terça-feira, 28 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4257: Os Anos da Guerra, de C. Matos Gomes e A. Afonso (3): Uma caricatura de Gandembel/Balana (José Brás)

1. Mais um texto do José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), que vinha a acompanhado da seguinte nota prévia:

Caríssimo amigo Carlos Vinhal:

Enviei a mensagem que abaixo volto a juntar com algumas correcções. Depois de ler o poste do Idálio Reis, de 25 de Abril (*), a minha admiração pela gente que tudo isto aguentou, não deixa de crescer.

Ainda por cima, percebendo-lhes as dúvidas sobre a operação e a guerra que já detinham na altura, motivados, então, apenas por firmes certezas dos deveres que o viver numa comunidade carregam num ser humano com grandeza.

Depois deste poste, as perguntas que coloca fazem todo o sentido e, embora com enormes dúvidas sobre outras motivações dos autores, a legitimidade das questões que coloca estão mais que garantidas.

Abraços para ti e para toda esta gente grande mas desconhecida dos portugueses
José Brás


2. Os Anos da Guerra, de C. Carlos Gomes e A. Afonso (3) >Uma caricatura de Gandembel / Balana

Carlos, meu camarada

Li a última entrada do Alberto Branquinho com o título "REFERÊNCIAS AVULSAS QUE PODEM CONSTRUIR IMAGENS REDUTORAS". (**)

Li e não pude deixar de concordar com o que diz, ainda que me pareça tudo isto uma grande molhada de equívocos.

Aos autores de Os ANOS DA GUERRA COLONIAL haverá de ter-se posto a questão do objectivo do trabalho antes de começarem a juntar peças. Imagino que se terão interrogado muitas vezes, cada um em si próprio, e todos em grupo, sobre o alcance da obra, e, consequentemente, sobre o quê e como seria cada coisa posta em seu lugar para que no fim o edifício parecesse útil, credível, claro e, ainda que afastado de pretensões artísticas, de algum modo, não desmerecesse do ponto de vista estético.
Treze anos de guerra em três frentes tão distantes da direcção política, e cada uma entre si, não poderia ter deixado de produzir momentos de grande dimensão militar, política e social.

Fazer a história do fenómeno é uma tarefa colossal. Terá sempre de se abordar tal trabalho com uma perspectiva aberta e grata para com os autores, uma perspectiva capaz, por um lado, entender lapsos de rigor, reduções, incorrecções de análise sobre motivações, objectivos, estratégias e tácticas, meios, acção, datas, resultados, etc.; por outro lado, a quem quiser, souber e puder, complementar o dito pelos autores, evidentemente, não metendo foice em seara alheia, mas utilizando outros meios, sobretudo como tem feito o Branquinho, a estampa e a Tabanca.

Lendo o n.º 9 da colecção do Correio da Manha (com til), Gandembel parece realmente uma coisinha.

E entretanto foi uma coisa enorme. Acho eu (sem grande precisão) que Spínola ao chegar à Guiné lhe terá chamado uma enorme parvoíce.

Não estive lá, quer dizer, com os pés assentes no local exacto, sofrendo as flagelações contínuas, a falta de tudo, a desconfiança sobre o objectivo da acção, a sensação de viver um dia de cada vez porque cada dia, cada hora, cada minuto, podem ser últimos.

Direi apenas que estava em Guileje, na sequência da minha delegação de entrega de material à Companhia que substituiu a minha em Mejo, transferida para Bolama por decisão de Junta Médica vinda de Bissau.

Entregue o material, na primeira coluna a Guileje juntei-me para aguardar a continuação para Gadamael e pegar cacilheiro que me levasse a Bolama onde a minha Companhia estava em recuperação.

De maneira(s) que...caí mesmo no frenesi do início da Operação Gandembel. Era amigo de quase todos os Furriéis da Companhia do Capitão Corvacho e do Pelotão Fox[, a CAR 1613, Guileje, 1967/68]. A minha ansiedade não era menor do que se fora a minha própria Companhia a marchar.

Aliás, estive quase para seguir na coluna para apoiar a instalação das comunicações em Gandembel, porém, não me lembro hoje como, foi decidido que não. Os dezassete quilómetros(?) de Guileje ao local chamado de Gandembel, foi feito sem um tiro.
A noite dos corpos que se acomodavam nas covas cavadas à chegada, não foi assim, e, em Guileje se ouviam as explosões dos muitos ataques ao lugar.

