Guiné-Bissau > Bissau > s/d (pós-independência > Campo de jogos de Bissau > Um jogo de futebol, sob a bandeira da nova República, duas equipas locais, com equipamentos de clubes... da antiga potência colonial, os tradicionais grandes, até então, Benfica e Sporting. Foto de autor desconhecido.
Imagem: Gentilmente cedidas por Nelson Herbert / Maria da Conceição Silva Évora
1. Mais um texto do nosso camarada e amigo António Rosinha, enviado em mensagem do dia 4 de Fevereiro de 2011
Caderno de notas de um Mais Velho -14
O Futebol, a Política, a Acção psico-social na guerra do Ultramar e similitudes com o Barcelona e Real Madrid
Amigos editores,
Como sempre, hoje também digo para não publicarem se acharem excessivo para o blogue.
Mas penso que, ao analisarmos e interpretarmos acontecimentos a que assistimos com os nossos olhos, não fugimos do carácter deste blogue.
Quando certas constatações são de um indivíduo apenas, é difícil ser aceite por um colectivo. Quem poderia acreditar naquilo que não se documenta? Quantas vezes pomos a nossa imaginação a trabalhar demais?
Tudo o que vou relatar foi vivido e foi público, a interpretação dos resultados é apenas minha e quiçá de muita gente mas que se cala.
O assunto é sobre aquela arma, a Acção da Psico-social, que foi usada no ultramar pelo nosso governo, em diversas circunstâncias da guerra e da política ultramarina.
Mais ou menos vi nascer a Acção Psico-social logo em 1961.
Segundo a minha memória, ficou popularmente divulgado na tropa de Luanda, logo em 1961, que um capitão de nome Mendonça iniciou a prática da psico, com sucesso, a norte de Luanda (Tentativa e Caxito).
Esse capitão ficou com a alcunha de Capitão Rebuçado.
Isto eram coisas de conhecimento geral de quem andava na tropa. E o que tem o futebol a ver com a psico?
Como todos sabemos, havia o Sporting, Benfica e outros de Bissau, de Luanda, de Benguela, Lourenço Marques, etc. E, tal como na metrópole, nas colónias havia o mesmo entusiasmo por esses dois clubes.
Mas em Angola, como havia muito desporto em todas as cidades, começaram a aparecer clubes indígenas com características a puxar para um nacionalismo disfarçado de caseirismo.
Foi o caso, em Luanda, do ASA (Atlético Sport Aviação) que era uma agremiação formada pelos funcionários da empresa das Linhas Aéreas de Angola, DTA, depois TAAG, e que ainda hoje continua com as mesmas características.
Este clube formou e vendeu dois jogadores muito célebres em Portugal, que foi o Dinis para o Sporting e Selecção Nacional, e Inguila para o Benfica, que não teve o mesmo sucesso de Dinis, mas era um jogador extraordinário.
Mas onde entra a Psico-social? O Barcelona e o Real?
Quero esclarecer que, das minhas actividades profissionais, passei 1967/68/69 na DTA, portanto fui por gosto e caseirismo assíduo do clube, só não jogava, mas estava lá.
Ora, como não havia nada maior que Benfica ou Sporting, estes eram os lógicos campeões, até porque todos os militares que fossem da metrópole e jogassem nalgum clube ofereciam-se imediatamente a esses grandes, e ninguém mais fazia frente a esses grandes.
Até que, e aqui entram coisas de bruxedo, um clube com treinador sem grande nome, sem adeptos numerosos, sem camisolas apelativas, entra em campo a fazer frente aos grandes e, a partir de certa altura, já se faziam apostas, por quantos é que o ASA ia ganhar ao Benfica, Sporting, etc.
E foram, os ASA, tetracampeões, ganharam quatro campeonatos seguidos, sem espinhas e o Sporting e Benfica sem descobrir a maneira de dar a volta: o entusiasmo e as vitórias do ASA eram galvanizantes e, com as derrotas consecutivas, até clubes com melhores jogadores e treinadores acabavam por baixar os braços.
Goleadas de 4, 5 e 6 golos era frequentíssimo. Durante 3 anos, acompanhei semanalmente os jogos do ASA. O Benfica com Eusébio e Coluna e Toni ganhavam mas com aplicação.
Uma coisa aprendi em desporto, eu que só sou bom à bisca e à sueca, é que vitória atrai vitória e derrota atrai derrota. Vi jogadores inferiores superiorizarem-se e superiores inferiorizarem-se.
Mas, tudo isto foram noticias de jornais, e não há novidade nenhuma, e aqui é que, eu penso e ninguém mais suspeita, que aparece, não um Capitão Rebuçado, mas um provável Sargento Rebuçado.
Havia a associação de árbitros de Luanda (ou Angola?), em que um dos seus membros era um Primeiro Sargento do meu tempo de furriel, no RIL. E esse sargento, que era o antigo meu 1.º Sargento Caixeiro, aparece de camisa e calções pretos a arbitrar um dos jogos do meu ASA, em que saiu uma goleada de 7-0.
E um certo comportamento estranho do meu 1.º Sargento deu-me uma inspiração que me acompanhou até hoje. Claro que muitos companheiros da minha cor política e clubista e da boémia luandense, também ficaram com a pulga atrás da orelha. E hoje, para mim, eu não tenho dúvida que havia muitos distribuidores de rebuçados.
Por duas vezes o ASA disputou a eliminatória para a Taça de Portugal, sendo que uma dessas eliminatórias foi com o Benfica com Eusébio, nos Coqueiros, e outra vez foi na metrópole com um clube que não me recordo. E sendo um clube genuinamente angolano, o efeito era mais objectivo do que se fosse uma filial de um clube de Lisboa. Era a globalização pois que o campeão de Moçambique também disputava a Taça de Portugal.
Penso na minha ideia que não foi com armas, mas com ideias que conseguimos disputar internacionalmente uma guerra tão grande e durante tantos anos.
E, esta cena da nossa guerra veio-me à ideia agora, com a luta dos últimos anos do milionaríssimo Real Madrid sem títulos, perdendo teimosamente para o Barcelona.
E o nosso Mourinho a perguntar porquê?
- Yo no credo en Brujas, pero que las hay, las hay...
Mas será que bascos, galegos, e catalães também dão tirinhos?
PS. O historial do ASA é do conhecimento de muita gente que acompanha de perto este blogue.
Um abraço,
Antº Rosinha
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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