segunda-feira, 6 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23330: Efemérides (370): 10 de Junho de 2022 - Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar - XXIX Encontro Nacional, junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa

1O DE JUNHO - DIA DE PORTUGAL - LISBOA

HOMENAGEM AOS COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR EM LISBOA

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23329: Efemérides (369): Celebração do 10 de Junho junto ao Memorial aos Combatentes do Porto da Guerra do Ultramar, às 12h00 no Jardim do Fluvial, junto à Capela do Senhor e da Senhora da Ajuda

Guiné 61/74 - P23329: Efemérides (369): Celebração do 10 de Junho junto ao Memorial aos Combatentes do Porto da Guerra do Ultramar, às 12h00 no Jardim do Fluvial, junto à Capela do Senhor e da Senhora da Ajuda

CELEBRAÇÃO DO 10 DE JUNHO NO PORTO

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23291: Efemérides (368): 25 de maio de 1972, há 50 anos: o duelo fatal na Ponta Varela, Xime, em que o apontador da HK 21, da CCAÇ 12, Braima Sané, matou em combate o Mário Mendes, comandante de bigrupo do PAIGC, pelo que foi louvado pelo CAOP2, ele, a sua equipa e o seu comandante de secção, o fur mil José Domingues, natural de Águeda (António Duarte / Luis Graça)

Guiné 61/74 - P23328: Parabéns a você (2072): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM/CTIG (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23313: Parabéns a você (2071): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70)

domingo, 5 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23327: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (27): Tabanca felupe de Iale: o bombolom de cerimónias



 

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca felupe de Iale > 22 de maio de 2022  > "Bombolom de cerimónias"

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das fotos que o Patrício Ribeiro, nosso correspondente em Bissau, nos mandou, em 23 de maio passado, relativas ao chão felupe: praia de Varela e tabanca de Iale.(*)

Desta feita temos um "bombolom de cerimónias". Diz o fotógrafo, que tem casa em Varela, que o bombolom  serve para transmitir mensagens para dentro e para fora da tabanca. 

Nunca tínhamos visto um com estas dimensões. Não sabemos nada sobre a sua técnica de construção nem de que madeira é feita...  Fomos à procura de informação na Net. 

Aqui vai um excerto da página Meloteca > Bombolom(com a devida vénia):


(...) Bombolom é um idiofone de percussão direta tradicional da Guiné-Bissau (África Ocidental). 

É um tambor de fenda construído a partir de um tronco de árvore (bissilon) escavado longitudinalmente. Existem bombolons com cerca de 1,5 metros e outros tamanhos. 

O instrumento é percutido com baquetas de madeira e pode ser tocado por um ou dois executantes em simultâneo. São sobretudo homens que o tocam, e dos mais velhos, de pé ou sentados no chão. O som varia conforme o lado. 

Este instrumento desempenha funções de comunicação, sendo utilizado para transmitir mensagens, designadamente sobre falecimentos.

É tradicionalmente usado em todas as manifestações sócio-culturais, cerimónias de iniciação (fanados), cerimónias de toca-choro (toca-tchur). Nesta cerimónia fúnebre tradicional e festiva, em memória de uma pessoa de certa idade que faleceu há algum tempo, são sacrificados animais (porco, cabra, vaca). O bombolom tem uma componente mística, de comunicação com as divindades.

O Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau refere: “Na etnia mancanha, toca-se num conjunto de três bombolons e aquele que toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo assim a história da família”. Quem toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo a história da família. “Não se pode deslocar o instrumento de um lado para outro sem fazer uma pequena cerimónia que consiste em levar um litro de aguardente (cana). Durante o transporte e como determina a regra, o bombolon vai sendo tocado”. (AITGB). A aguardente é oferecida ao espírito para ter acesso ao instrumento. A palavra vem do crioulo bombolõ, com base em onomatopeia.

Colaboração: Wilson da Silva (...)

Guiné 61/74 - P23326: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (26): Tabanca felupe de Iale, e praia de Varela, a "minha praia"


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Iale, Varela > 22 de maio de 2022 > Casa felupe... Os jericãs, baldes e latas são hoje um utensílio doméstico de grande importãncia: há que ir buscar a água longe...



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Iale, Varela > 22 de maio de 2022 > Transporte de água que agora é cada vez mais escassa... Trabalho de meninas e mulheres..




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Iale, Varela > 22 de maio de 2022 > Palha para a cobertura das casas (moranças)




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Iale, Varela > 22 de maio de 2022 > Espremer o caju para sumo e que depois fica vinho... Trabalho de crianças...




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, a minha praia > 22 de maio de 2022 > Crescentes sinais de erosão...


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, a minha praia > 22 de maio de 2022 >

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Ribeiro Patrício, nosso correspondente em Bissau, mandou-nos, em 23 de maio passado, uma série de fotos da tabanca de Iale, Varela, bem como da praia de Varela onde ele tem casa... Publicamos a primeira parte. Em poste a seguir mostraremos depois um "bombolom de cerimónias".

Patrício Ribeiro: português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda, é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem mais de 120 referências o nosso blogue; tem também uma "ponta", junto ao rio Vouga, Agueda, onde de tempos a tempos se refugia; é nosso colaborador permanente a partir de 25 de abril de 2022 (para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau)... É o autor da série "Bom dia, desde Bissau" (*)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23286: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (25): Cacheu, restos que o império teceu... - II (e última) Parte

sábado, 4 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23325: Agenda cultural (813): Afroencontro: fusão euroafricana de sonoridades... Camones CineBar, Bairro da Graça, Lisboa, sábado, 4 de junho, 21h00: Mamadu Baio, Avito Nanque, Sanassi de Gongoma e João Graça


É hoje, mais logo, no Camones, CineBar, na Graça, Rua Josefa Maria 4B, 1170-195 Lisboa...

Mamadu Baio e João Graça são membros da nossa Tabanca Grande... E nós apoiamos a boa música do mundo, a começar pelos músicos guineenses... A não perder.

