sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22489: A galeria dos meus heróis (41): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - Parte I (Luís Graça)


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra. O Paulo Enes Lage Raposo, que nada tem a ver com a história que a seguir se conta (ficcionada, mas onde os factos são verdadeiros),  foi alf mil inf, MA, CAÇ 2405 / BCAÇ 2852 ( Mansoa, Galomaro e Dulombi, Guiné,1968/70), e o organizador  do histórico  I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira,  2006). A sua companhia perdeu 17 militares na travessia do Rio Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios). 


Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A galeria dos meus heróis > De companheiros de infortúnio a amigos para a vida 

- Parte I (Luís Graça)



1. Conheci o Bacelar em Mafra. 
Em finais de novembro de 1972.
Um mês antes do Natal.
Numa tarde fria e chuvosa...
E logo em Mafra. Logo ali, na ”Máfrica”,
como eu e outros que por lá passámos na tropa,
chamávamos àquela terra desgraçada.
Tudo por causa da EPI, 
a Escola Prática de Infantaria,
que se tornara a principal fábrica
de oficiais milicianos, alferes e capitães,
comandantes operacionais
com destino à guerra de África.


Ainda me soava aos ouvidos a frase  de uma canção de protesto, de um gajo de Coimbra, estudante de medicina, que deve ter chumbado a meio do curso, e que era do “reviralho”, cantava bem e tocava viola sofrivelmente : “Muita chuva, muito vento, muita merda… e um convento!", cantarolava ele na caserna, enlameado e estafado, depois do crosse semanal...

Por aqui passara eu, cerca de quatro anos antes, como “feijão-verde”.  Eu, o meu antigo capitão miliciano e outros camaradas de que já havia perdido o rastro.  Para mim, "criminoso" contra a minha vontade, era como voltar ao “local do crime” Foi dos regressos ao passado mais penosos da minha vida. Ao sítio onde não fora feliz, nem nunca o poderia ter sido. Foi aqui que recebi a trágica notícia da morte do meu pai.  Prematura, sem ter completado os sessenta anos.

Não me autorizaram sequer a ir despedir-me dele. Morrera na véspera do meu juramento de bandeira. Mandaram-me, da agência funerária, um telegrama em cima da hora. O tenente da minha companhia de instrução chamou-me ao gabinete e disse-me, seco e perentório, em resposta ao meu pedido para ir a Mértola, ao funeral: “O senhor soldado-cadete pode ir, o pai é seu, mas perde o juramento de bandeira, chumba no COM, vai parar ao CSM, a Tavira, às Caldas ou a Santarém, atrasa o seu embarque para o Ultramar em mais alguns meses… Enfim, a escolha é sua!”…

Sim, o pai era meu, mas a pátria era deles... Enfrentei,  nesse fim de tarde, um terrível dilema, dividido entre o meu amor filial, o meu dever de ir prestar a última homenagem ao meu pai, e a tomada de consciência,  naquele preciso momento, de que passava a estar, doravante, na “linha a frente” e, ao mesmo tempo, a ser o sustento da minha família, da minha mãe e da minha irmã, mais pequena. Por outro lado,   dava-me conta da impossível escapatória  daquele sistema totalitário, que era a “Máfrica”, representado pela nudez e a cruza daquelas paredes que me encarceravam. Não ficara em França, não ía agora fugir do meu país...

Confesso que chorei lágrimas de sangue no dia seguinte, enquanto jurava bandeira, na praça frente ao palácio, com o povinho mudo e calado ao largo… Trágica ironia, jurava defender a minha Pátria (se necessário, “até à última gota do meu sangue”), no preciso momento que descia à terra o corpo do homem que me dera o ser.

Passado pouco tempo estava em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, a meio caminho de casa, e mais perto também da minha irmã mais velha, que vivia em Almada e cujo marido, soldador,  trabalhava na Lisnave. Fui lá fazer a instrução de especialidade. Aproveitei uma licença de alguns dias  para dar um salto à minha terra e depor um ramo de flores silvestres  na campa, rasa, do meu velhote, morto pela silicose que lhe destruíra os pulmões.

Mas o Bacelar não tinha nada a ver com isto, com o meu passado recente e muito menos com os meus dramas de consciência. Ele era apenas mais um “companheiro de infortúnio”  que eu tivera o azar de encontrar em Mafra, desta vez no mesmo emprego. Claro que eu não o conhecia de lado nenhum. E, muito provavelmente, não  iria voltar mais a vê-lo,  a partir do dia em que cada um de nós fosse à sua vida, uma vez colocados noutros sítios. 

 Por estranha coincidência (ou, supersticioso  como eu era,  seriam mesmo coisas do destino ?!), tínhamos chegado, eu e o Bacelar, no mesmo dia, ao fim da tarde, com uma hora de diferença. Numa tarde fria e chuvosa, anotara  na minha agenda. Ainda a tempo, contudo, de podermos “tomar posse” (era assim que se dizia na época) do lugar do quadro do pessoal  da repartição de finanças local. Como se o lugar fosse nosso, "de pedra e cal", e para o resto da vida...

Mas eu devia estar, se não feliz, pelo menos aliviado por arranjar um emprego na função pública, com as habilitações literárias que tinha, o 7º ano do seminário que só dava equivalência para a tropa e o funcionalismo público.  Mas não!... Logo por azar meu, as finanças estavam instaladas naquele pavoroso convento, o mesmo onde funcionava, nas traseiras,  a “Máfrica”, de triste memória para mim.

Eu tinha chegado em cima da hora. O chefe da repartição, que me pareceu, à primeira vista, boa pessoa, afável, educado, com sotaque açoriano, foi quem nos apresentou um ao outro, e ao restante funcionalismo.

Mas, dado o adiantado da hora, fez questão de deixar a cerimónia da tomada de posse para a manhã do dia seguinte, com a promessa de, no respetivo termo, constar a data da véspera. Ele era a amabilidade e a calma em pessoa. E fez questão de nos dizer, no seu saboroso sotaque, que não nos queria, em caso algum, prejudicar a “antiguidade”. E carregava na penúltima sílaba com evidente deleite.

Percebi logo que também aqui, tal como na tropa, a “antiguidade” era um posto. Lixei-me com essa da "antiguidade", tive de substituir o capitão, na Guiné,  depois de ele ter sido evacuado para a “metrópole”, por motivo de doença,  que, segundo suspeitávamos, seria do “foro mental”. 

Nunca fomos chegados, eu e o meu capitão, falávamos apenas das coisas estritamente indispensáveis de serviço. Ele também não era de grandes falas. Sei que tomava algumas drogas para o sistema nervoso, almoçávamos juntos na messe de oficiais. Tínhamos uma messe só para nós, o capitão e os quatro alferes milicianos. Na prática, a messe era igual, para oficiais e sargentos, mas havia uma divisória, uma espécie de biombo, a separar as duas classes.

Alguém da companhia ainda o encontrou em Bissau, no HM 241, na “psiquiatria”. Era um verdadeiro  labéu para a reputação de um militar uma baixa psiquiátrica. Um tipo podia ser “apanhado do clima”, que se lhe desculpava tudo (ou quase tudo). Um gajo podia apanhar uma borracheira, daquelas de caixão à cova, que logo lhe acrescentavam mais uns pontos no currículo de macho. Um gajo podia até ser "cornudo", coitado, que isso não acontecia só aos outros. Um gajo podia ser “maluco”, mas nunca podia dar “parte de fraco”, "dar baixa", neste caso ir parar à “psiquiatria”… Muito menos sendo um comandante operacional.

