sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18345: Fotos à procura de... uma legenda (100): quem não tem "turpeça", senta-se no chão... e quem "turpeça" também cai...



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > Os régulos da Tabanca, Alberto Sambú (o mais novo) e o Necolá Djata, com os seus "banquinhos"  [, em crioulo, "turpeças") que os acompanham sempre.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo-se os régulos no lugar que ocupam habitualmente, sentados nas suas "turpeças".

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sua visita a Jufunco, no chão felupe, em maio de 2013, o José Teixeira, régulo da Tabanca de  Matosinhos, fez as seguintes observações sobre os seus "pares", os régulos locais, e os seus símbolos do poder:

(...) O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e, quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.

Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.

Neste local sagrado, os dois régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho".(...)


2. Em crioulo, este "banquinho" (que é mais do que um adereço da casa que serve para a pessoa se sentar-se) chama-se "turpeça"... Em fula, é "ciran" ou "cirange" (no plural). Alguns de nós, como o António J. Pereira da Costa ou eu próprio, temos em casa objetos destes, feitos em madeira, com função de adorno ou peça de artesanato "guineense"...

O termo apareceu-nos no subtítulo de um livro, da autoria de Santos Fernandes, recenseado pelo Beja Santos: "Lideranças na Guiné-Bissau: avanços e recuos". Na capa vem um destes banquinhos tradicionais, de que todos estamos lembrados: com a seguinte legenda: "a imagem de 'turpeça',  símbolo de poder na Guiné-Bissau" (**).

O nosso querido amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, contou-nos, a propósito, a seguinte históira: "O caso mais insólito que observei com este fenómeno das 'Turpeças', aconteceu em 2004 quando o Ministério das Obras Públicas, onde trabalhava, convidou as autoridades locais das ilhas dos Bijagós para uma reunião de concertação em Bissau. Estranhamente, todos traziam consigo uma 'turpeça', a sua 'turpeça',  porque na sua tradição estava consignado que deveriam utilizar sempre aquela e não outra qualquer. Fiquei estupefacto, mas é a realidade. Não conhecia e nunca tinha visto" (**).

3. O vocábulo ainda não vem nos dicionários da língua portuguesa, e nomeadamente no Houaiss. Mas acho que o temos de grafar. Não era, que me lembre, usado no tempo colonial... Mas hoje é usado, pelos guinenses, urbanizados. Ou faz parte do "calão político":  tenho-o encontrado com significado  equivalente à nossa "cadeira do poder"... Fala-se por exemplo dos dirigentes partidários instalados nas suas "turpeças", de costas viradas para o povo... 

E é nesse sentido que temos de entender as argustas observações etnográficas registadas pelo "régulo" Zé Teixeira, quando foi em 2013 a Jufunco em visiat aos seus colegas... O tal "banquinho" é, antes de mais, um símbolo de poder... Quem tem poder, tem "turpeça"... Quem não tem, senta-se no chão... O chão é o plano da igualdade... O chefe, nas línguas latinas, vem do "caput" (cabeça): chefe é aquele cuja cabeça sobressai da multidão de cabeças, o povo, o grupo, os outros... Daí o "banquinho", o "cirã", a "turpeça", a "cadeira", o "trono", o "penacho", o "chapéu", a "coroa", as "divisas", os "galões", as "dragonas", enfim, todos os símbolos de status que conferem poder, autoridade... (Mas há uma diferença semântica e conceptual entre líder e chefe: liderança é uma relação, chefia um atributo).

O grande músico guineense Binham tem uma canção chamada "Turpeça de mortu"... Tenho pena de não "apanhar" a letra... Julgo que ele vem da melhor tradição da grande música guineense, de crítica social e de intervenção cívica e política (Zé Carlos Schwarz, etc.)... Talvez aqui o Cherno Baldé nos possa, mais uma vez, dar uma ajudinha a perceber a letra... Há um videoclipe disponível no You Tube...

O crioulo é fascinante. A(s) língua(s) humana(s) é(são) fascinante(s). Infelizmente não podemos dominá-las todas... Mas acho que o termo "turpeça" deve ser grafado e enriquecer a nossa lusofonia. Mas pergunto, na minha "santa ingorância": o vocábuo "turpeça" (em crioulo) não será uma corruptela do português "tripeça", assento, também baixinho, composto de 3 pés, e sem encosto ? 

Aqui fica mais uma pista para os nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné. (***)

_________________

tripeça | s. f.

tri·pe·ça |é|
(tri- + peça)
substantivo feminino
1. Assento de três pés e sem encosto. = TRIPÉ

2. [Figurado] Ofício de sapateiro.

3. [Burlesco] Grupo de três pessoas que andam sempre juntas.

cair da tripeça
• Ter idade avançada e indícios de senilidade.

"tripeça", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/tripe%C3%A7a [consultado em 22-02-2018].


(***) Último poste da série > 29 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18267: Fotos à procura de... uma legenda (99): Porque é que este(s) barco(s) nunca poderia(m) chamar-se Luís Graça? Ou Virgílio Teixeira? Ou Carlos Vinhal? Ou outro nome de grã-tabanqueiro, macho?

Guiné 61/74 - P18344: Notas de leitura (1043): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (23) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Tudo quanto se escreve neste documento é de uma extrema gravidade. A Guiné Portuguesa, nas vésperas da II Guerra Mundial, tem à frente um governador indigno cercado de uma alcateia de corruptos. O que aqui se afirma sobre a pacificação de Canhabaque põe às avessas o que consta na historiografia oficial. E no seu todo o documento do gerente Virgolino Teixeira revela o lado mais funesto de um colonialismo quase sem regras. Bom, os governadores que se seguem continuam a gozar de uma imagem de rigor e integridade, felizmente.

Um abraço do
Mário


Carta da Guiné de 1933


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (23)

Beja Santos

O documento chancelado como “Absolutamente Confidencial”, que o gerente Virgolino Teixeira enviou dirigido ao Presidente do Conselho Administrativo do BNU, em 10 de Outubro de 1938, é uma peça irrecusável para o estudo da Guiné no período que precede a II Guerra Mundial. É devastador na carga denunciante, começa nas imoralidades que atribui ao Governador Carvalho Viegas, não deixa pedra sobre pedra o estado das instituições, desentranha o mau funcionamento de toda a economia, como se procurou exemplificar nos dois textos anteriores.

