sábado, 30 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14680: Efemérides (190): o ataque a Bambadinca foi há 46 anos, em 28/5/1969, recorda o barbeiro mais famoso de Dalvares, Tarouca, o Manuel da Costa, que foi sold maqueiro, CCS/BCAÇ 2852 (1968/70)



Portugal, distrito de Viseu, Tarouca, Dalvares > O Manuel da Costa, autor de Nova Barbearia Costa, a sua  página na Net que tem  cerca de 5400 acessos ou visualizações. Os nossos parabéns!


 Fotos: © Manuel da Costa (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG.)


1. Da página do Facebook do Manuel da Costa, amigo da nossa página no Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, ex-sold maqueiro da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), tomamos a liberdade de publicar a seguinte mensagem,  evocativa da data de 28/5/1969, quando Bambadinca foi atacada, em força, dois  meses e meio depois da grande operação de limpeza no setor L1, conhecida pelo nome de código Lança Afiada. (*)

O Manuel da Costa é uma figura muito popular na sua terra, Dalvares, Tarouca, distrito de Viseu. É barbeiro, nas horas vagas, profissão que já exercia em Bambadinca onde pertencia à equipa de saúde, chefiada pelo saudoso alf mil médico David Payne.  


O TEMPO PASSOU MAS AS MEMÓRIAS FICARAM…
por Manuel da Costa

Fiz parte da Companhia Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Caçadores 2852. estava ligado à enfermagem como maqueiro,  mas dado a minha profissão de barbeiro que tinha na vida civil desde 1964,  comecei a desempenhar essa arte na barbearia do comando,  alternando sempre que era preciso vir à enfermaria e aos domingos sempre que o ilustre e saudoso médico Dr. Payne, já falecido,  precisava,  lá ia eu fazer psíco às Tabancas só para rapar os cabelos das feridas crónicas dos civis.

Bambadinca era uma pequena vila sossegada no leste da Guiné até ao dia 28 de maio de 1969.




Guiné > Zona leste > Setopr L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 1  > C. 29 de maio de 1969 > Invólucros de canhão s/r. O PAIGC terá usado 3 canhões s/r contra o aquartekamento e posto administrativo de Bambadinca, sem grandes consequências---




Faz precisamente 45 anos no dia 28/5/2014 às 0h25 que o Quartel de Bambadinca foi severamente atacado pela primeira vez na história da guerra da Guiné. 

A 1ª  foto com as caixas das granadas dos canhões sem recuo e os morteiros (82) foram lançadas sobre o aquartelamento e 90% caíram na bolanha ao qual nós não respondemos porque vivíamos em tranquilidade. 




Guiné  > Zona leste > Setopr L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 2 > Vésperas de Natal de 1968 ou 1969 > O sold maqueiro Manuel da Costa, de bata branca, finge que faz a "vistoria sanitária" aos leitões que irão à mesa natalícia...


Fotos: © Manuel da Costa (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG.)


A 2ª foto foi tirada nas vésperas do Natal de 1968 onde estou numa brincadeira fazendo crer que estava a examinar os leitões. Chamaram-me na barbearia que era junto à cozinha e refeitório geral para os praças e cabos. O que está em troco nu é o cabo cozinheiro Carneiro e o do camuflado era o cozinheiro Teixeira,  já falecido o único que ficou ligeiramente ferido. 

Deste ataque resultou a mudança de todo o comando e a penalização injusta nas suas carreiras assim como a do alferes dos morteiros uma vez que era frágil autodefesa que tinham recebido do comando anterior. 


Bambadinca vista de cima... A foto (originalmente a cores) é do nosso camarada  Humberto Reis (2006), publicada no nosso blogue, embora o Manuel da Costa não cite a fonte. 


A 3ª foto mostra o aquartelamento tal qual foi recebido do anterior comando. Nesse dia 28 (ou no dia
29 ?) foram todos convocados para ouvir (pensavam eles) os Senhores da Guerra. O coronel do setor de Bafatá, Hélio Felgas [, comandante do Agrupamento 2957,]   ao qual nós pertencíamos,  e o general Spínola com uma conversa acutilante,  como se tratasse de um rebanho de ovelhas domesticadas,  direcionada para o comando do batalhão,  mais propriamente para o sr. Major das operações Pires da Silva,  homem de estatura média mas de qualidades altas. Se ele fizesse o que os Senhores da Guerra diziam certamente muitos de nós teriam sucumbido às balas de Nino Vieira que comandou o ataque. 

O major Pires da Silva deu uma resposta inteligente: 
- .Meu comandante, prefiro soldados vivos do que heróis mortos. 

Depois chega o 2º comando sendo um deles o capitão Manuel Maria Pontes Figueira homem disciplinado e disciplinador, amigo dos seus subordinados.

O primeiro Comando [do BCAÇ 2852] era assim constituído:
Tenente coronel Pimentel Bastos
Major Bispo
Major Pires da Silva
Capitão Eugénio Batista Neves

O segundo Comando era formado pelos:
Tenente Coronel Corte Real
Major Ribeiro
Major Sampaio
Capitão Manuel Maria Pontes Figueira

Tanto o 1º Comando como o 2º Comando eram pessoas educadas e de respeito para os seus subordinados e para os civis fossem eles brancos ou de cor, e eu sou testemunha porque de 15 em 15 dias eu cortava-lhes o cabelo.

Falando agora do meu percurso da vida civil...
Fui motorista internacional de Turismo durante 39 anos da EAVT – Empresa Automobilística de Viação e Turismo e depois JOALTO desde 2009. Voltei às origens, cortando o cabelo a amigos e clientes, vivendo em paz e tranquilidade, não tendo muitos clientes mas todos de boa qualidade.

Um abraço amigo aos meus companheiros de tropa desde o comando de oficiais aos praças (68/70).

Barbearia Costa
Dalvares - Tarouca

2. Comentário de L.G.;

Manuel da Costa, essa do Nino Vieira comandar o ataque a Bambadinca, em 28/5/1969 (**), é novidade para mim. Mas tudo é possível..  Diz-me onde "sacaste" essa informação... Eu, e o resto da malta da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, estávamos a chegar à Guiné, a desembarcar do T/T Niassa, e passámos por aí em 2/6/1969... Vindos de LDG, de Bissau até ao Xime, seguimos depois em coluna auto para Contuboel, com paragem em Bambadinca. Deu para perceber o vosso estado de espírito...Diz-me se te lembras do nosso fur mil enf, o João Carreiro Martins (CCAÇ 12, Bambadinca, julho de 1969(março de 1971)..

O cor Hélio Felgas esteve em Bambadinca nesse mesmo dia, 28/5/1969... Não sei se o Spínola também. A história da tua unidade é omissa nesse ponto. A verdade é que o comando do teu batalhão do "decapitado"...

Vai daqui um abraço para ti,  camarada de Bambadinca, do meu tempo.  E aceita o meu convite para formalizar a tua entrada no nosso blogue, onde há vários camaradas da tua CCS.  Recordo  que o pessoal de Bambadinca de 1968/71 tem amanhã o seu encontro anual, na Trofa.  Presumo que vás... Infelizmente eu não poderei lá estar. Vai daqui também uma alfabravo para todos os meus camaradas dessse tempo, a começar pela malta da minha CCÇ 2590/CCAÇ 12.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14679: Notas de leitura (720): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte II): "Você, alferes Aiveca, está muito mole para esta guerra, disse o major, zombateiramente"...




Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis > Ox-al fmil at inf A. Marques Lopes comandava este  grupo de combate....Antes, em 1967, tinha passado pela CART 1690, om sede em Geba (Zona leste, região de Bafatá, onde foi gravemente ferido; evacuado para metrópole, voltaria cerca de nove meses depois para acabar a sua comissão de serviço na CCAÇ 3,. em Barro, na fronteira com o Senegal).

