Com a devida vénia ao fotógrafo Alfredo Cunha
1. Por proposta de José Marcelino Martins e concordância do autor, aqui deixamos este extenso, mas interessante artigo de opinião sobre as Comemorações do 25 de Abril de autoria de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71).
Originalmente publicado no seu facebook em 5 partes, por ser um pouco longo, optamos por publicar tudo de uma só vez aqui no Blogue.
AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A
MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 1
1 de Julho de 1972. De Lisboa
para Bissau, um meio aéreo da FAP transportou três capitães, a saber: Jorge
Golias e Matos Gomes, oficiais do QP, e José Manuel Barroso, miliciano, este
com destino ao Gabinete de Informação e Comunicação do ComChefe.
Golias viria a publicar um livro,
no qual afirma que os três estabeleceram uma interessante conversa sobre a
condição política e militar que afectava o ultramar português. Chegados a
Bissau comprometeram-se a reunir e alargar as conversas a novos camaradas, o
que terá acontecido. O autor reivindica para o mencionado encontro a génese do
golpe militar.
Sobre as razões apressadamente
reunidas para justificação da insubordinação militar: democracia,
desenvolvimento e descolonização não fez qualquer referência.
Naquela época - 1972 - a situação
militar nos territórios ultramarinos podia caracterizar-se assim: controlada na
Guiné e em Moçambique; dominada em Angola.
Naquele tempo, a Guiné era um
pequeno território com cerca de trezentos mil habitantes, de escassos recursos
e infraestruturas, onde se vivia uma economia de guerra. A política "Por Uma
Guiné Melhor" parecia dar resultado e as massas apoiavam o regime. A guerra
movida pelo IN era descontrolada e tanto afectava as NT como a população
condicionada às minas, aos assaltos e às flagelações. Eram os portugueses que
lhes prestavam o auxílio possível sempre que afectadas. Angola e Moçambique,
pelo contrário, apresentavam notáveis índices de desenvolvimento e crescimento
económico e social, entre 8 e 10% na costa oriental, e 20% em Angola. Eram
sociedades em rápido processo de educação e modernização, tanto de equipamentos
públicos como empresariais, e altamente exportadoras.
A metrópole registava índices de
crescimento económico de cerca de 7%, e crescia em todos os domínios,
salientando-se a melhoria dos salários, que então permitiam maior desafogo,
melhoria na habitação - quando se desenvolveram grandes urbanizações em Oeiras,
Amadora, Sintra, Loures, Almada, Barreiro, para só falar na cintura de Lisboa.
Havia muita capacidade de absorção de mão-de-obra, nos serviços, na indústria e
na função pública. Os automóveis particulares aumentavam exponencialmente, as
casas para além de electrodomésticos, passavam a contar com televisão e
gira-discos. O Algarve, embora mal servido de acessos, já era destino de férias
de muitos nacionais. O fim-de-semana à inglesa generalizara-se, e começava o
modelo americano, com folga de dois dias. Politicamente assistira-se à
regularização dos esquemas da segurança-social, CGA/MSE e CNP.
O País vivia em equilíbrio
económico-financeiro, com elevadas reservas em ouro e divisas, e sem dívidas ao
estrangeiro.
Entretanto dava-se a revolução sexual, e a luta da mulher pela igualdade de
direitos, acompanhava a luta de salário igual para trabalho igual. A mulher
saía de casa e dirigia-se para o trabalho em condições idênticas às dos homens.
Vulgarizava-se o uso da mini-saia, das roupas cingidas e dos generosos decotes.
Na praia também era adoptado o biquini, e a mulher prosseguia o caminho da
independência pela sedução. As jovens mulheres de alguns capitães também se
enquadravam nesta onda, e eram frequentes as intrigas que afectavam os casais,
ou os maridos mobilizados em África.