Agora vai falar de uma coisa que lhe interessa particularmente, que tem a ver com o seu múnus:
“Um dos pontos mais interessantes ligado à economia da colónia é a questão das transferências. A respectiva comissão reguladora funciona em Bolama pela razão do senhor Governador Viegas querer pôr e dispor das disponibilidades para fazer figura de grande financeiro e provar ao senhor ministro que a colónia paga tudo, no exterior, e até antecipadamente. Para isto, fica a parte do leão, mas que leão, para o Estado, e fica… quase nada para as transferências comerciais do banco e dos particulares. Mas isto não interessa ao senhor governador que só pensa no fortalecimento da sua posição pessoal. E para atingir os cumes dos altos problemas financeiros, entra a acumular milhares de contos na metrópole – à custa do sacrifício das disponibilidades da colónia – e paga, de uma só vez, a dívida da colónia que podia pagar em dezenas de anos. É certo que o orçamento da colónia deixa de ter o peso do encargo da amortização anual. Mas o comércio e os particulares, principalmente, ficam arrasados porque, como se esperava e se fez sentir ao senhor governador, a colónia entraria, por força, no desgraçado regime de falta de transferências. Sabia o senhor governador Viegas que a desgraçada situação que ia criar à colónia. Nada o deteve porque, acima de tudo estava o interesse pessoal e, diga-se com desassombro, criminoso.

A todas as razões respondia, tanto a mim como a outros: não tenho dó do comércio ou dos particulares, eles que comprem frangos para transferir ou que vão transferir à Casa Gouveia. Há tanto de imoralidade neste estribilho como há de ilegalidade. É o chefe supremo da colónia a incitar ao desrespeito à lei. É o chefe supremo da colónia a canalizar as transferências da colónia para a Casa Gouveia que chega a cobrar – com conhecimento dele – 13 a 15% de prémio, metendo-lhe nos cofres milhares de contos e criando ao comércio e aos particulares situações desgraçadíssimas. O particular não tem defesa. Tem que dar pão a filhos e pais que têm na metrópole. A Casa Gouveia, com o beneplácito do senhor governador, tira-lhe a pele na transferência. O comerciante, cuja pele vai também para a Casa Gouveia, sustenta preços na relação do que Gouveia lhe leva. A vida encarece, os géneros escasseiam e a colónia desacredita-se no exterior, porque não cumpre pontualmente os seus compromissos. É este o quadro criado conscientemente, criminosamente, pelo senhor governador Viegas. Mas agora que o vê, quer desfazer-se da responsabilidade que tem. Agora que vê a colónia a braços com a desgraçadíssima que lhe criou, usa e abusa daquela formidável falta de carátcer que Nosso Senhor lhe deu e despede, sem inteligência mas com a mais solerte velhacaria, na culpa para o actual Encarregado de Governo – pessoa moral que não pode ser atingida sob aspecto nenhum – e para o gerente do banco, a pessoa que menos tem a ver com o estado de coisas que o senhor governador Viegas criou.
Não há que recear as suas investidas. Usa do embuste e da mentira. É fácil desmascará-lo com dois números e três considerações”.


O gerente também procura pôr em pratos limpos o timbre político do governador. Atribui-lhe a responsabilidade de ter demorado a criar a União Nacional na Guiné. Sem grande fé nacionalista, escolheu para vítima o Dr. Severiano de Pina, advogado que ele pusera em juiz interino, por um lado elogiava-o e por outro denunciava-o como perigosíssimo elemento político contra a Ditadura. O ministro das colónias demitiu o Dr. Pina, o governador Viegas chamou-o para lhe dizer que tinha acabado de saber que ele era vítima de manejos políticos dos nacionalistas, pedia-lhe para aceitar a demissão dos cargos que exercia. E quando vai a Lisboa, o governador Viegas acusa o Encarregado de Governo de ser o perseguidor político do Dr. Pina.

Um dos libelos mais pesados deste documento recai sobre a campanha levada a efeito pelo governador Viegas contra os Canhabaques, ele procura esclarecer a situação:
“Os Canhabaques estão absolutamente insubmissos à nossa soberania. O senhor governador Viegas fez-lhe guerra mas guerra sem plano, sem método e sem finalidade de antemão marcada. Os Canhabaques, fornecidos de pólvora pelo Pinho Brandão, matavam à farta os nossos soldados. Na oficialidade, seguia magoado mas cumprindo ordens o Chefe do Estado-Maior, Capitão Rodrigues. Os Canhabaques mataram e a certa altura o senhor governador Viegas resolveu considerá-los pacíficos e retirou… vencido. É a verdade. Fez alarde de vitória. Distribuiu louvores. Propôs condecorações aos heróis e sentou-se à secretária para escrever então os planos de combate que se ele se descuida mais em fazê-los seriam talvez um trabalho póstumo. Pelo menos o foram, em relação à acção. Em Lisboa, como é natural, pois um governador da colónia deve ser uma pessoa leal e honrada, que não mente, acreditaram e os Canhabaques ficaram então… submissos de todo.

O governador vai a Lisboa; os Canhabaques continuam a fazer das suas e o então Encarregado de Governo – nulidade moral e intelectual – vê uma ocasião de ser também herói e pede material de guerra e guerreiros de terra, mar e ar. Coisa de arromba. O seu telegrama devia ter sido bomba que caiu no ministério. Chamado o senhor governador Viegas, este deve ter desmentido tudo e dito que voltava já para a colónia para provar que tudo era falso. E veio e chamou o traidor que vendia pólvora aos Canhabaques e disse-lhe: ou você me traz aqui Canhabaques a prestar vassalagem ou meto-o a ferros. O Victor Hugo chamou-o e disse-lhe: ou me dás já uns 17 contos para eu tapar um roubo que fiz e está na iminência de ser descoberto, ou vais já a ferros. O homem e dinheiro lá seguiram. Lembrou-se talvez de Egas Moniz. Como tem por amante uma Canhabaque, apresentou-se ao chefe com mulher, filho, tabaco e aguardante e jurou-lhes que podiam vir a Bolama, prestar vassalagem ao governo que ele jurava que lhes não faziam mal. Os chefes beberam, fumaram, exigiram que o Pinho Brandão deixasse filhos e mulher como reféns e vieram a Bolama onde foram recebidos no Palácio do Governo, como hóspedes ilustres. E para que a farsa seja mais completa, o senhor governador gritou logo na TSF a submissão absoluta dos Canhabaques à sua pessoa. Enfim, os Canhabaques eram amigos. Mas ele é que lá não vai pagar-lhes a visita, sob pena da cabeça lhe rolar dos ombros se se internar na ilha.