Fotos: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados


1. Mais dois excertos do livro de memórias "Cabra-cega" (*), que vai ser lançado no próximo dia 3 de junho, às 15h30, na biblioteca municipal de Matosinhos. (**)

Trata-se de gentileza do nosso camarada e amigo A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), um dos primeiros membros membros da nossa Tabanca Grande (entrou em 14 de maio de 2005) [, foto atual à esquerda]:



(...) Ali, deitado sobre a terra e desejoso de nela se afundar, deixou a sua condição humana, alapado como um coelho que segue os passos do caçador à espera do momento oportuno para fugir. Levantou instintivamente a cabeça por cima do capim que cercava o baga-baga para ver o momento oportuno.

Tendo abandonado as suas posições de combate, os guerrilheiros avançavam em linha ao longo da clareira lançando rajadas curtas de costureirinha e kalash. Estava a vê-los, numa imagem de ocasião, sem saber ainda se era real ou imaginária. Fortes, atléticos mesmo, em passadas decididas, senhores da vitória. Despertou nele o animal cujas reacções são comandadas pelo instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, o animal especial que era, domesticado para reagir a determinados sinais e estímulos. Pôs instintivamente em práctica todo o mecanismo de comportamento do animal encurralado por numerosos caçadores. Decidiu rastejar até à orla direita da clareira. Mas antes, lixado com a maçariquice de andar com eles, enterrou os galões camuflados que usava e jurou nunca mais os usar. Achou que não lhe servia ali a Convenção de Genebra, que o seu futuro de prisioneiro seria melhor se não soubessem do seu posto. Uma ideia estúpida avaliar nesses termos a enrascadela em que se encontrava mas era melhor assim, concluiu.

Foi rastejando e, a certa altura, ouviu um silvo agudo no ar, levantou a cabeça e numa fracção de segundos viu uma granada de morteiro em direcção a si. Nem pensou, deu três voltas para o lado a rebolar. Ela enfiou-se na terra mole do sítio onde tinha estado, viu de esguelha o seu rebentamento, sentiu a terra que levantara cair-lhe no camuflado e ouviu o zumbido dos estilhaços. Cabeça entre os braços, ficou agarrado ao chão. Nunca imaginara que isso fosse possível, mesmo quando vira nos filmes não acreditara. Ali ficou alguns instantes nesta ideia.

Mas tinha de reagir e continuou a rastejar até chegar à orla. Aí, encostou-se ao tronco de uma palmeira jovem, ainda baixinha, tapado pelas ramadas que tocavam no solo. E viu, depois, que eles tinham chegado ao sítio onde antes os seus homens e ele tinham estado.

“Manga de ronco!”, gritavam todos, levantando as armas alegremente.



Capa do livro (Lisboa, Chiado Editora, 2015). Já está á venda na 85ª edição da Feira do Livro de Lisboa (que abriu ontem , e vai prolongar-se até 14 de junho, no Parque Eduardo Sétimo).


Ficha técncia:

Título: Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial
Autor: João Gaspar Carrasqueira
Data de publicação: Junho de 2015
Número de páginas: 582
ISBN: 978-989-51-3510-3
Colecção: Bíos
Género: BiografiaPreço: 19 € (edição em papel) [10 € na sessão de lançamento)
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(...) O velho, agitado, dizia algumas palavras que não entendia mas que lhe pareceram crioulo. Disse ao Otcha para saber o que andavam a fazer e para onde iam. O rapazito estava cheio de medo. O cego abria os olhos baços e franzia a boca receosa. Apercebera-se do mal invisível.
– “Iam para uma tabanca aqui perto onde têm família. O velho é avô do rapaz e é cego.”

Foi a informação do Otcha depois de falar com eles. A DO estava agora por cima deles. O radiotelegrafista trouxe--lhe o “banana”.
– “O que é que se passa aí em baixo, nosso alferes?”
– “Meu major, é um jipe com dois gendarmes do Senegal, apareceram aqui. Parece-me que é melhor irmos embora, já não dá para o que viemos fazer.”
– “Eh, pá! Mande os gajos embora, e sem uma beliscadura. Não podemos arranjar problemas desses. Depois pode retirar.”
Aiveca virou-se, depois, para os gendarmes.
– “Allez-vous en! Levem o cego e o miúdo!”

Ficaram encantados, nem se lhes notou qualquer contrariedade por não irem ter com as “femmes amies”. Elas lá estariam à espera para outra altura, certamente.
– “Agarrem nos dois e metam-nos no jipe”, disse para os que cercavam o avô e o neto.

Quando os gendarmes partiram deu ordem de abandono da posição. Não era bom continuar ali pois tinha a certeza que eles iam avisar o PAIGC. Disse ao Bailo para irem por caminho mais fácil, não queria demorar muito com receio de serem perseguidos. Meteram pela mata em direcção à Guiné e deram com uma tabanca. Estava abandonada, com alguns restos de moranças ainda, muito mato rasteiro, mas havia um grupo de bananeiras ao pé da mata.
– “Está ali uma mulher!”, gritou o Otcha.

Todos viraram a cara para lá. Ela tinha-os ouvido e virou também a cara para eles. Viu-os e desatou a correr. Levava uma criança no bambaran, o pano para segurar as crianças às costas. Logo alguns levantaram a G3.
– “Quietos!”, gritou Aiveca saltando para a frente deles. “Fodo o primeiro que disparar! Clode, Falcão, vão atrás dela!”

A morte de Abess nunca mais lhe saíra da cabeça e não queria outra situação idêntica. Viu que o bambaran se soltara e a criança caíra no chão. A mulher virou-se angustiada a ver a criança a chorar mas olhou com terror para o Clode e o Falcão que corriam para ela e continuou a fugir internando-se na mata.

De repente o silvo de um rocket. Atiraram-se todos para o chão. O rocket rebentou perto das palmeiras.
– “Clode, Falcão, tragam a criança! Todos para a mata!”

O Clode corria com a criança nos braços. Começou o fogachal do lado do Senegal. Já abrigados na orla da clareira, disse para o Bailo:
– “Estamos longe do alferes Salgado?”
– “Não tá, nossalfero. Tá perto à direita.”

Mandou, depois, o furriel Fernandes ir com a secção dez metros para trás, recomendando-lhe que só disparassem morteiradas. O Lindolfo foi dez metros para a direita. Ficou com o Aguinaldo Baldé, que tinha o Benhanté com a bazuca.
Disse também a três homens da secção dele para irem dez metros para a esquerda. Era uma precaução porque tinha a ideia que eles podiam cercá-los. Com a bazuca ali podia retê--los até decidir recuar.
– “ Polícias foram avisar os turras”, disse o Aguinaldo por entre as rajadas.
– “Claro.”
– “Devíamos ter matado eles.”
– “E arranjávamos um trinta e um do caraças, era?.”

As bazucadas do Benhanté e os dilagramas do Otcha mantinham-nos em respeito. Disse ao radiotelegrafista para ligar ao alferes Salgado. Quando o fez deu-lhe o “banana”.
– “Ó Salgado, estás a ver o que está a suceder?”
– “Estou, pá, bem as oiço. Estou a ver que tens festa.”
– “Tu daí podes dar-nos uma ajudinha. Nós estamos na tabanca que está à tua esquerda. Tens o mapa, faz os cálculos e manda-lhes umas morteiradas para a mata do lado do Senegal.”
– “É, pá, eu já não estou no mesmo sítio. Vou a caminho do quartel.”
– “O quê!? Foda-se! Tínhamos combinado que ficavas lá à minha espera!”
– “É pá, vi que não estava lá a fazer nada.”
– “Vai pró caralho!”, e desligou.