O Mamadu Baio que, além de grande e talentoso músico, compositor e ator de cinema, natural da tabanca de Tabatô, trabalha na construção civil com0 muitos dos seus patrícios... E vem de propósito da Holanda para estar mais logo no Camones... O J0ão Graça vai buscá-lo ao aeroporto.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23324: Os nossos seres, saberes e lazeres (506): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (53): Os jardins esplendentes do Palácio Nacional de Queluz - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Deambulando nos jardins superiores, nas estufas, nos lagos, no Canal dos Azulejos, sente-se em permanência a perfeita articulação entre o palácio e estas soberbas áreas de lazer, que adquiriram uma atmosfera cenográfica incomparável, é uma envolvência perfeita, aliás os arquitetos conceberam uma ligação entre as janelas dos diferentes edifícios e o esplêndido parque. É esse o percurso que vamos fazer, nos diferentes níveis dos jardins que nos tempos do primeiro proprietário, Cristóvão de Moura, ajuntara à Quinta imensas hortas, tudo somado cerca de 30 hectares. E visita-se com satisfação estes jardins onde houve sábias intervenções, as estátuas de John Cheere foram restauradas e aos poucos o Canal dos Azulejos vai sendo recuperado, e as estufas são uma beleza.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (53):
Os jardins esplendentes do Palácio Nacional de Queluz – 2


Mário Beja Santos

Quando se iniciou a visita aos jardins do Palácio Nacional de Queluz, adiantou-se de que o edifício é um dos exemplos mais notáveis da arquitetura portuguesa de Setecentos, havia aqui a quinta e a casa de Queluz, fora propriedade de Cristóvão de Moura, com a Restauração passou para a posse do 1.º Senhor do Infantado, o Infante D. Pedro, subirá ao trono anos mais tarde, daí as transformações e remodelação que se iniciou em 1747, sob a direção do arquiteto Mateus Vicente de Oliveira. Bisbilhotou-se o Palácio, a Sala do Trono e a Sala de Música, o nosso fito eram os jardins, que têm felizmente conhecido uma boa requalificação, houve intervenções nas estufas, no Canal de Azulejos, temos hoje magníficos jardins de aparato, que era o cenário de festas e passatempos da Família Real. Tempos virão para percorrer mais demoradamente o interior do Palácio, há para ali aposentos deslumbrantes, como a Sala dos Embaixadores e o Quarto de D. Quixote ou a Sala das Merendas. Antes de passar para os jardins superiores veja-se o Pavilhão da Rainha D. Maria I, mais tarde foi a residência oficial de verão de Marcello Caetano.

Escultura de John Cheere, Vertumno e Pomona (Deus dos Jardins e a Deusa da Abundância dos Frutos)

Já se fez menção ao magnífico acervo das estátuas de John Cheere, foram executadas na oficina deste escultor inglês em Hyde Park Corner, estatuária de chumbo. Escreve-se no livro de Margarida de Magalhães Ramalho: “Muito utilizado em Inglaterra para decorações de exterior, quer de fachadas quer de jardins, este tipo de estátuas tinha larga vantagem sobre as de bronze e/ou de pedra. Eram de fácil reprodução, tinham acabamentos excelentes e eram muito mais baratas. Tendo em conta que os jardins à francesa, tão utilizados nesta época, exigiam uma decoração rica em estatuária, é fácil imaginar o sucesso que estas peças em chumbo acabaram por ter, tanto mais que podiam ser pintadas de modo a imitar materiais mais nobres, como o mármore ou o bronze.” Há igualmente estatuária em pedra, com temas mitológicos ou clássicos: Vénus e Adónis, Eneias e Anquises, Baco e Ariadne, é uma estatuária que tem sido recuperada como recuperado o sistema hidráulico do tanque da cascata, tudo obra dos então Instituto dos Museus e da Conservação e do Instituto Português do Património Arquitetónico.

Temos aqui uma vista dos jardins superiores, tudo impecavelmente restaurado.
Uma das imagens do Pórtico da Fama, a Fama montando o seu cavalo Pégaso, já estamos no Jardim Pênsil.
Estamos agora a caminho do Jardim Pênsil, desceu-se a Escadaria dos Leões, passámos pelos grupos escultóricos de John Cheere e temos mais adiante o Canal de Azulejos, passou-se o Pórtico da Fama, entra-se nos jardins superiores, nesta alameda temos uma boa perspetiva do Pavilhão Robillion.
Pormenor do jardim
Em tempos idos, a visita aos Jardins de Queluz compreendia o Lago de Neptuno, o Lago das Conchas, a Cascata Grande, o Jardim do Labirinto e algo mais, antes de chegarmos ao Canal dos Azulejos e regressar pelo Pavilhão Robillion. Entretanto foram recuperadas as belas estufas, são visitáveis, ali se podem admirar ananases, num espaço ajardinado com muito bom gosto.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23304: Os nossos seres, saberes e lazeres (505): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (52): Os jardins esplendentes do Palácio Nacional de Queluz - 1 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23323: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (2): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte I: Inimigo, atividade política


Foto nº 39


Foto nº 39A


Foto nº 39B

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325, "Cobras de Guileje" (jan / dez 1971)  > 1971 > Álbum fotográfico do cor inf ref Jorge Parracho > Foto n.º 39, sem legenda > O cap Jorge  Parracho (o segundo a contar da direita, na foto nº 39A) com a malta do 5º Pel Art que era comandado pelo alf mil art Cristiano Neves... Operavam três peças de 11,4 cm, apontadas para a fronteira. 

O primeiro militar, na primeira fila, a contar da direita para a esquerda, na foto nº 39B, é o alf mil médico Mário Bravo, nosso grã-tabanqueiro. Também pssou por Bedanda (CCAÇ 6) e depois pelo HM 241, em Bissau. 

Os "cobras de Guileje" estavam longe de imaginar o que aconteceria àquele aquartelamento, um dos melhores da Guiné, dois anos depois... Foi aqui, em 18 de maio de 1973 que começou a Op Amílcar Cabral... (em que o PAIGC mobilizou t0dos os seus meios para "varrer do mapa" o quartel e a tabanca (fula) de Guileje...

