quarta-feira, 17 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11851: Notas de leitura (501): "Guineidade e Africanidade", por Leopoldo Amado - uma outra leitura (1) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 15 de Julho de 2013:

Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
O nosso comum amigo Mário Beja Santos - no meu caso amigo de há quase 50 anos! - elaborou uma recensão, em duas partes, ao excelente livro do nosso confrade Leopoldo Amado, "Guineidade e Africanidade" (ver aqui e aqui).
Decidi de algum modo completar essa recensão com uma análise minha, sublinhando outros aspectos não focados pelo Mário, mas que se me afiguram igualmente relevantes. Porém, concentro-me mais na Guiné-Bissau contemporânea e nas imensas dificuldades de construção do país sobre o qual se colocam inúmeros pontos de interrogação e que, seguramente, não se dissiparão tão cedo.
A temática da guerra e da literatura da guerra também me interessa, como é óbvio - ou não tivesse por lá andado por lalas e bolanhas, quer no chão mancanha, quer nas matas do Morés - mas neste momento, entendo que a temática da construção ou se se quiser da própria "criação" do país é um assunto das maiores importância e actualidade e, neste particular, as tarefas são ciclópicas, porque, na prática, falta tudo ou quase tudo para se atingir a meta.
À semelhança do Mário divido também o meu texto em duas partes.

Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infª. C.Caç. 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)


"Guineidade e Africanidade"

A minha leitura do livro de estudos, crónicas, ensaios e outros textos de Leopoldo Amado [foto à direita], sob o rótulo abrangente, algo enigmático e ambicioso de “Guineidade e Africanidade”, cobrindo um vastíssimo período histórico, desde a literatura colonial até aos nossos dias, incidiu mais nos aspectos contemporâneos da sociedade bissau-guineense e menos nos factores históricos, designadamente nos relativos à guerra colonial/luta de libertação nacional, uma vez que se trata de um tema amplamente glosado por inúmeros autores e incontornável quando nos referimos ao nascimento conturbado e sangrento da Guiné-Bissau, com repercussões em todo o então espaço colonial português e, antes do mais, no próprio Portugal, como se sabe. Li, evidentemente, e com as maiores atenção e interesse toda a obra, mas dado que o meu colega e amigo, Mário Beja Santos, abordou na sua recensão desta colectânea de escritos de Leopoldo Amado o tema em apreço, limitar-me-ei a fazer apenas duas ou três referências de passagem à temática da chamada “guerra de África”.

O trabalho a que se propõe o autor consiste, no fundo, num exercício de reflexão em que nos apresenta escritos de natureza muito diversa em momentos também muito diferentes da sua vida e da vida do seu país e com estados de espírito igualmente variáveis. Podemos dizer que há de tudo um pouco desde a crónica ao ensaio, passando pelo relato de pendor jornalístico, pela análise política profunda ou pela emissão de opiniões sobre determinados eventos. Neste labor intelectual de indubitável mérito, o autor procura sempre ser rigoroso e objetivo, mas, como dizia, não deixa de exprimir em vários dos seus textos estados de alma e opiniões, digamos, musculadas sobre personalidades e acontecimentos no seu país de origem.

Começo por referir dois aspectos que me suscitaram em particular a minha atenção e sobre os quais vou, desde logo, exprimir juízos críticos (construtivos, obviamente), mas que se me afigura deverem ser devidamente aferidos pelo autor: em primeiro lugar, não há nenhum texto em que se defina com clareza os conceitos de guineidade e africanidade – estas questões poderão ser despiciendas para os bissau-guineenses, para os africanos cultos em geral ou para os estrangeiros (não africanos, entenda-se) interessados e familiarizados com estas matérias, mas não o são, seguramente para o público em geral; em segundo lugar, os textos relativos ao século XXI – alguns são peças do maior interesse – param de uma forma algo abrupta em 2008 e nós sabemos que, mês após mês, para não dizer dia após dia, os acontecimentos se sucedem incessantemente a um ritmo por vezes galopante e cujo fluxo, como se sabe, altera a vida política, económica e social da Guiné-Bissau. Estes são os meus reparos principais. Assim, a meu ver, seria importante, como nota introdutória, uma clara definição conceptual da temática que o autor se propõe tratar e em que termos o vai fazer e, por outro lado, são necessários esclarecimentos sobre a evolução mais recente da Guiné-Bissau, mesmo que assumam a forma de meros relatos jornalísticos, opiniões conjunturais ou incluso de apontamentos pessoais.

Estas questões são tanto mais importantes quanto sabemos que nos dias que correm e mercê do fluir vertiginoso dos acontecimentos o país está em constante e acelerada mutação.

Não vamos entrar no debate académico sobre a tipologia do Estado da Guiné-Bissau que interessa sobretudo a especialistas, mas que tem ampla repercussão na opinião pública, na medida em que as conclusões são via de regra muito polémicas e provocam as mais vivas reacções emotivas, em especial por parte dos visados, ou seja por parte dos cidadãos dos Estados classificados. Nesta matéria, vou ser muito claro, não só concordo parcialmente com o que refere Leopoldo Amado – que considera em vários dos seus textos que, não está em causa somente o processo democrático... mas a própria sobrevivência do país; qualifica a Guiné-Bissau como um Estado refém de si próprio, (p. 61); um Estado falhado (p. 143) e inclusive propõe a assunção pelas Nações Unidas de uma administração transitória do país (o que na prática significa a suspensão pura e simples da soberania – p. 146), admite que “o Estado faliu quase completamente e, mesmo que assim não fosse, ainda não deu mostras de possuir nem ideias e nem vontade política de ir fazendo alguma coisa com recursos próprios” (p. 277) vou porém mais longe numa asserção que espero clara e que, aliás, consta do meu livro recentemente publicado: “A Guiné-Bissau pode formalmente ser considerada um Estado, com bandeira e hino próprios, com fronteiras reconhecidas internacionalmente, com instituições que pretensamente funcionam (ou não) e com assento na ONU, todavia não se me afigura que estejamos perante um Estado, na verdadeira acepção e dignidade intrínseca da palavra. Deparamos, antes, com uma “entidade caótica ingovernável” - na formulação de Oswaldo de Rivero (Vd. "Crónicas dos (des)feitos da Guiné”, p. 521) Compreendo, pois, muito bem os gritos de alma de Leopoldo Amado e como amigo da Guiné-Bissau sinto-me no direito de não só corroborar as opiniões expressas, mas também de exprimir os meus sentimentos sobre a matéria.

São importantes as fortes denúncias do autor às propostas alterações à lei da nacionalidade, no Verão de 1999, uma vez terminada a guerra civil, ou seja a chamada regra dos dois avós guineenses para a assunção de altos cargos do Estado que L. Amado polemiza com abundância de argumentos qualificando-a de racista e tribalista. Com efeito, nos termos desta lei, Amílcar Cabral, se fosse vivo, não poderia de jure candidatar-se à chefia do Estado, atenta a sua ascendência cabo-verdiana, o que é significativo.