O Aguinaldo, mesmo no meio do tiroteio, apercebera--se da conversa.
– “O que foi, meu alferes?”
– “O alferes Salgado deixou-nos, foi-se embora.”
– “O alferes Salgado não é bom.”
– “É mas é um grande filho da puta”, estava mais que furioso.

Passados mais uns minutos, disse ao Benhanté para mandar mais uma bazucada e ao Otcha um dilagrama e mandou recuar. Verificou que do lado esquerdo e do direito também o faziam. Enquanto isso o Fernandes continuava com as morteiradas. Quando se juntaram todos ouviu a DO. Foi ele que ligou logo.
– “Estamos aqui com um problema, meu major.”
– “Já sei. Estava na pista do quartel e ouvi. É o tal bigrupo?”
– “Parece-me que não há nenhum bigrupo, meu major. Os que nos atacaram não têm esse poder de fogo, além de que não tiveram capacidade para uma manobra de envolvimento que nos lixasse.”
– “Podem não ter querido mostrar. Mas agora não interessa. Retire-se que eu vou pedir uns T6 para despejarem aí umas bujardas.”
– “É óptimo, para ver se não vêm atrás de nós. Além disso podem dar cabo de umas plantações de arroz que eles têm na bolanha. Mas isso o meu major já sabe.”

Uns segundos para engolir, como era hábito.
– “Toca a andar, homem. Eu vou para o quartel e falamos lá.”
Não explodia facilmente, era verdade.

Não iam muito longe quando os T6 apareceram. Despejaram umas tantas e foram-se embora. Mas deu para que os do PAIGC não lhes fossem no encalço. Durante o caminho chegou-se à secção do Fernandes, onde o Clode continuava com a criança ao colo.
– “Nome di bó?”, perguntou-lhe.
– “É badjudinha”, disse o Clode.

Ela não disse nada e chorou.
– “Tá bem, é rapariga. Ó Fernandes, que dia é hoje?”
– “É dia 20 de Agosto, meu alferes.”
– “Não. O dia da semana.”
– “É terça-feira.”
– “Então, como a miúda não quer ou não sabe ainda dizer o nome, vamos chamar-lhe Terça.”

O pessoal ouviu, cochicharam entre eles e acharam piada. Era normal para eles, havia muitas Sábado e Segunda, conforme o dia da semana em que tinham nascido. Não era novidade.

Quando chegaram ao quartel o primeiro que viu foi o Salgado. Foi o primeiro porque era quem queria ver. Estava com o Rodolfo. Dirigiu-se a ele de G3 em riste.
– “Se me fazes aquilo outra vez fodo-te o coiro!”

O Rodolfo olhou-o espantado.
– “Tem calma. Que merda é essa, Aiveca?”
– “Pergunta a este cabrão.”

Mas estava tão furioso que foi ele que acabou por contar ao Rodolfo o que se tinha passado e que o Salgado se pirara deixando-o enrascado. Vieram dizer-lhe que o major estava na secretaria à sua espera. Estava com um capitão, devia ser do seu staff do COP, e o piloto da DO.
– “Então, nosso alferes, conte lá como foi aquilo.”
– “Foi o que estava planeado. Quando estávamos na picada do Senegal apareceu um jipe de gendarmes. Tive de os mandar parar.”
– “Mas não os podia ter deixado seguir e continuar emboscado?”
– “Tive receio que eles dessem pela nossa presença. Gerar-se-ia uma confusão e tenho a certeza que os meus homens os matavam. Gorava-se a nossa missão na mesma e denunciávamos a nossa presença.”
– “Assim sucedeu o mesmo”, disse em tom crítico. “Ouvi dizer que apanharam lá um velho e um miúdo mas deixaram--nos ir embora.”

Foram os furriéis que já andaram por aí a contar, pensou Aiveca.
– “E”, continuou o major”, apanharam uma miúda e deixaram fugir a mãe. Fez mal porque podíamos colher deles muitas informações sobre a presença do PAIGC ali.”

Para o major era o vale tudo. Mas para ele não era.
– “Meu major, nunca pensei que a minha missão fosse apanhar cegos, o velho era cego, não sei se sabe, e miúdos. E a mulher fugiu-nos quando eles nos começaram a atacar.”
– “Mas apanharam a criança dela.”
– “Meu major, não podia deixar a criança no meio do tiroteio ou correr o risco de lhe cair uma morteirada em cima.”

O major encarou-o zombeteiramente.
– “Você, alferes Aiveca, está muito mole para esta guerra.”
– “Estou com certeza, meu major, e não sei se alguma vez estarei duro.” (...)

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(**) Último poste da série > , 29 de maio de  2015 > Guiné 63/74 - P14678: Notas de leitura (719): "As orações de Mansata", por Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora Limitada (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14678: Notas de leitura (719): "As orações de Mansata", por Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora Limitada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Aqui temos o Macbeth guineense.
Macbeth tem sido uma tentação para escritores e cineastas.
Em 2001, foi levado ao palco Umabatha, uma adaptação de Macbeth à tragédia sobre a identidade zulu no começo do século XIX. No cinema, temos O Último Rei da Escócia, que recria a sociedade do Uganda sob a ditadura de Idi Amin. Os Fidalgos de Bissau foram encenados por um polaco que trouxe um Macbeth ao Teatro da Trindade, a música era de Braima Galissá.  
“As orações de Mansata” foram representadas em 2013 em vários teatros do país e em Santiago de Compostela. Foram proibidas em Luanda, pois claro.
Abdulai Sila ganhou a aposta com este seu realismo mágico, a linguagem rude e brutal das mulheres e dos conselheiros que incitam a tomada do poder. De forma subtil, Abdulai Sila deixa o retrato da tirania interminável nesta história repleta de desordem e derramamento de sangue.

Um abraço do
Mário


As orações de Mansata, por Abdulai Sila

Beja Santos

Já aqui se fez o registo dos três romances de Abdulai Silá, um escritor que também se intromete na economia, na política, na educação e desenvolvimento social. Como observou Érica Cristina Bispo numa entrevista que fez a este escritor de Catió, “Um traço curioso do escritor é a pronúncia do seu sobrenome, que é uma oxítona (Silá). A fim de transgredir a língua, o autor optou por ferir a regra e tirar o acento. A transgressão da língua é um dos traços da sua escrita, que mescla a língua portuguesa ao crioulo e às demais línguas nacionais da Guiné-Bissau”.

Em 2007, Abdulai Sila publicava na editora que ajudou a criar, Ku Si Mon Editora Limitada, a tragédia “As Orações de Mansata”, uma adaptação de Macbeth à realidade africana. Como observa no prefácio Russell G. Hamilton, “As orações de Mansata é uma verdadeira adaptação da peça de Shakespeare, com respeito a temática, personagens, conteúdo e forma. É a primeira peça teatral da Guiné-Bissau a ser escrita e cuja ação decorre no período pós-colonial. Aliás, é uma das primeiras peças da pós-independência em toda a África”. A trama não ilude ninguém: a avidez do poder, as misérias morais dos cortesãos e aduladores do déspota, enfim, uma história repleta de desordem, tirania e violência. Mais adiante, escreve o prefaciador: “Na peça de Shakespeare as personagens principais são thanes, nobres que possuíam ligações à Casa Real da Escócia. Na peça de Andulai Sila, os equivalentes contemporâneos aos nobres da antiga monarquia da Escócia são ministros, chamados conselheiros. A obrigação desses ministros é aconselhar Mwankeh, o Supre Chefe da Nação. Todos os tais conselheiros estão satiricamente responsáveis para vários assuntos. Portanto, Amambarka, o mais ambicioso procurador de poder, é o conselheiro para assuntos de tchumum-tchamal (confusão e desordem).”