Tudo o que ele tiver dito para Lisboa sobre Canhabaque é mentira pura, e sabe-se que é por o Encarregado de Governo – ferido por ele – nesta questão, contou a quem quis tudo que de confidencial o senhor governador Viegas oficiara sobre o caso. Tudo mentira.
Depois, o senhor governador Viegas, tendo terminado os planos póstumos da sua guerra, publicou um livro sobre ela, que distribuiu. Deu-me um mas veio depois pedir-me que o escondesse porque o senhor ministro não consentia que tal documento circulasse.
Como V. Exa. vê, tudo, absolutamente tudo, que este homem faz e diz é embustice, é mentira, é imoralidade.

Veja V. Exa. este ridículo, esta trapalhice. Para ter a popularidade dos negros, chama um pintor de fancaria, dá-lhe uns poucos de contos e manda-o fazer uma tela, corpo inteiro, do governador preto Honório Barreto. E o modelo? Pergunta o pintor. E um retrato do homem, ao menos, para me guiar. Não há, deixe-se disso, pinte lá um governador preto. Ele já morreu há tantos anos que não há quem se lembre da cara dele. E, que diabo, as pessoas mudam. E o pintor pintou um mamarracho com que o senhor governador Viegas encheu a parede do seu gabinete de trabalho, mas tendo o cuidado de escolher a parede atrás das costas, como se tivesse remorsos do que fez e receio de olhar de frente para o governador Honório Barreto, mesmo não sendo ele pintado. Mentira, em tudo desonestidade de processos. Em tudo vilania”.

Já na fase final do seu libelo acusatório, Virgolino Teixeira dá remédio para pôr termo a estas chusmas de imoralidades:
“Não são precisas violências. É preciso apenas o governo central conhecer com verdade esta montanha de mentiras que tem sido o governo do governador Viegas. Todos têm certeza que é tão alta a honestidade do governo da nação que ele acabará como tão desgraçado e infame estado de coisas, logo que haja quem, honesta e desassombradamente sem paixões, grite contra quem comete o crime que está fazendo o governador da Guiné.
É esta a única e suficiente esperança que as gentes honradas da Guiné têm. É tempo de se terminar com a bacanal tremenda de trapalhices de tal homem cuja fibra moral nem se torceu ante o cometimento da mentira de lesa-Pátria que é a história de Canhabaque. É preciso que nesse governo seja colocado uma figura moral que conheça a Guiné e que não tenha medo de enfrentar a quadrilha que a infesta. É grave o que aqui escrevo. Mas empenho junto de V. Exa. a minha honra de que tudo é absolutamente verdade. E nenhuma paixão pessoal me move contra o senhor governador Viegas, com quem tenho mantido todas as boas relações que me são obrigadas pelo cargo. Individualmente, repugna-me; porque sou português daqueles que não admitem actos infames em quem deve dar altos exemplos morais que não desonrem o nome da pátria. Perdoe tê-lo importunado com tanto que escrevi. Fico bem escrevendo a V. Exa. o que escrevi, porque tenho a esperança que V. Exa. poderá contribuir, junto de quem direito, para que acabe esta tristíssima desgraça que assolou e assola a Guiné, na pessoa do senhor governador Viegas”.

Reitero que nada de semelhante lera em tais tipos de libelos. Tratar-se-ia de uma época em que a administração em Lisboa facilitava as línguas soltas, os termos desbragados, pretendia-se a verdade das coisas.

Coisa curiosa, já que me foi dado ler os relatórios que transitam da década de 1960 para 1970, doravante a linguagem será mais comedida como se tivesse consolidado esse princípio do Estado Novo em que “cada um deve estar no seu lugar”.

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 16 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18324: Notas de leitura (1041): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (22) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18331: Notas de leitura (1042): História do Dia do Combatente Limiano”, por Mário Leitão (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18343: Parabéns a você (1393): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70); José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 (Guiné, 1967/69) e José Maria Claro (DFA), ex-Soldaddo Radiotelegrafista da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)



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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18336: Parabéns a você (1392): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18342: Vídeos de guerra (15): "Guerre en Guinée" (ORTF, 1969, 13' 50'): o governo português suportou o custo das viagens e estadia de todos os elementos da equipa do programa "Point Contrepoint", da televisão pública francesa, durante cerca de um mês... Eu assisti à montagem do filme e trouxe, de Paris, cópia para o Marcelo Caetano... Quando viu a cena da emboscada, disse-me: "Temos que acabar com esta guerra" (Manuel Domingues)


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, depois da emboscada que vitimou 3 militares portugueses (2 mortos e 1 ferido)... No "Paris-Match" haveria de escrever um artigo de 2 páginas, com fotos suas, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30-31).

Na foto, em grande plano, a Geneviève Chauvel, e a seu lado, o capitão Sentieiro (de que só se vê parte do corpo) momentos após a emboscada. Foto cedida, em 2007, ao Virgínio Briote pelo cor cav ref José Maria Sentieiro, que vive em Torres Novas, e tem a Cruz de Guerra de 1.ª Classe.


Capa da revista "Paris-Match",  nº 1071, de 15 de vovembro de 1969. Segundo o nosso camarada e colaborador permanente Torcato Mendonça, a revista, de venda livre em Bissau, terá sido apreendida nessa semana...


No sumário do referido número do Paris-Match, entre os artigos da seção "Estrangeiro", há um sobre Nixon e a sua maioria silenciosa, e outro sobre a odisseia da Apolo XII (que se preparava para a 2.ª alunissagem, a 19 de Novembro). A revista inseria ainda um pequeno texto da autoria de Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30--31) ["Guiné: a estranha guerra dos portugueses"].


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > O General Spínola, à esquerda, ladeado pelo major João Marcelino (2.º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o ten cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada momentos após a emboscada. Imagem extraída do Paris-Match (,edição de 11 de novembro de 1969).


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969> De costas, o capitão de cavalaria José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485 que, por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir a Op Ostra Amarga. Imagem obtida momentos após a emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487.  Imagem extraída do Paris-Match (,edição de 11 de novembro de 1969) e editada pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  [ Com a devida vénia...]


Excerto do artigo da Geneviève Chauvel, p. 30

Sobre o gen Spínola, escreveu Geneviève Chauvel:

(...) "Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.

Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.

Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”. (...)

Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).


