1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Maio de 2010:
Camaradas,
Camaradas,
Estou a recuperar a minha boa forma - depois de ter andado algumas semanas com um joelho "ao peito" - e envio-vos uma nova história, que tem a ver com um recente convívio da minha C.Caç. 675 e festejou o seu 44º. Convívio no passado dia 9 de Maio, na E.P.I., em Mafra.
Entretanto aproxima-se o nosso V Encontro de Monte Real e a possibilidade de vos dar um abraço.
Loureiro, Oliveira e passados…
Nem sempre o que parece é!
Nesta história de vida, que nos propomos dar à estampa, o Loureiro, o Oliveira não são árvores mas apelidos de dois ex-militares que se conheceram na Guiné na década de 60.
Também nesta história os “passados” nada têm a ver com os frutos secos, que se costumam comer a partir do final do Outono, mas com “tempos” diferentes de vida…
Aqui os passados reportam-se a tempos recentes e distantes que circunstâncias diferentes da vida fizeram cruzar…
Em passado recente, mais propriamente no passado dia 9 de Maio, o Loureiro e o Oliveira encontraram-se em Mafra, na E.P.I. (Escola Prática de Infantaria) num convívio de ex-militares da sua Companhia da Guiné.
Cabe aqui esclarecer, para os menos conhecedores do “meio”, que estes convívios são muito frequentes de norte a sul do País e a maioria deles ocorre durante o mês de Maio.
O Loureiro e o Oliveira estiveram assim no 44º. Convívio da C.Caç. 675, que foi a “família” de 170 jovens militares no período de 1964 a 1966.
Em relação à viagem de regresso - de Bissau a Lisboa em 3 de Maio de 1966 - já lá vão portanto 44 anos…
Regressando a esse passado distante é tempo de dizer que o Loureiro é natural da Marinha Grande. O responsável por estas linhas – o tal Oliveira do título – é de Alcobaça.
Personalizando…
O facto de sermos vizinhos na vida civil facilitou a nossa proximidade “militar”numa relação que, a correr bem, ia durar pelo menos dois anos.
Nesta história de vida, que nos propomos dar à estampa, o Loureiro, o Oliveira não são árvores mas apelidos de dois ex-militares que se conheceram na Guiné na década de 60.
Também nesta história os “passados” nada têm a ver com os frutos secos, que se costumam comer a partir do final do Outono, mas com “tempos” diferentes de vida…
Aqui os passados reportam-se a tempos recentes e distantes que circunstâncias diferentes da vida fizeram cruzar…
Em passado recente, mais propriamente no passado dia 9 de Maio, o Loureiro e o Oliveira encontraram-se em Mafra, na E.P.I. (Escola Prática de Infantaria) num convívio de ex-militares da sua Companhia da Guiné.
Cabe aqui esclarecer, para os menos conhecedores do “meio”, que estes convívios são muito frequentes de norte a sul do País e a maioria deles ocorre durante o mês de Maio.
O Loureiro e o Oliveira estiveram assim no 44º. Convívio da C.Caç. 675, que foi a “família” de 170 jovens militares no período de 1964 a 1966.
Em relação à viagem de regresso - de Bissau a Lisboa em 3 de Maio de 1966 - já lá vão portanto 44 anos…
Regressando a esse passado distante é tempo de dizer que o Loureiro é natural da Marinha Grande. O responsável por estas linhas – o tal Oliveira do título – é de Alcobaça.
Personalizando…
O facto de sermos vizinhos na vida civil facilitou a nossa proximidade “militar”numa relação que, a correr bem, ia durar pelo menos dois anos.
Da esquerda para a direita: Furriéis Loureiro, Oliveira e Moreira, e o 2º Sargento Marques no Café do Bento, em Bissau
O Loureiro - Leonel João Gil Loureiro de seu nome completo – era o Furriel das Transmissões.
O facto de na sua missão ser obrigado a sigilo, por lidar com informações e documentos confidenciais, explica (de algum modo) o seu comportamento reservado para com a maioria dos camaradas. Independente disso era de facto um tipo “fechado”, mas com quem sempre tive um bom relacionamento.
Não muito íntimo mas um relacionamento leal e amigo, que norteou a nossa vivência num aquartelamento de dimensões reduzidas.
Foi pois com surpresa que descobri em 9 de Maio de 2010 um Loureiro que falou de si e da sua vida – sem parar – mais de uma hora.
E aconteceu por motivos imprevistos. Avaria do carro do Loureiro que obrigou a uma viagem a dois.
Obviamente que, logo que soube que o Loureiro estava “apeado”, lhe ofereci uma boleia até aos nossos sítios, pois continuamos a viver nas terras onde nascemos – Alcobaça e Marinha Grande, separadas por 30 kms.
E foi nessa viagem de retorno às origens que conheci um “novo”Loureiro.
E foi nessa viagem de retorno às origens que conheci um “novo”Loureiro.
Bem mais velho que o dos tempos da Guiné mas “novo”… porque já não se mostrava “fechado”.