Em “As orações de Mansata”, tal como em Shakespeare, há bruxaria, fantasmas, sobrenatural, predições, a sistemática execução de colaboradores, o déspota vive a paranóia das traições, o déspota quer ter acesso a formula que lhe garanta perpetuar-se no poder, seja a que preço for. Não há Lady Macbeth mas há as três mulheres de Amambarka que funcionam como as impulsionadoras da suprema ambição do ajudante do déspota que lhe quer tomar o lugar, como irá acontecer. Em toda a peça fala-se sempre de poder.

No primeiro ato, alguns discípulos de escola corânica pedem a um alegado vidente que os ajude, em sentido alegórico são cegos que querem ver a beleza da nação, querem ter fé no alto dignitário da nação, a sua maior esperança está no alvorecer da nação que irá renascer das cinzas para se tornar no mais belo jardim do mundo. Mais adiante, três raparigas, simples katanderas (jovens auxiliares num santuário animista) correm atrás do vidente, simbolicamente este primeiro ato é a esperança da gente jovem na regeneração do seu atribulado país.

O segundo ato passa-se no gabinete do Supremo Chefe, Mwankeh está reunido com os seus conselheiros, um deles fala ao telefone com uma das mulheres do déspota e depois tratam de negócios, o Supremo Chefe lamuria-se: “O meu dinheiro roubado na Europa, os meus rendimentos cada vez mais reduzidos, a oposição cada mais ativa e agressiva…”. Todo o seu reinado foi construído com muito sangue, o déspota anda inquieto, agora tem medo, sente que há muita gente a querer apunhalá-lo pelas costas. Fala-se num redentor, poderá ser um perigo potencial, é preciso encontrá-lo, neutralizá-lo.

O terceiro ato chama-se Poder malgós (amargo), o conselheiro Amambarka é vexado pelas suas mulheres, acusam-no de estar irreconhecível, o Supremo Chefe não quer nada com ele, perdeu amigos, perdeu influência, é espancado, há mesmo um fantasma que o increpa, o outrora poderoso conselheiro é agora um nojento farrapo, ele que fora o torturador dileto do ditador, o fantasma insinua que ele pode recuperar todo o prestígio que tivera no passado, tem que provar que não é cobarde, tem que mostrar que é macho.

No quarto ato, Amambarka reúne-se com alguns dos conselheiros e traçam as linhas da conspiração, ele exige-lhes um juramento de fidelidade, ouve-se a voz do fantasma a lembrar que toda aquela gentalha tem sido desleal e infiel a vida inteira, estes conspiradores irão ser devorados um a seguir ao outro. Uma outra voz de fantasma incita-o a tomar o poder: “Move-te, grande homem, para que a nação não fique eternamente subordinada à mediocridade, à pobreza de espírito e à falsidade”. Compete a este conspirador resgatar o esplendor da nação oprimida. O conspirador entra em delírio, já sonha em carros e vivendas, em castelos e mulheres, será o prémio de chegar a Supremo Chefe. Está montada a arquitetura da tragédia e o derramamento de sangue que a acompanha.

No quinto ato, tudo parece correr mal aos conspiradores, mas Amambarka recorre a um expediente infalível, ele que durante anos fora o responsável pela segurança da Suprematura, conhece todos os caminhos para chegar ao coração do poder. E quando os conselheiros na presença de Mwankeh interrogam um apoiante de Amambaka, na altura em que a conspiração está completamente desmascarada, Amambarka entra na sala e liquida o déspota e os conselheiros.

No sexto ato, o novo supremo chefe vai entrevistar videntes, pede-lhes que lhe dêem os segredos de Mansata: “Preciso desses poderes, não para benefício pessoal, mas para fazer progredir a nação. Com esses poderes, não vamos pedir esmola a nenhuma outra nação, vamos ser autossuficientes. Vamos construir hospitais, vamos ter escolas para as crianças. Reparem numa coisa: Hoje é o branco que tem todos os poderes do mundo. Se precisarmos de viajar, temos que pedir ao branco, tem que ser com o carro ou com o avião que o branco construiu…”. O novo déspota procura seduzir os videntes que lhe dizem com a maior naturalidade que Mansata não existe. Só existem orações que para funcionarem é preciso purificar o corpo. E na sala de visitas da Suprematura Amambaka é apunhalado pois está em curso uma conspiração de conselheiros, eles querem ter acesso a essas orações. E dá-se uma chacina, na agonia Amambarka liquida os conspiradores e morre.

Michel Laban, acerca desta terrível peça de teatro teceu os seguintes comentários: “Será que um escritor pode ignorar os graves disfuncionamentos de que sofre a sociedade em que vive? O seu deve não será conferir um caráter útil à sua produção literária? As orações de Mansata confronta-nos com graves problemas sociais – o facto de tratar-se de uma peça de teatro faz com que as preocupações do autor se traduzam de ma maneira mais viva. Podemos ficar agradecidos a Abdulai Sila!”.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14674: Notas de leitura (718): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte I): "Tinha-se interrogado várias vezes sobre as razões que o levaram a entrar no seminário"...

Guiné 634/74 - P14677: Manuscrito(s) (Luís Graça (58): Cais de partida(s): Porto de Lisboa (Parte I): Gare Marítima de Alcântara: os painéis de Almada Negreiros

















Lisboa > Gare Matítima de Alcãntara > 10 de maio de 2015 >painéis de Almada Negreiros


Fotos: © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados





Cais de partida(s)

Sempre detestei os cais de partida,
as estações ferroviárias,
as gares marítimas,
os aeroportos que nos levam aos céus,
as linhas de todas as cores do metro
que vão até ao centro do inferno,
as paragens dos elétricos,
no inverno,
os terminais de autocarro,
em todo o ano,
e mesmo as praças de táxis,
tudo sítios onde há gente vulgar,
apressada, ou mal dormida,
ou com lágrima fácil ao canto do olho
e até pombos ou gaivotas
debicando restos de comida.

São sombrios e tristes os ares das gares,
como é sombrio e triste qualquer lugar
onde se parte e reparte
e há sempre alguém
que fica com a melhor parte (...)

´
(Excerto)

v11 28abr 2015


1. A modernização do porto de Lisboa é relativamente recente. As primeiras grandes obras remontam ao ano de 1887, no reinado de D. Luís. Até 1907 não havia cais acostável para os navios de passageiros, de maior tonelagem. Ficavam ao largo do Tejo, fazendo-se o transbordo de  passageiros e bagagens, "à moda antiga"...

 Datam dos finais da monarquia, os trabalhos de dragagem, na margem norte do rio, a oeste do cais de Alcântara. Em 1918 começaram a poder atracar no porto de Lisboa os transatlânticos de maior arqueação bruta. A atracação de navios de passageiros passou a ser obrigatória em 1927.

O cais de Alcântara e o molhe oeste do cais de Santos ficaram reservados para as companhias de navegação estrangeiras. Os navios nacionais, com destino às ilhas adjacentes e a África,  partiam do cais da Fundição, Terreiro do Trigo (junto a Santa Apolónia) e molhe leste do cais de Santos.

É no âmbito do “plano de melhoramentos do porto de Lisboa: margem norte do Rio Tejo”, da iniciativa do Estado Novo, que vão ser construídas as gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos. Era então ministro das Obras Públicas e Comunicações, o eng Duarte Pacheco (1901-1943).