Considero interessante a adjectivação e/ou qualificação que o autor faz de certas personalidades, instituições e acontecimentos da vida bissau-guineense: por exemplo, o regime de Nino Vieira é qualificado de “despótico” (p. 30); a “cultura da matchundade” (ou seja, os “matchos” que se afirmam pela razão da força e não pela força da razão – p. 62); o “administrativo – colonial-sanguinário Honório Barreto” (p. 35), um tanto contraditoriamente com outras referências menos abonatórias constantes da obra, “Nino” Vieira acaba por ser definido em termos encomiásticos como militar e como político, sem embargo de se lhe apontar defeitos na gestão do Estado e de ter cometido erros políticos graves (pp. 141 a 143); o PAIGC é definido, quando da ascensão à independência como “partido único de matriz revolucionária anticapitalista e autocrático” (p. 169); o consulado do PRS de Kumba Ialá, na sequência das eleições de 1999, para o autor “reforçou a tendência de definhamento do papel do Estado” (p. 176), o controverso Rafael Barbosa – ex-líder do PAIGC, que terá aderido ao ideário spinolista, ao tempo da guerra - é considerado por Leopoldo Amado um “extraordinário nacionalista” (p.255)

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11841: Notas de leitura (500): "As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11850: Efemérides (135): No dia 13 de Julho de 2013, a Senhora da Hora homenageou os seus combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Vinhal)


(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)


1. No passado sábado, dia 13 de Julho de 2013, na Senhora da Hora, Concelho de Matosinhos, foi prestada homenagem aos Combatentes do Ultramar, naturais da freguesia, caídos em campanha, aos que entretanto faleceram e aos que ainda vivos lutam pelo direito ao reconhecimento do sacrifício exigido pela Pátria num dos períodos mais complicados da sua HistóriaPara o efeito foi descerrada uma lápide colocada numa das rotunda da cidade, a que foi dado o nome de Rotunda do Combatente.

O programa começou pelas 11h45 com o hastear da Bandeira Nacional no Edifício da Junta de Freguesia da Senhora da Hora.
(Foto enviada ao Blogue pela Liga dos Combatentes)

Seguidamente os presentes deslocaram-se para a confluência das Ruas do Sobreiro, Estação Velha e 4 Caminhos, onde foi construída recentemente um rotunda, agora designada como Rotunda do Combatente.

Ao acto assistiram largas dezenas de pessoas que contou também com a presença das autoridades civis e militares representativas do Concelho: Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Guilherme Pinto; Presidente da Junta de Freguesia da Senhora da Hora, senhor Valentim Campos; Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, TCor Armando Costa e CMDT Vítor Manuel Martins dos Santos, Comandante da Zona Marítima do Norte. Entre a assistência destacavam-se os ex-combatentes, alguns deles ostentando a sua boina.

Primeiro momento, o da Bênção do Memorial, a cargo do Senhor Padre Amaro Gonçalo.
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)

Momento em que foi de depositada uma coroa de flores na base do Memorial, a cargo do senhor Major Art.ª Ref Simões Duarte, ex-combatente da Guiné.
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)

Sentida homenagem aos nossos camaradas senhorenses que não voltaram, com o Toque aos Mortos, executado pelo Terno de Clarins presente.
(Foto enviada ao Blogue pela Liga dos Combatentes)

O ex-combatente José Augusto, que na Senhora da Hora muito tem lutado em favor dos seus camaradas, declamou dois poemas, um deles, o conhecido "O Menino de sua Mãe" de Fernando Pessoa. 
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)

Porventura o momento mais tocante da cerimónia foi proporcionado pelo nosso camarada e tertuliano do Blogue, Fernando Santos, que leu o poema de sua autoria, "Desespero".
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)

Com a devida vénia à Tv Senhora da Hora

O senhor TCor Armando Costa, Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes no uso da palavra.
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)

O Presidente da Junta de Freguesia da Senhora da Hora, senhor Valentim Campos falando aos presentes
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)

De acordo com a ordem protocolar, encerrou as alocuções o senhor Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Guilherme Pinto.
(Foto: José Fernando Santos Ribeiro)

O programa foi encerrado com a actuação do Grupo Coral da Senhora da Hora que interpretou o Hino Nacional, acompanhado pelo público que emoldurava a rotunda.
Bonito de ver a Bandeira Portuguesa que se manteve naquela janela durante todo o cerimonial
(Foto: Tv Senhora da Hora, com a devida vénia)


Duas perspectivas da Rotunda do Combatente com os assistentes em seu redor
Fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11782: Efemérides (134): Monumento aos Combatentes do Ultramar em Olhão, foi inaugurado no passado dia 16 de Junho (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)


1. Com data de 15 de junho último, aqui vai uma mensagem do J. Pardete Ferreira, em complemento de uma outra já  aqui publicada,  na véspera (*):

Obrigado,  caro Luís Graça,

Provavelmente o erro foi meu mas a instrução no HMP era de 6 semanas e não de 6 meses [, como por lapso informei,], englobando ainda algumas idas ao HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas), perto da Ajuda.

Ao que eu informei,  devo acrescentar sobre os "reinspeccionados", médicos que estavam isentos de Serviço Militar ou que já tinham uma certa idade: a sua  recruta era mais "soft" e era feita na EPC [, Escola Prática de Cavalaria,] em Santarém;  iam preferencialmente para os Hospitais, havendo, igualmente, quem integrasse os Batalhões.
Respondo agora ao teu questionário:

1 - Já me pronunciei e hoje mandei um Post-Scriptum.

2 - a) No meu Batalhão, três médicos. No barco (2 Batalhões) 6 médicos + dois de rendição individual, para o HM 241.

b) Eu saí logo do meu Batalhão e segui para o CAOP1, outro foi para Aldeia Formosa e mais tarde para o HM 241 e foi substituído por outro colega.

c) No meu Batalhão, Madureira, Morais Sarmento e Pardete Ferreira. O substituto foi o Bigote e eu fui substituir o Bessa, juntando-me ao Fernando Maymone Martins. Quem me substitui no CAOP1 foi o Gouveia.

d) Eu precisei de Consultas de ORL, por causa do meu Clesteatoma, de Medicina Interna e de Fisioterapia, porque me "lembrei" de fazer uma neuropraxia do radial direito. Estando em Bissau e não podendo operar, andei a prestar assistência às Unidades do exército sediadas em Bissau.

e) Nunca estive internado, mas na sede do CAOP1  havia enfermaria.

f) Respondida em e).

g) Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, um Militar e uma civil atropelada por um Jeep Militar e um avião Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, vindo de Moçambique, que já tinha tido duas ou três avarias. As camas e os lugares eram de lona, e eram quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de "fósforo". Duas Enfermeiras Pára-quedistas vieram também: a Maria Arminda, que já vinha de Moçambique, e a Aura Teles que entrou em Bissau.

Acrescento que em Cacheu, detectei uma cardiopatia num Cabo Maqueiro que evacuei para Bissau e depois foi evacuado pela Metrópole e que a Junta considerou inapto para o Serviço Militar... e os colegas dele diziam que não podia estar doente porque era o mais "operacional" de todos...

f) Em Teixeira Pinto havia um Hospital Civil e uma Maternidade à nossa guarda. No Cacheu os civis eram vistos pelo  médico militar mas num Posto separado. Em Csió, no Bachile e em Jeta e em plena picada na desmatação, era tudo junto. Era o médico militar quem tratava de praticamente toda a População Civil.