Em 1973, com o recrudescimento da
guerra na Guiné, a que os poderes político e militar não deram resposta
adequada, a situação sofreu perturbações. Os militares exigiam mais equipamentos
e mais contingentes, a que Caetano não respondia, nem evitava esse mal-estar
institucional, chegando ao ponto de propor a entrega do poder aos militares,
que rejeitaram. Apesar de sobre a questão ultramarina, Espanha França e
Alemanha darem apoios políticos a Portugal, e os EUA revelarem maior
compreensão às teses portuguesas, o Governo mostrava-se tolhido. Outras nações,
pontualmente, também se associavam com apoios.
AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 2
Em 26 de Dezembro de 1971 Spínola
despediu-se de um contingente militar que regressou à metrópole. Discursou como
habitualmente, e referiu que os "traidores" estavam na retaguarda. Não os
mencionou, mas é fácil inferir que se dirigia a elementos do Governo Central. Já
andava às turras, e a partir de 1973 parecia querer tudo, para combater o que
antes parecia ter controlado, o IN.
Entre aquelas datas deu bastas provas de querer vir a ser Presidente da
República. Desdobrava-se em entrevistas e fomentava reportagens. Parecia um
senhor da guerra, um líder incontestado. No entanto, tenho dele amargas
recordações, como as que deram ocasião ao assassínio de três majores, um
alferes e uma praça. Foi muita e grave a ingenuidade do General. Não ficou por
aí. Ambicioso, deixou-se seduzir pela ideia de invadir Conakry, o que seria
natural num acto de guerra contra o IN. O auto-proposto Comandante e criador da
ideia, é que não soube combater a outra ideia de promover um golpe de estado
noutro país, o que não teria sido mau de todo, se não tivesse havido tantas
fugas de informação que ditaram o falhanço quase total da operação invasora.
Eram ambos muito ambiciosos e descuraram aspectos essenciais. Queriam a glória
de engalanar a História de Portugal, mas os resultados foram fracos e poderiam
ter sido piores, conforme o testemunho de um importante e destacado
participante (não o cito por estar vivo). Mas o ComChefe ainda deu mais provas
de desnorte, fechando, reabrindo e voltando a fechar aquartelamentos;
permitindo novos aquartelamentos com a água à distância (v.g. Guilege e
Bajocunda); mandando tapar as valas de protecção a Pirada com o argumento de
que aquela era uma região pacífica e controlada, embora poucos dias após tenha
ocorrido um milagre a favor das NT em resultado da invasão da localidade
durante uma projecção de cinema.
Spínola também não foi capaz de controlar o erário, pela criação de equipas de
auditoria para disciplina da quadrícula, promoção ao bem-estar físico e moral
da tropa. Foi um ver se-te-avias, com os maus resultados que se adivinham,
embora os relatórios, de baixo para cima, mencionassem sempre o elevado moral
do pessoal. Mentira!
O General também parecia estar a jogar em dois campos: com o prestígio
internacional, que o obrigava a mostrar aceitação pelo "politicamente
correcto", e com a desculpa da insuficiência de meios para a defesa daquele
torrão pátrio. Foi quando, com os outros comandantes-chefes, rejeitou a tomada
do poder proposta por Caetano.
Com o aparecimento dos Strela - mísseis terra-ar que provocaram alguns
estragos iniciais, acentuou-se o sentimento de perturbação e o desejo de
muitos militares pelo abandono do território. A guerra era feita em grande
parte pelos milicianos, e os capitães em geral procuravam a segurança dos
aquartelamentos. Havia dignas excepções, mas eram isso mesmo excepções. Com
isso, alastrava a falta de liderança sobre o pessoal, com a consequente quebra
da disciplina. S.Exa. também elegia os favoritos e os trastes, por vezes com
critérios de pouca compreensão e aceitação. Na transição de 73 para 74, face à
acumulação de erros que pareciam dar vantagem ao IN, já o MFA levava adiantada
a sua vocação de protesto, e avançava à luz-desarmada com a sua campanha de
abandono dos territórios africanos.