O projeto destas gares marítimas com 2 pisos, é do arquiteto Pardal Monteiro (1895-1957), um dos grandes aruitetos estadonovistas (autor também do edífício do Instituto Nacional de Saúde dr. Ricardo Jorge e Escola Nacional de Saúde Pública). A gare marítima de Alcântara será inaugurada ainda em plena II Guerra Mundial (7 de julho de 1943), quando afluíam a Lisboa dezenas de milhares de refugiados de um continente devastado pela tragédia da deriva totalitária e da guerra.

A gare marítima da Rocha de Conde de Óbidos (chamava-se assim em virtude do cais estar próximo do palácio do Conde de Óbidos, hoje edifício  da Cruz Vermelha) só foi inaugurada em 1948. É aqui se localiza. o estaleiro naval que, em  1936,  é concessionado a um empresa do grupo CUF,  a
primeira do país a construir navios com casco de aço.

Para muito de nós, ex-combatentes da guerra colonial, o cais da Rocha de Conde de Óbidos Pimeiro foi o local de embarque para a guerra colonial... Vínhamos, geralmente de noite, de comboio, das unidades de mobilização (. no meu caso, vim diretamente do Campo Militar de Santa Margarida, se não erro). Mas não havia tempo sequer para passar pelo Salão Almada Negreiros e admirar os seus paineis (ou frescos), hoje famosos...





Lisboa > Gare Marítima de Alcântara (arq. Pardal Monteiro), inaugurada em 1943 > 10 de maio de 2015 > O cais e a gare, vistos do navio-escola "Sagres".

Fots (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


Lisboa > 22 de Março de 2009 > Cais e Gare Marítima de Alcântara, vistas da Ponte 25 de Abril... > Não, não foi o nosso cais de partida...A nossa "porta de saída" para Áfrca foi o Cais da Rocha do Conde Óbidos, que fica mais para leste,,. Às vezes confundimos os dois cais e as duas gares (que são do mesmo aqruiteto). (Não sei se o cais de Alcântara também foi utilizado para o embarque e desembarque de tropas; é possível que sim, já vi isso por aí escrito; mas era o cais da Rocha do Conde de Óbidos que estava destinado a esse fim)...

Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados



Lisboa > Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos > Arquiteto Pardal Monteiro, foi inaugurada em 1948... Foi daqui que partimos, muitos de nós,  para a Guiné... Nos últimos anos da guerra, o transporte já se fazia por via aérea, através dos TAM - Transportes Aéreos Militares. (LG)

Foto do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

2. No portal do Porto de Lisboa pode ler-se, 
(...) "São de 1939 e 1940 os diplomas que autorizaram a celebração dos contratos para a construção das estações marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, sendo entregue ao Arquitecto Pardal Monteiro a tarefa de executar o traçado das mesmas. No hall do 2º piso das Gares podem admirar-se os catorze painéis sobre o Tejo, representando lides ribeirinhas e cenas portuárias, executados segundo a técnica da pintura mural a fresco, pelo pintor José de Almada Negreiros." (...)

Ao que parece o artista, terá levado dois anos e meio de estudos e setenta dias de execução: (i) em 1945,  na Gare Marítima de Alcântara, oito pinturas, que se distribuem por dois trípticos e duas composições isoladas; (e (ii) em 1949, na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, seis pinturas  distribuídas por dois trípticos.

Na entrada da Wikipédia sobre Almada Negreiros pode ler-se, seguindo nomeadamente o historiador e crítico de arte José Augusto França ("A Arte em Portugal no Século XX, 1911-1961". Lisboa: Bertrand Editora, 1991):

(...) "Na Gare Marítima de Alcântara, Almada faz ainda um compromisso com certa "ideologia decorativa" e socorre-se de formas de representação e de uma espacialidade mais ancoradas na tradição. Este ciclo de obras divide-se em dois trípticos – no primeiro é abordada a lenda da Nau Catrineta; no outro, a vida da Lisboa ribeirinha –, e duas composições isoladas, onde representa uma festa de romaria e a lenda de D. Fuas Roupinho. De modo diferente e mais moderno, em sintonia com a evolução da linguagem cubista que então se registava no Ocidente, na Rocha do Conde de Óbidos Almada fala-nos, num dos dois trípticos, da partida dos emigrantes; no outro centra-se num imaginário de domingo lisboeta à beira rio. (...)  .
"Considerados por muitos como as melhores pinturas murais portuguesas e o trabalho mais importante da pintura de Almada, o conjunto de painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos é significativo de uma espécie de diluição involuntária das fronteiras entre pintura e ilustração. Estes painéis reúnem, em síntese, a sua atividade plástica anterior. Essa síntese ocorre a nível formal, com a frontalidade e fragmentação cubistas a fundirem-se com reminiscências da espacialidade tradicional, perspética, e a acentuação da teatralidade das poses e da ação; e narrativo, com a recorrência de imagens provenientes de trabalhos anteriores (...) . 
(...) "Em Almada, as citações, as transposições e as redefinições são aliás frequentes, e não se restringem ao universo das artes plásticas (segundo Rui Mário Gonçalves, Almada aproxima-se de um processo explorado por Picasso na pintura, por Diaghilev nos seus bailados, por Stravinsky na música, por Jean Cocteau na poesia e teatro). 'Muitas vezes, as diversas artes que ele praticou foram-se citando umas às outras e a si próprias, retomando desenhos antigos em novas composições' (...) . Os elementos narrativos e formas que atravessam a sua obra são sobretudo as pessoas, dos saltimbancos e arlequins às mães com os filhos, às mulheres do povo; são também os lugares que todos eles habitam, a cidade com os seus cafés e tascas, as zonas ribeirinhas de Lisboa e os seus portos, povoados de guindastes, escadas, navios." (...)  .


3. Confesso que também gosto mais dos painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, pela sua modernidade e ousadia (temática e estética). De qualquer modo,  escrevi ontem, em comentário a um poste do José Martins (*) o seguinte:
(...) "Mas já agora diz-me porque é que tu partiste do Cais da Rocha do Conde Óbidos e não do Cais de Alcântara (...). Tu saberás a resposta, mas, olha, eu só a descobri há tempos... E há malta que faz confusão com as duas gares marítima, a "nossa!", a da Rocha de Conde de Óbidos, e a de Alcãntara... Tenho aqui fotos, tiradas há dias, no Salão Almada Negreiros, da Gare Marítima de Alcântara...Há uns anos atrás tambémn andei a (re)visitar a Gare Marítima da Rocha (de) Conde de Óbidos... 
"Maldita sorte, que nem direito tivemos a uma 'visita guiada'  aos painéis do mestre Almada Negreiros, hoje famosos, obras-primas da pintura portuguesa do séc. XX... Só me lembro de ter chegado, de camboio, ainda de noite, ou pela madrugada, e nos terem enfiado no navio... Ou talvez não: ainda tivemos, os graduados pelo menos, umas horitas para beber um copo e, alguns, mais afoitos, para 'mudar o óleo', na estação de serviço mais próxima, que era o cais do Sodré" (...).