Sempre pronto a recordar embora já com 42 a 44 anos passados sobre os acontecimentos.... envio-te um grande abraço, extensivo a todos os Combatentes e, particularmente aos Tabanqueiros (*).

Pardete Ferreira

PS - A 1 de Julho, tivemos, aqui em Setúbal o 16º emncontro da Malta do HM 241 (63 presentes, alguns acompanhados de familiares. A 30 de Julho estarei nas Comemorações do 26º Aniversário da Associação de Pára-quedistas de Setúbal, que vai ser Condecorada pela Câmara Municipal. E já que estamos a falar em Condecorações, a semana passada a minha mulher foi Condecorada pelo Governo Francês com o grau de "Chevalier de l'Ordre des Palmes Académiques".

2. Outra mensagem do J. OPardete Ferreira, com data de 18 de junho último:

É natural que no início da Guerra houvesse um Médico por Companhia mas os recursos em médicos foram-se esgotando. Assim, no meu tempo, iam três por Batalhão e já se recorria aos "reinspeccionados". 

Os médicos chegaram a ser mobilizados com 53 anos de idade, como o Falecido Dr. Rui de Brito, Cardiologista no Porto e o Dr. Botelho e Melo, Oftalmologista em Ponta Delgada. 

É verdade, igualmente, que, não existindo especialistas em número suficiente, fossem chamados para o desempenho destas, médicos com grau mais avançado na carreira médica ou até por conhecimento ou prémio no final da comissão. Naturalmente estes factos implicavam rotação e distribuição pois havia a pretensão de não existirem zonas muito desprotegidas. O Antero da Palma Nunes, Oftalmologista em Faro, por exemplo, foi Médico de Batalhão, foi Médico da equipa itinerante de Estomatologia e Oftalmologista do HM 241.

Alfa Bravo
José Pardete Ferreira
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11704: Os nossos médicos (47): Qual era a dotação médica de um batalhão ? Três médicos por batalhão, diz-nos o ex-alf mil méd J. Pardete Ferreira (CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71)


(...) Questões:

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?

(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...

Guiné 63/74 - P11848: Parabéns a você (603): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492 (Guiné, 1971/74) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11834: Parabéns a você (602): António Tavares, ex- Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11847: Bom ou mau tempo na bolanha (19): O 1.º Cabo Fialho da CCAÇ 616 (Tony Borié)

Décimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Mais um companheiro combatente, incorporado no exército de Portugal, no ano de 1963, que andou por lá, nas bolanhas e savanas da Guiné, diz ele que aquilo, era só rios e pântanos!

Aquela cara não me era estranha, sempre que com ele me cruzava, via nele algo de combatente. Notava aqueles sintomas que não enganam, alguma alegria, sofrimento, um certo controle nas palavras e, quando por acaso lhe disse que havia passado pela Guiné, ele explica com um certo entusiasmo, todas aquelas coisas que nós combatentes dizemos quando recordamos a nossa passagem por lá, e o nosso envolvimento naquele horroroso conflito.

Depois de regressar da Guiné, esteve 7 anos em Inglaterra, trocou este país pelos USA, onde esteve nos estados da Califórnia, Nova Iorque, Nova Jersey e finalmente, fugindo à neve e ao frio, já aposentado, veio viver no sol da Florida.

O seu nome é Amílcar Vitorino Branco Fialho, diz que é o “1.º Cabo Fialho” da Companhia de Caçadores 616, e até gostava de saber se alguém que pertenceu à sua Companhia ainda se lembra dele, e se for vivo e ler este texto, que diga alô.
Nasceu em Rio Maior, onde cresceu, depois de incorporado no exército, tirou a recruta no RI 5 nas Caldas da Rainha, a especialidade no RI 1, na Amadora, e tal como todos nós, depois de mobilizado para defender Portugal, embarcou em Lisboa, no porão do navio “Quanza”, no Cais de Alcântara, e uma semana depois já pisava terra vermelha da Guiné.

Conta com um certo orgulho nas palavras, que esteve estacionado em Bissau por um período de três meses, fazendo patrulhas e segurança à “Jangada”, que circulava no rio Mansoa, levando material de guerra e militares, que entretanto se iam instalando no norte da província.

Passado este período de ambientação, viajou em lanchas LDM para a povoação de Empada, cujas instalações na altura já se encontravam completas, estando estrategicamente localizadas no meio da população, portanto com aldeias de casas cobertas de colmo, tanto de um lado como do outro. Aqui encontrou outra companhia de naturais, a que chamavam “milícias”, e que sempre operaram em colaboração, onde as patrulhas de reconhecimento eram o seu dia a dia, sofrendo emboscadas, com alguns feridos, que eram evacuados de helicóptero para o hospital de Bissau. Foram progredindo e conseguiram construir um “posto avançado”, a alguns quilómetros de distância, era na margem de um rio, não se recorda do nome, ficou lá um pelotão da sua companhia, juntamente com um pelotão de “milícias”, que eram abastecidos por uma coluna auto, que os visitava frequentemente, mas ficavam lá estacionados por um período de um mês, altura em que outro pelotão os ia substituir.



Lembra-se que do lado de lá do rio, eram as “casas mato” dos guerrilheiros, e que quando havia tiroteio, pelo menos à noite, era como se fosse “fogo de artifício”.

Diz também que a comida era do melhor, além das rolas, pombos verdes e galinhas, que caçava, havia muitas vacas abandonadas nas pastagens, pois os seus donos fugiam a refugiar-se, não sabiam onde, e eles nas patrulhas, traziam as que precisavam. Além de tudo isto, os naturais colaboravam e os militares compravam-lhes: peixe, carne, vegetais e alguma fruta.

Também esteve por um pequeno período de tempo na povoação de Catió, onde encontrou pessoal de Rio Maior, lembra-se do seu grande amigo, o Zé de Alfruzemel, pois juntos cozinhavam grandes “patuscadas” para todo o pessoal. Nunca mais lhe saíram do seu pensamento os chuveiros do aquartelamento em Empada, que traziam água quente a cheirar a enxofre, e “encarnada”!.

De uma vez andaram trinta quilómetros de noite, carregados, chegando pela manhã, em auxílio de um batalhão que estava em dificuldades. Os guerrilheiros quando souberam que estavam a chegar os militares da companhia de Empada, fugiram, pois os caçadores da Companhia 616, já eram famosos.

Se lhe dessem oportunidade, o “1.º cabo Fialho” nunca terminava de lembrar a Guiné. Disse que sofreu a valer com um ataque de abelhas que os “fdp”, dos guerrilheiros lhes prepararam uma vez numa emboscada, e de outra vez, aproximando-se de uma aldeia com “casas mato”, um guerrilheiro que estava de vigia em cima de uma árvore, vendo os militares da companhia de caçadores 616, a tal que era famosa, desceu da árvore e atrapalhado, mandou uma granada que bateu numa árvore, fez ricochete, matando-o assim como mais uns tantos.
E termina dizendo:
- Porra, que sorte!

Regressou a Portugal, à mãe Pátria, em Fevereiro de 1966.