1. Mensagem do nosso camarada e grã-tabanqueiro Manuel Domingues, ex-alf mil op esp, comandante do Pel Rec Info, CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) (*)

[Manuel Domingues, foto à esquerda; frequentou o Curso de Rangers e fez parte da CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67); como alf mil foi comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de informações e, durante alguns meses, a de oficial de operações do BCAÇ 1856, esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli); em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm); nasceu em 1941, em Castro Laboreiro; é utor do livro Uma Campanha na Guiné (com estórias e testemunhos de vários camaradas do batalhão) bem como de O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro (2005); está reformado, depois de uma multifacetada carreira profissional, em Portugal e no estrangeiro, em organismos públicos e em empresas].

Caros tertulianos:

Relativamente ao filme da ORTF e à reportagem do Paris Match (**), posso adiantar o seguinte: Participei em setembro e outubro de 1969 no apoio à equipa da ORTF  [, a televisão pública francesa] que realizou o filme e que incluiu Portugal e o Ultramar, com deslocações do Minho a Timor, captando imagens em todas as possessões ultramarinas. 

Esta equipa englobava cerca de uma dúzia de pessoas, entre as quais uma jornalista do Paris Match [, Geneviève Chauvel, ao serviço da agência Gamma] e um do Figaro [Jean-François Chauvel, que era simultaneamente o produtor do programa televisivo "Point-Contrepoint"].

O objectivo inicial era recolher material para incluir no programa "Point-Contrepoint" (tipo Prós e Contras) em que de um lado se afirmava que Portugal era uma potência colonialista, que explorava os povos coloniais que lutavam pela sua libertação. Esta ideia era suportada em reportagens e depoimentos fornecidos pelos movimentos de libertação a que se juntavam alguns opositores do regime, no exílio, entre os quais Manuel Alegre. Do outro lado, pretendia-se refutar esta ideia, afirmando a ideia de que o Ultramar fazia parte integrante de Portugal e mostrando o grau e ritmo de desenvolvimento que se estava a processar, sobretudo em Angola e Moçambique.

A equipa responsável pelo programa, durante as negociações, pôs como condição poder verificar com total liberdade a realidade em todos os territórios, sobretudo na Guiné, Angola e Moçambique, onde se desenvolviam as lutas de libertação.

O Governo Português aceitou, apenas impondo como condição que o elemento que tinha apoiado a equipa nas suas deslocações em Portugal e no Ultramar,  estivesse presente nos estúdios da ORTF para assistir à montagem do filme, evitando surpresas que já tinham acontecido em programas idênticos nos Estados Unidos onde a ideia de confronto acabou por ser subvertida e resultou num manifesto antiportuguês. Portanto, e em resumo, tive a oportunidade de acompanhar todo o processo.

Capa do livro "Uma campanha na Guiné
Assim, no dia da assinatura do Armistício, 11 de Novembro de 1969 [, feriado nacional em França, comemorativo do fim da I Grande Guerra Mundial, 1914-1918], o programa foi para o ar. O grau de imparcialidade, relativo, conferiu-lhe um sucesso na crítica francesa da especialidade e alguma satisfação ao Governo Português de então que pela primeira vez não deu por mal empregue o montante gasto no apoio ao programa, suportando o custo das viagens e estadia de todos os elementos, durante cerca de um mês. (***)

O próprio Marcello Caetano quis ver a cópia que eu tinha trazido [de Paris] e foi durante a sessão, quando viu a cena da emboscada na Guiné que pulverizou dois dos elementos das NT, pronunciou para mim a esperançosa frase:
- Temos que acabar com esta guerra (****).

O impacto na opinião francesa e o elevado volume de material recolhido nos próprios locais levou os produtores da ORTF a fazerem vários documentários.

Já não disponho do exemplar do Paris Match nem da cópia do filme, mas ainda disponho da reportagem do Figaro da mesma altura, onde o autor define Spínola como um misto de Goering e de Marquês de Cuevas, reportagem essa que vou tentar digitalizar e que enviarei depois para os nossos tertulianos.

Um abraço cordial do
Manuel Domingues (*****)


Guiné Região de Cacheu > Bula > Carta (1953) > Escala 1/50 mil  > Sítios por onde se desenrolou a Op Ostra Amarga, de 12 a 18 de outubro de 1969: ponta Matara (vd. carta de Pelundo), ponta Ponaté, ponta Portuga, ponta Penhasse, Bissauzinho, Bofe...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)




Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2868 (1969/70) > Op Ostra Amarga >18 de outubro de 1969 > Excerto de Sintrep (?) > No último dia, 18, as NT  acionaram uma mina A/P na região de Badapal, sofrendo dois feridos; na região de Pecuré, um grupo IN não estimado emboscou as NT, acabando por retirar com 4 mortos e 2 sofridos, e sofrendo as NT 2 mortos e um ferido...Já na região de Biura, um grupo IN, também não estimado, voltou a emboscou as NT, sem consequências, e acabando por retirar face à reação, pelo fogo e manobra,das NT.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)
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Notas do editor:


(**) Vd. postes de:




(***) De acordo com a ficha técnica do vídeo, disponível do portal do INA - Institut National de l'Audiovisuel, a equipa da televisão pública francesa que se integrou na Op Ostra Amarga, devia ser constituída por, pelo menos, os seguintes elementos; Jean Baronnet, realizador; Jean François Chauvel, jornalista / repórter:  Roger Mathurin, operador de som; e Jean Louis Normand, operador de imagem... Haveria ainda a Geneviève Chauvel, que representava a agência Gamma e a revista Paris-Match...

O responsável pelo programa "Point Contrepoint", da ORTF, em 1969, era o jornalista Jean- François Chauvel (1927-1986), que também trabalhava para o Figaro, como grande reporter... Encontrei na Wipipedia, em francês, uma pequena nota biográfica, pela qual fiquei a saber que ele era casado, desde 1961, com a Geneviève, em terceiras núpcias... Foi além disso, membro da resistância francesa, tendo sido ferido em combate em 1944, com apenas 17 anos, tendo condecorado quer pela França pela América, por feitos em combate.

(...) Fils de l'ambassadeur de France Jean Chauvel, il est né à Pékin le 30 mars 1927 et mort à Paris le 10 février 1986.