E prometi publicar dois postes sobre os painéis do Almada Negreiros...Um deles aqui está. As duas gares marítimas fazem parte do nosso património (e do nosso imaginário). E merecem uma visita, sentimental (em memória do 'cruzeiro das nossas vidas'...) e cultural (por causa da arquitetira do Pardal Monteiro e sobretudo pelos painéis do grande Almada Negreiros). De preferência, uma visita guiada... (**)...
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Notas do editor

Guiné 63/74 - P14676: Parabéns a você (912): António Vaz, ex-Cap Mil, CMDT da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14666: Parabéns a você (911): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14675: Agenda cultural (407): "África em Lisboa": cinco países irmãos (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé), cinco dias (de 27 a 31 de maio), no Museu da Carris



África em Lisboa | 27 a 31 de Maio

Quarta a sexta-feira: 18h00-00h00

Sábado e domingo : 13h00-00h00

Museu da Carris | Rua Primeiro de Maio, 101-103, 1300-472 Lisboa


Bilhetes:
+ 6 anos:: 5 €/dia
Passe Família/dia (4 pessoas: dois adultos e dois menores 12 anos):: 18 €
Passe 5 dias:: 22 €
Locais de venda:: Bilheteira no local


Do sítio da Carris, com a devida vénia (e adaptação livre do texto)


Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé marcam presença no “África em Lisboa”.

O evento lugar no Museu da Carris até o dia 31 de maio, e mostra o melhor das artes performativas, moda, artesanato e gastronomia destes cinco países de ritmos, cores, cheiros e sabores apaixonantes.

Um mercado de marcas e produtos africanos e uma área de gastronomia, com ementas típicas dos países representados, além de espetáculos musicais, teatro, dança, exposições de pintura, escultura e fotografia, tertúlias literárias, moda e acessórios, juntam-se no mesmo espaço, no coração da capital portuguesa, para reavivar sensações aos africanos que moram em Portugal, arrebatar os portugueses que amam África e cativar os inúmeros turistas estrangeiros que visitam Lisboa.

Cada dia terá um país em destaque e, também, momentos de fusão da cultura africana com a portuguesa, numa exaltação à partilha dos percursos quotidianos dos vários povos.

África em Lisboa é paixão!

[Vd, também página do Facebook, África em Lisboa.]

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Nota do editor;

Guiné 63/74 - P14674: Notas de leitura (718): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte I): "Tinha-se interrogado várias vezes sobre as razões que o levaram a entrar no seminário"...


Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > À direita.  ex-alf mil at inf, A. Marques Lopes, que comandava o grupo Os Jagudis.  Antes, em 1967, tinha passado pela CART 1690, om sede em Geba (Zona leste, região de Bafatá, onde foi gravemente ferido; evacuado para  metrópole, voltaria cerca de nove meses depois para acabar a sua comissão de serviço na CCAÇ 3,. em Barro, na fronteira com o Senegal).

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os  direitos reservados


Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis > Ao centro, o ex-al fmil at inf, A. Marques Lopes,

Fotos: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados



Capa do livro (Lisboa, Chiado Editora, 2015). Já está á venda na 85ª edição da Feira do Livro de Lisboa (que abre esta tarde, e vai prolongar-se até 14 de junho,  no Parque Eduardo Sétimo).


Ficha técncia:

Título: Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial
Autor: João Gaspar Carrasqueira
Data de publicação: Junho de 2015
Número de páginas: 582
ISBN: 978-989-51-3510-3
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Preço: 19 € (edição em papel) [10 € na sessão de lançamento)


1. Excertos do livro de memórias "Cabra-cega", que vai ser lançado no próximo dia 3 de
junho, às 15h30, na biblioteca municipal de Matosinhos (*)



Gentileza do nosso camarada e amigo A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), um dos primeiros membros membros da nossa Tabanca Grande (entrou em 14 de maio de 2005) [, foto atual à direita]:


(...)  Guardava os papéis há muito tempo e ficou preocupado com as gotas que pingavam das telhas partidas das águas-furtadas. Oxalá não tivessem borrado o que lá tinha escrito. Aquele último andar do velho prédio pombalino da Calçada da Patriarcal metia água sempre que chovia.

Mas paciência, era o que podia ser. Apesar de mau era bem melhor do que morar em partes de casa ou quartos alugados, como antigamente. Agora, com a idade que tinha, não queria passar novamente por essa situação.

A caixa de lata da Oliva tinha uns pingos na tampa mas nenhum passara para dentro. Estavam bem, felizmente. Era nela que a mãe antes guardava os dedais, tesouras, carrinhos de linhas e demais coisas do seu trabalho de costura para os Rodrigues da Rua de São Paulo. Porque já não podia por causa da doença, coitada, teve de deixá-lo e deu-lhe a caixa para ele guardar os cadernos onde escrevera os seus diários e pensamentos.

Ontem viera um aviso para se apresentar na Escola Prática de Infantaria em Mafra. Disciplina de quartel, vida de caserna não eram coisas que o preocupavam, não era muito mais do que aquilo a que estava habituado desde pequeno.

Mas havia a guerra, e era mais que certo ir lá parar e isso é que o fazia estar receoso e apreensivo e com pena de ter deixado os estudos na universidade. Preferia tê-los acabado primeiro. É claro que, acabados ou não, estava condenado na mesma. Para morrer lá, tanto fazia ter acabado ou não.

Já dissera aos pais desta ordem de apresentação na tropa e viu a angústia com que ficaram, na cara do pai e nas lágrimas da mãe. Já tinham essa preocupação há muito, sempre na expectativa que sucedesse. Sabiam que era assim para todos e que, num dia qualquer, também lhes ia acontecer. Mas estava ali aquele papel a dizer que era agora, o que supunham aconteceu mesmo. Pensar que pode ser que um dia é diferente de ver que já é. Tentara um lenitivo dizendo-lhes que vir a ser oficial era uma coisa simpática, um salto na condição de filho de pobres, e podia ser que não lhe calhasse ter que ir para a guerra, sempre havia alguns que não iam. O pai não ficou convencido mas ficou mais calmo, a mãe não deixou de chorar. O irmão não se manifestou, pareceu não ser nada com ele, mas a irmã acompanhou a mãe nas lamentações.

Agora, só ele é que estava em casa. Os irmãos estavam no trabalho, o pai também, e a mãe fora a uma consulta no hospital. Altura ideal para ver com calma o que escrevera.

Era a recordação dos dias em que lhe doíam a alma por quase tudo e o corpo por não ter nada, quando a vida parecia fugir, quando a desilusão o afundou no purgatório dos vencidos. Ia ler cada “caderno diário”, este com uma caravela e um padrão dos descobrimentos na capa e a inscrição “por mares nunca dantes navegados”, e este com Viriato e a narrativa da saga dos lusitanos, com Camões e outros heróis muito elogiados. Conseguira escrevê-los no seminário quando estava mais sereno e podia estar sozinho, o que não era nada fácil no ambiente extremamente vigiado em que era obrigado a estar.

A vida alterou-se depois disto que escrevera e estava para mudar agora novamente, mas num novo ciclo totalmente diferente.

Queria ver novamente como foi, tentar compreender as tramas do seu destino, ver se conseguia desfazer esta dúvida que ainda tinha de se foi ele ou se foram outros que as teceram. Interrogou-se se não seria masoquismo voltar a esse passado. Não, não era. Precisava aprofundar o conhecimento de tudo o que lhe aconteceu, de tirar lições para que não sucedesse o mesmo nesta nova situação que se avizinhava.

Tinha tudo lá escrito.