Quarenta e tal anos depois de Binta estava sentado no meu carro, ao meu lado, um Loureiro que falava “pelos cotovelos”…
O Loureiro falou, falou…e durante 100 Kms quase que não abri a boca.
Fiquei a saber que o Loureiro teve desde jovem uma vida dura. Nascido na Marinha Grande passou, como muita gente do seu tempo, pelas “artes do fogo”, trabalhando na indústria vidreira...
Viveu portanto, desde cedo, à entrada do “inferno”…pois quem se iniciava na indústria passava longas horas nas proximidades dos fornos, que cozem a altas temperaturas.
Estudou durante a noite num curso de comércio. Conseguiu arranjar um emprego melhor mas nunca teve uma vida desafogada.
Em termos familiares passou por grandes traumas.
Seu pai, vítima de doença prolongada, pôs fim à vida. E sua mãe faleceu meses depois quando o Loureiro já cumpria serviço militar na Guiné.
Nesta fase do seu regresso ao passado o Loureiro confessa o desgosto por não se ter despedido da sua mãe.
Não o fez simplesmente… porque não foi capaz.
Sabia que lhe ia dar um grande desgosto e… encarregou uma tia, com quem tinha uma relação muito próxima, de informar a mãe que ia para a guerra do Ultramar.
E só escreveu à mãe… quando já estava na Guiné!
E foi em Binta, no Norte da Guiné, que veio a receber a dolorosa notícia da morte da sua mãe.
O Furriel Loureiro refugiou-se no seu trabalho de transmissões e aguentou o desgosto sozinho.
Como amigo, e também como enfermeiro, não me lembra de um único queixume do Loureiro. Era rijo o homem da Marinha Grande…
Cumpriu os seus dois anos de Guiné e, quando regressou, apressou-se a cumprir o doloroso dever de visitar a campa de sua mãe. Na Marinha Grande, na terra onde tinha visto pela última vez viva a sua mãe. Mãe de que não se tinha despedido…
Depois… começou “as lutas” da vida civil.
Novo emprego, casamento, pequeno empresário, filhos, divórcio… Altos e baixos numa vida de luta…
Voltava “à guerra” uma vez por ano nos convívios da sua Companhia da Guiné.
E os anos iam passando.
Em 1989 morre uma sua irmã. Em relação à morte da sua mãe tinham passado 24 anos.
O Loureiro sentiu de novo na pele o desgosto da perda de mais um familiar. No dia do velório da sua irmã resolveu a certa altura ir ao cemitério para ver como estavam a correr as coisas.
Chegou junto do coveiro que estava a abrir a cova para a sepultura da sua irmã.
O coveiro interrompeu o seu trabalho e disse ao Loureiro que havia um problema.
- Olhe que se calhar vamos ter que atrasar o funeral. Acabei de encontrar o caixão da sua mãe que está “inteiro”.Não vai caber aqui outro caixão.
O Loureiro ficou sem palavras e sem saber o que fazer.
Ali estava, à vista, o caixão de sua mãe… de que ele não se tinha despedido…
Ali estava, à vista, o caixão de sua mãe… de que ele não se tinha despedido…
Passou-lhe uma coisa pela cabeça e pediu ao coveiro para abrir a tampa do caixão.
Foram momentos em que quase não respirou.
Retirada a tampa do caixão viu o corpo da sua mãe. Inteiro. Mirrado mas sem sinais de decomposição.
Até tirei as mãos do volante e… disse finalmente alguma coisa.
- Eh pá, que coragem tiveste!
O Loureiro continua e descreve o momento com tranquilidade.
- Parecia que tinha estado ali todos aqueles anos à minha espera. Consegui finalmente despedir-me da minha mãe e… senti uma paz imensa…
Questionei o meu amigo e companheiro da C.Caç. 675:
- Vês alguma coisa de místico, de sobrenatural no facto do corpo da tua mãe estar intacto?
- Eh pá não pensei nisso. Não sei explicar. Naquele dia senti que tinha que ir ao cemitério antes do funeral. E vi a minha mãe. E ganhei uma paz que não tinha…
Pensei cá com os meus botões:
- Para um tipo calado, fechado que nem uma ostra, naqueles cento e poucos quilómetros que tínhamos percorrido juntos, o Loureiro tinha falado mais que em dois anos de Guiné!
Quarenta e tal anos… conheci um novo Loureiro.
Despedimo-nos com um grande abraço e com uma fotografia. Para mais tarde recordar…
A história está a chegar ao fim.
Apesar de algumas referências à morte acho que é uma extraordinária história de vida…
Quanto ao futuro… costuma dizer-se que a Deus pertence.
No dia do convívio da C.Caç. 675 ouvi dizer (e fixei…) que só tem futuro quem honra o passado…
Acho que o Loureiro o fez.
Em nome do passado – e para efeitos futuros – aqui fica o meu testemunho.
Um grande abraço de Alcobaça
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Um grande abraço de Alcobaça
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
31 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6085: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (31): Perfeito. Um sítio onde possa ver o céu!
31 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6085: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (31): Perfeito. Um sítio onde possa ver o céu!