Après des études scolaires difficiles, il s'est engagé dans la Résistance à l'âge de 15 ans. Après la Libération de Paris, il a rejoint la 2ème division blindée et a été grièvement blessé près de Baccarat à l'automne 1944, ce qui lui a valu la croix de guerre 1939-45 avec palme et le purple heart américain. Après la Libération, il a découvert le métier de journaliste dans des publications modestes parisiennes, puis a sérieusement appris le métier pendant plusieurs années à l'AFP.

Dans les années 1960, il a été intégré à la rédaction du Figaro comme grand-reporter et a été l'un des tout premiers à alerter l'opinion publique nationale et internationale sur le drame du Biafra.

En 1968, il est l'un des membres fondateurs du syndicat étudiant l'UNI.

Il est producteur de l'émission de l'ORTF Point - Contrepoint en 1969.

Au début des années 1970, il a créé et animé deux émissions de reportages pour l'ORTF : 52 (janvier 1973-août 1974) et Satellite, consultables dans les archives de l'INA. À la même époque, il a publié ses mémoires sous le titre À rebrousse-poil, un succès d'édition.

Il a ensuite quitté et le Figaro et la télévision pour produire ses propres reportages, dont Des hommes sans nom sur la Légion étrangère en 1980." (,,,)

Vd. também 15 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

(****) Vd. (*) Vd: Novo Contacto com a Guiné: a esperança marcelista. In: Domingues, Manuel -  Uma Campanha na Guiné, do Autor.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18341: Historiografia da presença portuguesa em África (109): I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tome e Principe, Angola), no vapor "Moçambique", de agosto a outubro de 1935... A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", sendo o diretor cultural do cruzeiro o jovem Marcelo Caetano (1906-1980), então com 29 anos, e que só voltaria a estes territórios em abril de 1969, com 62 anos, mas já então na qualidade de chefe do governo


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > "Guarda do Palácio do Governador. Foto de Manuel Emídio da Silva, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola).


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor Moçambique, com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. (O N/M Moçambique esteve ao serviço da Companhia Nacional de Navegação, entre 1912 e 1939; com mais de 5700 toneladas, 122 m de comprimento e 133 tripulantes fazia a carreira da África Oriental; seria desmantelado em 1939.).

Fonte: "O Mundo Português", vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos)

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018) 


Guiné > Zona Leste > Bafatá > c. 1931 > "Jangada no Rio Geba. Passagem entre Bafatá e Contuboel"... Imagem reproduzida em "O Missionário Católico, Boletim mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses, Ano VIII, n.º 81, Abril de 1931, p. 169 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018) 


Angola > Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. Foto da autoria de Sam Payo.

Fonte: "O Mundo Português", vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. O director cultural deste  cruzeiro foi o prof doutor Marcelo Caetano (1906-1980), então um jovem, com 29 anos, entusiasta do Estado Novo, brilhante académico, especialista em direito administrativo, doutrinador do corporativismo. (Será comissário da Mocidade Portuguesa em 1940 e ministro das colónias em 1944, até chegar a sucessor de Salazar, de 1968 a 1974).

A iniciativa partiu revista "O Mundo Português", tendo juntado cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comerciantes"...

Esta "revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais" era dirigida por Augusto Cunha, sendo propriedade da Agência Geral das Colónias e do Secretariado da Propaganda Nacional.

 .
2. A Cinemateca Nacional tem um documentário, de longa duração, sobre este cruzeiro:

 I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (San Payo, 1936)

Título original: I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente

De: San Payo

Outros dados: POR, 1936, Cores, 71 min.

(...) "Realizado pelo fotógrafo Manuel Alves San Payo (1890-1974), este documentário regista a viagem do paquete "Moçambique" a Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe e Angola entre agosto e outubro de 1935.

O cruzeiro foi uma iniciativa da revista O Mundo Português (editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado da Propaganda Nacional), que assim premiava os melhores alunos na conclusão do curso geral dos liceus. O mentor do projeto, que tinha como objetivo cativar as jovens elites do país para a questão colonial, foi Marcelo Caetano." (...)


Texto: Cinemateca Portuguesa, reproduzido no CineCartaz, do jornal Público.


3. Nota biográfica sobre Marcelo Caetano (1906-1980):

(...) "Marcelo José das Neves Alves Caetano nasceu em Lisboa, em 17 de Agosto de 1906, filho de José Maria Alves Caetano e de Josefa Maria das Neves Caetano. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, em 13 de Julho de 1927, com a informação final de Muito Bom, com 18 valores. 

"Exerceu funções de oficial do Registo Civil, em Óbidos, colaborando, em simultâneo, em vários periódicos e revistas científicas e de especialidade. A convite de António de Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, tomou posse como auditor jurídico do mesmo ministério, em 13 de Novembro de 1929, declarando, no entanto, por ocasião do convite, o seu objectivo de seguir a carreira docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 

"Com esse fim, doutorou-se em 17 de Junho de 1931, com a dissertação "Depreciação da moeda depois da guerra", e, em Agosto de 1932, concorreu a uma vaga de professor auxiliar "do terceiro grupo da Faculdade de Direito (Ciências Políticas)", com a dissertação "Do poder disciplinar no Direito Administrativo Português", tendo sido aprovado por unanimidade e tomado posse do respectivo lugar em 12 de Julho de 1933. 

"No ano lectivo de 1938-1939 é já apresentado, no Anuário da Universidade de Lisboa, como professor catedrático contratado, sendo simplesmente apresentado como professor catedrático no anuário para o ano lectivo de 1940-1941. 

"Ao longo da sua carreira docente leccionou as cadeiras de Direito Administrativo, Administração Colonial, Direito Internacional Público, Direito Corporativo, Economia Política, Direito Penal e Direito Constitucional, publicando uma vasta obra com vertentes jurídica, histórica e de intervenção socio-política. 

"Foi reitor da Universidade de Lisboa, de 20 de Janeiro de 1959 a 12 Abril de1962 (cargo de que se demitiu por divergências com o Ministro da Educação, na sequência de oscilações de atitude do Governo perante as manifestações estudantis de Abril de 1962, em Lisboa)." (...)

Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo > Arquivo Marcello Caetano

Para saber mais clicar aqui.
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Guiné 61/74 - P18340: Convívios (840): Celebração dos 45 anos após o regresso à Metrópole no próximo Encontro do pessoal do BCAV 3846, a levar a efeito no dia 11 de Março de 2018, no Cartaxo (Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º)

ENCONTRO DO PESSOAL DO BCAV 3846
DIA 11 DE MARÇO DE 2018 NO CARTAXO



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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18291: Convívios (839): XII Encontro dos Combatentes da Guerra do Ultramar do Concelho de Matosinhos, dia 3 de Março de 2018 em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal)

Guiné 61/74 - P18339: Bibliografia (46): “Lideranças na Guiné-Bissau, Avanços e recuos”, por Santos Fernandes, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Não duvido das boas intenções de Santos Fernandes mas confesso que esta leitura me deixou estupefacto com a desarticulação dos capítulos, o vaivém entre passado, presente e promessa de futuro, a repetição existente em dados mais do que consabidos sobre a atribulada existência do sistema político guineense, desde a independência ao presente.
Boas recomendações leva-as o vento, sobretudo quando a estrutura do trabalho não possui direção lógica. Leopoldo Amado prefacia o trabalho de Santos Fernandes, é igualmente simpático, mas adiciona mais outros lugares comuns, ao nível das boas intenções.
Uma perda de oportunidade lastimável.

Um abraço do
Mário


Lideranças na Guiné-Bissau: avanços e recuos

Beja Santos

Quando um país que se chama Guiné-Bissau, com um histórico de atribulações de liderança, golpes de Estado, assassínios de civis e militares, onde assombra a comunidade internacional a forma ordenada com o que aquele povo vota e não desanima, após décadas sucessivas de deceções intensas, vai-se com curiosidade para a leitura de “Lideranças na Guiné-Bissau, Avanços e recuos”, por Santos Fernandes, Chiado Editora, 2017.

O autor tem currículo na administração de negócios, em liderança, em administração e é formador em empreendedorismo, bem como professor na Universidade Colinas de Boé. Dedica este seu estudo a um investigador que deixa saudade, Falvien Fafali Koudawo (1954-2015), um togolês que dedicou muita investigação à Guiné-Bissau, dos anos 1990 até ao seu falecimento, com inúmeros estudos publicados no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, fundador da Kusimon Editora e do jornal Kansaré, o seu nome esteve ligado a iniciativas que o fortificaram como a Voz di Paz, que se mantém como uma organização.

Os propósitos do estudo são inquestionáveis, altamente questionáveis são os resultados obtidos. Promete analisar as lideranças políticas na Guiné-Bissau, os avanços e recuos nas lideranças políticas, ao nível geral, dar-nos uma apreciação dos indicadores de liderança, avançando, no termo do trabalho com conclusões e recomendações a tais avanços e recuos.

Quanto à formação das elites, parte das elites comerciais crioulas, recorda a presença cabo-verdiana nos negócios e na administração, o mosaico étnico dentro das fronteiras da colónia e do país independente e detém-se sobre a liderança do PAIGC enquanto movimento de libertação nacional. A apregoada unidade foi sempre um fenómeno frágil, esbarro com clivagens de origem étnica, com o peso de lideranças locais, nomeadamente nas etnias de cariz vertical, caso dos Fulas e Mandingas. Cita as apreciações de Amílcar Cabral sobre unidade e luta e volta à questão dos pais fundadores, guineenses e cabo-verdianos. Recorda o trabalho de Peter Karibe Mendy e onde este diz que as principais vítimas do colonialismo português, a esmagadora maioria as populações rurais, eram-no devido aos cabo-verdianos, funcionários coloniais que lhes cobravam impostos, os forçavam a trabalhar e castigavam com brutalidade. Também cita Álvaro Nóbrega que também observa que a maioria dos funcionários coloniais de origem cabo-verdiana constituía a elite urbana conjuntamente com algumas poucas famílias luso-africanas de antiga linhagem. Os cabo-verdianos revelaram-se determinantes no apoio logístico à armada mas o seu peso político era consideravelmente desproporcional ao peso demográfico, sente fraca a sua presença nas frentes de combate, o que é profundo as tensões e rivalidades que vieram a desaguar no golpe de Estado de 1980. Lastima-se que o autor não tenha procurado aprofundar os sucessos e insucessos da liderança de Cabral e a de Nino Vieira, são ambos citados, o primeiro tinha ideologia, capacidade de organização, foi exímio estratega e tinha um projeto que ia para lá da independência; e o segundo rapidamente adotou um comportamento cesarista, acolitou-se de gente obediente e impreparada para saber avaliar a cada momento a situação política, toda a sua liderança era baseada em táticas de manutenção do poder graças ao terror, às benesses espalhadas pelos devotados, surfando entre os mecanismos ditatoriais até á liberalização dos mercados. O autor destaca a fragilidade da liderança e da gestão ao tempo de Nino Vieira ressaltando a incompetência, a irresolução, a indiferença pelo bem público.

Conhecedor que é das técnicas de administração e gestão, o autor espraia-se sobre a crise do Estado, o adiamento das reformas, elenca definições e conceitos como risco político e de repente faz perguntas sobre o preço do golpe de Estado, a importância da Casa dos Estudantes do Império na formação de lideranças, enumera explicações sobre os pressupostos lógicos da liderança face ao processo decisório, resume as sucessivas lideranças entre Nino Vieira e a atualidade, retorna às decisões assumidas no Congresso de Cassacá (1964) para avultar as pressões étnicas e concomitantes lideranças regionais, dentro desta toada discursiva chega à atualidade, exprime a sua opinião sobre as principais causas e falências económicas e entende que chegou o momento de nos dizer o que significa ser líder, qual a função do líder, os seus conhecimentos, habilidades e competências, fala-nos de Bill Gates e dá-nos o decálogo dos segredos do sucesso da Microsoft, sem se perceber minimamente porquê apresenta os aspetos genéricos da lei geral do trabalho na Guiné-Bissau, tudo para concluir que a nova elite política pode ser assim caraterizada: ausência de uma cultura democrática; os líderes políticos ainda não interiorizaram os valores democráticos; o diálogo intrapartidário é dificultado pela ausência e/ou pouca internalização de uma ideologia de programas políticos coerentes. Em conclusão, é imperioso dar-se uma mudança de cultura, afirmar-se uma liderança institucionalmente forte, apoiar-se a participação, o diálogo e ter-se sempre em conta as orientações supremas do bem-comum e dos Direitos do Homem.