O pai e a mãe, bem como os seus avós, bisavós e trisavós nasceram todos no Alentejo, no Baixo, e talvez os de antes também, mas isso não sabia ao certo. Já falara sobre isso, sobre as raízes e a árvore genealógica da família, mas o pai riu-se dizendo-lhe que essa árvore era um chaparro com raízes fundas, como há muitos nos montados. Lembravam-se dos seus antepassados directos mais chegados mas não conseguiam ir muito longe. A mãe foi ceifeira que andava à calma, lembrava-se bem desta canção, e o pai foi tractorista nos campos dos latifundiários, rasgando-os com aivecas. Pensa que foi por isso que lhe acrescentaram a alcunha Aiveca ao nome próprio, sendo conhecido lá na terra como Eduardo Aiveca. Mas a vida era má, contaram-lhe da miséria e da fome passada, razão por que tinham vindo para Lisboa na tentativa de encontrar melhor. Foi por isso que nascera na maternidade Magalhães Coutinho, ali para os lados da Estefânia. O pai quis pôr-lhe o nome de António Aiveca mas o registo civil do Socorro não deixou acrescentar Aiveca pois não era o apelido que ele tinha no bilhete de identidade. Mas a família sempre o tratou assim e assumiu esse nome toda a vida. Até porque, após o nascimento, só passara um anito na Rua da Mouraria. A mãe adoeceu dos pulmões e o médico disse-lhe para ir apanhar ares para o campo, lá para baixo. Fora com ela, ainda bebé, e ali ficou sete anos. Lá na terra sempre foi tratado por António Aiveca, o filho do Eduardo Aiveca. Não desgostava do nome.

Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça que queria ser padre. Não havia pároco a residir no Penedo Gordo, devido á extrema miséria dos assalariados rurais que constituíam a grande maioria da população da aldeia e porque a maior parte deles não ligava grande coisa às questões da religião. Só aos domingos é que o seminário de Beja mandava um padre para que os crentes pudessem cumprir os seus deveres dominicais. Nessa altura ia à igreja com a avó Rosário. Os avôs Salustiano e João, materno e paterno, não ligavam, nem os tios, a mãe não ia porque estava doente, dizia ela, mas sempre lhe pareceu a ele que também não ligava muito àquilo. A avó Violante, a mãe do seu pai, nunca a vira na igreja. Mas ele gostava de ver o senhor prior com aquelas vestes bonitas, as campainhas, a solenidade, e o respeito de todos os que lá estavam impressionavam-no muito. Todas aquelas cores, luzes e sons eram uma maravilha. Os revérberos do sol através dos vidros coloridos das janelas exerciam o mesmo efeito que qualquer coisa extraterrestre poderia exercer, encantamento, espanto e redobrado respeito. Era bonito, também queria ser padre. Tanto insistiu com a mãe que esta, num dia que teve de ir a Beja, levou-o ao seminário para lá ficar. O reitor ficou encantado, sorriu e afagou-lhe a cabeça. Mas recomendou-lhe, depois, com ar sério que tinha primeiro de tirar a 4ª classe e deu-lhe uma mancheia de rebuçados. Deixou-o contente e muito esperançado de um dia poder igualmente viver no meio de tantas maravilhas, numa casa enorme e bonita como aquela e ter sempre à mão quantos rebuçados quisesse.

Estas lembranças ainda agora eram agradáveis e o faziam sorrir. Mas queria ver mais algumas páginas

(...) Tinha-se interrogado várias vezes sobre as razões que o levaram a entrar no seminário. Mais para carpir a mágoa por um passo mal dado do que para tentar esclarecer aquilo que já sabia. Tinha sido a condição de menino pobre que levara a isso como necessidade. Mas é claro que não fora responsável pela decisão. A necessidade era dos seus pais, que aproveitaram o desejo de um padre que se tinha armado em protector.

As pressões daí decorrentes e os meios em que passou a ter que se mover fizeram o resto. À distância, sentia uma grande mágoa por não ter conseguido libertar-se mais cedo dessa catástrofe que lhe sucedera na vida. Mas, nem sabia se poderia ter sido diferente. Para quem tinha fome, para quem passava o dia com uma fatia de pão com margarina ou, mais do que uma vez, com uma côdea seca, era impossível recusar a possibilidade de ter refeições a tempo e horas. Como não aceitar a perspectiva do café com leite e pão com marmelada, da sopa, da carne e do peixe, se chegara, quando era puto, a ter que andar aos caixotes?
Preço: 19 € (edição em papel) [10 € na sessão de lançamento)
Já tinha desejado muitas vezes não acreditar em Deus. Mas não tinha conseguido. Numa guerra, nesta guerra em que se encontrava como interveniente activo, os desejos, a esperança, a ideia de que quem morria eram os outros e não ele, tudo estava depositado no Deus que o havia de proteger e guardar. Mas porquê a ele e não aos outros, aos que morreram, aos que ficaram sem braços e sem pernas, aos que ficaram cegos e aos que ficaram loucos? Era uma dúvida e, ao mesmo tempo, uma incompreensão muito funda que se afogava e perdia naquilo que a sua formação religiosa chamava os insondáveis desígnios de Deus. Queria dizer que era desígnio de Deus morrer ou ficar estropeado, e também era vontade d’Ele se saísse bem disto tudo. Deus era a explicação de todas as coisas, ele não riscava nem decidia nada, podia tranquilamente continuar a fazer a guerra. Podia matar porque nos desígnios de Deus tanto podia estar o prémio como o castigo. Ele é que decide quem mata e quem morre. O prémio era para ele que matara e não morrera e o castigo era para o outro que não o matara e morrera? Ou ele seria castigado porque matara o outro e este terá um prémio na outra vida porque não o matara? Se comparecer perante Deus, durante ou após esta guerra, será condenado às penas eternas ou entrará no rol dos bem aventurados? Será condenado ou premiado por ter matado para obedecer aos seus legítimos superiores, àqueles que têm sobre ele a pesada responsabilidade de governar e mandar? Será condenado ou premiado se lhes desobedecer e não matar?

A Deus o que é de Deus e a César o que é de César... Citação hipócrita para justificar a passividade da Igreja perante a guerra quando César vai contra o mandamento não matarás. Ou consentimento? Como admitir que a Igreja abençoe a guerra?  (...) (**)

(Continua)





Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Natal de 1968 > Areograma do A. Marques Lopes, enviado á irmã e cunhado: "Querida irmã e cunhado, um Natal feliz e que o Ano Novo seja sepre melhor que o anterior. António Manuel... Uma ginginha!.. Pois dar de beber à dar é o melhor"...

"Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor".

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados

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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P14673: Tabanca Grande (465): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) - 689.º Grã-Tabanqueiro

1. Convidado através do facebook a fazer parte da nossa tertúlia, recebemos do nosso camarada José Rodrigues, (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), a seguinte mensagem:

Boa tarde Carlos
Uma falha grave da minha parte, não me ter apresentado nas devidas condições.
Como castigo, não adianta dares-me uma carecada, porque não há nada para cortar. Deixo ao teu critério o castigo a aplicar.

Histórias sobre a guerra, não vale a pena pois o meu percurso foi igual ao de milhares de "mancebos", mas tive a sorte de regressar vivo. Digo vivo, porque mentalmente quer queiramos quer não, todos viemos com "pancada".

Mas recordo-me que havia um nativo que poderíamos apelidar de "ordenança", pois dava apoio à nossa moradia em Bissorã.
Pedi-lhe um dia que fosse à cantina comprar-me um sabonete e disse-lhe uma marca que na altura estava muito em voga "CADUM". Passados minutos aparece-me com meia dúzia de sabonetes.
Admirado, perguntei-lhe... porquê tantos sabonetes?
- Furriel disse-me para trazer um de cada um !!!

No dia 6 de Janeiro de 1966, ele e mais cinco camaradas, tombaram ao pisar um fornilho.
Para ele e para todos os camaradas, minha homenagem!!!