Todos sabiam. Sabia a PIDE, os altos comandos militares e o Governo.
Ninguém, nem os mais moralistas, se empenharam na defesa de quantos se bateram
pela Pátria, metropolitanos e africanos, dando do País a imagem de cobardia e
traição que desqualifica os povos. Entretanto, formara-se no exterior, o
Partido Socialista, que em 25 de Abril teria 20 a 30 militantes, conforme
refere Rui Mateus na sua obra "Contos Proibidos".
Pouco antes, PCP e PS assinaram um pacto de cooperação contra o Governo e por
um novo regime pretensamente democrático.
Em resultado da luta dos movimentos de libertação contra o designado
colonialismo português empurrados pela miopia e desinteresse ocidental para os
braços da URSS, os anos decorridos, as diferentes circunstâncias que afectavam
os mobilizados, e a intensificação da luta na Guiné, dariam lugar ao chamado
Movimento dos Capitães, que derrubaria a ditadura do Estado Novo. Esse
movimento "pacífico", sem oposição e sem objectivos políticos claros,
alegadamente provocado por razões de natureza corporativa - o governo derrogara
a lei relativa à progressão dos capitães milicianos, e pela derrota psicológica
dos militares portugueses que levaram ao abandono dos territórios, daria lugar
a um período de enorme perturbação e ruína, quer em termos materiais, quer em
termos morais e anímicos, de que o País ainda sofre, com consequências
impossíveis de avaliar, como tentarei mostrar numa terceira parte. A glória da
miséria estava para chegar.
AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 3
A guerra de África que assolou os
territórios portugueses a partir de 1961, ocorreu em plena "guerra fria",
período dominado pela rivalidade das duas grandes potências, ambas interessadas
na expansão e domínio das regiões sob as suas influências. Os EUA contavam
desde a 2.ª GGM com parte ocidental da Europa, a mais desenvolvida, com algumas
regiões asiáticas, a Oceânia e as américas, com excepção da pequena Cuba. Por
seu lado, a Rússia dominava os países da Europa oriental sob a URSS, como se
todos esses povos comungassem do mesmo entusiasmo. Ainda estendia influências
noutras regiões asiáticas, e, enquanto beneficiária estratégica da Conferência
de Bandung, mostrava-se a maior colaboradora dos novos países afro-asiáticos
que saíram dos diferentes regimes coloniais. Acolhia e formava os jovens dos
movimentos emancipalistas, que também instruía e municiava. A África era a sua
principal área de influência, e território de conhecidas reservas minerais.
Em 1973 formou-se o Partido Socialista, que logo foi acolhido pela
Internacional Socialista, uma organização de países de índole
social-democrática, em geral desenvolvidos e instruídos. Entre eles, avultava a
Suécia, onde Olof Palme mostrava toda a vontade de acabar com os regimes
coloniais, e exercia grandes pressões para que os territórios naquela condição
colonial, ascendessem às respectivas independências. Quer isto dizer, que um
teórico esforçava-se para libertar o mundo "colonizado", sem dele mostrar
ideias coerentes sobre as multidões que se propunha libertar, nem as
circunstâncias em que essas regiões viviam e conviviam. Os territórios de
influência anglófona, francófona, italiana e espanhola, logo consubstanciaram
pelo abandono o slogan dos "novos ventos da história", que deram origem a novos
países ditos progressistas, porque acolhiam-se à área de influência russa. O PS
de então tinha beneficiado da generosidade de Palme, Brandt e Janitschek - 1.º Ministro austríaco, quer em meios políticos, quer em apoios financeiros, que se
prolongaram por vários anos. Donde, politicamente, os socialistas portugueses
não poderiam afastar-se com notoriedade, e ficavam vinculados à ideia da
descolonização, sem que essa fosse ou não debatida como a melhor solução para
africanos e portugueses. Por esta ocasião, cerca de metade do contingente
militar que combatia os movimentos era proveniente dos recrutamentos locais, o
que também poderia ter sido entendido como uma demonstração de vontade desses
militares para continuarem portugueses. Condição que verifiquei mais de vinte
anos depois, quando fiz deslocações ao interior da Guiné e de Moçambique, onde
era abordado calorosamente por indivíduos da minha geração, que ainda se
reivindicavam de portugueses, e exibiam cartões de identificação civis e
militares. Portanto, os socialistas em geral, nacionais ou estrangeiros,
estavam vinculados a uma ideia teórico-política sobre a descolonização, também
ela representativa de interesses próprios de sobrevivência. De qualquer modo,
era intolerável a intromissão desses países nas orientações internas de outros,
para mais membros comuns da EFTA.