Nos dias que fiquei em Guileje assisti de ouvido aos diários bombardeamentos e ao tiroteio das emboscadas nas colunas.

Por vezes, a intensidade e a cadência das explosões era tal, que o nos chegava a Guileje era mais uma só onda sonora, troando colada apenas com diferenças na modulação do volume.

E aquilo durou meses! Gente instalada em valas. Construção de edifícios que, julgo, se desmoronavam e reconstruíam ao ritmo das flagelações do PAIGC e da teimosia heróica daqueles que de tudo careciam ali.

Quem lá viveu é que poderá falar (se quiser) com rigor e profundidade daquela etapa da guerra, dos pontos de vista militar e da experiência humana onde terá ser metida a fome e a sede, a febre da malária, o cheiro do suor de largos dias sem gota de água e menos ainda de sabão, a rotina de feridos e mortes.

O que Matos Gomes e Aniceto Afonso escrevem é apenas uma caricatura do real.
Sempre poderiam fazê-lo de modo mais próximo desse real, se o seu objectivo é dar a conhecer aos cidadãos em geral a intensidade e a grandeza do esforço assumido, e eu acho que sim, uma vez que a escolha foi pela edição em Órgão de Comunicação meio popular, meio qualquer coisa.

Não sei é se lhes seria possível chegar a tanto porque outras conveniências se levantam sempre à volta de projectos deste tipo. De qualquer modo, creio bem empregue o tempo e o dinheiro gastos na publicação.

Abraços a todos vocês
____

Notas de J.B.:

(i) Depois de escrever isto, acabei por ler antiga troca de postes entre o Branquinho e Idálio com Hugo Guerra (com esse nome, meu amigo, estava nela, duplamente) pelo meio, mais acentua a minha sensação de equívocos.

Eu e o Branquinho, além da zona do corredor de Guileje, temos outra afinidade, a TAP.

(ii) Outra nota:

De resto, coisa que me espanta é que, em Os anos da Guerra Colonial, parece que apenas Comandos e Páras andaram pelo Corredor de Guileje naquele tempo. Infelizmente em Mejo e Guileje tive alguns amigos que por lá deixaram sangue e vida.
Não conheço Aniceto Afonso. Conheço e prezo muito Matos Gomes por cuja honestidade intelectual tenho grande admiração, reforçada, aliás, pelo convívio na participação comum em debates sobre a literatura da Guerra Colonial nos anos oitenta/noventa.

Creio que fazem o que podem.

__________

Notas do co-editor M. R.:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)

(**) Vd. 24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)

1 comentário:

Zé Teixeira disse...

É bom lembrar que o corredor de Guileje para Gandembel foi fechado estratégicamente dado a perigosidade do mesmo e abriu-se o de Aldeia Formosam,o qual de imediato se transformou num inferno para quem tinha de lá passar,em coluna de reabastecimento. Eram emboscados e massacrados os camaradas que saiam de Gandembel ao encontro da coluna.
Por sua vez a coluna, tinha festa brava.
Era a picada cheia de fornilhos comandados á distância, eram minas às dezenas, eram emboscada.Enfim. Tudo isto com a aviação sempre por perto, caso contrário o que seria ?
até um Fiat, o primeiro da história da guerra da Guiné, foi abatido.Ouço testemunhos de camaradas, na Tabanca de Matosinhos, que estiveram estacionados em Aldeia Formosa em 1973, ou seja 4/5 anos depois de Gandembel ser abandonado, que até os milicias e soldados locais, quando sabiam que iam para aquelas bandas reforçavam o seu arsenal pessoal de material de guerra e tanto quanto possível, se furtavam a ir até Balana.
Mas o mais grave era a aterradora " festa" diurna e nocturna que se vivia.Eu ouvia-a com os meus ouvidos durante cerca de cinco meses e senti-a bem perto quando lá fui em coluna de reabastecimento.
Para se falar de Gandembel, ou se conta a verdade toda, ou seria melhor não falar, porque assim passa-se à história algo incompleto que lesa essa mesma História.
Zé Teixeira