Antes de saírem para o conforto dos seus lares, os novos colegas das finanças, solícitos, se não mesmo afáveis mas algo premonitoriamente distantes, deram-nos  indicações sobre onde  jantar e pernoitar. Que no dia seguinte logo se arranjaria melhor sítio para se ficar por uns tempos, já que quartos para alugar não faltavam naquela terra "acolhedora e hospitaleira" (sic). Confesso que não gostei da cara de alguns, que pareciam os verdadeiros “donos da baiuca”.

 


1 A. Conheci hoje o Ravasco. “Ravasco, que raio de nome!”,
pensei eu quando ele me estendeu a mão,
rugosa, de cavador…
”Será nome ou alcunha ?”,
tive a indelicadeza de lhe perguntar.
”Apelido, de família”, respondeu-me,
secamente, com cara de poucos amigos.
Na minha terra, dizia-se 
de um homem libertino, "putanheiro"...


Dormimos, nessa noite, numa pensão, rasca, numa das  ruas que atravessavam o casario frente ao canvento,  e que o meu novo colega logo reconheceu. E que cheirava a grelhados, a serradura e a mijo de gato.  Ele fizera aqui a tropa há quatro anos atrás, segundo me confidenciou. E ficara, desde então,  com um asco a Mafra.

Em conversa com ele, ao jantar, descobrimos que ambos tínhamos regressado, ainda relativamente há pouco tempo, da guerra do Ultramar. Eu de Angola, ele da Guiné. Éramos da mesma colheita, 1947, embora eu fosse mais novo uns meses.  Mas cada um, afinal, com diferentes memórias, experiências e até expectativas. As recordações que eu trazia eram até boas, as dele nem por isso, segundo percebi logo de início. 

Eu evitei, deliberadamente, falar em demasia desse passado recente que nos aproximava. Talvez por pudor. E também porque não conhecia o Ravasco, ou melhor, tinha acabado de o conhecer  há umas escassas horas. E, em boa verdade, não tinha a certeza de poder confiar nele. Tive até o pressentimento que muitas coisas nos podiam separar. Nunca fui pessoa de fazer amizades logo à primeira vista. Sempre foi uma das recomendações da minha mãezinha que era uma mulher sábia e com um formidável sexto sentido: nunca se enganava no primeiro juízo que fazia dos estranhos. Tirava-lhes logo a "pinta", pelas primeiras frases e gestos...

Para começar, o Ravasco era, seguramente, de famílias humildes. Em contrapartida, era um antigo camarada de armas, se bem que eu ainda não valorizasse muito essa condição. Agora era meu colega de trabalho. Mas eu, ao princípio.  atrapalhava-me, tratava-o ora por colega ora por camarada. Com alguma cerimónia.

E apercebi-me logo que ele não gostava de tocar na tecla da Guiné. Eu pus-me então a imaginar que ele teria passado um tempo pior, na Guiné, do que o meu, em Angola. Talvez tivesse até apanhado uma porrada, ou coisa parecida. Toda a gente sabia que a Guiné era um duro osso de roer. Mas os gajos da Guiné também gostavam de cantar o "fado da desgraçadinha", como se em Angola e em Moçambique nós tivéssemos só andado a brincar aos índios e cobóis. 

Percebi logo, também, que éramos diferentes, se calhar irredutivelmente diferentes, oriundos de diferentes regiões do País, e até de meios sociais  distintos. Eu, do Norte, ele, do Sul.

O Ravasco era alentejano de Mértola, e eu minhoto de Ponte de Lima. Do Alentejo eu só conhecia meia dúzia de anedotas, estúpidas, direi hoje. E nenhum de nós conhecia a terra um do outro. O que não admirava: naquele tempo,  há meio século atrás, ainda era fraca a mobilidade espacial dos portugueses, viajávamos pouco, dentro (e fora) do País, embora eu já tivesse carro. Mas o mais longe aonde já tinha ido, a Sul,  era até Lisboa, quando prestei serviço no RI 5, nas Caldas da Rainha.

O Ravasco confessava que o mais a Norte aonde já tinha ido fora a Aveiro. Fora lá, de comboio, com uns camaradas, mobilizados para a Guiné, comer um ensopado de enguias. Um deles era da Murtosa ou coisa parecida.

Estivera menos de dois meses no Campo Militar de Santa Margarida, a formar companhia. Fora mobilizado para a Guiné pelo RI 2, o Regimento de Infantaria 2, em Abrantes. E não teve pejo em dizer-me que não sabia exatamente onde ficava Ponte de Lima, “lá no mapa do Minho”. O que para mim era imperdoável...

De facto, para mim, o Minho era a “joia da coroa” deste país à beira-mar plantado, o meu país. Era no Minho que começava Portugal, o Portugal do Minho a Timor, como havia aprendido na escola. Sempre tive muito orgulho no meu Minho e, claro, no meu torrão natal, Ponte de Lima, que, segundo me ensinaram os meus avoengos maternos,  era a terra, a vila,  mais antiga de Portugal.


2.Vi logo que o Bacelar era mais viajado do que eu. 
Viera de Mini, de Viana do Castelo até Mafra, 
um dia inteiro a conduzir. 
Tinha um Mini Morris 850,
com jantes especiais, em segunda mão. 
Mas também não fazia a mínima ideia 
onde ficava Mértola, a minha terra natal. 
Disse-lhe que ficava na margem direita do rio Guadiana, 
e que já vinha do tempo de fenícios, romanos, visigodos e mouros. 
Não mostrou curiosidade em saber mais.


Na primeira noite, em que nos conhecemos, por sinal desagradável por causa do frio e da chuva, falámos sobretudo do tempo- Falar do tempo é sempre uma solução airosa quando um gajo  não  tem assunto para conversa, ou não está afim de conversar, ou não quer mostrar logo o jogo, a sua maneira de ser e de estar, a sua história de vida, os seus pontos fortes e fracos… Falámos pouco das nossas terras e das nossas andanças pelo país que nos calhara na rifa.

Simpático, o Bacelar mandou vir duas aguardentes velhas de vinho verde, que fez questão de pôr na sua conta. E estivemos ali os dois a falar, afinal amenamente, evitando, todavia,  tocar  em assuntos da tropa  e da guerra. O que era dfícil, convenhamos...

Na realidade, era como se estivéssemos ainda em África, a resguardarmo-nos do paludismo e a contar as noites e os dias que nos faltavam para a “peluda”. Em geral, eu era muito reservado, nunca ou raramente falava da tropa e, muito menos, da Guiné. Por outro lado, sempre nos tratámos por você, até pelo menos até ao 25 de Abril de 1974. Ele também era cerimonioso, talvez mais por educação do que eu. 

Fiquei depois com a ideia de  que lhe ficara o "bichinho de África" e que hoje ainda estaria arrependido de não ter aceite uma boa oferta de trabalho em Luanda. No Banco de Angola, gabava-se ele.  De resto, não terão faltado outras propostas de emprego, menos aliciantes,  como por exemplo a de escriturário numa fazenda de café, em Camabatela, se não erro. 

Não me explicou as razões por que voltou para a santa terrinha, ele que se gabava de ter alguns “grandes africanistas” na sua ascendência, do lado materno, um dos quais, militar,  ainda conhecera o Zé do Telhado no exílio, em Luanda, a caminho de Malanje. 

Mas as saudades, às vezes, falam bem mais alto do que a razão. Disse-lhe que fizera bem, que haveria de continuar a fazer a sua vida na sua terra, e que o futuro de Angola era incerto, tal como o de toda a África Austral, últio reduto dos brancos, o mesmo era dizer, do colonialismo. E não me enganei, o velho “apartheid” branco haveria de ruir em 1994, tal como já tinha antes ruido o muro de Berlim  e tudo o que ele representava, dividindo o mundo em duas partes como uma laranja…

Deitámo-nos cedo, estávamos ambos cansados, o Bacelar tinha vindo a conduzir desde Viana do Castelo. Eu viera de mais perto, de Almada, onde pernoitara na casa da minha mana mais velha. (Era casada com um operário da Lisnave, como já atrás referi. Tinham-se casado há pouco, estavam a montar a casa, viviam com dignidade mas com muito aperto, como as famílias operárias da época.) Vim de cacilheiro para Lisboa para depois apanhar, na Rua da Palma, uma camioneta da Mafrense, se bem recordo, ao fim destes anos todos.