É muito tocante a homenagem a Fafali Koudawo, mas tem-se dúvidas profundas se esse estudo possui inteligibilidade, para ser útil a quem quer que seja na Guiné-Bissau, que continua com fome numa liderança institucionalmente forte, colaborativa e que saiba superar tensões étnicas. Ademais, o autor salienta uma questão de fundo que são as permanentes clivagens entre grupos de interesse no PAIGC mas não lhes dá explicação nem indica recomendações para consolidar um PAIGC que não dê tréguas a tais grupos de interesses e viva enformado por uma vontade de afirmar um projeto de coesão nacional, o cabouco do Estado.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18128: Bibliografia (45): “Os Papéis do Inglês”, por Ruy Duarte de Carvallho; Círculo de Leitores, 2002 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18338: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 28 (O Ramadão) e 29 (A PPSH de tambor)... Ou um "estúpido" na guerra...


Guiné > PAIGC > Novembro de 1970 > Um guerrilheiro (ou elemento da milícia popular...) empunhando uma PPSH, de tambor (a irritante "costureirinha", uma arma temível sobretudo em emboscadas)... Foi muito usada na II Guerra Mundial, pelo exército soviético: era a Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm Tokarev. com tambor de 81 munições...

Fonte: © Nordic Africa Institute (NAI)  (2010) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) [Edição e legendagem complementar


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CCAÇ / BART 6520/72 (1972/74) > O 1º cabo condutor auto José Claudino da Silva, junto a um memorial de uma companhia que passou por ali em 1966/68, a  CCAÇ 1624 / BART 1896, que, segundo a ficha da unidade, esteve em Fulacunda, Catió, Fulacunda, Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda, entre novembro de 1966 e agosto de 1968.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Claduino da Silva, mora na Lixa, Felgueiras
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita]

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade.

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura).


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 28 e 29

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


28º Capítulo  > O RAMADÃO

O estúpido ignorante 1º cabo 158532/71 só conhecia um Deus. O eterno e todo-poderoso Deus do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis,  por isso ficou surpreendido quando soube que Alá também é um Deus e ficou a saber isso na festa do Ramadão.

Descrevia por carta, aquele estúpido imbecil de 22 anos (pelos vistos era eu), no dia 8/11/1972:

“Hoje há aqui uma festa que é feita pelos pretos e eu vou até às tabancas para me divertir um pouco. Vê-los dançar o batuque e ouvi-los cantar aquelas canções ininteligíveis a Alá. O Alá é o Deus deles. Andaram um mês a fazer jejum e agora que o jejum terminou fazem uma festa fora de série. É engraçada a maneira como se divertem. Têm uma “capela” que não tem nada lá dentro eles vão para lá e põem-se a beijar o chão mas só os homens, as mulheres ficam cá fora pois não tem direito de entrar onde os homens entram. Elas é que trabalham e eles só comem e dormem pois cada um tem quatro ou cinco mulheres e eles não trabalham precisamente porque em cada noite dormem com uma diferente e precisam de ter forças para… Parece que não é preciso explicar melhor. No entanto há muitos a quem as mulheres não são fiéis, eles não tem forças e elas arranjam outros, principalmente brancos. Há aqui mais de uma dezena de bebés mulatos filhos de alguns soldados que viemos render ou de outras companhias anteriores.” 

Não admito que me gozem. Fiquei a saber, naquela época, que estes rituais são seguidos por milhões de muçulmanos em quase todo o mundo. Usam várias religiões para atingirem a vida eterna como nós fazemos na religião católica, onde há várias, mas só um Deus. Com eles, passa-se o mesmo.

Nós, para nos salvarmos, recorríamos a todos os santos consagrados pela Santa Sé. Rezávamos o terço e ouvíamos o capelão, fazíamos promessas à Nossa Senhora de Fátima, rogávamos a Deus e agora até a Alá, que passara a ter a dupla obrigação de nos salvar a nós e ao inimigo que também a ele recorria.

Alguns de nós tínhamos ainda vários amuletos e outros feitiços que garantidamente nos protegiam de todos os males, mais uns quantos pós e algumas mezinhas que entretanto descobríramos em África. Não fazíamos jejum 30 dias como os pretos, a quem eu me referia quase pejorativamente. Jejum, só fazíamos na quaresma, e só à sexta-feira. Éramos muito diferentes; a nossa religião melhor, achava eu!

Desde já garanto: O nosso salvador foi outro. Penso que existiu um em cada companhia. Na minha, foi o ANIBAL. Falarei dele no tempo da fome e no local onde ele merece estar. No cimo de todos
nós.

29º Capítulo  > A PPSH DE TAMBOR




Com a minha estranha maneira de ver a guerra, só em Novembro me referi levemente a algo com ela relacionada e envolvendo directamente, apenas os nossos grupos de combate. Foi num domingo, depois de ouvir o relato que dava em cadeia com a Emissora Nacional.

“Mais um Domingo triste e monótono que passei a 4000 quilómetros de distância. Até te vou contar uma coisa só para hoje ser diferente.

Os nossos pelotões de combate detectaram um elemento inimigo, feriram-no e embora ele conseguisse fugir apanharam-lhe a arma. (Uma PPSH de tambor) Menciono este facto porque normalmente quando uma companhia apanha armamento ao inimigo como prémio só está 16 a 18 meses no mato, por isso nós com um pouco de compreensão do General Spínola que é o Comandante-chefe do Comando Territorial Independente da Guiné. Diz-se C.T.I.G. só estaremos aqui 18 mesitos e depois vamos para Bissau. Bem bom.”


Acreditam nisto? Vejam bem como este parvo escrevia, num cenário de guerra, onde morriam pessoas. Ouvia monotonamente o relato como se estivesse numa colónia de férias.

No alto dos meus medíocres privilégios, estava-me nas tintas para o que os meus camaradas passavam nas perigosas operações militares a que estavam sujeitos. Pelos vistos, pouco me importava, quando percorriam por entre árvores e capim, debaixo dum sol abrasador, as matas e bolanhas pantanosas, com a água a chegar-lhes, muitas vezes, à cintura, aumentando imenso a dificuldade de caminharem, para que eu pudesse estar seguro no quartel.

Apenas posso afirmar, a meu favor, que quando regressavam ao quartel, nunca lhes faltaram bebidas frescas. Mas o que me preocupava mesmo era ouvir o relato de futebol e arranjar um gravador de cassetes.

[Continua]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18312: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 26 (O primeiro castigo no mato) e 27 (O paludismo)

Guiné 61/74 - P18337: Recortes de imprensa (92): A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar: Marcelo Caetano, em Bissau ("Diário de Lisboa", 14/4/1969)






"Diário de Lisboa", nº 16637, ano 49, segunda feira, 14 de abril de 1969, 3ª edição, pp. 1 e 10. Diretor: António Ruella Ramos. Cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Fundos DRR - Documentos Ruella Ramos.

