata do Oio. “Entretanto, a ilha do Como começa a tornar-se intransitável devido à presença dos guerrilheiros”; a tabanca de Jabadá continua em pé de guerra, a aviação lança bombas de napalm, para intimidar os guerrilheiros, o destacamento desembarca e só encontra velhos e miúdos feridos. A guerra surge à volta de Porto Gole, o inimigo não se deixa intimidar e reage com muito fogo, os fuzileiros sentem-se encurralados, aproveitando uma aberta, eles retiram e pedem apoio da aviação. No dia seguinte voltam, desta feita assaltam o objetivo. “Quando o bombardeamento pára, o destacamento arranca para o assalto final. Depara-se com mais de 50 casamatas, algumas crianças feridas, a chorar, e dois ou três velhos, também feridos. Recebem-se as informações que eles querem dar. Quando estão a retirar, recebem instruções da aviação, um grupo de guerrilheiros voltou ao objetivo”. Os fuzileiros conversam entre si, tanto esforço e o inimigo não se apresenta. A seguir a este relato, o DFE 2 anda numa completa dobadoira, seguem para Gã Vicente e descobrem um novo inimigo, as abelhas. Por esse tempo vão chegando à Guiné mais reforços, o DFE 7, mas a subversão ultrapassa a capacidade de tomar sempre a iniciativa, a fazer fé em tudo quanto ele escreve, o Sul não dá parança. Em Novembro, é por de mais evidente que o PAIGC controla as ilhas de Como, Cair e Catunco. A resposta é a operação Tridente em que o DFE 2 participa. O DFE 9 chega em finais de Fevereiro.
Tudo se agrava no rio Corubal, as embarcações são constantemente alvo de emboscadas, atacam navegação na Ponta do Inglês, e mesmo no canal do Geba. Volta-se à península de Gampará, vão com o apoio de forças terrestres, conclui-se que o inimigo não estava até então implantado no terreno. E depois atacam Cafal Balanta, Cafal Nalu e Santa Clara, há fogo do inimigo que só deixa de reagir quando chegam os T6. E no mês de Junho acabou a guerra para o DFE 2. Volta à metrópole, à Escola de Fuzileiros, é convidado para dar instrução. Em Outubro de 1965, lá vai Manuel Pires da Silva no DFE 13 a caminho de Luanda. Toda a gente o trata por Homem Ferro, ele não quebra nem desfalece, resiste a qualquer tormenta é quase metal rijo. Quando regressa e se apresenta na Escola de Fuzileiros, depois de pensar duas vezes, frequenta o curso de sargentos, aí o temos na segunda comissão na Guiné, em Fevereiro de 1969. Simpatiza com a novidade trazida por Spínola, o novo dispositivo da organização territorial do exército tem a finalidade de melhorar o controlo das forças de maior atividade. Agora faz escoltas, temos aqui um extenso relatório de idas e vindas a Bedanda, rios Cobade e Cumbijã, Catió, leva presos ao Tarrafal, depois faz uma estadia em Ganturé, participam em reconhecimentos na zona de Sambuia. É numa dessas operações que desertam três marinheiros, foram de armas e bagagens para o Senegal. “Passados cerca de 15 dias, os três desaparecidos enviam duas ou três fotos da Holanda, dizendo ao pessoal que para eles tudo corria às mil maravilhas. O Homem Ferro voltaria a encontrar o Alfaiate em Bissau, tempos depois. Tinha-se apresentado voluntariamente, arrependido, e andava, com todo o secretismo, envolvido na preparação da operação Mar Verde. Chegariam mais tarde notícias de que ele se tinha enforcado devido à pressão que a DGS vinha exercendo sobre ele, a mesma DGS que, de acordo com uma outra notícia, teria liquidado o Pinto. Dos três apenas ficou o Santieiro, com quem o Homem Ferro gostaria de falar, caso esteja ainda vivo”.
“Homem Ferro, Memórias de um combatente”, por Manuel Pires da Silva, edição de autor, Maio de 2008, é uma agradável surpresa que comprova que os livros de memórias nunca devem ser esquecidos pelos historiadores.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11502: Notas de leitura (476): Triângulo Nublado, de J. Loufar (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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