Na metrópole, entretanto, dava-se continuidade ao projecto de Sines, que
pretendi consagrar a "zona do escudo" face aos eventuais boicotes externos, mas
tinha virtude de desenvolver o País com vista à auto-sustentação económica. Foi
um projecto muito arrojado, que ficou a meio caminho dos objectivos, e poderia
ter estimulado a novos desenvolvimentos.
Entretanto, Spínola regressara à metrópole em nítido conflito com o Governo, e
deixou no ar, fruto da sua ambição, a ideia de que poderia apadrinhar o
movimento dos capitães.
Enquanto isso, os principais órgãos de comunicação-social davam à luz muitas
notícias de sinais contrários à política prosseguida, muitas vezes com origem
em fontes ou jornalistas comprometidos, que a censura não detectava ou não
podia neutralizar. Também os estudantes aumentavam o banzé sobre o destino
próximo da mobilização para a guerra, que efectivamente já durava em demasia.
Havia, pois, uma predisposição para uma mudança, pese embora que não se sabia
para quê.
A par disso, a população branca nas colónias aumentava significativamente,
porque os desmobilizados tinham encontrado ali excelentes oportunidades
profissionais e para organização das suas vidas. Muito longe iam os tempos
coloniais, apesar da estratificação social característica de povos nos inícios
do contacto com a civilização. Crescia o número dos casais mistos, e
consequentemente dos filhos mulatos. Também a Administração e empresas
empregavam muitos funcionários e gestores, em ambiente de grande harmonia.
Dizia-se de Angola, que seria um novo Brasil.
AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A
MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 4
Em 1974 Caetano estava abúlico e
o Governo tinha a noção de estar a prazo. Digamos que fazia a gestão corrente,
desejoso de ser substituído.
"Em Maio de 73 promoveu-se na Guiné a primeira tomada de posição colectiva de
grande notoriedade. Foi a propósito do chamado Congresso dos Combatentes do
Ultramar, uma iniciativa de antigos oficiais milicianos, apoiada pelo Governo",
que na Guiné teve resposta negativa. Em 17 de Agosto, em Bissau, o alargado
grupo de capitães antes referido, reuniu para análise de um carta a enviar às
altas instâncias políticas e militares. Era em tom duro, e foi amenizada em
virtude de várias opiniões, o que gerou a intervenção de Golias, que disse ter
sido tão suavizada, que parecia uma carta de amor, e acrescentou, que também
deviam ter discutido a guerra, que só poderia ser resolvida com o fim do
regime, o que se conseguiria com uma revolução. Estava dado o mote. A carta foi
enviada e assinada por cerca de cinquenta oficiais, mas as autoridades não
reagiram, melhor, promoveram os capitães mais antigos.
Quando Bettencourt Rodrigues
tomou posse, já o Movimento dos Capitães estava lançado. Conforme descreve
Golias, em finais de 73, Matos Gomes regressou de férias na metrópole e
carregava uma pilha de livros "Por Uma Democracia Anticapitalista", de
Sottomayor Cardia, que revendeu a preço de custo. Foi esse livro que pôs muitos
capitães em contacto com a política, uma espécie de manual escolar que lhes
permitiu sentirem-se preparados para a revolução. Golias, ingenuamente, ainda
acrescenta o estímulo da leitura de "Textos Políticos", de Cabral, e evidencia uma
frase inspiradora: "os nossos povos fazem a distinção entre o governo colonial
fascista e o povo de Portugal: não lutamos contra o povo português". E fez fé!
Também os portugueses nunca lutaram contra o povo espanhol, guerrearam contra o
exército e a cavalaria de Espanha.
Quando Spínola publicou "Portugal e o Futuro", embora estribado pelas teses
caetanistas do estado federativo, suscitou grande controvérsia entre os "duros
do regime", os intelectuais abertos à liberalização das relações com o
ultramar, os chamados europeístas, e a imensidão de patetas que gostam de
pronunciar-se sobre o que não sabem, e não têm outros interesses específicos.
Por essa ocasião, e pelo indisfarçável andar da carruagem, Kissinger referiu
que a tendência comunista para alcançar o poder em Portugal, seria um castigo
bastante para a leviandade dos portugueses, mas preocupado com o resto da
Europa do sul, onde os comunistas tinham atingido posições relevantes,
deslocou-se a Moscovo para breve conversação sobre a partilha do mundo.
Entretanto, na metrópole já o "movimento" reunia muitas dezenas de oficiais,
ingénuos e desconhecedores de como se governa uma nação, pelo que trago à
lembrança um episódio pífio de um batalhão que se recusara a embarcar para
Guiné, e seguira fraccionado em diferentes levas. Em Fevereiro de 74, o comandante
desse batalhão urdia o seu plano para capturar o ComChefe e o Estado-Maior.
Note-se, porém, que na política os serviços de informação e contra-informação
desempenham importantes papéis, e em Março de 74 chegou a constar o boato de um
plano do PAIGC para invadir a Guiné, coisa palerma, tendo em conta que eles
seriam 5 a 6 mil guerrilheiros, e só a tropa de recrutamento local, que
integrava companhias, pelotões e pelotões de milícias andariam pelos 20 a 25
mil elementos, incluindo um bom número de tropa especial. Houve portanto, um
trabalho de desmoralização e desqualificação em relação ao inimigo, que fez
exorbitar o desespero da tropa, e o desprezo pelos portugueses de cor.
Apesar de tudo, e decorrente de passagens narradas, Portugal talvez vivesse o
período histórico de maior esplendor, pois crescia económica e financeiramente,
modernizava-se em equipamentos e infraestruturas, e não tinha dívida externa,
salvo a que respeitou a um sindicato bancário que financiava a obra de Cahora
Bassa.
AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A
MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 5
Em 1974 ainda não havia MFA nem
Programa. Segundo Sanches Osório, o Movimento dos Capitães tinha
características exclusivamente profissionais: "eram apresentadas reivindicações
que assentavam nas remunerações e que afectavam o prestígio dos oficiais do
quadro permanente". Nunca tive oportunidade de conhecer as razões que afectavam
o prestígio desses oficiais. Talvez as intrigas familiares que surgiam no meio
castrense, e de que fui testemunha.
Em Fevereiro o Gen. Spínola publicou "Portugal e o Futuro". O marcelismo criou
ilusões em sectores da oposição do que resultaram cisões. Era uma expectativa
de primavera política, mas que esteve sempre condicionada aos duros do regime.
Quer dizer, Caetano não foi capaz de provocar, não digo a ruptura, mas uma nova
orientação no horizonte nacional, muito menos no que à guerra dizia respeito.
Fez brandas reformas sociais, de que se destacou a regulamentação da
Previdência e das relações laborais; e imprimiu algum dinamismo a projectos de
industrialização e desenvolvimento. Mas os ultras do regime estavam
interessados em persistir e torciam o nariz às mudanças. O livro de Spínola
abordava com riqueza de argumentos o tema ultramarino, de vincada inspiração de
Caetano, mas a corrosão da sua influência e a situação quente que se vivia, não
lhe terá permitido apoiar o General, que por sua vez, confiava demais nos seus
alegados méritos, e terá dado à estampa com o objectivo de alcandorar-se como
favorito à presidência da República. Apesar de relevantes obras em curso tanto
na metrópole como no ultramar, e do progresso económico e social constatados, o
Governo foi incapaz de se impor, quer pela moralização do sistema, quer pela
determinação dos militares em acabarem com a guerra, ainda que satisfeitas
algumas exigências, se para tal fosse necessário. O azar, é que os militares já
estavam decididos pela derrota consubstanciada pelo abandono de terras e gentes
em África. Depois houve o episódio da apresentação da "brigada do reumático", a
que faltaram os dois mais prestigiados generais, respectivamente Chefe e Vice-Chefe do EMFA. Nova e importante derrota para o regime, e impulso precioso
para os capitães.
E chegou o dia, mais condizente com um filme de ficção, do que com a realidade
revolucionária e perigosa que alguns militares gostam de fanfarronar.
Até o MFA pareceu apanhado de surpresa, dada a falta de confiança evidenciada
pelos que ficaram a aguardar os acontecimentos, mas, principalmente, pela
ausência de um Programa definitivo sobre o método e os objectivos do golpe, o
que só viria a concretizar-se meses mais tarde na sequência de diversas
alterações ao texto revolucionário. "As ligações políticas do Movimento dos
Capitães foram realizadas pelo Maj. Melo Antunes o qual estava estreitamente
ligado, através da CDE, ao Dr José Tengarrinha. Tudo leva a crer, assim, que o
tom que foi dado às manifestações populares de apoio ao Movimento foi orientado
pelo MDP/CDE, com conhecimento de Melo Antunes", cfr Sanches Osório.
Segundo o
mesmo autor "o MFA estaria apenas unido em dois objectivos comuns: derrubar o
Governo, e caminhar para o progresso e a justiça social. A forma de alcançar
esse progresso e essa justiça social é que não foi analisada na altura". O MFA
até ao dia D sabia que os portugueses não queriam para o ultramar uma política
de terra queimada. Mas logo surgiram os adeptos do abandono imediato do
ultramar, prova flagrante de que não tinham a mínima percepção, nem dos
interesses envolvidos, nem das obrigações decorrentes da soberania, muito menos
das condições que permitiam ao País viver com desafogo para o desenvolvimento que
se registava. Apenas reproduziam "slogans" característicos da luta
anti-colonial, o equivalente a terem bebido do IN a justificação para o seu
acto revolucionário. Tal pobreza daria de imediato lugar a conflitos internos e
à confusão no desenrolar da actividade revolucionária, tantas vezes criminosa.
Soares, líder de um mini-partido apoiado por centrais sindicais suecas e por
uma fundação alemã, chegou em júbilo e apoiado por milhares ainda por
converter. Cunhal chegaria a seguir, mais formal e recebido por Soares, que
parecia conceder-lhe o lugar de primeiro combatente contra o velho regime.
Todavia não se mostraram cooperantes na construção democrática por um estado
digno e sadio. Ambos viriam a integrar o 1.º Governo Provisório, um grosseiro
equívoco para um País pertencente à NATO. Depois, apesar da contenção da
organização comunista que aproveitou as oportunidades, o processo terá sido
condicionado pelo acordo entre Kissinguer e Brejnev sobre o destino português,
estabelecido em Moscovo algum tempo antes.
Fontes:
"O Equívoco do 25 de Abril", de Sanches Osório;
"Revolução e
contra-Revolução em Portugal (1974-1975)", de Armando Cerqueira;
"Contos
Proibidos", de Rui Mateus;
"A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos
Capitães", de Jorge S. Golias, para além de reflexões minhas e de outras
leituras
____________
Nota do editor
Último poste da série de 22 de abril de 2019 >
Guiné 61/74 - P19707: (In)citações (129): Feliz e santa Páscoa, com um abraço transatântico do nosso camarada da diáspora luso-americana José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73)