da fauna e da flora que Deus criou,
do grilo à andorinha, do azevinho à videira,
do castanheiro ao sobreiro,
do ouriço-cacheiro ao gaio,
do melro de bico amarelo à boeira,
sem esquecer o "homo sapiens sapiens"...
que cultiva a vinha e cuida da horta e limpa os montes...
ou do javali que de vez em quando desce, esfaimado, até ao milheiral.
Ainda venho cá meia dúzia de vezes por ano,
pelo Natal, Carnaval, Pàscoa,
Festa de Nossa Senhora do Socorro,
vindimas, Festa da Família (no nosso querido mês de agosto)...
e, claro, pelos batizados, casamentos e funerais.
Fica a Norte, a 400 quilómetros de Lisboa, a 320 da Lourinhã
(itinerário: IC 17, A8, A17, A25, CREP, A4,
e depois EN 222, Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Alto,
e M642, Candoz...).
De Candoz vê-se Cinfães,
a albufeira do Carrapatelo no rio Douro,
o Porto Antigo, a serra de Montemuro...
e, em dias de nevoeiro,
os fantasma do Zé do Telhado, do Serpa Pinto ou do Eça de Queiroz,
Tenho uma grande ternura por Candoz,
e sobretudo pelas suas gentes,
incluindo bichos, árvores e plantas.
Às vezes fico lá uns dias,
mesmo que não tenha o oceano Atlântico para "limpar a vista"
e os dias sejam mais curtos por causa da cidade e das serras...
Há sempre coisas novas para descobrir
e outras para confirmar:
o amor, a amizade, a ternura, a solidariedade
(coisas estas que são mais difíceis de captar pela máquina fotográfica)...
Quando eu morrer,
vou ter saudades de muitas coisas e gentes,
a começar por Candoz onde fui feliz,
pelos seus socalcos de pedra que sustem a terra arável,
roubada à floresta de castanheiros e carvalhos,
e pelo arco-íris sobre a albufeira do Carrapatelo,
e o seu caleidoscópio de mil e uma cores
que guardam memórias da mágica ligação da terra ao céu...
Foi lá, em Candoz, que aprendi coisas que não existiam
nos lugares da minha infância, no Oeste Estremenho,
na ponta mais ocidental da Europa,
como comer as "cebolinhas do talho" com presunto
e um naco de broa de milho,
acompanhadas com o vinho verde tinto,
bebido pela malga de barro vidrado...
Para não falar do anho assado com o arroz de forno,
ou do sável frito com a açorda de ovas,
ou da dança do fado ao som da rebeca...
Ou ver um avô a brincar com o seu pequeno neto macho,
sentado nos seus joelhos, e a cantarolar:
"O fadinho é bonito, os c... ao pé do pito!".
Tinha de se passar, há quase meio século atrás, vários testes
até se ser aceite no clã dos Ferreiras e Carneiros de Candoz,
terra que pertenceu ao concelho de Bem Viver,
extinto em 1852 e com foral de 1514...
Testes difíceis,
ainda para mais quando se era mouro,
se usava barbas e cabelos compridos,
cachimbo e boina preta basca ...
Fui lá pela primeira vez no verão quente de 1975,
quando o meu país estava a arder...
Percebo agora melhor a história deste país do arco-da-velha
que nasceu entre dois vales apertados,
o do Sousa e o do Tâmega...
Disso fala a fabulosa rota do Românico
que é obrigatório percorrer, pelo menos uma vez na vida...
Hoje o arco-da-velha ilumina-nos,
sinal de que Deus ainda não se cansou totalmente desta terra milenar.
Luís Graça