Tony Borie,
Julho de 2013


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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11819: Bom ou mau tempo na bolanha (18): Aqueles olhos azuis! (Toni Borié)

Guimé 63/64 - P11846: Filhos do vento (16): Os filhos que os soldados portugueses deixaram para trás, em Fajonquito: Cadija Seidi, 39 anos, Kumba Seidi, 39 anos, Ivo da Silva Correia, 38 anos... Ainda com a esperança de um reencontro com os seus progenitores... Sonhos e desilusões (Cherno Baldé)




(1) Cadija Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá.


Filha de Egue Seidi, conhecida no meio da tropa por Espanhola, nasceu em Fajonquito em 1974, o pai, soldado portugues da Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, que esteve sediada em Fajonquito de Maio 1972 a Junho de 1974. 

Não tem informação certa, a mãe nunca lhes falou dos pais portugueses, mais tarde por volta dos anos 80 sentiu necessidade de saber a verdade e procurou informar-se junto de antigos soldados que tinham servido o exército portugues, falaram-lhe de dois nomes provaveis (D... ou P...).

(2) Kumba Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá. 


Ela [, a Cadija,] é irmã mais nova de uma outra, Kumba, também ela, filha de um soldado português, da mesma companhia ou da anterior, a Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo, que esteve sediada em Fajonquito entre 1970-1972.

Recentemente (2010?),  dois homens brancos visitaram Fajonquito na companhia de um Guineense, sabe-se que eram portugueses, mas ninguem conseguiu saber de onde vinham nem o que queriam, no entanto visitaram o local onde antigamente se situava a morança da mãe, a bela e irreverente Egue, vulgo Espanhola. Seriam os pais ou o pai de uma delas?

Não estão desesperadas na vida, mas gostariam de conhecer os seus progenitores. 



 (3) Ivo da Silva Correia, 38 anos, natural de Fajonquito

Filho de Sona Baldé,  conhecida entre os soldados por Sonia,  filha de Sadjo Balde, antigo cozinheiro da tropa, nasceu em Fajonquito em 1975. O pai, de nome  C...,  não chegou a conhecer o filho, com o fim da comissão a Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, deixou Fajonquito em Junho de 1974, o pai nunca mais deu sinais de vida.

Não está desesperado da vida, simplesmente gostaria de conhecer a cara do pai, pois dizem que são muito parecidos. A única referência que tinha do pai era uma fotografia que entretanto se deteriorou com o tempo.

Texto e fotos: © Cherno Baldé (2013). Todos os direitos reservados

1. Duas mensagens de hoje  de Cherno Baldé 

[, foto à esquerda, em Kichinev, Moldávia, ex-URSS, Dezembro de 1985, quando estudante]:


(i) Caro amigo Luis,

Concordo com a tua sugestão de dar nacionalidade a todos os «filhos de vento» ou «filhos de cabeças de vento« bem como os vossos antigos camaradas de armas [, guineenses,]  que assim o queiram.

Pode-se emendar a história, sim senhora, se houver carácter e boa vontade.

Junto envio  fotos de filhos de portugueses, meus irmãos que, na sequência da visita da jornalista, Catarina Gomes, solicitaram-me fazer publicar suas fotos e o desejo longamente acalentado de um dia conhecer os pais ou seus familiares.

Com o reconhecimento de sempre,

Um abraço amigo.

PS. Vi o poste sobre os "filhos de vento", podem fazer a leitura que entenderem da minha opinião, o problema é que nós,  africanos,  nunca fugimos nem nos escondemos dos nossos familiares. Para um africano a família é a melhor coisa que um ser humano pode ter na vida.

Os pais que estão a tentar proteger não protegeram nem sequer se preocuparam com as consequências dos seus actos. Não sabia que havia leis que protegiam aos infractores.

(ii) A Catarina [Gomes, jornalista do Publico,] pediu-me que enviasse para ela informações de pessoas que tenham dados concretos sobre os seus pais e que queiram encontrá-los. Acontece que são poucos os filhos que foram deixados com dados concretos e em muitos casos ou se deterioraram ou se extraviaram com o tempo. Infelizmente ainda nao tenho o seu email, para o fazer directamente, pelo que agradecia encaminhar a primeira mensagem com as fotos. 

Muito obrigado e um abraço,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P11845: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (9): Uma visita ao cais do Pidjiguiti e à baixa de Bissau da nossa tristeza, enquanto o Franscisco Silva operava na clínica de Bor uma menina que esperava este milagre há mais de um ano


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > "Um barco [canoa nhominca] que nos faz lembrar o venerando Cherno Rachid"... O barco maior é de transporte de mercadorias (o único existente na Guiné-Bissau, estava na sucata,  foi recuperado pelo estaleiros locais que, no tempo do colonialismo, eram considerados os melhores da África Ocidental, trabalhando inclusive para a Marinha de guerra portuguesa; este barco, oferta dos holandeses no pós.independência, agirarecuoerado, foi vedeta de uma recente reportagem da RTP, em um documentário, intitulado "A Campanha do Caju", do jornalista Paulo Costa, integralmente gravado na Guiné-Bissau).



Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti >  Monumento aos "Mártires do 3 d Agosto de 19590. Homenagem do Povo da Guiné e Cabo Verde"... Ao abandono, uma dor de alma!


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (1)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (2)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (3)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > O Palácio Presidencial  >  "Renascido das cinzas" (, graças à ajuda da cooperação chinesa, dizem...).


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (1)


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (2)


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (3)


  Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau:  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (4)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte IX

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)... É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7  foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica de hoje, a nº 9, corresponde aos dias 6 e 7 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano!


Parte IX >  A cidade de Bissau da nossa tristeza...

Para o dia 6 de Maio [, 2ª feira,]  tínhamos programado uma viagem até Jumbembem, passando por Mansoa, Mansabá e Farim, porém, atendendo a um apelo da irmã Irina da Maternidade do Hospital de Cumura, o Francisco acedeu a operar uma criança que estava há cerca de um ano com uma perna fraturada.

Médico Ortopedista na Guiné, só um milagre de Deus, desabafou a simpática irmã, o que de algum modo complicou os planos de viagem.

Nesta manhã, o Francisco Silva foi ao Hospital de Cumura ver a criança e estudar a forma de a operar. Seguidamente foi reunir com o médico Diretor da Clinica Pediátrica de Bor para pedir autorização para operar neste hospital a criancinha, pois que em Cumura não encontrou as condições mínimas por falta de equipamento. Na realidade se não há médicos ortopedistas para operar, não se justifica que haja equipamento. Felizmente em Bor há o mínimo indispensável e lá se programou para o dia seguinte a operação .

Este hospital [da Cumura] foi criado pelos Franciscanos para combater a lepra nos anos 50 do século passado. Posteriormente especializou-se em doenças infeciosas como a tuberculose e o HIV/SIDA. Não tendo condições para se proceder à operação,  apelou-se ao Hospital Pediátrico de Bor, que acolheu da melhor vontade a solicitação abrindo as portas da sala de operações para que o nosso médico de visita e em férias pudesse proceder à operação e recuperar o bem estar da criança.

Os restantes companheiros de aventura ficaram pelo Bairro de Quélélé a descansar um pouco aguardando o regresso do nosso médico para almoçarmos e seguir até Jumbembém, tabanca onde o Francisco passou parte do seu tempo de Comissão.

Acabamos por ir almoçar ao Arco-Íris e com a chegada do Francisco Silva fizemo-nos á estrada na esperança de conseguirmos chegar a Jumbembém. A estrada até Mansoa foi fácil de transpor, mas a partir desta cidade, todo se complicou com a estrada em construção.

O tempo gastado na estrada, numa viagem iniciada tardiamente, impediu que chegássemos a Jumbembém, por falta de garantia de chegarmos a tempo de apanhar a última lancha de passagem no Rio Cacheu,  em Farim.

Chegamos até Farim atravessando o rio Cacheu de canoa. Demos uma volta pela cidade numa daquelas tardes quentes em que só apetece estar sentado à sombra de um mangueiro e regressamos à estrada depois de nova travessia do rio na casca de noz. 

Como todas as cidades da Guiné-Bissau, a de Farim está uma lástima. Ruas esburacadas, prédios degradados e lixo por todo o lado. Resta-nos um povo, também aqui, alegre, comunicativo, onde o Português é recebido como povo irmão. 

Aqui ou ali há sempre um ex-combatente, não importa de que lado da contenda. A sua preocupação é saber por onde andamos na nossa passagem pela guerra, em busca de um ponto de referência que conduza a uma conversa, à recordação de emoções antigas que continuam bem presentes na memória, abafadas pelo tempo e talvez pelo medo.

No dia seguinte, pelo cedinho, lá seguiu o nosso médico para o Hospital Pediátrico de Bor, onde a criança já devia estar devidamente preparada para ser submetida à operação.

O tempo parece que voa. Ainda há dias chegamos e já estamos a sete de maio.

O resto do grupo procurou aproveitar bem este dia. Foi até à Baixa de Bissau apreciar a azáfama da vida do povo guineense na sua cidade Capital. Depois de uma visita a Catedral de Bissau,  descemos até ao Cais do Pjiguiti, onde decorria uma feira ou é um mercado diário, não sei bem. Peixe, legumes, fruta e bugigangas, tudo a monte com lixo que baste à mistura. 

O cheiro das águas fétidas das margens do Rio Geba, onde se despeja todo o tipo de detritos ao qual se junta os que a mar arrasta nas marés, a ainda o estado de degradação das ruas e das casas ao estilo colonial, transforma todo aquele espaço e redondezas num lugar do qual apetece fugir. 

A avenida principal e o cais são,  para nós e todos os que visitam a Guiné-Bissau, o centro da idcade, pela história que incarnam, pela arte e cultura que transmitem o espelho da cidade e até de um povo. Mereciam, por essas razões e muitas mais, serem tratados com outro carinho e mais cuidados por parte das autoridades e do próprio povo, sobretudo no campo da limpeza e ordenamento.

Que saudades do tempo em que se vinha até ao Pjiguiti, na esperança de encontrar ou avistar ao longe o barco que nos iria transportar de volta à nossa terra. Ou, sentados no Pelicano a saborear umas cervejas sempre acompanhadas de um pratinho de marisco.

Internamo-nos pelo interior de Bissau para apreciar a arte na construção tipo colonial. Habitações lindas, ruas bem ordenadas, mas tudo tão degradado que mete dó. Não há tinta ou dinheiro para a comprar e pintar as paredes, ou incúria por parte de quem lá mora, porque talvez não sinta o espaço como seu. Muito pó e montes de lixo pelos cantos, fonte de mosquitos, melgas e doenças num povo já em si de saúde frágil devido às circunstâncias da vida.

Ao princípio da tarde chegou o nosso doutor, depois de uma manhã de trabalho em Bor que decorreu a contento, apesar da falta de equipamento. Vinha feliz e confiante que a criança ia recuperar bem. Vinha feliz por ter feito equipa com um médico guineense dedicado, conhecedor e prático, num hospital moderno, bem apetrechado e bem dirigido por uma comunidade franciscana de origem italiana.

Após o almoço, partimos de novo a caminho do norte, tendo como Varela, o nosso destino.

José Teixeira

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11805: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (8): Um casamento fula no Xitole... Ou a tradição que já não é o que era no nosso tempo...

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Guiné 63/74 – P11844: Filhos do vento (15): Na sequência da reportagem de Catarina Gomes no jornal Público (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


Na sequência da reportagem de Catarina Gomes no jornal  Público


Nós, antigos tugas

Num ofuscante regresso a uma comissão militar que desembocou na Guiné, tive, tal como já antes anunciei, a felicidade de viver efusivamente o 25 de abril, Revolução dos Cravos, que proporcionou o nosso regresso à pátria mãe antecipado, deixando para trás a Guiné, uma nação que então se afirmava como país independente.

Nos muitos comentários que tenho colocado no blogue, dois mexeram, de facto, com a minha perspicaz sensibilidade, dado que o conteúdo narrado focavam temáticas sensíveis que mexem, no fundo, com a nossa presença em território guineense.

Uma guerra que deixou marcas no tempo, sendo o subtítulo “Filhos do Vento” e Sexo em tempo de guerra – Tabu? – terão sido duas opiniões, na primeira pessoa, que fizeram correr muita tinta e originado as mais diversas conversas entre camaradas que partilharam situações parecidas ou idênticas.

A perplexidade do ambiente de guerra ditava aventuras, talvez inimagináveis, mas propícias a situações, algumas ardentes, onde o calor da idade se sobrepunha a eventuais momentos de delírio sexual, recusando, perentoriamente, o fazedor das potenciais adversidades as consequências seguintes.

Recusei, e recuso, debruçar-me sobre as inquestionáveis realidades de militares entregues à solidão que, a espaços, praticavam relações sexuais não meditando de pronto em pressupostas conclusões futuras. Tudo, aparentemente, se afigurava como normal. Ninguém, em meu entender, fazia projetos futuros com a jovem bajuda que entretanto havia saciado os nossos desejos meramente carnais.

E foi partindo desse tremendo desafio que lancei o tema para o nosso blogue, admitindo, porém, que a temática exposta obedece, obviamente, a uma conversação séria e sobretudo extensiva aos camaradas que tenha uma opinião formada sobre a questão de “os filhos que os militares portugueses deixaram para trás”, como refere agora, 14 de julho, o jornal Público.

Catarina Gomes, jornalista, pegou no tema “filhos do vento”, um desígnio da minha responsabilidade, e tentou percorrer o trilho desses outrora jovens, hoje gentes na casa dos 40 anos, trazendo até nós opiniões reais de crianças que cresceram desmesuradamente num tempo sem tempo, procurando sempre desmistificar a sua verdadeira identidade.

A mãe, senhora de bem, guardava no seu íntimo um segredo que se protelou em épocas sucessivas, “engasgando-se” quando confrontada com a perspicaz pergunta da criança que, ansiosamente, suplicava uma resposta incisiva sobre a originalidade do seu verdadeiro pai.

No clã familiar existiram, e existem, desavenças sobre crianças tuteladas como “brancas ou brancos”, existindo logo uma separação de poderes naquilo que se entende como divisão de mandatos no seio familiar. Sobreviveram, é certo, mas na sua alma permanecerá a incerteza de encontrar um pai que ao longo das suas vidas lhes foi escondido.

A reportagem, na minha ótica, merece rasgados elogios e os meus sinceros parabéns à jornalista Catarina Gomes pela frontalidade como aceitou mexer num tema inseguro e que toca a nós, antigos tucas.