Citação:(1969), "Diário de Lisboa", nº 16637, Ano 49, Segunda, 14 de Abril de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7219 (2018-2-20)


1. Complementando a "cobertura fotográfica" da visita a Bissau, do prof Marcelo Caetano, da autoria do nosso grã-tabanqueiro Virgílio Teixeira (*), publica-se um recorte de imprensa da época, mais exatamente do vespertino "Diário de Lisboa", com data de 14 de abril de 1969. (**)

Tratava-se de um jornal "independente", considerado de "referência", que se publicou entre 1921 e 1990,  e que foi, entre nós, uma grande escola de jornalismo.  Chama-se a atenção para o título de caixa alta, publicado na primeira página: "A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar"...

Caetano, que sucedeu a Salazar, tinha estado na Guiné em 1935, no âmbito do I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola), de que foi o diretor cultural. (Este cruzeiro foi uma inciativa da revista "O Mundo Português",  tendo juntado  cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes").

Há aqui uma crítica implícita ao seu antecessor que nunca quis pôr os pés no "império"... Nesta viagem, de 14 a 21 de abril de 1968,   às capitais da Guiné, Angola e Moçambique os aviões da TAP iriam fazer qualquer coisa como 19 mil quilómetros, o que dá uma ideia da distância dos territórios ultramarinos em relação a Lisboa.

O jornal é politicamente correto, referindo-se sempre às "províncias ultramarinas" (e não colónias, desde a reforma de 1951). Não nos parece que tenha mandado um "enviado especial" a acompanhar o périplo de Marcelo Caetano  pelo Ultramar, tendo por isso que recorrer ao material enviado pelas "agências noticiosas do regime", a Lusitânia e  a ANI. 

Relativamente aos representantes das principais etnias presentes nas cerimónias de boas vindas, é dado o destaque aos fulas, mandingas, felupes e bijagós, mas fazem-se também referências a outros como os papéis, os manjacos e os balantas...

A "representação social" destes grupos continua a ser "estereotipada" na imprensa portuguesa:  "os Papéis dos subúrbios de Bissau, os Manjacos, trabalhadores do porto, os Balantas, cultivadores de arroz, os Beafadas, os Nalus, hábeis escultores de madeira, os Saracolés,  notáveis ourives, enfim, todas as raças"...  Mas antes deles, vêm os "chefes fulas e mandingas que ostentam condecorações ganhas por atos de bravura em campanha"... E ainda, "com turbantes e formatos especiais, os maometanos que já foram em peregrinação a Meca, nas viagens que todos os anos o Ministério do Ultramar organiza"...

Era aguardado, com expetativa e interesse, o discurso do chefe do governo no palácio do Governador. Nessa cerimónia usaram igualmente da palavra o vogal do conselho legislativo Joaquim Baticã Ferreira (, de etnia manjaca, fuzilado pelo PAIGC depois da independência) e o brigadeiro António de Spínola governador-geral e comandante-chefe. 

O último ato público do presidente do conselho de ministros, antes de partir, no dia seguinte, 15 de abril, para Luanda foi a homenagem aos "mortos em defesa da Pátria", no cemitério de Bissau.

Destaque também para a entrevista do brigadeiro António de Spínola, à Emissora Nacional, em que "minimiza" o problema "militar", face às preocupações do governo da província, que seriam a promoção económica, social e cultural do povo guineense, com vista a "acelerar o seu processo de desenvolvimento" (sic)... Começa talvez aqui, menos de um ano depois da sua chegada à Guiné, a consolidar-se a tese (spinolista) de que a solução para o conflito que se trava no território, é muito mais "política" do que "militar"...



Guiné > Bissau > 14 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau: lado a lado, mas já de costas viradas, Marcelo Caetano e Spínola...

Foto: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. O que os jornais (e muito menos a televisão...) não noticiaram foi a reunião extraordinária de comandos, ocorrida a 14 de abril de 1969, na sala de operações do comando chefe, em que estiveram presentes, além de Spínola e de Marcelo Caetano, o ministro do ultramar [, Silva Cunha], o CEMGFA [, gen Venâncio Deslandes,] e mais cerca de duas dezenas oficiais com funções operacionais e de comando no TO da Guiné.  Foi seguramente mais importante do que a reunião anterior, protocolar e propagandística, do conselho legislativo...

A reunião extraordinária de comandos acabou num tom sombrio, face às perspetivas de deterioração da situação militar,  à consolidação e relativo sucesso da estratégia do IN (e à sua mais que previsível escalada militar), à ausência de uma "ideia de manobra à escala estratégica nacional", à incapacidade de resposta da "infra-estrutura administrativa-militar", à desmoralização dos operacionais metropolitanos no CTIG, à dramática falta de reforços (em homens e material)...

Segundo o biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, Marcelo Caetano tende  a ser visto pelo primeiro  como um político, fraco e impotente, nomeadamente face à inércia da estrutura administrativo-militar.  Mas Spínola, que chega ao generalato em julho desse ano, não se coíbe  de falar alto e bom som, ao CEMGFAQ, o gen Venâncio Deslandes, que ele trata por tu, que nunca aceitaria, em terras da Guiné, um segundo caso da Índia...em que os militares foram os bodes expiatórios do desastre político e diplomático... (Rodrigues, L. N. - Spínola: biografia. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010,  pp. 130-135).

Spínola recordou o pedido, ainda em grande parte por satisfazer, que tinha feito em nobvembro de 1968, em termos de "necessidades imediatas": 4 comandos de batalhão  e 13 companhias, além de material de artilharia e antiaéreas...

Marcelo Caetano terá perguntado a Spínola porque é que não utilizava "mais pessoal africano",  uma vez que se encontravam "exaustas as possibilidades demográficas metropolitanas" (sic). Spínola respondeu que a africanização da guerra poderia resolver o "problema humano", mas não dispensava a solução do "problema financeiro"... O tosco do ministro do Ultramar ainda perguntou se as unidades africanas não seriam "mais baratas"... Estou a imaginar a  irritação (contida) de Spínola, ao responder-lhe que já não o eram, por que: (i) "os africanos já tinham tomado consciência de que "neste tipo de guerra e neste terreno são mais aptos do que os metropolitanos" (sic); e (ii) e já não aceitam auferir remunerações inferiores a estes, tendo perdido o seu "complexo de inferioridade" (ibidem, p. 131).

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Nota do editor: