Por sua influência, foram transferidas estruturas do PAIGC de Conacri para junto da fronteira e mesmo para o interior do território português e foi pedido o comprometimento de países africanos na intervenção armada no conflito.
Em resultado de rivalidades entre guinéus e cabo-verdianos, que entretanto se tomaram mais vivas, a actividade política do PAIGC foi reduzida nos eses de Janeiro e Fevereiro.
O assassinato de Amílcar Cabral deu origem também a um inquérito levado a efeito por iniciativa de Sekou Touré, no qual participaram representantes de Cuba, Argélia, Egipto, Libéria, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Zâmbia, Tanzânia e delegados da Frelimo, PAIGC e República da Guiné.
Foram inquiridas 465 testemunhas. Quarenta e três indivíduos foram incriminados por participação no assassinato, nove acusados de cumplicidade e quarenta e dois suspeitos.
Correram também notícias de algumas dezenas de execuções.
Reunião do Conselho Executivo de Luta
A reunião deste órgão do PAIGC decorreu entre 7 e 9 de Fevereiro, tendo ficado decidido:
(i) apressar o inquérito ao assassinato de Amílcar Cabral e proceder com brevidade ao castigo dos culpados e seus cúmplices;
(ii) incrementar os trabalhos tendentes à reunião da Assembleia Nacional Popular numa das regiões libertadas e proclamar o Estado da Guiné-Bissau;
(iii) convocar o Conselho de Guerra visando a intensificação da luta armada no terreno em todas as frentes, nos centros urbanos, a intensificação da luta política clandestina, a mobilização das acções de massas e a reestruturação da Marinha;
(iv) preparar a próxima reunião do Conselho Superior de Luta, recolhendo sugestões e propostas para a nomeação do novo Secretário-Geral;
(v) confirmar a confiança em Aristides Pereira, Secretário-Geral Adjunto, como primeiro responsável, para dirigir o Partido até à reunião do Conselho de Luta;
(vi) reforçar a segurança;
(vii) reafirmar a decisão inabalável de libertar a Guiné e Cabo Verde do domínio português;
(viii) consolidar as relações de amizade com a República da Guiné, Senegal e outros países, nomeadamente países socialistas e Suécia.
Em resultado das decisões tomadas e dos procedimentos postos em prática, em Março o PAIGC apresentava-se politicamente estabilizado, os incriminados no assassinato de Amílcar Cabral foram condenados à morte por fuzilamento e os detidos não suspeitos foram libertados.
Esta acalmia da situação criou as condições indispensáveis ao começo da implantação de efectivos militares e civis no interior da Província da Guiné, na região de Boé, a partir de Abril.
O controlo de Boé e da população ali fixada daria ao PAIGC argumentos para reivindicar atributos de soberania e credibilizar à declaração da independência do novo Estado da Guiné-Bissau no interior do território.
Realização do 2° Congresso do PAIGC
O 2° Congresso do PAIGC decorreu no período de 18 a 22 de Julho. Nele tomaram parte 138 delegados das FARP e órgãos político-administrativos do partido, assim como 60 observadores.
Neste Congresso foram tomadas as seguintes decisões principais:
(i) criar um Secretariado Permanente que passou a substituir o Comité Permanente do Comité Executivo de Luta e para o qual foram nomeados os seguintes membros:
- Aristides Maria Pereira - Secretário-Geral (Cabo Verde)
- Luís Cabral- Secretário Adjunto (Cabo Verde)
- Francisco Mendes - Secretário (Guiné)
- João Bernardo Vieira - Secretário (Guiné);
(ii) tomar extensiva a luta armada ao Arquipélago de Cabo Verde;
(iii) convocar a Assembleia Nacional Popular em ordem à proclamação do Estado da Guiné-Bissau.
Reunião da Assembleia Nacional Popular
A reunião da 1ª Assembleia Nacional Popular veio a ocorrer em 23 e 24 de Setembro, no interior do território da Guiné-Bissau, no Boé Oriental (#), onde, no segunda dia, foi proclamado o Estado da Guiné-Bissau, aprovada a sua l." Constituição e nomeado o respectivo Governo.
Os principais órgãos de soberania da nova República ficaram assim definidos:
(i) PAIGC - força política dirigente, que, por intermédio do seu Secretariado Permanente, é a expressão suprema da vontade do povo e decide das orientações políticas do Estado.
(ii) Assembleia Nacional Popular - órgão legislativo supremo, constituído por 120 membros;
(iii) Conselho de Estado - órgão legislativo, constituído por 15 membros, exercendo as suas funções entre sessões da Assembleia Nacional Popular;
(iv) Conselho de Comissários de Estado - órgão executivo especial do Conselho de Ministros, constituído por 8 Comissários e 8 Subcomissários para a realização do programa político económico e social do Estado, sua segurança e defesa.
Entre os dirigentes, foram nomeados:
- Presidente da Assembleia Nacional Popular - João Bernardo Vieira
- Presidente do Conselho de Estado - Luís Cabral
- Comissário Principal do Conselho de Comissários - Francisco Mendes
No final do ano, o inimigo:
(i) incrementou a sua actividade no âmbito da política externa, tendo vários dirigentes desenvolvido intensa actividade diplomática no plano internacional, com especial destaque com o Senegal, República da Guiné, URSS, China, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Uganda, Argélia, Somália, Jugoslávia, Egipto, etc;
(ii) reforçou a sua acção de propaganda por intermédio das emissoras radiofónicas que lhe eram afectas, aludindo ao isolamento de Portugal,na opinião pública internacional e ao facto do novo Estado da Guiné-Bissau ter sido reconhecido já por diversos países estrangeiros;
(iii) aproveitou a substituição do General Spínola como Comandante-Chefe, ocorrida em finais de Agosto, para a relacionar com o reconhecimento da incapacidade de Portugal vencer a luta armada;
(iv) incrementou a instrução literária e profissional nos países limítrofes: na República da Guiné, em Conacri e em Koundara; no Senegal, em Ziguinchor;
(v) reocupou tabancas anteriormente abandonadas no Boé Oriental, utilizando para o efeito os refugiados vindos da República da Guiné e colocou aí unidades das suas Forças Armadas Locais (FAL) com a missão de os defender.
Foram-lhe também particularmente favoráveis alguns dos acontecimentos políticos internacionais, dos quais o PAIGC se aproveitou para reforçar a sua projecção e credibilidade externas. Destacam-se nomeadamente as seguintes:
(i) Em Janeiro, reuniu em Accra o Comité de Libertação da OUA - Organização de Unidade Africana, o qual aprovou a proposta do Chefe do Estado do Gana para a intensificação da luta armada, visando a libertação dos países africanos não autónomos, devendo a comunidade internacional intensificar a sua ajuda aos movimentos de libertação.
A nova estratégia definida nesta reunião específica que a responsabilidade primária pela libertação dos países africanos deverá competir aos movimentos de libertação desses países, cabendo aos Estados prestar-lhes auxílio político-militar e apoio no treino dos seus quadros.
Nesta reunião estiveram presentes representantes do PAIGC, na qualidade de legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.
(ii) Na Conferência sobre Descolonização e "Apartheid" na África Austral, realizada em Oslo no período de 9 a 14 de Abril sob a égide da ONU e OUA, o PAIGC fez-se representar por Vasco Cabral, que aproveitou a ocasião para declarar que a independência da Guiné-Bissau seria proclamada pela Assembleia Nacional Popular e que o poder executivo funcionaria no interior do território.
Acrescentou que a situação vivida justificava eventualmente a intervenção directa de outros países, nomeadamente africanos ou com apoio da OUA (que tinha preconizado um sistema de defesa regional integrada para África) e também chamou a atenção para os trabalhos da 28ª Assembleia Geral da ONU, a iniciar em Setembro.
Na circunstância, os representantes dos Movimentos de Libertação da África Austral pediram apoio militar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia.
A conferência não contou com a presença dos representantes dos EUA, França, Bélgica, Itália e Grã-Bretanha.
(iii) Na reunião da 1ª conferência cimeira da OUA levada a efeito em Addis-Abeba, no período de 26 a 29 de Maio, ficou acordada uma "declaração política geral" na linha de decisões anteriores relativas à libertação de África do regime colonial, que foi considerada o ponto de partida para uma eventual intervenção armada directa, apoiada pela OUA, a favor dos movimentos de libertação africanos.
Representantes do PAIGC assistiram a esta cimeira, na qualidade de observadores.
(iv) No início de Novembro, a ONU aprovou uma resolução na qual exigia a retirada imediata de Portugal da Guiné-Bissau, o que constituiu o reconhecimento implícito do novo "Estado".
A resolução obteve 93 votos a favor e 7 contra (EUA, Brasil, Espanha, Grécia, África do Sul, Grã-Bretanha e Portugal).
(v) Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau foi admitida oficialmente na OUA, tomando-se o seu 42º membro. Em 26 de Novembro foi também admitida na FAO por 66 votos a favor, 19 contra e 20 abstenções.
(vi) No encerramento da 28ª Assembleia Geral da ONU, cujos trabalhos terminaram em Nova Iorque em 18 de Dezembro, foram aprovadas várias moções contra a política portuguesa em África.
Uma das moções negava à delegação portuguesa na ONU a representatividade dos territórios e das povoações de Angola, Moçambique e Guiné. Na votação sobre esta moção da Guiné, foram recolhidos 99 votos a favor e 14 contra (EUA, Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, entre outros).
(vii) Na 8ª sessão extraordinária da OUA, o Conselho de Ministros anunciou para Dezembro a reunião do Comité de Defesa, para estudar os meios mais eficazes para uma intervenção militar na Guiné-Bissau.
(viii) Neste ano, os movimentos de libertação africanos reconhecidos pela OUA receberam o estatuto de membros associados da UNESCO.
(ix)A 5ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi dominada pelo bloco dos países africanos, de que resultou a admissão à conferência de delegados do PAIGC, considerados legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.
Portugal reagiu retirando-se da Conferência em sinal de protesto, classificando as decisões tomadas como ilegais e contrárias aos estatuto da OIT. (...)
(Continua) CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO
1.2. Actividade militar
Fonte_ Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 239/245
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(#) Nota da CECA: "Venduleide, perto de Lugadjol, numa zona pouco povoada, de mata não muito densa, com acessos fáceis de controlar, não longe da Guiné-Conacri, foi o exacto local onde a independência foi proclamada, garante Mário Cabral. 'Tinha a vantagem de nos pudermos reunir rapidamente e dispersarmos também rapidamente', explicou Aristides". ROCHA, João Manuel, Jornal "Público" de 24Set20 13, pp. 30 e 31.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 2 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)