Nota de rodapé da respetiva reportagem: “Na sequência desta reportagem, o PÚBLICO criou uma página especial na Internet – publico.pt/filhos-do-vento – que reúne dados individuais de guineenses que andam à procura do pai português. O debate sobre este tema continua online. Informações relevantes podem ser enviadas para filhosdovento@publico.pt."

Um abraço, camaradas
José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

15 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11840: Filhos do vento (14): Nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu…(Paulo Salgado) 

Guiné 63/74 - P11843: Os nossos médicos (65): Fui uma vez ao HM 241, em Bissau, por problemas com os dentes, mas a experiência foi negativa, o dentista era bom para arrancar dentes a elefantes... (Alcides Silva, CCS / BART 1913, Catió, 1967/69)

1. Resposta de Alcides Silva  (ex-1.º Cabo Estofador, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69), ao questionário sobre os nossos médicos (*)

a) Quantos médicos seguiram com o teu batalhão, no barco ?

 R- No nosso  Batalhão, o BART 1913 (Catió, 1967/69) seguiram  2 médicos.

(b) Quantos médicos é que o teu batalhão teve e por quanto tempo ? 

 R- Um ficou na sede do Batalhão, em Catió,  o outro creio que andou pelas companhias operacionais que estavam em outras zonas

(c) Lembras-te  dos nomes de alguns ? E lembras-te se já eram especialistas na vida civil ? Lembras-te da idade ? 

R- Quanto à idade, creio que teriam já cerca de 40 anos se a memória não me atraiçoa. Um deles chamava-se Montenegro, creio que trabalhava no Hospital de Santo António no Porto, cheguei a cruzar-me  algumas vezes com ele na rua.

(d) Precisaste alguma vez de alguma consulta médica ? 

R- Sim precisei algumas vezes (poucas).

(e) Estiveste  alguma vez internados na enfermaria do aquartelamento (se é que existia) ? 

R- Não

(f) Foste  a alguma consuta de especialidade no HM 241 ? 

R- Fui ao Hospital em Bissau por problemas com os dentes, mas a experiência foi negativa,  o dentista era bom para arrancar dentes a elefantes, de forma que pedi para não mexer mais nos meus dentes, Receitou uns medicamentos e ficou por aí.

(g) Foste (ou tiveste algum conhecido teu) evacuado para a metrópole, para o HMP ? 

R- Houve um colega da minha companhia que foi evacuado, talvez com o medo dos ataques constantes que sofríamos ao quartel, ele passou-se dos carretos e tornou-se perigoso.

(h) Tiveste alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação ? 

R- Sim, pequenas coisas

(i) O vosso posto sanitário também atendia a população local (se sim, como é mais do que provável,  há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?)...

R- Atendiam bastantes residentes, tanto em consultas como no posto, que parecia mais um galinheiro. Não gosto muito de recordar certas situações desse tempo, prefiro recordar as mais favoráveis.

 Um abraço, Alcides Silva

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11824: Os nossos médicos (64): A propósito do nosso anedotário médico militar... (Rui Silva)

Guiné 63/74 - P11842: Blogoterapia (232): A guerra uniu-nos de uma forma única, pois a causa que nos une é só uma: é um misto de recordações, de complexidade de quem viveu os acontecimentos da guerra na primeira pessoa (Joaquim Carlos Peixoto)

Monte Real, 8 de Junho de 2013 > Joaquim Carlos Peixoto e sua esposa Margarida, no VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) com data de 14 de Julho de 2013:


AGRADECIMENTO

Ainda as doze badaladas entoavam nos céus anunciando que o dia 8 estava a terminar e começava o dia 9 de Julho, já o meu computador começava a receber mensagens de parabéns pelo meu aniversário através do facebook e do blogue.

Foram imensas as pessoas que se recordaram de mim e neste dia quiseram mostrar-me a sua amizade e companheirismo. A todos quero agradecer com um grande e sentido abraço de amizade.

Não querendo menosprezar os que não estiveram na Guiné, quero agradecer, em especial, aos camaradas da Guerra o carinho e amizade que tiveram em se recordarem de mim.

A guerra uniu-nos de uma forma única, pois a causa que nos une é só uma: é um místo de recordações, de complexidade de quem viveu os acontecimentos da guerra na primeira pessoa.

São todos estes ingredientes que fazem parte deste mundo vivo da amizade que nos une.

A todos, com um abraço de gratidão, o meu muito obrigado.
Joaquim Peixoto
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11790: Blogoterapia (231): Boas férias, em segurança (José Belo)

Guiné 63/74 - P11841: Notas de leitura (500): "As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Basil Davidson foi alguém no jornalismo internacional, nunca escondeu a sua rasgada admiração por Amílcar Cabral que ele qualifica como o mais importante dos líderes revolucionários africanos.
O que ele descreve neste livro é uma história de Cabo Verde, nalguns pontos polémica, e o trabalho clandestino que foi desenvolvido pelos jovens cabo-verdianos que se entusiasmaram com o PAIGC.
Sempre crítico, Davidson revela-se omisso quanto às teses da unidade Guiné-Cabo Verde, aparecem como uma necessidade vital, um indesvendável tabu. E dá aos leitores a possibilidade de verificarem o que esses jovens cabo-verdianos fizeram durante a luta armada, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário


As ilhas afortunadas: O PAIGC, Amílcar Cabral e Cabo Verde

Beja Santos

Em 1960, Amílcar Cabral chega a Londres disfarçado de Abel Djassi. Vem para entabular relações com partidos políticos britânicos, expor os pontos de vista do PAIGC sobre a descolonização na Guiné e em Cabo Verde. Elabora um documento onde analisa os factos dessa colonização e onde revela a fragilidade do processo civilizacional português. Quem traduz esse documento do francês para o inglês é Basil Davidson, nasceu aí uma amizade que não terminou com o assassinato de Amílcar Cabral. “As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação” de Basil Davidson, Editorial Caminho, 1988, é sobretudo um livro que reflete sobre a história de Cabo Verde, o pensamento de Cabral e que culmina com a análise das transformações operadas no arquipélago sob a liderança do PAICV.

Davidson começa a sua viagem a partir do povoamento do arquipélago, descreve as misturas de sangue graças às injeções maciças de nativos da extensa área da Senegâmbia; um povoamento de brancos, mestiços e pretos onde se desenhou uma cultura própria que se exprime pelo crioulo, pela música, pela literatura e pela gastronomia; um povo permanentemente em diáspora devido às fomes e à aridez dos solos; e com momentos em que a região é uma verdadeira encruzilhada, como foi exemplo o início do século XIX em que os cabo-verdianos eram muito úteis aos baleiros norte-americanos, tempo em que firmas da Escócia e da Inglaterra, ligadas ao negócio do carvão, enviaram representantes de Cardiff e Newcastle para assegurar que no porto de Mindelo houvesse carvão armazenado para alimentar as caldeiras da navegação a vapor. No passado, há o registo do comércio negreiro praticado por várias potências, bem como a presença de donatários que se lançaram na plantação de açúcar, milhos e outros cereais. Cultos, empreendedores e resistentes às secas, os cabo-verdianos lançaram-se desde cedo no comércio e na administração. O problema racial em Cabo Verde é distinto do que veio a acontecer no continente africano. São variadas as diferentes colorações de pele, o que não obstou a permanência de uma divisão em função da cor, mas sentindo-se portugueses, era assim que se exprimia a sua cultura onde abundavam os crioulos mestiços, com orgulho na sua sociedade homogénea, uma sociedade cujos membros não eram europeus nem totalmente africanos, mas sentindo-se como civilizados úteis a mandar nos trópicos. Davidson descreve a emigração e modo como os cabo-verdianos alfabetizados deram diligentes funcionários, por vezes administradores coloniais; e depois passa em revista as velhas aspirações do tipo nacionalista, referindo um dado histórico raramente invocado, a propósito da II Guerra Mundial, e que tem a ver com o plano aprovado por Churchill da ocupação de Cabo Verde caso a Alemanha se tivesse aliado a Espanha, com a consequente perda de Gibraltar.

Amílcar Cabral entra em cena, adolescente, estudante e poeta, partindo para Lisboa onde se licenciou no Instituto Superior de Agronomia. Trata-se de uma narrativa para a qual já existe muita prosa consolidada. O que importa é a teia de relações que se estabeleceram nessa juventude e depois em Bissau, são referidos nomes como Abílio Duarte, Fernando Fortes, Inácio Soares, Honório Chantre, entre outros. E a narrativa passa para os jovens estudantes cabo-verdianos que irão aderir ao PAIGC, destinados a ter papéis importantes em toda a guerra de libertação. Davidson vai colhendo depoimentos como o de Silvino da Luz que se mostram coincidentes quanto à motivação dos seus ideais: era importante uma vitória colonial para se alcançarem outras independências, a Guiné era o ponto de partida. E demora-se sobre a conceção estratégica de Cabral: empurrar os portugueses para aquartelamentos, retirando-lhes a mobilidade, intimidando-os com flagelações e itinerários minados; a par disso, criar em território sob controlo experiências de poder popular e de democracia de base; vender na cena internacional a ideia de que a unidade Guiné-Cabo Verde era um dos motores da luta.

Como é evidente, Cabral distinguia os dois processos de independência. Diferenciava na sociedade cabo-verdiana a cidade das zonas rurais, era nestas últimas que havia um número reduzido de grandes proprietários; a propaganda devia chegar aos pequenos proprietários, em muitos casos não tinham mais de três hectares, em meio rural os assalariados agrícolas não constituíam uma força significativa; analisando a sociedade urbana, Cabral apontava para os empregados mal remunerados, uma espécie de pequena burguesia envergonhada. Tudo se revelou na prática de mobilização muito difícil. Os cabo-verdianos foram treinados em Cuba mas nunca foi possível criar condições quer para o desembarque quer para a subversão continuada, de tempos a tempos os elementos subversivos eram denunciados ou descobertos pela polícia política. Cabral será seriamente confrontado pela impaciência destes jovens cabo-verdianos, haverá mesmo polémica entre ele e Abílio Duarte. Todo o trabalho político preparatório era extremamente áspero, chegar-se-á ao 25 de Abril com muito trabalho clandestino mas com uma minoria de população apoiante às teses do PAIGC, Davidson descreve a formação de novos partidos e como estes tiveram curta duração. O PAIGC durante muito tempo será a força política monopolista até aos processos eleitorais pluralistas. Convém não esquecer que os principais militantes do PAIGC, aquando do 25 de Abril ou estavam presos ou em cargos no PAIGC. Voltando um pouco atrás, a 1973 e ao II Congresso do PAIGC, Davidson refere uma proposta apresentada por Abílio Duarte e secundada por Aristides Pereira, ela previa a criação de uma Comissão Nacional de Cabo Verde. Abílio Duarte dirá a Davidson: “A existência de uma Comissão Nacional obrigou todo o PAIGC a continuar a luta pela independência das ilhas. Reforçou a proposta, feita um ano mais tarde, no sentido de obter o acordo dos portugueses para o reconhecimento do nosso direito à independência”. E Davidson conclui: “Em 1973, esta Comissão Nacional era apenas um nome e um compromisso. Alguns dos seus membros encontravam-se em missões diplomáticas ou militares, como Abílio Duarte e Silvino da Luz. Outros, como Júlio de Carvalho e Osvaldo da Silva, destruíram os aquartelamentos de Spínola. Mas em Abril de 1974, depois de derrubada a ditadura portuguesa, começaram a acontecer coisas extraordinárias. Com a trégua na Guiné-Bissau, depois de Junho de 1974, e evacuadas as tropas portuguesas, os membros da Comissão Nacional puderam ser enviados para as ilhas”. Eram novos desafios de militância, Davidson pormenoriza todas estas diligências até à independência de facto. O último capítulo da obra intitula-se “Continuar Cabral”, é a história desses primeiros anos tão difíceis em que a ajuda externa, a cooperação internacional e a ajuda humanitária foram determinantes. E a partir de 1980, Cabo Verde foi confrontada com a secessão da Guiné-Bissau, o país interiorizou a sua identidade.

É de lamentar que por vezes Davidson não consiga controlar os seus pontos de vista fundamentalistas a ponto de maltratar figuras de oposição como Leitão da Graça, que ele seguramente não sabe quem foi.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11832: Notas de leitura (499): A "Guiné" na literatura portuguesa de viagens (séc. XV-XVII), por Julião Soares Sousa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11840: Filhos do vento (14): Nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu…(Paulo Salgado)


Guiné > Região do Oio >  Olossato > 1970 > O alf mil cav Paulo Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde da CCAV 2721(, comandada pelo então cap cav Tomé, Olossato e Nhacra, 1970/72)..

Este professor primário, transmontano de Moncorvop, haveria mais tarde de  fazer o curso de especialização em administração hospitalar, na Escola Nacional de Saúde Pública, e seguir uma carreira nesta área, com trabalho feito em Portugal, na Guiné-Bissau e em Angola, que é para ele um motivo de orgulho e para nós, seus amigos, um exemplo. Recorde-se que, para além de antigo alf mil cav, m o curso de operações especiais, o Paulo era então (à data em que escreveu este poste) um cooperante activo, solidário e empenhado, na Guiné-Bissau, estando à frente do Hospital Nacional Simão Mendes.

Espero  poder abraçá-lo na próxima 4ª feira, dia 17, na Ilha de Luanda, e trabalhar com ele esta semana. É um camarada e a um amigo, de valor e de valores (Recorde-se que é nosso tabanqueiro da primeira hora, ele, a esposa, Conceição, economista, e a filha, Paula, aluna do ensino secundário em Bissau, doutorada e investigadora em biologia na Grã-Bretanha; para estas nossas amigas, vai um afetuoso kandando, abraço, em angolês).

Foto: © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados.

1. Reprodução de uma história que o Paulo Salgado já aqui nos contou, há 7 anos atrás, na I Série do nosso blogue (que já ninguém consulta e que muitos dos nossos camaradas mais recentes não conhecem) (*)

Camaradas e Amigos:

Quero contar-vos uma estória. Em 1991, corria um Fiat Uno vermelho na picada, então muito boa, de Varela para S. Domingos [na região do Cacheu]. Lá dentro um casal. Seriam quatro da tarde. O sol ainda aquecia e o carrinho não tinha ar condicionado, apenas o ventinho quente aligeirava a modorra dentro da viatura, entrecortada pelos monossílabos que o casal ia trocando.