[As fotos de Jorge Parracho foram disponibilizadas à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2007, no âmbito do projecto de criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não traziam legendas, vinham apenas numeradas. Foram por sua vez partilhadas com o nosso blogue pelo nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014), então diretor da ONG AD e principal promotor do projecto museológico de Guileje. A legendagem é da responsabilidade do editor L.G, que recorreu às informações já aqui publicadas pelo Orlando Silva sobre a CCAÇ 3325].

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]  


1. A Comissão para o Estudo das Campanhas  de África (1961-1974), mais conhecida pelo acrónimo CECA, fez um trabalho notável de recolha, análise e sistematização da informação sobre o  dispositivo e a actividade operacional no TO da Guiné,  por anos e por contendores (NT e PAIGC). O  título genérico é Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (e abrange os diversos teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique).

Referimo-nos, em particular,  ao 6.º Volume (Aspectos da Actividade Operacional), Tomo II (Guiné), e aos  seus três livros. Este trabalho, relevante para a historiografia militar,  merece ser conhecido (ou melhor conhecido) dos nossos leitores, para mais tendo em conta que estamos já recordar uma importante efeméride (que vai ocorrer daqui a um ano):  trata-se dos acontecimentos político-militares de 1973, e em particular de maio/junho de 1973, à volta de 3 aquartelamentos fronteiriços emblemáticos (Guidaje, Guileje e Gadamael), mas também antes e depois daqueles dois meses de brasa (assassinato de Amílcar Cabral, em 20/1/1973, a utilização do míssil terra-ar Strela contra a nossa aviação, pela primeira vez, em 25/3/1973,  o fim do mandato Spínola como com-chefe e governador geral em 6/8/1973, a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau em 24/9/1973, etc.).(*)

O ano de 1973 foi um "annus horribilis" para os dois beligerantes... que sabiam que nunca poderiam ganhar a guerra pela simples força das armas.  O PAIGC perde o seu histórico e carismático líder, Amílcar Cabral, assassinado fria e cobardemente por um dos seus homens, 

Por seu turno, Spínola regressa a casa, cabisbaixo, sem poder ver concretizada uma solução negociada do conflito, que seria sempre uma solução mais política do que militar. Na metrópole, os "ultras" do regime não lhe perdoam as suas veleidades "federalistas" e a tentativa (gorada) de "negociar" com os "inimigos da Pátria" a secular soberania portuguesa sobre os seus territósrios ultramarinos. 

Aqui vão, para os nossos leitores mais interessados na visão integrada dos acontecimentos, um excerto do referido trabalho da CECA. É também uma ocasião para lembrar os bravos que passaram por Guidale, Guileje e Gadamael, entre outros aquartelamentos que se destacaram nesta guerra.

É bom lembrar que,  "do outro lado", resta pouca informação documental... "O arquivo do PAIGC existente em Bissau, justamente referente aos aspectos operacionais desapareceu quase completamente, destruído em grande parte pelas tropas senegalesas aquando da guerra civil de 1998, bem como a maioria dos documentos do INEP (72,3 % dos arquivos históricos destruídos!)".

Além disso, "os poucos documentos sobreviventes, do espólio de Amílcar Cabral, foram entregues pela sua viúva aos arquivos da República de Cabo Verde e à Fundação Mário Soares, onde estão a ser objecto de digitalização integrados no Arquivo Amílcar Cabral, uma iniciativa de grande mérito", como escreveu aqui há muito o nosso amigo e camarada Nuno Rubim, em poste de 9 de maio de 2010 (**)

Os jovens guineenses, nascidos já depois da independência, se quiserem conhecer a história recente do seu país, vão ter que recorrer também a fontes portuguesas como estas, que resultaram do gigantesco trabalho da CECA.



CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.1. Actividade política


Num dos primeiros dias do ano, Amílcar Cabral proferiu um importante discurso em Conacri, no qual esboçou a sua previsão para a evolução da situação e definiu alguns dos objectivos estratégicos para o ano vindouro.

Assim, referiu que a situação na Guiné iria evoluir de "uma Colónia que dispõe de um movimento de libertação para um País que dispõe de um Estado que tem parte do seu território ocupado por forças armadas estrangeiras", marcando, como sucessivos estádios dessa evolução, a entrada em funcionamento de um órgão supremo de soberania, a proclamação de um estado, a criação de um poder executivo, seguindo-se a proclamação de uma constituição.

Nessa perspectiva, salientou a criação da Assembleia Nacional Popular em 1972, constituída por 120 membros, entre os quais 80 pertencentes às "regiões libertadas", pretendendo dar a ideia de que a Guiné reunia já as condições para ser um estado democrático, independente, com órgãos próprios eleitos pelo seu povo, a que faltava apenas expulsar alguns redutos de forças invasoras vindas de um país estranho.

Amílcar Cabral referiu também a necessidade de intensificar a guerrilha em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos.

Os acontecimentos subsequentes, embora ensombrados de início pelo assassinato de Amílcar Cabral, vieram trazer substancial confirmação às expectativas criadas pelo referido discurso, passando a observar-se uma dinâmica mais acelerada em quase todos os domínios, devendo salientar-se a reunião extraordinária do Comité Executivo de Luta e a realização do 2º Congresso do PAIGC, no qual se procedeu à declaração de independência do Estado da Guiné-Bissau.

Assassinato de Amílcar Cabral

Em Janeiro, o Quartel-General das Forças Armadas Portuguesas considerava haver um clima favorável à internacionalização da luta armada que se vivia no interior do território, podendo admitir-se a intervenção de forças estrangeiras de países ou organizações, em reforço ou apoio do PAIGC.

Por isso, foi com surpresa que se tomou conhecimento do assassinato de Amílcar Cabral, ocorrido em 20 de Janeiro em Conacri e levado a efeito por Inocêncio Kani, guinéu natural de Bubaque, o que veio alterar o tempo e o modo de evolução dos acontecimentos a partir daí. O autor confesso do crime ocupava um alto cargo na hierarquia do PAIGC como comandante da Marinha e tinha sido treinado na União Soviética durante um ano.

O acontecimento imediato mais relevante foi a nomeação, em 2 de Fevereiro de 1973, de Aristides Pereira, até aí Secretário-Geral Adjunto, para as funções de primeiro responsável pela direcção superior do Partido, interinamente, até à nomeação ou decisão do Conselho Superior de Luta, órgão supremo das decisões do PAIGC, entre congressos.

O Presidente da República da Guiné, Sekou Touré, passou também a exercer marcada influência na condução dos acontecimentos, quer na intensificação da luta armada no terreno, quer na condução da luta política, quer no sentido de acelerar a proclamação da independência do Estado da Guiné-Bissau. 
[Cinquenta anos depois, ele continua a ser um dos suspeitos da autoria moral do assassinato (não diz a CECA mas acrescentamos nós).]

 Por sua influência, foram transferidas estruturas do PAIGC de Conacri para junto da fronteira e mesmo para o interior do território português e foi pedido o comprometimento de países africanos na intervenção armada no conflito.

Em resultado de rivalidades entre guinéus e cabo-verdianos, que entretanto se tomaram mais vivas, a actividade política do PAIGC foi reduzida nos eses de Janeiro e Fevereiro.

O assassinato de Amílcar Cabral deu origem também a um inquérito levado a efeito por iniciativa de Sekou Touré, no qual participaram representantes de Cuba, Argélia, Egipto, Libéria, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Zâmbia, Tanzânia e delegados da Frelimo, PAIGC e República da Guiné.

Foram inquiridas 465 testemunhas. Quarenta e três indivíduos foram incriminados por participação no assassinato, nove acusados de cumplicidade e quarenta e dois suspeitos.

Correram também notícias de algumas dezenas de execuções.


Reunião do Conselho Executivo de Luta

A reunião deste órgão do PAIGC decorreu entre 7 e 9 de Fevereiro, tendo ficado decidido:

(i) apressar o inquérito ao assassinato de Amílcar Cabral e proceder com brevidade ao castigo dos culpados e seus cúmplices;

(ii) incrementar os trabalhos tendentes à reunião da Assembleia Nacional Popular numa das regiões libertadas e proclamar o Estado da Guiné-Bissau;

(iii) convocar o Conselho de Guerra visando a intensificação da luta armada no terreno em todas as frentes, nos centros urbanos, a intensificação da luta política clandestina, a mobilização das acções de massas e a reestruturação da Marinha;

(iv) preparar a próxima reunião do Conselho Superior de Luta, recolhendo sugestões e propostas para a nomeação do novo Secretário-Geral;

(v) confirmar a confiança em Aristides Pereira, Secretário-Geral Adjunto, como primeiro responsável, para dirigir o Partido até à reunião do Conselho de Luta;

(vi) reforçar a segurança;

(vii)  reafirmar a decisão inabalável de libertar a Guiné e Cabo Verde do domínio português;

(viii) consolidar as relações de amizade com a República da Guiné, Senegal e outros países, nomeadamente países socialistas e Suécia.

Em resultado das decisões tomadas e dos procedimentos postos em prática, em Março o PAIGC apresentava-se politicamente estabilizado, os incriminados no assassinato de Amílcar Cabral foram condenados à morte por  fuzilamento e os detidos não suspeitos foram libertados. 

Esta acalmia da situação criou as condições indispensáveis ao começo da implantação de efectivos militares e civis no interior da Província da Guiné, na região de Boé, a partir de Abril.

O controlo de Boé e da população ali fixada daria ao PAIGC argumentos para reivindicar atributos de soberania e credibilizar à declaração da independência do novo Estado da Guiné-Bissau no interior do território.


Realização do 2° Congresso do PAIGC

O 2° Congresso do PAIGC decorreu no período de 18 a 22 de Julho. Nele tomaram parte 138 delegados das FARP e órgãos político-administrativos do partido, assim como 60 observadores.

Neste Congresso foram tomadas as seguintes decisões principais:

(i) criar um Secretariado Permanente que passou a substituir o Comité Permanente do Comité Executivo de Luta e para o qual foram nomeados os seguintes membros:

- Aristides Maria Pereira - Secretário-Geral (Cabo Verde)

- Luís Cabral- Secretário Adjunto (Cabo Verde)

- Francisco Mendes - Secretário (Guiné)

- João Bernardo Vieira - Secretário (Guiné);

(ii) tomar extensiva a luta armada ao Arquipélago de Cabo Verde;

(iii) convocar a Assembleia Nacional Popular em ordem à proclamação do Estado da Guiné-Bissau.

Reunião da Assembleia Nacional Popular

A reunião da 1ª Assembleia Nacional Popular veio a ocorrer em 23 e 24 de Setembro, no interior do território da Guiné-Bissau, no Boé Oriental (#), onde, no segunda dia, foi proclamado o Estado da Guiné-Bissau, aprovada a sua l." Constituição e nomeado o respectivo Governo.

Os principais órgãos de soberania da nova República ficaram assim definidos:

(i)  PAIGC - força política dirigente, que, por intermédio do seu Secretariado Permanente, é a expressão suprema da vontade do povo e decide das orientações políticas do Estado.

(ii)  Assembleia Nacional Popular - órgão legislativo supremo, constituído por 120 membros;

(iii) Conselho de Estado - órgão legislativo, constituído por 15 membros, exercendo as suas funções entre sessões da Assembleia Nacional Popular;

(iv)  Conselho de Comissários de Estado - órgão executivo especial do Conselho de Ministros, constituído por 8 Comissários e 8 Subcomissários para a realização do programa político económico e social do Estado, sua segurança e defesa.

Entre os dirigentes, foram nomeados:

- Presidente da Assembleia Nacional Popular - João Bernardo Vieira

- Presidente do Conselho de Estado - Luís Cabral

- Comissário Principal do Conselho de Comissários - Francisco Mendes

No final do ano, o inimigo:

(i) incrementou a sua actividade no âmbito da política externa, tendo vários dirigentes desenvolvido intensa actividade diplomática no plano internacional, com especial destaque com o Senegal, República da Guiné, URSS, China, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Uganda, Argélia, Somália, Jugoslávia, Egipto, etc;

(ii) reforçou a sua acção de propaganda por intermédio das emissoras radiofónicas que lhe eram afectas, aludindo ao isolamento de Portugal,na opinião pública internacional e ao facto do novo Estado da Guiné-Bissau ter sido reconhecido já por diversos países estrangeiros;

(iii) aproveitou a substituição do General Spínola como Comandante-Chefe, ocorrida em finais de Agosto, para a relacionar com o reconhecimento da incapacidade de Portugal vencer a luta armada;

(iv) incrementou a instrução literária e profissional nos países limítrofes: na República da Guiné, em Conacri e em Koundara; no Senegal, em Ziguinchor;

(v)  reocupou tabancas anteriormente abandonadas no Boé Oriental, utilizando para o efeito os refugiados vindos da República da Guiné e colocou aí unidades das suas Forças Armadas Locais (FAL) com a missão de os defender.

Foram-lhe também particularmente favoráveis alguns dos acontecimentos políticos internacionais, dos quais o PAIGC se aproveitou para reforçar a sua projecção e credibilidade externas. Destacam-se nomeadamente as seguintes:

(i)  Em Janeiro, reuniu em Accra o Comité de Libertação da OUA - Organização de Unidade Africana, o qual aprovou a proposta do Chefe do Estado do Gana para a intensificação da luta armada, visando a libertação dos países africanos não autónomos, devendo a comunidade internacional intensificar a sua ajuda aos movimentos de libertação.

A nova estratégia definida nesta reunião específica que a responsabilidade primária pela libertação dos países africanos deverá competir aos movimentos de libertação desses países, cabendo aos Estados prestar-lhes auxílio político-militar e apoio no treino dos seus quadros.

Nesta reunião estiveram presentes representantes do PAIGC, na qualidade de legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

(ii)  Na Conferência sobre Descolonização e "Apartheid" na África Austral, realizada em Oslo no período de 9 a 14 de Abril sob a égide da ONU e OUA, o PAIGC fez-se representar por Vasco Cabral, que aproveitou a ocasião para declarar que a independência da Guiné-Bissau seria proclamada pela Assembleia Nacional Popular e que o poder executivo funcionaria no interior do território.

Acrescentou que a situação vivida justificava eventualmente a intervenção directa de outros países, nomeadamente africanos ou com apoio da OUA (que tinha preconizado um sistema de defesa regional integrada para África) e também chamou a atenção para os trabalhos da 28ª Assembleia Geral da ONU, a iniciar em Setembro.

Na circunstância, os representantes dos Movimentos de Libertação da África Austral pediram apoio militar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia.

A conferência não contou com a presença dos representantes dos EUA, França, Bélgica, Itália e Grã-Bretanha.

(iii) Na reunião da 1ª   conferência cimeira da OUA levada a efeito em Addis-Abeba, no período de 26 a 29 de Maio, ficou acordada uma "declaração política geral" na linha de decisões anteriores relativas à libertação de África do regime colonial, que foi considerada o ponto de partida para uma eventual intervenção armada directa, apoiada pela OUA, a favor dos movimentos de libertação africanos.

Representantes do PAIGC assistiram a esta cimeira, na qualidade de observadores.

(iv) No início de Novembro, a ONU aprovou uma resolução na qual exigia a retirada imediata de Portugal da Guiné-Bissau, o que constituiu o reconhecimento implícito do novo "Estado".

A resolução obteve 93 votos a favor e 7 contra (EUA, Brasil, Espanha, Grécia, África do Sul, Grã-Bretanha e Portugal).

(v) Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau foi admitida oficialmente na OUA, tomando-se o seu 42º  membro. Em 26 de Novembro foi também admitida na FAO por 66 votos a favor, 19 contra e 20 abstenções.

(vi) No encerramento da 28ª  Assembleia Geral da ONU, cujos trabalhos terminaram em Nova Iorque em 18 de Dezembro, foram aprovadas várias moções contra a política portuguesa em África.

Uma das moções negava à delegação portuguesa na ONU a representatividade dos territórios e das povoações de Angola, Moçambique e Guiné. Na votação sobre esta moção da Guiné, foram recolhidos 99 votos a favor e 14 contra (EUA, Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, entre outros).

(vii) Na 8ª sessão extraordinária da OUA, o Conselho de Ministros anunciou para Dezembro a reunião do Comité de Defesa, para estudar os meios mais eficazes para uma intervenção militar na Guiné-Bissau.

(viii) Neste ano, os movimentos de libertação africanos reconhecidos pela OUA receberam o estatuto de membros associados da UNESCO.

(ix)A 5ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi dominada pelo bloco dos países africanos, de que resultou a admissão à conferência de delegados do PAIGC, considerados legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

Portugal reagiu retirando-se da Conferência em sinal de protesto, classificando as decisões tomadas como ilegais e contrárias aos estatuto da OIT. (...)

(Continua) CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.2. Actividade militar
 
Fonte_ Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 239/245

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue:  L.G.]

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(#) Nota da CECA:  "Venduleide, perto de Lugadjol, numa zona pouco povoada, de mata não muito densa, com acessos fáceis de controlar, não longe da Guiné-Conacri, foi o exacto local onde a independência foi proclamada, garante Mário Cabral. 'Tinha a vantagem de nos pudermos reunir rapidamente e dispersarmos também rapidamente', explicou Aristides". ROCHA, João Manuel, Jornal "Público" de 24Set20 13, pp. 30 e 31.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de junho de  2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)

(**) Vd. poste de 9 de maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6356: Historiografia da presença portuguesa em África (36): O PAIGC, os nossos arquivos e a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961/74 (Nuno Rubim)

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23322: Notas de leitura (1452): Crónicas soviéticas , o segundo livro do antigo comandante do PAIGC Osvaldo Lopes da Silva (Rosa de Porcelana, 2021, 240 pp.)



Crónicas soviéticas
 / Osvaldo Lopes da Silva. - [S.l.] : Rosa de Porcelana, 2021. - 242 pp. ; 21 cm. - ISBN 978-989-8961-21-1 

Capa: foto de visita à Crimeia, URSS, em Abril de 1969, tendo Amílcar Cabral em destaque, "único dirigente africano com direito a acompanhante militar, intérprete de russo, ninguém menos que o “patxêparloa” Osvaldo Lopes da Silva, no canto esquerdo, atrás de Samora Machel"  (Manuel Brito-Semedo)



1. Segundo notícia do Expresso das Ilhas,19 jan 2022 16:52,  foi lançado no passado dia 20 de janeiro, na cidade da Praia, Cabo Verde, o livro “Crónicas Soviéticas”, de Osvaldo Lopes da Silva. (*)

A apresentação da obra esteve a cargo de Manuel Brito-Semedo, autor do blogue "Esquina do Tempo". E conta com um prefácio do historiador luso-guineense Julião Soares Sousa, doutor em História Contemporânea, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, autor entre outras obras da melhor biografia de "Amílcar Cabral (1924.1973): vida e obra de um revolucionário africano".

A editora é a A Rosa de Porcelana. A obra é um ensaio histórico e memorialístico, diz o "Expresso das Ilhas":

(...) "O Prefácio, escrito pelo investigador Julião Soares Sousa, afirma que o livro é uma oportunidade de revisitar um tempo histórico sem dúvida idiossincrático em que o autor faz desfilar vários acontecimentos e várias personalidades que foram, “mal ou bem e para o mal ou para o bem, dependendo das perspectivas analíticas de cada um, verdadeiros protagonistas. Múltiplos são os méritos da vinda a público das Crónicas Soviéticas, mas o mérito maior é, incontestavelmente, o de desbravar um caminho novo”.

“É que são praticamente inexistentes memórias de quadros de movimentos de libertação que, tendo feito formação na URSS ou alhures se predispuseram a relatar suas vivências. Diríamos até que esta é, indiscutivelmente, uma das grandes omissões da literatura anticolonial dos espaços de colonização portuguesa em África” (...) 

Sobre o autor, e segundo a nota biográfica da responsabilidade da editora:

(i) nascido em São Nicolau em 1936, Osvaldo Lopes da Silva fez a instrução primária na cidade da Praia e os estudos secundários no Mindelo;

(ii)  frequentava o curso de  Engenharia Civil, em Portugal, quando, em 1961, integrou o PAIGC e fugiu para aderir ao movimento anticolonial, liderado por Amílcar Cabral;

(iii) completou o Curso de Economia em Moscovo, tendo depois integrado a luta armada de libertação nacional, como comandante de artilharia ( notablizando-se na Op Amílcar Cabral, 1º semestre de 1973); (**)

(iv) com a proclamação da Independência de Cabo Verde em 1975, ssumiu as pastas ministeriais da Economia e Finanças, até 1986, e de Transportes, Comércio e Turismo, até 1990 (ano até ao qual Cabo Verde teve um regime de partido único, o PAIGC e depois PAICV);

(v) foi agraciado com a condecoração do Primeiro Grau da Ordem Amílcar Cabral;

(vi) em 2011, publicou o livro "Nos tempos da minha Infância".

2. Excertos da nota de leitura de Manuel Semedo-Brito (reproduzidos com a devida vénia):


Manuel Brito-Semedo: (i) nascido em São Vicente em 1952; (ii)  é Doutor em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa; (iii) professor universitário, é membro fundador da Academia das Ciências e de Humanidades de Cabo Verde, da Cátedra Eugénio Tavares de Língua Portuguesa e da Associação de Escritores Cabo-verdianos; (iv) é autor de 10 livros.


(...) A memória fantástica e ainda fresca de Osvaldo Lopes da Silva, evidenciada no livro primeiro, "Nos tempos da minha infância", publicado aos 75 anos, fica agora ratificada nesta nova obra, dez anos passados.

Neste "Crónicas Soviéticas", Osvaldo Lopes da Silva continua na senda memorialista, mas desta feita saindo do viés afectivo para o histórico. Para tal, convergiram vários factores:

(i) a conjuntura histórica favorável que encontrou ao chegar à então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1961, ano da grande abertura do país em relação ao mundo;

(ii) o domínio da língua e o conhecimento da História russas, uma vez que fez a formação em Economia pelo Instituto de Economia de Plekanov;

(iii) ter conseguido uma boa rede de contactos, por meio de material (uma carta e um livro com dedicatória levados de dirigentes do MPLA) que lhe abriu portas;

(iv) ser portador de um pequeno rádio transistor que o punha em contacto, todas as manhãs, com as principais estações e consequente notícias do mundo ocidental; e

(v) a sua verve e forma leve para abordar assuntos complexos, para denunciar, criticar, gracejar ou censurar alguém ou alguma coisa, com um humor subtilmente irónico.

(...) O livro de Osvaldo Lopes da Silva é constituído por onze ensaios, registados em primeira pessoa. Os textos, históricos e memorialistas, seguem uma linha cronológica e lançam luz sobre o emaranhado político da ex-URSS e sobre a geopolítica mundial, por meio de um testemunho privilegiado, posto que de um estudante de economia, militar, combatente da luta de libertação do PAIGC e dirigente político nos anos sessenta, setenta e oitenta.

O prefácio do livro, de autoria magistral do investigador Julião Soares Sousa, é um convite para que o leitor transite entre os diversos ambientes, como se de cômodos de uma casa se tratasse, e tem o mérito de nos preparar para o que vamos encontrar na escrita de Osvaldo Lopes da Silva. (...)

Ultrapassada a soleira da porta, permitam-me que eu também vos guie num breve passeio por alguns desses cômodos, que compõem esta casa/obra de Osvaldo Lopes da Silva, evocações da memória suportadas, muitas vezes, por documentos pouco conhecidos ou pouco divulgados, que lhes dão garantia de rigor histórico.

Haveremos de circular, pois, por ambientes como a Revolução de Outubro e a criação do Partido Comunista e da União Soviética, com as lutas pelo poder e as purgas nas altas esferas do Partido Comunista Soviético; pela Segunda Guerra Mundial, com a explicação risível que lhe foi dada por um sargento russo de como os nazis perderam a guerra para os russos. 

E é também com uma certa ironia que o autor dá conta de como Portugal contribuiu para o esforço de guerra; pela geopolítica mundial, o socialismo internacional e os interesses nacionais; pelas visitas de Amílcar Cabral à URSS e o confronto de ideias com o autor, em 1967. 

Aqui, vou-me permitir uma revelação antecipada de conteúdo: numa prolongada espera em Moscovo para uma audiência, Osvaldo Lopes da Silva viu a oportunidade para ter uma longa e descontraída conversa com o líder: “Cabral vinha entusiasmado com a alta qualidade dos integrantes do grupo de cabo-verdianos em formação militar em Cuba […]. Tivemos tempo para abordar, longamente a problemática da Unidade Guiné-Cabo Verde. […]. Concluí, esclarecendo que exprimia reservas, não oposição ao projecto” (pág. 191-192); pela ambição e o oportunismo político em diversas esferas; pela derrocada da perestroika de Gorbatchov, de como ficou ultrapassada face à proposta de Boris Ieltsin de uma Federação Russa, aberta à adesão voluntária de outras repúblicas; pela cooperação Cabo Verde-União Soviética, estabelecida logo após a independência e na sequência da ajuda da ex-URSS concedida ao PAIGC, sobretudo, na área da marinha mercante e da construção de portos. (...)

(...) Terminado o breve passeio pela casa/obra, voltemos à soleira da porta dando passagem ao prefaciador, o investigador Julião Soares Sousa, mas não sem antes pegar o gancho de um trecho do prefácio.

Em certa ocasião, tive a oportunidade de lançar um desafio à geração de dirigentes e políticos, que foram os principais intervenientes no processo da independência e da governação deste país, para que fizessem o registo das suas memórias e reflexões. Tomando como exemplo Osvaldo Lopes da Silva, hoje volto a reiterá-lo, as geraçóes presentes e futuras assim o exigem. (...)

Manuel Brito-Semedo


[ Seleção / Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de junho de 2022 >   Guiné 61/74 - P23321: Notas de leitura (1451): “Viagens”, de Luís de Cadamosto, introdução e notas de Augusto Reis Machado, na Biblioteca das Grandes Viagens, Portugália Editora, sem data (3) (Mário Beja Santos).

(**) Vd. poste de 27 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20100: Dossiê Guileje / Gadamael (32): O texto, inédito, de Osvaldo Lopes da Silva, um dos principais cérebros da Op Amílcar Cabral; mesa-redonda em Coimbra, 23/5/2013: " O ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio."

Guiné 61/74 - P23321: Notas de leitura (1451): “Viagens”, de Luís de Cadamosto, introdução e notas de Augusto Reis Machado, na Biblioteca das Grandes Viagens, Portugália Editora, sem data (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Estas navegações e estes documentos narrativos abriram campo a um conhecimento que estilhaçou ideias pré-concebidas durante séculos. Dos trabalhos de José Silva Horta depreende-se claramente que havia conceções cristalizadas ao longo de séculos sobre esses povos desconhecidos tratados como descrentes e selvagens. Os relatos entremeiam dados que a cultura europeia demorou a assimilar: os povos pardos, fundamentalmente islamizados, seguia-se o grande deserto, em território longínquo estava a mítica Tombuctu, longe ficava o Benim, pela mesma orla costeira chegava-se à terra dos Negros, os navegadores informavam que havia uma economia de troca, reportaram usos e costumes, havia claros indícios da presença do islamismo e também da idolatria, gradualmente a aceitação das trocas. Esses mesmos autores da literatura de viagens iriam lançar outras novas questões, importantes para a divulgação do Cristianismo, traziam já subjacente a ideia de que os povos civilizadores tinham muito trabalho pela frente para tirar da selvajaria aqueles povos que eram vistos manifestamente como atrasados, a despeito das suas manifestações culturais e das boas práticas de acolhimento. Assim entrou em germinação a mentalidade colonizadora, só contestada e repudiada no século XX.

Um abraço do
Mário



Viagens de Luís de Cadamosto e Pedro de Sintra:
Relatos incontornáveis e de alto nível da literatura de viagens (3)


Beja Santos

De Cadamosto e Pedro de Sintra já aqui se fez larga referência ao trabalho do professor Damião Peres na Academia das Ciências, em 1948. Procura-se agora cotejar alguns aspetos essenciais de uma obra de divulgação que estranhamente não se reeditou, intitulada “Viagens”, de Luís de Cadamosto, introdução e notas de Augusto Reis Machado, na Biblioteca das Grandes Viagens, Portugália Editora, sem data. Esta obra de divulgação foi extraída da Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas que vivem nos Domínios Portugueses, tomo organizado pelo académico Sebastião Francisco de Mendo Trigoso (1773-1821). Figura nas anteriores edições com o título de “Navegações”.

Voltando um pouco atrás, recorda-se ao leitor que esta literatura de viagens tem um peso documental inexcedível para o trabalho historiográfico. Depois de fazermos referência aqui a Cadamosto iremos até uma obra intitulada “O Confronto do Olhar, o encontro dos povos na época das Navegações Portuguesas”, Editorial Caminho, 1991, com as colaborações de Luís de Albuquerque, António Luís Ferronha, José da Silva Horta e Rui Loureiro. José da Silva Horta vai situar-nos neste espaço da costa africana e dá-nos a imagem do africano pelos portugueses antes dos contatos e em sequência os primeiros olhares sobre o africano do Sara Ocidental à Serra Leoa (meados do século XV – início do século XVI). Cadamosto depois de nos descrever o país da Gâmbia, como navegavam os negros nas suas almadias, como se estudavam as distâncias, e isto num lindo capítulo em que refere a Estrela Polar e as seis estrelas do polo antártico, referencia quem foram os primeiros a descobrir as ilhas de Cabo Verde, assunto que, como é de todos sabido, lançou grande polémica na historiografia dos séculos XIX e XX. Navegando pela costa africana entre o cabo Verde e o Senegal chegaram a um lugar onde foram levados à presença do Batimansa, sucedem-se as trocas. Cadamosto pronuncia-se sobre a religião, modo de viver e trajar destes negros, uns praticantes da idolatria, outros praticantes da seita de Mafoma. “No modo de viver, quase todos se governam conforme os negros do reino do Senegal. Comem carne de cão, que nunca ouvi dizer que se comesse noutra parte. Os seus vestidos são de algodão e se os negros do Senegal andam quase todos nus, estes pela maior parte andam vestidos. As mulheres vestem todas por uma mesma forma, salvo que quando são pequenas gostam de fazer alguns lavores sobre a pele, picando com agulhas os peitos, braços e pescoço, os quais parecem desses bordados de seda que se usam nos lenços e são feitos com fogo de modo que em tempo algum se apagam”. Fala dos elefantes, do descobrimento do rio de Casamansa cujo rei é igualmente o Senhor Casamansa, avança-se para a Guiné, tal como ela hoje existe, regressa-se depois a Portugal.

A viagem de Pedro de Sintra, escudeiro do Infante D. Henrique, faz parte dos relatos de Cadamosto. É a primeira referência que se faz ao cabo de Sagres da Guiné, a 80 milhas do cabo da Verga. “Dizem os marinheiros, pelas informações que houveram, que os seus habitantes são idólatras, adoram estátuas de pau com a forma humana. São de uma cor mais amulatada do que negra e têm alguns sinais feitos com ferro em brasa pela cara e pelo resto do corpo”. Trata-se de um relato que revela claramente que as navegações tinham atingido o cabo Roxo e se aproximavam da costa da Libéria.

Os trabalhos de José da Silva Horta no já aludido livro “O Confronto do Olhar” têm a ver com a imagem do africano antes e depois dos contatos estabelecidos.

Antes, havia a ideia do negro da Etiópia, do egípcio, pensava-se no mouro, e admitia-se a existência de um reino distante com um senhor cristão, o Preste João. José da Silva Horta faz um levantamento das expressões à volta do negro, como é óbvio pouco valorativas e não abonando gente civilizada. Havia, insista-se, no imaginário, o tal Preste João que era pensado como patriarca de Núbia e Etiópia que “senhoreia mui grandes terras e muitas cidades de cristãos mas que são negros como a pez e queimam-se com fogo em sinal de Cruz em reconhecimento do batismo, e como quer que estas gentes são negros, mas são homens de bom entendimento e de bom siso”. Em jeito de conclusão, o historiador diz que a imagem do africano em Portugal no século XIV inícios do século XV é marcada pela permanência de estereótipos negativos da herança medieval anterior, associados à cor negra e ao Negro.

Tudo se alterará a partir das navegações nas costas do Sara Ocidental e com as motivações do projeto henriquino, os propósitos de cristianização não chocavam com a escravatura, assentava-se numa sobrevalorização da alma sobre o corpo, e os relatos da literatura de viagens vão emitir juízos sobre a vida nómada dos Árabes, dos Azenegues e dos Negros, fala-se permanentemente em bestialidade, credos errados, adoração de ídolos em terras verdes e luxuriantes. José da Silva Horta elenca vários testemunhos como os de Cadamosto e Pedro de Sintra, também os de Diogo Gomes, recorde-se que Pedro de Sintra percorreu a costa da Guiné, antes deixou-nos um retrato dos Mandingas e dos Jalofos senegaleses, retratou as feiras dos Banhuns entre o rio Casamansa e o Cacheu, também a crença dos habitantes da Serra Leoa e enfatiza a perenidade do Homem Selvagem nas representações do africano, com toda a ambiguidade entre homem e animal que lhe é própria. Duarte Pacheco Pereira fala na Serra Leoa em que há gente belicosa, negros que comem outros homens, que têm idólatras e feiticeiros, negros que têm dentes limados e agudos como o cão. E a aproximação entre o homem e o animal é bem clara: “Nesta serra há muitos elefantes e onças e outras muito variadas animálias que nesta Espanha nem em toda a Europa não há. Também há aqui homens selvagens, a que os Antigos chamaram Sátiros, e são todos cobertos de um cabelo ou sedas quase e tão ásperas como de porco; e estes parecem criatura humana e usam o coito com suas mulheres como nós usamos com as nossas; e em vez de falarem, gritam quando lhes fazem mal”.

O historiador também observa que num tempo em que dificilmente seria pensável a existência de verdadeiros homens fora da geração de Adão, o próprio Negro via-se envolvido em dúvidas sobre a sua humanidade, e despedimo-nos exatamente com uma observação de Duarte Pacheco Pereira:
“Muitos Antigos disseram que, se alguma terra estivesse oriente e ocidente com outra terra, que ambas teriam um grau do Sol igualmente, e tudo seria de uma qualidade. E quanto à igualeza do Sol é verdade; mas como quer que a majestade de grande natureza usa de grande variedade, em sua ordem, no criar e gerar das coisas, achámos, por experiência, que os homens deste promontório de Lopo Gonçalves (cabo Lopez) e toda a outra terra de Guiné são assaz Negros, e as outras gentes que jazem além do mar Oceano a ocidente (que tem o grau do Sol por igual, como os Negros da dita Guiné) são pardos quase brancos; e estas são as gentes que habitam na terra do Brasil. E que se algum queira dizer que estes estão guardados da quentura do Sol, por nesta região haver muitos arvoredos que lhe fazem sombra, e que, por isso, são quase alvos, digo que se muitas árvores nesta terra há, que tantas e mais, tão espessas há nesta parte oriental de aquém do oceano de Guiné. E se disserem que estes de aquém são negros porque andam nus e os outros são brancos porque andam vestidos, tanto privilégio deu a natureza a uns como a outros, porque todos andam segundo nasceram; assim que podemos dizer que o Sol não faz mais impressão a uns que a outros. E agora é para saber se todos são da geração de Adão”.

Iniciavam-se os encontros, iriam eclodir os grandes debates sobre se os negros tinham alma, demorou tempo a compreender que a gente de todas as etnias e cores faziam parte da mesma humanidade. Perceba-se, pois, que o grau de dúvidas culturais e civilizacionais reveladas nestes encontros obedeciam a uma estrutura mental sedimentada durante séculos.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23310: Notas de leitura (1450): “Viagens”, de Luís de Cadamosto, introdução e notas de Augusto Reis Machado, na Biblioteca das Grandes Viagens, Portugália Editora, sem data (2) (Mário Beja Santos)