Recebe um abraço amigo,
Zé Rodrigues

José Rodrigues a caminho da Guiné, diz o editor observando aquelas divisas tão novinhas


2. Comentário do editor:

Caro amigo e camarada José Rodrigues, bem-vindo à Tertúlia.
Já nos conhecemos pelo facebook onde vais acompanhando a Tabanca Grande. Aqui fazes companhia ao teu e nosso amigo Manuel Joaquim de quem foste camarada na CCAÇ 1419. A tua cara não nos é estranha pois já publicámos várias fotos dos convívios da Magnífica Tabanca da Linha onde apareces, como neste último convívio de Maio.

José Rodrigues no Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, 21 de Maio de 2015

Já sabes que estamos disponíveis para publicar as tuas fotos e uma ou outra memória dos tempos de Guiné que surja e queiras partilhar.

Se quiseres conviver com a tertúlia da Tabanca Grande, terás a primeira oportunidade no dia 16 de Abril do próximo ano. Muita da malta da Tabanca da Linha é assídua dos Encontros nacionais, assim como muitos camaradas da grande Lisboa pelo que até nem darás pela diferença.

Em nome da tertúlia da Tabanca Grande e dos seus editores, aqui fica um abraço de boas-vindas.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

Guiné 63/74 - P14672: O cruzeiro das nossas vidas (21): Os últimos dias, a família, os amigos e finalmente o embarque, em 28/5/1968 (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2015, falando-nos do Cruzeiro da sua vida.

Amanhã, 28 de Maio, faz 47 anos que iniciei o meu primeiro cruzeiro da minha vida, que podia ser o cruzeiro da minha morte.

Abraços
Zé Martins


O EMBARQUE

Os amigos e conhecidos ao saberem da minha mobilização, mesmo sem lhes ser pedido, passaram a fazer as suas recomendações, sobre os problemas e carência comuns a qualquer das frentes de combate. No casão militar adquiri uma quantidade enorme de fardamento, para fazer face às necessidades em campanha, e, sobretudo, porque lá não haveria a possibilidade de adquirir algo que tenha faltado ou que fosse necessário substituir.

Mais uma vez, com as malas às costas e de volta a Torres Novas, nova guia de marcha para Lisboa, para me ir apresentar no Depósito Geral de Adidos, na Ajuda.

Os mobilizados em rendição individual mais não eram que pedras de xadrez num tabuleiro desmantelado, em que era extremamente difícil deslocar-se qualquer que fosse a direcção. Com apatia, insensibilidade, desmotivação ou desprezo, temos de admitir, era assim que os militares, independentemente da patente, eram recebidos. Os soldados que desempenhavam as funções de recepção, não só não tinham qualquer preparação para a tarefa, como não tinham qualquer problema em mostrar desagrado.
A falta de organização dentro da unidade, apesar de ser compreensível dada a quantidade de militares que chegavam e partiam, originavam enormes problemas de logística; a marcação dos embarques e o seu adiamento sistemático, provocava uma sensação de vazio e mal-estar, que obrigava a que cada um procurasse, fora do âmbito militar, o apoio que necessita naqueles dias difíceis.

Cargueiro N/M Alenquer, da Sociedade Geral 
© Foto Google – imagens de navio Alenquer

Esta situação originou que efectuasse várias viagens Lisboa/Porto e Porto/Lisboa, obrigado a noites mal dormidas, a gastos inesperados de dinheiro, e, sobretudo, a despedidas contínuas. Foi numa dessas vezes, ao deixar a casa paterna, que ouvi um barulho fora do normal. Parei. Pensei em voltar atrás. Mas fosse o que fosse, nada poderia fazer. Cerrando os dentes a apertando com mais força as pegas do saco de viagem que transportava, segui em frente, segui o curso da minha própria história.

Só dois anos mais tarde, já de regresso e com a missão cumprida, apesar de ter estado duas vezes de licença na metrópole, é que soube que, perante a impossibilidade de fazer parar e/ou alterar os acontecimentos, o meu pai, na sua raiva e desespero igual à de tantos outros pais, tinha partido o tampo da mesa da sala.

Enfim. Ao cabo de quase uma semana de “embarca hoje de avião”, “o voo foi adiado vinte e quatro horas”, “o embarque aéreo foi cancelado”, “vão de barco dentro de dias”, chegou o dia do meu embarque.

Nesse dia, sabendo da odisseia passada nos Adidos, ou melhor, à sua volta, o meu irmão mais velho, o João, invocando que tinha de resolver alguns assuntos em Lisboa, telefonou e marcamos um encontro para a hora do almoço.

O local do encontro foi algures na baixa lisboeta. Com o meu irmão, vinha a minha cunhada, a Lai.

Como o João era vegetariano, de curta data, rumamos para a Rua da Emenda, ao Bairro Alto, para um almoço de vegetais no restaurante Colmeia.

A ementa era extremamente simples: vários vegetais cozidos, acompanhados com um sumo de laranja e como sobremesa um doce de cenoura.

A minha cunhada apenas observou o almoço. O seu seria a seguir num restaurante mais tradicional na Rua Primeiro de Dezembro, e com uma refeição menos sofisticada: bife com batatas fritas, que, por cavalheirismo e porque realmente “aquilo dos vegetais não era propriamente almoço”, a acompanhei “aviando” uma boa costeleta.

Mal sabia eu que este duplo almoço do dia 27 de Maio de 1968 me ficaria na memória para sempre, sendo recordado, com saudade, especialmente quando me sentava à mesa para a refeição, no destacamento longínquo perdido no leste da Guiné, e tinha para comer, quase invariavelmente, feijão ou arroz com chouriço ou salsichas.

A hora da partida aproximava-se e o carro rumou o Cais da Rocha do Conde de Óbidos.
Naquela tarde de Maio de 68, o cais e a zona envolvente estava calma. Só o N/M Alenquer deixava escapar algum fumo pela chaminé, prenúncio de que aquecia as máquinas para a viagem que iria iniciar.

Não havia a aglomeração de militares e de suas famílias, a que nos habituara, desde há muito, a televisão. Constatou-se que havia, como passageiros, apenas, quatro furriéis e oito marinheiros, que constituíam as tripulações de duas lanchas LDM que estavam embarcadas no convés, mas, no porão, a carga era constituída por armamento e munições, mas que só o viemos a saber quando o navio procedia à descarga.

Despedi-me da família e subi a bordo, onde um velho guarda-fiscal me saudou militarmente. A promoção a Furriel Miliciano era tão recente, que nem sequer raciocinei de que já tinha direito a continência. Correspondi com um “boa tarde” seguido de um aperto de mão, a que o guarda correspondeu entre o satisfeito e o surpreendido.
O alojamento duplo que me estava destinado para os dias seguintes, podia ser catalogado como de cinco estrelas e era de fazer inveja a muitos hotéis da capital. Além das duas camas, dispunha de dois guarda-fatos individuais, uma secretária com material para escrita, e além de uma zona de descanso, dispunha de instalações sanitárias amplas e modernas.
Mas a família tinha ficado no cais. Há que voltar ao convés para corresponder ao sinal de despedida que, os que ficavam em terra, queriam enviar.

Tirando a boina e despindo o blusão, fui até à amurada.

Ouviu-se um silvo agudo seguido pelo roncar das máquinas do N/M Alenquer e do rebocador que o auxiliava na manobra.

Algo estranho se passou, pois um militar não chora (?). Tirei um cigarro do bolso e escondi as lágrimas, que me escorriam pela cara abaixo, atrás do fumo que o mesmo libertava.

Lisboa ficava para trás, iluminando-se, cada vez mais longe, na noite cálida. A proa indicava o futuro e o futuro, naquele dia, chamava-se África...

Chamava-se Guiné!

12 de Julho de 2000
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10958: O cruzeiro das nossas vidas (20): Viagens de avião de ida para a Guiné, e volta, patrocinadas pelo Estado Português (Henrique Cerqueira)