Tínhamos guia de marcha para nos apresentarmos até às cinco horas da tarde desse dia, para a “tomada de posse”. Reparei no olho azul do Bacelar. Soube, mais tarde,  que era oriundo de uma família de pequenos senhorios, donos de terras de um antigo morgadio com direito a brasão. 

(Sempre invejei, diga-se de passagem, quem tinha algo de seu, casas e/ou terras. O meu pai construíra uma casinha de paredes de tabique no couto mineiro. Nada a que ele pudesse chamar seu. Nós, os do Sul, não tínhamos raízes telúricas e muito menos “pedigree”, brasão, árvore genealógica... E quem não tem raízes na terra nem árvore genealógica para mostrar aos outros, é mais propenso às depressões, ouvi essa teoria ao alferes miliciano médico do meu batalhão, que deve ter seguido psiquiatria, era mais “apanhado do clima” do que nós, operacionais.)

O primeiro emprego que o Bacelar arranjara, depois do regresso de Angola, fora numa repartição de finanças do distrito de Viana do Castelo. Um tio (ou tio-avô, materno, não fixei o grau de parentesco) tinha (ou tivera) um cargo importante na Direção Distrital de Finanças do Porto. Teria sido, ao que parece, condiscípulo de diretor-geral das contribuições e impostos, o dr. Vitor Duarte Faveiro. Por isso, no gozo, eu chamava-lhe  “filho de Ansião”… E o apodo ficou, quando os outros sacanas dos colegas mafrenses descobriram… “Dor de corno!”, pensei eu. Quem tinha “cunhas” para entrar na DGCI, era logo apodado de “filho de Ansião”, a terra do director-geral que toda a gente reverenciava e temia, sendo tido como um grande fiscalista. 

Eu não lhe disse, por vergonha,  que também tivera uma cunha, essa eclesiástica. De um cónego do cabido da sé-catedral de Beja. Meu antigo professor. De qualquer modo, tanto eu como o Bacelar, havíamos feito, com sucesso, um concurso de provas públicas, como era norma do Estado Novo.  Éramos já “concursados”… Consolava-me a ideia de ter entrado, por mérito, não tendo roubado o lugar a ninguém. (Ou roubara ?... É uma dúvida que, então, se não me dilacerava, pelo menos me incomodava um pouco.)

O Bacelar tinha a secreta esperança de ainda poder ser chamado para o Banco Nacional Ultramarino ou para o Banco de Portugal, se bem percebi. Ou de vir a ficar mais perto de casa, no caso de  continuar nas finanças.

Se ele tinha defeitos que saltassem logo à vista, era essa de se gabar do seu “capital de relações sociais”, como se diz hoje…. A matriz  da sociedade portuguesa era ainda na época muito clientelar, nada se conseguia (empregos, negócios, casamentos, tropa, etc., ou um simples internamento nos Hospitais Civis de Lisboa…) sem “conhecimentos”, o mesmo era dizer, sem “cunhas”. Mas não precisava de ser “cunha” de gente muito importante, às vezes até parecia que quem mandava mais neste país era a criada, o motorista, a amante, o sargento, o sacristão, o caseiro, o feitor, o maioral, enfim o chefe do pessoal menor… Nas zonas rurais, o feitor era um tipo poderoso, tal como o sargento na tropa… Eu via por Mértola e Beja, onde os latifundiários, a viver na capital, raramente lá punham os pés, a não ser na época  das colheitas e da caça.

Ambos arranjámos um quarto, amplo, com duas camas, numa casa sita no centro da vila deMafra. Vivia-se, naquele tempo, do aluguer de quartos a professores primários, funcionários públicos e militares da Escola Prática de Infantaria, incluindo soldados-cadetes que tinham algum poder de compra. Era simpática, a velhota, a dona da casa, viúva de um sargento, se bem me lembro ainda.

Os quartos já não eram baratos na época e eu, tanto como o Bacelar, nos convencemos, estupidamente, que estávamos ali de passagem. Mais ele do que eu. A nossa ideia era, logo depois da tomada de posse do lugar do quadro, pedir  de imediato transferência. Eu, para Beja ou para Almada (estava indeciso), o Bacelar para Braga ou Viana do Castelo. Acabaríamos por ficar mais de 21 meses naquela "vida de ciganos", a que passei a chamar Máfrica Dois.

Confesso que detestava a Máfrica, como eu chamava  àquela terra, tomando a parte pelo todo. Estava farto da tropa. E se calhar as pessoas  de Máfrica Dois também estavam, tirando as velhotas simpáticas que viviam do aluguer de quartos. 

 O meu tenente-coronel, comandante do meu batalhão,  na Guiné, ainda me fez a cabeça para meter o chico. Deu-me um louvor, imaginem! 

(E se eu tivesse metido o chico ? Não me livraria de voltar à Guiné, agora como capitão. Secretamente, a ideia não me desagradava de todo, teria hoje um melhor pé de meia. Mas também lá podia ter deixado a meia, o pé ou até a vida. Mas os galões dourados de capitão não me deixavam indiferente, a mim que, não passando de um simples alferes miliciano,  experimentara, por breves meses, a secreta  volúpia do poder, que tinha como contrapartida o angustiante desafio de comandar 150 homens num teatro de guerra, e o risco de perder alguns. Eu que antes nunca estivera à frente de nada, nunca fora ninguém, nem sequer chefe de turma ou capitão de equipa de futebol!...)

Tínhamos apenas um reposteiro a separar as duas camas, como nos quartos de hospital. A minha cama tinha um colchão de palha (!) onde me afundava com os meus 90 quilos. (Engordei, estupidamente, depois que passara à peluda.)


2A. Para o meu gosto, feitio e educação, 
o Ravasco tinha um tipo de humor um pouco brusco e mordaz. 
Não sei se era um humor tipicamente alentejano. 
Afinal ele era o primeiro alentejano com quem eu ia trabalhar. 
E não me lembrava de ter lidado na tropa 
com alentejanos ou algarvios. 
Nós, os do Norte, já na altura os tratávamos por “mouros”. 
Por sorte, a minha companhia em Angola 
só tinha angolanos, minhotos e durienses. 
E demo-nos todos bem.


Não me importei de partilhar um quarto, com o Ravasco, afinal ainda estávamos habituados, tanto um como o outro,  ao ambiente de caserna, aos seus maus cheiros, à sua bagunça, ao seu ar opressivo, à sua promiscuidade... O meu quartel no leste de Angola também era uma espelunca, dormíamos com cobras e ratos....Sempre poupávamos algum dinheiro e, dentro em breve,  estaríamos de volta a casa. Ou, pelo menos, era essa a minha  secreta esperança. 

Vi que o Ravasco era poupado, se não mesmo forreta. Usava roupa fora de moda. O seu único luxo eram os jornais e um ou outro livro. Percebi que andava a preparar-se para fazer o exame do 7º ano do  liceu. O 7º ano do seminário não lhe valia de nada. Queria seguir letras, julgo que direito. Tinha uma obsessão pelo direito. Se calhar, era-lhe mais fácil por causa do latim. Queria aproximar-se de Lisboa para poder entrar na universidade.

Acabámos também por tornarmo-nos, se não íntimos, pelo menos mais próximos, por força das circunstâncias, como os prisioneiros que estão na mesma cela e estão condenados a, minimamente, entenderem-se. Fiquei a saber que ele tinha deixado noiva em Beja. Ora eu, nesse aspecto, estava mais à vontade, era livre como um passarinho.