De repente, após uma curva, sob o peso de um jigo de verga de palmeira bem carregado de nadas (suponho), uma mulher gritava:
─ Bolea, bolea!

O condutor parou adiante, ajudou a colocar o cesto na bagageira, a arrumar a mulher no banco de trás. A mulher do condutor:
─  Boa tarde, boa tarde; tome estas bolachas... para onde vai?
─ Pa São Domingos... ─  respondeu a convidada. O condutor:
─ Manga de calor!  ─ E ela:
─ Calor, tchiu!─ O condutor:
─ A nôs,  portuguesis... ─E ela:
Ah, nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu… [O meu filho é filho de um soldado. Ele levou-o para Lisboa. E toma conta dele. E manda-me algum dinheiro].

O condutor e a mulher ficaram estarrecidos. Aquele soldado... Lá de Portugal... grande exemplo de grandeza!... 

Verdadeira, esta história. Comovente. Rememoro-a, a propósito do que ultimamente se tem falado no nosso blogue.

E queria acrescentar algo, se me permitis, camaradas. Um aquartelamento. Arame farpado à volta. Saídas para emboscadas, patrulhamentos, golpes de mão; ou sofrer ataques, alguns bem perto, direi mesmo ao arame, ou de longe com mísseis…E, pelo menos 150 tipos entre os 20 e 25 anos (no caso de uma companhia sediada em tabanca). O quê de isolamento, o quê solidão, o quê de sexo...  como aguentar tal sofrimento, tal ansiedade?!

Já reparastes como é sofrida uma guerra neste particular aspecto? Tanta coisa aconteceu, camaradas. Algumas estórias não nos dignificam, camaradas. Ainda que nada seja tabu, demos ter algum recato quando falamos de terceiros, de outras pessoas que estão vivas, que deverão ser respeitadas. E a dignidade passa por nós próprios. Nada é tabu. Mas tudo deve ser (re)contado com muita dignidade.(**)

Paulo Salgado
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Notas do editor:

(*) I Série > poste de 18 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLX: Nha fidju i fidju de soldado (Paulo Salgado)

(**) Último poste da série > 14 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.

domingo, 14 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11839: Memória dos lugares (237): Bafatá, o seu velho cinema, a sua história, as suas gentes, os seus fantasmas... Bafatá Filme Clube, documentário (78') de Silas Tiny, produção da Real Ficção, brevemente em DVD (Fernando Gouveia)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de Dezembro de 2009 > 18h06 > "O velho cinema de Bafatá, encerrado há muitos anos.. Dizem que há um homem que toma conta do velho cinema, abandonado"... Um habitante local, surdo-mudo, fotografado com o João e o Antero, motorista da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento"... Sabemos agora que essa tutelar da velha sala de espetáculos (que alguns de n´so conheceram no tempo da guerra colonial) se chama Canjajá Mané e entra no filme do Silas Tiny, " Bafatá Filme Clube"...

A produção do documentário é a Real Ficção, a mesma que produziu filmes já aqui falados como "Kolá San Jon, é Festa di Kau Berdi", de Rui Simões,  e "Cartas de Angola", de Dulce Fernandes, que estuveram presentes, em maio passado, na IV Bienal de Culturas Lusófonas, juntamente com o filme do Silas Tiny.

Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L:G.]

1. Mensagem do nosso camarada e amigo Fernando Gouveia :[ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; foto à esquerda, na LDG que o levou, desde o Xime até a Bissau, de regresso a casa,  no final da comissão]

Data: 12 de Julho de 2013 às 23:19

Assunto: Filme sobre Bafatá

Luís:

Lembras-te que em tempos encaminhaste para mim um jovem cineasta, Silas Tiny, que pretendia informações sobre o Cinema de Bafata? 

Pois bem, ele realizou-o e que acaba por ser um belo filme sobre toda a Bafatá. Tendo-lhe perguntado sobre a sua divulgação, disse-me que ainda não havia ordem da produção para isso mas que se podia ter acesso a um resumo no link do Google:

http://www.realficcao.com/php/producao_2011.php
Pessoalmente o Silas mandou-me um DVD e acho o filme muito bom.

Um abraço. Fernando Gouveia

2. Bafatá Filme Clube

documentário | 78' [Estará em breve em DVD]
Silas Tiny 

Técnica Técnica

realização | Silas Tiny
direcção de fotografia | marta pessoa
som | Paulo Abelho
montagem | Márcia Costa
marketing | Fátima Santos Filipe
direcção de produção | Jacinta Barros
produtores | Rui Simões (portugal) e Carlos Vaz (Guiné Bissau)
produção | Real Ficção

Sinopse > Em Bafatá na Guiné-Bissau, Canjajá Mané antigo operador de cinema e guarda do clube da cidade, repete os mesmos gestos há cinquenta anos. Mas actualmente o cinema está fechado e não existem espectadores. Dos seus tempos como trabalhador do clube até aos nossos dias, restam apenas recordações. Na cidade, somente as pedras, árvores e o rio resistiram à erosão do tempo. E com eles, algumas pessoas, que ficaram para perpetuar na memória do mundo e dos homens, que ali já viveu gente. São essas pessoas por quem Canjajá procura e espera pacientemente até hoje. (Fonte: Real Ficção).

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11751: Memória dos lugares (236): Gadamael, 1970-1971 (Vasco Pires)

Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.


Capa da página do Público 'on lin', de hoje  > "Filhos do vento: guerra colonial; as histórias dos filhos que os portugueses deixaram para trás". Vale a pena compar a  edição a papel (1€60), ler, comentar e guardar a resportagem "Em busca do pai tuga" (Revista 2, pp. 10-19)  e depois ver os três vídeos disponíveis. (Motivo adicional para comprar a edição em papel: o nosso Jorge Cabral queixa-se de que é vítima de "idadismo"... Vd. Revista 2 > "Velhos ? Não. Somos todos contemporâneos", reportagem de Catarina Fernandes Martins, pp.26-27. De facto, este país já não é para velhos) (LG)


1. Como já fora  anunciado (*), saiu no jornal "Público", de hoje, domingo dia 14, na Revista 2, a reportagem dos enviados especiais à Guiné Bissau Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende sobre os "filhos do vento"... 19 histórias, 19 nomes, 19 dramas...de "restos de tugas"...

 "No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse 'portugueses suaves', agora, há entre os ex-combatentes quem prefira 'filhos do vento'. A maioria dos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses guarda pedaços de história incompletos, com a ambição de que um dia esses poucos dados os venham a reunir aos pais.  A expressão que dá título a esta página foi usada pela primeira vez, para se referir aos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses, pelo ex-furriel José Saúde, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Três vídeos (cada um com cerca de 10 minutos casa) contam estas histórias dos "filhos de vento"...

Restos de tugas (11' 52'')


TESTEMUNHOS ( a recolher pelo Público)

"Este é um espaço de debate. Qualquer testemunho que inclua dados pessoais não será publicado. A identidade dos pais não é divulgada por motivos de reserva da vida privada. O envio de informações que julgue relevantes para a busca destes filhos de ex-militares portugueses deverá ser feito para o email filhosdovento@publico.pt"