Fui conhecendo-o, a pouco e pouco. Fomo-nos conhecendo. Dei conta de que, debaixo da sua aparente bonomia, e do seu verbo fácil, fluente, alegre e até folgazão, havia um homem reservado, subtilmente amargo e revoltado com a vida e com a sorte que lhe coubera a ele e à sua família e à gente da sua terra. Não esquecia a injustiça da doença e da morte do pai. E tivera uma infância difícil, segundo percebi. “Criado a migas, a toucinho de porco e a ervas do campo que agora vão à mesa do rico”, rosnava ele, mal humorado.

Tanto quanto pude apurar das nossas conversas em Mafra, onde ambos estávamos “desterrados” (a expressão era dele),  o Ravasco era neto de ganhões, e filho de mineiro, e que tirara o 7º ano do seminário, graças a uma bolsa de estudo da diocese de Beja. Julgo que por detrás dessa obra benemérita haveria uma senhora devota, de uma família de grandes proprietários agrícolas, muito conceituados na região. Foi o que ele me deu a entender, sem entrar em pormenores. Era uma bolsa para estudantes pobres, oriundos do Baixo Alentejo. 

Quiseram-no encaminhar para o sacerdócio, mas ele terá percebido, quando acabou filosofia, o 7º ano, que “não tinha vocação”. Ou talvez pior, para um cristão: terá perdido a fé ao lidar (mal) com as injustiças de que o pai fora  vítima, ainda em vida, nunca lhe tendo ocorrido que Deus poderia estar a  pô-lo à prova. Como me pôs á prova a mim, quando deixei pai e mãe e fui para Angola, não para o “bem-bom”, mas para a guerra.

No verão, o Ravasco ia sempre para França, para a região de Bordéus, fazer a campanha  das vindimas. Entretanto dera  o nome para a tropa, mas beneficiava de uma licença militar para se poder ausentar temporariamente do país. Nunca lhe passou pela cabeça não voltar a casa e ficar em França, tornando-se refratário.  Sempre se considerou um homem de palavra. E patriota. E aí a minha consideração por ele aumentou, apesar de eu o continuar a chamar “mouro”. Não levava a mal. Tal como eu, também não, quando no gozo me chamava “morgadinho” e, depois do 25 de Abril, "pequeno-burguês". 

Ainda chegou a ser “aliciado” por um comité luso-francês, católico, contra a “guerra colonial” que dava apoio a desertores e refratários portugueses na região de Bordéus. Mas ele nessa altura não queria saber nada de “política”. E era agarrado à família. E, em boa verdade, temia represálias contra o pai, já doente, se ele  não regressasse de França. O que, sabendo o que sabemos hoje, não houve represálias contra as famílias de exilados, desertores e refratários. 

Segundo ele me contará, mais tarde, o pai tinha sido mineiro nas minas de São Domingos, entretanto definitivamente encerradas  em meados dos anos 60. Vem a morrer quando ele estava aqui, em Mafra, a fazer o COM. De silicose, ao que parece, uma doença  então muito comum entre os mineiros. Mas só tardiamente fora diagnosticada e reconhecida, ao pai, essa doença profissional, com direito a reparação médico-legal, segundo ele me explicou.  De pouco lhe terá valido a “miserável pensão de invalidez” que lhe fora atribuída, a expressão era do Ravasco.

Eu ainda comentei que no Norte ainda era pior, os rendeiros e os pequenos lavradores, ao fim de um vida dura de trabalho, morriam de miséria num catre, numa cabana de madeira,  só com a ajuda da família, quando a tinham.  E chamavam o médico só na hora da morte. Ele endureceu a expressão do rosto e respondei-me com veemência: “É porque você não sabe o que é um ganhão nem nunca engoliu o pó de uma mina!”… E eu aí tive que reconhecer que ele tinha razão, eu sabia lá o que era um ganhão e muito menos uma mina ou um mineiro e essa coisa da silicose. Nalgumas coisas eu tinha sido um privilegiado da sorte, embora nunca tendo sido rico, fiz questão de lhe frisar. 

O Ravasco tinha ajudado a família com o vencimento de alferes miliciano de artilharia, enquanto estivera na Guiné. Era frugal, não se metia em tainadas. Bebia  de vez em quando o seu uísque. Não fumava. Nem sequer veio de férias para poupar o dinheiro da passagem. Saberei mais tarde, quando ganhámos mais confiança, que terá optado por ir uma semana a Bubaque, nos Bijagós.  Tencionava arranjar um pé de meia para se poder casar. Mostrara-me, ao fim de uns meses,  uma fotografia da rapariga que lá deixara em Beja. Não fixei o nome. Só reparei que não era lá muito bonita: era trigueira, de olhos de cor de azeitona, não fazendo o meu género. 

Senti, isso sim, que a morte prematura do pai, antes dos sessenta  anos, deixara-o muito abalado e revoltado. Percebi logo que ele era do “contra”, como diria o senhor meu pai. Não gostava de Salazar nem de Caetano. E referia-se à guerra do Ultramar como “guerra colonial”, expressão que era então proibida nos jornais. E, pior,  também não frequentava a igreja. Fazia-me confusão, sendo ele um ex-seminarista.

Depois de vir da guerra, começou a interessar-se pela política e lia o “Diário de Lisboa”, além do “Comércio do Funchal”, de que eu nunca tinha ouvido falar antes. Era um jornal cor de rosa. Cheguei a dar uma vista de olhos, mas não me despertou a curiosidade.

Em suma, as nossas afinidades eram puramente acidentais ou circunstanciais. Fôramos parar àquela terra que, tal como a conhecemos hoje,  não existiria se o nosso  Dom João V, para mim de boa memória,  não mandasse ali construir aquele monumental palácio e convento, um dos mais grandiosos da Europa,  que o Ravasco teimava em qualificar de “monstruoso”. 

A repartição de finanças estava lá instalada, tal como a EPI, e julgo que mais repartições públicas, já não me lembro ao certo, até por que convivia com pouca gente da terra, sempre que podia dava uma escapadela pelos arredores, sobretudo ao fim de semana.  

No inverno rapava-se frio de rachar. Eu, que vinha do Norte, onde também faz frio, lembro-me de ter de usar ceroulas no inverno e grossas camisolas de lã em Mafra. Eu e o Ravasco dávamo-nos mal com aquela humidade marítima que nos chegava do Atlântico e se entranhava nos ossos. Não havia aquecimento central, nem uns simples aquecedores a gás.  Mas Mafra tinha belas praias, com destaque para a Ericeira. Comecei a gostar da Ericeira, e da Foz do Lisandro, e sobretudo das miúdas estrangeiras que começavam a parar por lá.


3. Bom, lá fomos tomar posse no dia seguinte, logo de manhã. 
No gabinete do chefe, que mandou chamar o resto do pessoal 
para assistir à cerimónia. 
Ficou só um funcionário, ao balcão. 
Para o caso de chegar algum contribuinte por causa da “décima”... 
Mas nessa manhã estava tudo muito calmo.

 

O termo de posse já estava pré-preenchido, com os dados de cada um de nós, era só precisa a nossa assinatura, no final,  depois de lido o famigerado juramento de lealdade ao Estado Novo.

 Repeti mecanicamente a fórmula, como quem rezava o Padre Nosso, no último ano do seminário, depois de ter perdido a fé e a vocação. Olhei, com um misto de temor e de desdém, para os retratos,  pendurados na parede, dos três mais altos magistrados da Nação (os vivos, Américo Tomaz e Marcelo Caetano; e o morto, Salazar, o “pai da Pátria”, ou o “refundador da Nação”, que ainda ninguém tivera a coragem de mandar retirar) e disse, firme e em voz bem alta:

 “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela constituição de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. (Dizem-me que o juramento dos funcionários públicos fora  aprovado pelo decreto-lei nº 27 033, de 14 de Setembro de 1936, mas eu nunca chegara a ler esse diploma, tal como nunca lera a Constituição de 1933.)

E, de repente, lembrei-me do meu juramento de bandeira na “Máfrica”  e indignei-me por, na altura, nem sequer ter questionado as palavras que, mesmo em voz baixa, atabalhoadamente e a medo, proferi na parada… Regressado de uma guerra, repugnava-me ter aceite, no passado,  o dever absurdo de jurar “obedecer cegamente aos meus chefes”. Afinal, eles poderiam ser todos cegos, conduzindo todo um povo, também de cegos,  à beira de um precipício… 

Tivera um pesadelo nessa noite. Voltaria a tê-lo quatro anos depois...

(Continua)


© Luís Graça (2021)

Nota do autor: Neste conto, os nomes são fictícios, mas os factos são verdadeiros. Acontece que este país é demasiado pequeno.

__________

Nota do editor:


Último poste da série >  27 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21585: A galeria dos meus heróis (40): O meu amigo Doc - II (e última) parte (Luís Graça)

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22488: Fotos à procura de... uma legenda (155): Boinas... há muitas: a propósito das "boinas vermelhas" do grupo de comandos "Diabólicos", Brá, setembro de 1965 (Virgínio Briote / Carlos Vinhal / Fernando de Sousa Ribeiro / Luís Graça)


Guiné > Bissau > Brá > Setembro de 1965 > Grupo Comandos Diabólicos > "Foto de finais de Set 65, tirada em Brá, quando começaram os "ensaios" com as boinas vermelhas... Da esquerda para a direita: Marcelino da Mata, Azevedo, Virgínio Briote , Black e Valente"...



Guiné > Bissau > Brá > Setembro de 1965 > Grupo Comandos Diabólicos, completo, em frente à camarata do Grupo. Ao centro, na 1ª fila, o 6º a contar da esquera, o comandante do grupo, alf mil 'comando' Virgínio Briote. Na ponta direita, de pé, o srgt mil 'comando' Mário Valente. Na 2ª fila, de pé, na extrema direita, o 1º cabo 'comando' Marcelino da Mata.


Fotos (e legendas): © Virgínio Briote (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Comentários à primeira foto de cima (*):

(i) Fernando Ribeiro:

1. No mato ninguém morre em versão John Wayne, porque o John Wayne nunca morria nos filmes. Ele era sempre o "herói" da fita e um "herói" nunca morre.

Quanto à fotografia em que se veem cinco militares, pode ler-se na legenda, a dada altura: «Foto de finais de Set 65, tirada em Brá, quando começaram os "ensaios" com as boinas vermelhas...» 

Aqui permito-me discordar. Boinas vermelhas nos Comandos, já em 1965?! Eu julgava que elas só tivessem sido usadas depois do 25 de Abril... As boinas parecem vermelhas porque a imagem está toda ela avermelhada! Os pigmentos azuis e verdes da fotografia original desapareceram com o passar dos anos, e quase só ficaram os pigmentos vermelhos. 

As boinas deles deviam ser castanhas, como as de toda a gente, e os uniformes deviam ser de caqui, e não amarelos fosforescentes como parecem ser. As cores da imagem não correspondem às cores originais, nem pouco mais ou menos. Estão completamente alteradas. O tempo não perdoa.

25 de agosto de 2021 às 18:13


(ii) Carlos Vinhal:

Quero subscrever as palavras escritas pelo camarada de armas Fernando Ribeiro. As boinas vermelhas dos Comandos começaram a ser utilizadas só em 1974 e as verdes dos Operações Especiais em 1982. O resto é fantasia.

Dá-me a ideia que as boinas da foto foram coloridas à posteriori.

Boina militar em Portugal:

A primeira unidade militar a usar boina em Portugal foram as tropas paraquedistas da Força Aérea em 1955.

O Exército só adotou a boina (para as suas unidades de Caçadores Especiais) em 1960. São ou foram usadas as seguintes boinas:

  • Boina verde escuro (verde caçador-paraquedista) - Tropas Paraquedistas
  • Boina azul - Polícia Aérea;
  • Boina castanha - inicialmente apenas Caçadores Especiais, depois boina genérica do Exército Português;
  • Boina negra - tropas da Arma de Cavalaria (com excepção dos militares qualificados como Paraquedistas ou Comandos), incluindo a Polícia do Exército;
  • Boina vermelho vivo - Comandos a partir de 1974;
  • Boina verde-claro (verde musgo) - Operações Especiais a partir de 1982;
  • Boina azul ferrete - Fuzileiros Navais
  • Boina negra com uma faixa verde - Regimento de Infantaria da Guarda Nacional Republicana
  • Boina verde escuro - Comandos Territoriais de Infantaria da Guarda Nacional Republicana
  • Boina bege - Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro da Guarda Nacional Republicana
  • Boina camuflada (fora de uso) - 3ª Companhia de Comandos (Guiné) e Força de Flechas da PIDE/DGS,
  • Boina amarela (fora de uso) - Grupos Especiais de Moçambique
  • Boina vermelho grená (fora de uso) - Grupos Especiais Paraquedistas de Moçambique
  • Boina branca (fora de uso) - Formações Aéreas Voluntárias

25 de agosto de 2021 às 20:29 

(iii) Gil [Virgínio Briote]:

Caros Camaradas:

Esta foto de Setembro de 1965 foi tirada em Brá. A farda era caqui amarela clara e a boina que usámos, exclusivamente para a foto, era de cor vermelha. Julgo que algum Camarada terá encomendado essas boinas em Lisboa. Tenho a foto original, em papel.

Estávamos no início da formação dos Cmds da Guiné, na que, mais tarde, veio a ser chamada a "fase de grupos". Estes gozavam de grande independência, quase sempre actuaram isolados, com apoio e recolha de Grs Comb das zonas de actuação. Só muito raramente, talvez duas ou três vezes os Grs actuaram em conjunto. Esta filosofia veio a alterar-se com a chegada das CCmds formadas em Lamego.

A boina vermelha, que ouvi dizer cá que não é vermelha mas magenta, só foi autorizada muito mais tarde.

Em 1964/65 estava-se na fase da formação de identidade, que incluia a cor da boina, mas não só.

Um abraço e obrigado pelo vosso interesse.

V Briote
ex-alf mil da CCav 489/ BCav 490 (Jan/Mai) e CCmds do CTIG (Jun 1965 /Set 1966)

25 de agosto de 2021 às 22:04

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Fernando: Intuitiva e apropriada a tua observação. De facto, nas lendas e narrativas do Faroeste da nossa infância e adolescência, os heróis eram todos brancos e nunca podiam morrer. Hollywood alimentou (e matou) o nosso imaginário. O mundo está dividido entre fortes e fracos, heróis e vilões, índios e cobóis... E o melhor índio só podia dia ser... o morto.

Ainda cheguei, já no tempo do Spínola, a ouvir essa, em Contuboel e em Bambadinca, da parte dos meus soldados fulas: "Um balanta a menos era um turra a menos"... Como se sabe, o racismo nem tem cor nem bandeira, nomeadamente nas "guerras civis" (como também o eram as "guerras coloniais" em que, por "azar do destino",  nos calhou, sem termos feito mal a ninguém...).

26 de agosto de 2021 às 08:36

(v) Tabanca Grande Luís Graça:

Afinal, boinas há (ou havia) muitos... Como havia bonés, chapéus e barretes, de todos os feitios, grandes e pequenos...

Eu aceito plenamente a explicação do Gil (, leia-se: Vb, ou Virgínio Briote). Ele é a honestidade intelectual em pessoa e, como nosso autor e nosso coeditor jubilado, o blogue deve-lhe muito).

Não tenho dúvidas, pois, que as boinas da foto fossem vermelhas, mesmo que a foto tenha sido "retocada" para efeitos de melhoria da sua resolução... Nessa altura, na decadência do Estado Novo, já se podia dizer "vermelho". Mas no auge do regime de Salazar, nos anos 30/40, a palavra era proibida. Oficialmente, o "vermelho" não fazia parte do espectro das cores do arco íris... Até a tinta, nas repartições públicas, era azul ou "carmezim".

26 de agosto de 2021 às 10:24 
__________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 19 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22468: Fotos à procura de... uma legenda (147): A imagem da capa do livro de Pedro Marquês da Silva, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021)

Guiné 61/74 - P22487: Consultório militar do José Martins (72): Quem ainda não recebeu o cartão de antigo combatente, por favor contacte o Balcão Único da Defesa... Mais de 200 mil já receberam.

1. Comentário, do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), e nosso colaborador permanente, ao poste P22484 (*)


O que vou escrever NÃO SÃO CERTEZAS, mas tão só O MEU ENTENDER.

Tanto quanto sei, pelo que diz a Comunicação Social, a lista para envio do cartão, cuja emissão e envio foi atribuída à Casa da Moeda, para o que recebeu a listagem de quem recebe o Suplemento Especial de Pensão, pago em Outubro em conjunto com a pensão/reforma daquele mês.

Foi à volta da Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro, muitos combatentes iniciaram o processo que iria “valorizar” a pensão que iriam auferir, apesar de na maioria dos casos só se verificar anos mais tarde.

Nos meus arquivos, e agora é importante para este texto, tenho:

a) Certidão passada pelo Arquivo Geral do Exército (Chelas), e datado de 08/02/2001, em que atesta não só o tempo de serviço, mas o acréscimo no tempo de serviço, numa lei de 1937;

b) Recibo do Ministério da Defesa Nacional, datado de 14/06/2002, em que atestam terem recebido um requerimento para contagem do tempo do serviço militar para efeitos da Lei 9/2002, que como sabemos atribui as verbas do complemento de pensão, de acordo com o tempo de serviço prestados em zonas de risco;

c) Em 04/06/2003 requeri, à Segurança Social, em documento específico;

d) Em 07/06/2001, data em que requeri a reforma, voltei a apresentar a documentação do tempo de serviço militar.

Aqui cabe dizer que, na maioria dos casos, o tempo de serviço militar, para o caso de contagem de tempo para a reforma, não tinha relevância, pelo que muitas vezes os serviços da Segurança Social não os valorizavam.

Muitos combatentes, já que o valor inicialmente atribuído era bastante irrisório, e ainda foi diminuído mais tarde, não valorizaram esse montante, pelo que, agora, não estão nas listagens de antigos combatentes reformados.

Entretanto, por razões diversas, há combatentes que alteraram a sua morada e não actualizaram a morada junto das entidades responsáveis, pelo que têm a morada desactualizada. 

SUGESTÃO:

Tendo em atenção que combatentes são uns milhares, e os funcionários a tratar deste assunto são poucos e sujeitos a responder sempre à mesma pergunta, sugiro entrem em contacto com o Balcão Único da Defesa, solicitando que informem se o nome do interessado está na listagem. 

Normalmente, isto via telefone (foi o meu caso), solicitaram o número de Cartão de Cidadão / Bilhete de Identidade (há muita gente com BI vitalício) e conformaram o nome e a residência. (**)

BALCÃO ÚNICO DA DEFESA

Email: ddn@defesa.pt

Telefone: 213 804 200 | Fax 213 027 221

Morada postal:

Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional
Apartado 364
1495-998 Lisboa

________

Atendimento Presencial:

Av. Infante Santo, n.º 49; 1399-056 Lisboa

Horário de Atendimento:

Segunda-Feira a Sexta-Feira das 10h00 às 12h00 e das 14h00 às 16h00

Pode haver demora, por razões obvias, na resposta ou dificuldade de ligação, mas vale sempre a pena tentar saber o que se passa.

26 de agosto de 2021 às 01:16
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22484: Consultório militar do José Martins (70): Museus e Monumentos Nacionais com acesso gratuito mediante a apresentação do Cartão do Combatente ou de Viúva(o) de Antigo Combatente

(**) Último poste da série > 26 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22486: Consultório militar do José Martins (71): Lugares de Memória e Saudade - Talhões da Liga dos Combatentes da área do Núcleo de Loures

Guiné 61/74 - P22486: Consultório militar do José Martins (71): Lugares de Memória e Saudade - Talhões da Liga dos Combatentes da área do Núcleo de Loures


Mais um trabalho para o nosso Consultório Militar do nosso camarada de armas José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), hoje sobre os "Lugares de Memória e Saudade", os Talhões da Liga dos Combatentes.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22484: Consultório militar do José Martins (70): Museus e Monumentos Nacionais com acesso gratuito mediante a apresentação do Cartão do Combatente ou de Viúva(o) de Antigo Combatente

Guiné 61/74 - P22485: In Memoriam (405): António Manuel Lapa Carinhas (c. 1947 - 2021), Alf Mil do Batalhão de Intendência. Passou por Bambadinca e Farim, entre 1969 e 1971 (Eduardo Estrela / Carlos Silva).


Foto nº 1 


Foto nº 2A


Foto nº 2

Foto nº 3 


Foto nº 4


Foto nº 5




Foto nº 6

Guiné > Batalhão de Intendência > O alf mil 
António Manuel Lapa Carinhas (Bambadinca e Farim, 1968/70)


Foto (e legenda): © Carlos Silva (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Eduardo Estrela, com data de 16/06/2021 à(s) 18:00 (e também comentário ao poste P22287) (*):

Boa tarde Luís!

Na visita que hoje fiz ao blog e, vendo coisas publicadas há algum tempo, deparei com uma lista que o Humberto Reis em determinada altura lá colocou e que se referia a companheiros que estavam em Bambadinca no tempo da vossa estada (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) na zona.

Na mesma, está mencionado o António Manuel Lapa Carinhas, que foi Alf Mil do Pelotão da Intendência. Mais tarde ele foi para Farim e tratava de se preocupar com a alimentação da malta do meu sector.

Fomos colegas na actividade seguradora e ele foi Director da zona do Alentejo, da Companhia onde trabalhámos.

Deixou-nos há cerca de 3 semanas. Era um bom homem.
Um abraço para ti com desejos de muita saúde e outras coisas boas.
Eduardo Estrela

16/06/2021 à(s) 18:00:


2. Resposta imediata do nosso editor LG, com conhecimento a camaradas contemporâneos de Bambadinca, membros da nossa Tabanca Grande:

Eduardo: Tens razão... Aqui está a lista de contactos do pessoal de Bambadinca;

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/02/guin-6374-p1544-lista-do-pessoal-de.html

Lamento a sua morte... Tens alguma foto dele? E mais dados sobre o seu currículo militar? Podemos fazer um "In Memoriam"...

Não me lembro dele, confesso. O Destacamento de Intendência ficava junto ao porto fluvial de Bambadinca. Vou perguntar à malta do meu tempo de Bambadinca. Para estar nesta de lista, o Carinhas deve ter ido a um ou mais convívios do pessoal de Bambadinca, nomeadamente do BCAÇ 2852 (1968/70)...

De qualquer modo, os nossos camaradas da Guiné que morrem, não podem ficar na "vala comum do esquecimento"... Como é timbre do nosso blogue.

Mantenhas. Luís.


3. O Humberto Reis respondeu, em 16/06/2021, 18:32


Oi,  Luís

Tenho uma vaga, mas muito longínqua, imagem dele. Vivia lá em baixo no cais (fluvial de Bambadinca), onde estava instalado o Pelotão de Intendência. Vinha cá acima (, à sede do comando e CCS / BCAÇ 2852) poucas vezes. Não sei adiantar mais nada sobre ele.

Um abraço, Humberto


4. Mensagem do editor LG, endereçada ao Carlos Silva, às 19:09 de 16-06-2021,

O António Manuel Lapa Carinhas, ex-alferes mil da Intendência, morreu há 3 semanas. Foi o Eduardo Estrela, da CCAÇ 14, que mo comunicou, infelizmente ele não tem nenhuma fotografia e também pouco mais sabe do seu tempo de militar. Sabemos que esteve em Bambadinca, no meu/ nosso tempo (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12), e depois foi para Farim.

Diz o Eduardo: "Cheguei a coincidir com ele em presenças nos convívios do BCAÇ 2879, nomeadamente no de Abrantes. Talvez o Carlos Silva saiba mais alguma coisa ou tenha fotografias."

Carlos, tens algum dele? Alguma foto ou história do teu tempo de Farim?

Abraço, Mantenhas. Luís


5. Nova mensagem do Eduardo Estrela, com data 17/06/2021, 22:34

Boa noite, Luís!

O Carlos Silva disse-me que o Fur Mil do tempo do Carinhas em Farim se chamava Guerra e que reside ou residia em Oleiros, pois as cartas que lhe manda a propósito dos convívios vêm devolvidas.

Sugeriu um contacto com os Bombeiros de Oleiros a fim de se saber se o Guerra terá mudado de residência. Para isso era bom haver um camarada que possa pessoalmente contactar os bombeiros, pois o Guerra poderá eventualmente ter fotos e/ou histórias do António Carinhas.

Um abraço, Eduardo Estrela


6. Comentário de LG:

No passado, domingo, 8/08/2021, 20:54, o Carlos Silva, mandou-me as fotos, sem legendas, que hoje se publicam, e com a lacónica informação:

"Aqui vão as fotos do Alferes Carinhas do qual o Estrela te falou sobre o seu falecimento".

Pelo pouco que encontrei na Net com referência ao Carinhas, ele devia natural do Alentejo, e julgo estar sepultado em Vila Viçosa. Faltam referências no nosso blogue a este nosso camarada que passou por Bambadinca e Farim, entre 1969 e 1971. Presumo, pois, que tenha nascido em 1947, como a maior parte de nós. Ou pode até ser mais velho que nós, um ou dois anos.

Aguardo que apareçam testemunhos sobre ele.  Pode ser que o fur mil Guerra, de Oleiros, nos leia e nos contacte. Ou alguém mais do seu tempo do Batalhão de Intendência, ou que se reconheça nas fotos de grupo que publicamos acima.

Fica aqui o nosso pesar, endereçado à família,  pela sua morte. LG
___________

Notas do editor:

(**) Último poste da série > 21 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22474: In Memoriam (404): Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-2021), falecido na cidade do Porto no passado dia 19 de Agosto de 2021... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22484: Consultório militar do José Martins (70): Museus e Monumentos Nacionais com acesso gratuito mediante a apresentação do Cartão do Combatente ou de Viúva(o) de Antigo Combatente


Mais uma preciosa informação do nosso incansável camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), agora sobre os Museus e Monumentos Nacionais com acesso gratuito mediante a apresentação do Cartão do Combatente ou de Viúva(o) de Antigo Combatente.


MUSEUS E MONUMENTOS NACIONAIS

Todos sabemos que, a Lei n.º 56/2020 de 20 de Agosto, da Assembleia da República, que entrou em vigor, vai fazer um ano no próximo dia 1 de Setembro, prevê:

Artigo 18.º
Gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais.
Durante o ano de 2020, o Governo adota as medidas necessárias a assegurar a gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais para todos os antigos combatentes e para a viúva ou viúvo de antigo combatente, detentores dos cartões referidos nos artigos 4.º e 7.º do presente Estatuto.


Só que, entenda-se, os monumentos visitáveis, mesmo que sejam considerados Monumentos Nacionais, são aqueles que se encontram, directamente, sob a tutela da Direcção Geral do Património Cultural.

Não basta pois, determinado monumento ter a designação de “Nacional”, mas estar afecto à gestão de uma entidade local ou particular, para ser abrangido pela lei que estamos a referir.

No sentido de, quer para conhecimento pessoal quer para partilhar com outros combatentes, tomei a liberdade de solicitar a DGPC (
Direção-Geral do Património Cultural), que respondeu a minha solicitação:

"Exmo. Senhor José Marcelino Martins,

No seguimento da questão que coloca sobre os museus e monumentos relativamente aos quais existe protocolo para entrada gratuita, cumpre informar o seguinte:

1. Nos termos do art.º 18 Lei n.º 46/2020, de 20 de agosto a entrada é gratuita para os antigos combatentes e sua viúva ou viúvo;

2. A Direção-Geral do Património Cultural, naturalmente, deu cumprimento a esta norma e disponibiliza o bilhete designado “ANTIGO COMBATENTE”, Antigo combatente do ultramar e respetiva(o) viúva(o) que pode ser adquirido em qualquer dos equipamentos culturais tutelados por esta direção. Segue lista infra.

3. Importa, no entanto, ter presente que a entrada é gratuita em qualquer dos equipamentos constantes na lista, contudo no caso de existirem exposições temporárias pagas, estas estão excecionadas da referida gratuitidade, apenas a entrada e as exposições permanentes estão abrangidas pela gratuitidade nos museus, monumentos e palácios.

De um modo geral o bilhete das exposições temporárias é de €5 e encontra-se circunscrita a um espeço reservado dentro do referido equipamento, não impedindo a visita no equipamento cultural em causa.

Segue a lista de equipamentos culturais tutelados por esta Direção-Geral:

01 - Alcobaça, Mosteiro de Alcobaça
02 - Batalha, Mosteiro da Batalha (Mosteiro de Santa Maria da Vitória)
03 - Coimbra, Condeixa-a-Velha,  Museu Monográfico de Conímbriga – M Nacional
04 - Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro
05 - Évora, Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo
06 - Lisboa, Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
07 - Lisboa, Mosteiro dos Jerónimos
08 - Lisboa, Museu de Arte Popular
09 - Lisboa, Museu Nacional da Música
10 - Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia
11 - Lisboa, Museu de Arte Antiga
12 - Lisboa, Museu Nacional de Arte Contemporânea
13 - Lisboa, Museu Nacional de Etnologia
14 - Lisboa, Museu Nacional do Azulejo
15 - Lisboa, Museu Nacional do Teatro e da Dança
16 - Lisboa, Museu Nacional do Traje
17 - Lisboa, Museu Nacional dos Coches
18 - Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda
19 - Lisboa, Panteão Nacional
20 - Lisboa, Torre de Belém
21 - Mafra, Palácio Nacional de Mafra
22 - Peniche, Museu Nacional da Resistência e da Liberdade
23 - Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis e Casa Museu Fernando de Castro
24 - Tomar, Convento de Cristo
25 - Viseu, Museu Nacional Grão Vasco

Com os melhores cumprimentos"

____________

Fica assim partilhada a lista de Monumentos visitáveis gratuitamente, de acordo com o Estatuto do Antigo Combatente.
Cabe agora, a todos e a cada um dos Combatentes, pugnar junto das autarquias em que reside, que as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, tornem os monumentos e museus dependentes dessas entidades, que se tornem acessíveis aos portadores do "Cartão de Combatente" ou "Cartão de Viúva (o) de Combatente", assim como entidades particulares que, normalmente, aceitam visitas aos seus acervos de família e com interesse histórico e/ou cultural.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22389: Consultório militar do José Martins (69): Ainda o Estatuto do Antigo Combatente

Guiné 61/74 - P22483: Historiografia da presença portuguesa em África (277): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Continua-se a passar em revista uma certa bibliografia complementar que possa ajudar o leitor interessado a aprofundar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia. Faz-se uma resenha de um trabalho de Mestrado assinado por José Manuel da Silva Veríssimo, onde salienta claramente que depois de uma opção estratégica de travessias gloriosas que serviam para justificar e legitimar o território colonial português em África se seguiu uma mudança de tática pelas explorações parciais, onde se impuseram vultos como Henrique de Carvalho ou Norton de Matos. E justificava-se uma referência à obra dos 140 anos da Sociedade de Geografia que de forma didática permite aos potenciais interessados saber o que podem encontrar na Biblioteca, na Cartoteca, na Fototeca e no Museu Etnográfico e Histórico. É, felizmente, do mais alto nível, é património único dentro de um espaço que há muito devia estar classificado como monumento nacional.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14)

Mário Beja Santos

Continuando as referências à bibliografia que permite complementar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa relembramos a dissertação para a obtenção de Mestre em História e Filosofia da Ciência, é seu autor José Manuel da Silva Veríssimo e intitula-se "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1875 e 1926", a edição é da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 1999, exemplar policopiado que pode ser lido na Biblioteca da Sociedade de Geografia.

Na introdução, o autor recorda-nos o despertar dos interesses europeus para os recursos africanos em simultâneo com a possibilidade de se encontrarem novos mercados para se escoarem os excedentes do segundo surto industrial europeu – estão aqui as alavancas decisivas de todo o processo de expansão europeia em África, na segunda metade do século XIX. Estamos na época das grandes iniciativas exploratórias de caráter científico, resultantes de uma curiosidade genuína por parte de grupos de cientistas prontos para abrir novos trilhos, gente imbuída pela curiosidade, com grande vontade de investigar, pronta a irromper pelas florestas. Há convergência de elementos, esta época não surgiu ao acaso, como observou o historiador Fernand Braudel: “O tráfico negreiro europeu cessou no preciso momento em que a América já não tinha necessidade urgente dele. Para o Novo Mundo, o emigrante europeu foi substituir o negro na primeira metade do século XIX para os EUA, na segunda para a América do Sul”.

Atendendo a este contexto, a Sociedade de Geografia soube impor-se pelas iniciativas e pelas pontes que estabelece com as principais academias e sociedades mundiais e pelo dinamismo que imprime a toda a problemática colonial africana. O autor, depois de nos apresentar a aventura exploratória de Silva Porto e outros continuadores, faz o seguinte comentário: “É notável o quase desdobramento dos exploradores: Henrique Dias de Carvalho, que empreende a viagem ao Quimbundo, Cubango e Cassai, em Angola; Silva Porto e Augusto Cardoso, ao Niassa, em Moçambique; Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo que, com Serpa Pinto, empreendem a travessia de Angola à contracosta. A diplomacia portuguesa consegue o reconhecimento pela Inglaterra da soberania portuguesa nas duas margens do rio Zaire, até às fronteiras do Estado do Congo, em troca de facilidades concedidas por Portugal, ao comércio e navegação do Zaire e Zambeze".

Depois do Ultimatum deu-se um abrandamento do surto expedicionário, num cenário de crise. Neste contexto, dever-se-á incluir o papel dos interesses das companhias comerciais que após terem sobrevivido à crise financeira de 1891 despertaram para as promissoras fontes de rendimento. É o caso da Companhia Majestática para a Ocupação e Exploração da Região do Niassa (1891), a Companhia de Cabinda (1903), a Companhia dos Diamantes de Angola (1917) e a Companhia Colonial de Navegação (1922). Lembra-nos o autor que a I República não alterou o sentido da política colonial em curso. E mais, apesar de todas as dificuldades que a sociedade republicana irá atravessar, a Sociedade de Geografia logra manter à sua volta a mais importante plêiade de investigadores, quadros académicos, administrativos e militares, capazes de globalizar o saber colonial. Este é no fundo o quadro introdutório dado pelo autor e vejamos agora em síntese a matéria que nos interessa até 1900.

No arranque do seu trabalho, o autor equaciona a Sociedade de Geografia com as etapas de reconhecimento do império português em África, tudo isto na segunda metade do século XIX. Deve-se ao Marquês Sá da Bandeira a viragem para esta política africana. Em 1844-45, Sá da Bandeira promove, com um atraso de 87 anos, a publicação do diário de Lacerda e Almeida e do Padre Francisco João Pinto, seu companheiro de viagem. Este diário constituirá um guia essencial no desbravamento dos esforços africanos pelos europeus. Será a Sociedade de Geografia a publicá-lo em 1883 bem como o diário dos pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José que, partindo de Cassange em novembro de 1802, atingem Tete em fevereiro de 1811. Será Luciano Cordeiro o elemento aglutinador, à sua volta constituir-se-á um grupo de 74 individualidades ligadas aos mais diversos da investigação científica e intelectual da sociedade revolucionada por Fontes Pereira de Melo. O autor fará depois a descrição dos primeiros tempos de atividade da Sociedade, vê-se que no seu trabalho de investigação acompanhou de perto as atas das sessões da Sociedade bem como os respetivos números do Boletim. Noutro capítulo abordará as expedições africanas portuguesas, como se irá processar a delimitação europeia das fronteiras em África e qual o quadro de agudização das rivalidades entre as potências imperiais (1884-1890). De facto, tinham surgido novos concorrentes: Leopoldo II da Bélgica e Guilherme I da Alemanha. Em 1887 a Sociedade de Geografia assinalou uma alteração à opção estratégica, passara o tempo das gloriosas travessias, impunha-se fazer explorações menos ruidosas, optou-se pelas explorações parciais, mais modestas na aparência mas com resultados funcionais, com provas de ocupação efetiva, como escreve outra autora a que iremos fazer referência, Maria Emília Madeira Santos, em Viagens de Exploração Terrestre dos portugueses em África, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1978. E de facto ir-se-ão multiplicar as explorações limitadas ao quadro regional. Perante a posição britânica Portugal teve que recuar e buscar consolidação pela ocupação efetiva.

Fez-se referência às evocações dos 50 e 75 anos da Sociedade de Geografia. Manuela Cantinho, Diretora do Museu e o Presidente da Sociedade de Geografia, Luís Aires-Barros são os autores da obra alusiva aos 140 anos da Sociedade de Geografia (1875-2015). Acrescenta-se sempre um ponto ao que ficou já registado em olhares anteriores. Recorda-se o expressivo atraso com que criámos entre nós a Sociedade de Geografia, cerca de 50 anos face a franceses, ingleses e alemães, que se lançaram a organizar expedições. Diz acertadamente o presidente Aires-Barros que a Sociedade de Geografia é património cultural da Nação e contém vasto património da Nação, e escreve: “É património cultural e material da Nação na medida em que foi nela que germinou e floresceu, na sequência do pensamento de Luciano Cordeiro e companheiros, seus fundadores, a ideia da promoção de conhecimento e de desenvolvimento socioeconómico e técnico-científico dos vastos territórios ultramarinos, principalmente africanos”. Não deixa de referir a riquíssima documentação existente na Sociedade, incluindo os cadernos de campo e documentação diversa de Serpa Pinto, Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo, Henrique de Carvalho, Silva Porto e Gago Coutinho. E faz-se o histórico deste período de lançamento inicial da Sociedade de Geografia que vai até à morte de Luciano Cordeiro em 1900. Manuela Cantinho debruça-se sobre o espólio cultural da Sociedade de Geografia nesta edição graficamente irrepreensível onde qualquer leigo pode constatar a riqueza patrimonial da Sociedade. E agora a nossa leitura vai orientar-se para os trabalhos de Maria Emília Madeira Santos.

(continua)
Uma das preciosidades do Museu da Sociedade de Geografia, arte guineense
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)