sexta-feira, 13 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8265: Controvérsias (124): Ainda as fotos... (José Brás)



1. Mensagem do nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 11 de Maio de 2011:

Carlos
Como sempre estás à vontade para editar, guardar ou deitar fora

Um abraço
José Brás



Foto: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


AINDA AS FOTOS...

José Brás

Tenho andado afastado da intervenção regular no Blogue e nem saberia explicar-me bem porquê, se o perguntasse a mim próprio, a não ser que pudesse dar um mergulho no subconsciente para buscar essa necessidade de reciclagem, de que fala o tal "Jomar" que não sei quem seja, porque tanto pode ser João como José ou Joaquim, Marques ou Martins ou Marcolino; ou pescador, de peixe mesmo, ou de polémicas, ou de imagens mal definidas, de conceitos, de preconceitos, de complexos edipianos ou outros.

Continuando, uma visita de vez em quando, ver os poster de cada um, as informações dos editores e ala milhano para outras margens que me chamam daqui e dali... ou de mim próprio.

Claro que vi as belas fotos postadas pelo António Teixeira e, ainda que não as postasse eu, questão apenas de diferenças de feitio em cada qual, mesmo sem qualificação de virtudes, não deixei de as admirar sem medos seja do que for, nem desse velhíssimo espírito de restrição e de pecado que nos habita a todos e habitará por muito tempo, transformando o corpo numa tentação demoníaca, só quebrada pelo divino dever de procriar, coitando de vestes espessas e de luz apagada.

Não tenho muitas fotos da guerra e apenas uma ou duas de braço pelos ombros de bajuda de "mama firmada". Mas não esquecerei nunca umas tantas que encontrei, sobretudo em Aldeia Formosa, Colibuia e Cumbijã porque em Medjo não havia, que me lembre, não me esquecerei do espanto que era a descoberta desses belíssimos corpos nem do apelo de macho espiritual e biológico que sentia, olhando-as.

Se pudéssemos perguntar a essas mulheres africanas que conheci se alguma vez as molestei ou se tentei usar de poderes para as ter, ou se, sequer, as mal-tratei de palavra ou acto, poderíamos ouvir dizer sem qualquer dúvida que não. Se perguntássemos a uma ou duas se me acostei, poderíamos ouvir que sim. E que culpa será essa que me condenaria às penas do inferno de Jomar?

Já tenho sido severamente comentado por dizer que a mulher reúne em si a imagem do que de mais belo e perfeito tem o mundo, sendo no meu pensar, inclusive, um ser e quase tudo superior ao homem que tem dominado as sociedades e ocultado nisso as suas debilidades.

Ainda agora, a um camarada que me enviou uma mensagem alegadamente irónica com um grosso book que seria o primeiro volume de um tratado para entender a mulher, respondi que não careço de a compreender se posso amá-la... simplesmente, mesmo nos seus mistérios.

Dizem que África foi o princípio de tudo e também, logicamente dessa mulher que nasceu autónoma da famosa costela de macho. Não será isso alheio à minha admiração pelos seus traços teluricamente firmes, sobretudo enquanto a dureza da vida lhes permite.

Jomar lê muito mal, talvez à luz das suas próprias contradições e traumas, o que diz José Belo: "Ah! "Bajudas de todas as tropas; de todas as guarnições militares; de todas as histórias e de todos os impérios do mundo! Lavar roupa era função "oficial". Quantas mais? Substituem todas as necessidades "práticas", e não só, pois as sentimentais "sublimadas" também por lá andariam. Alguns diziam-nas exploradas e utilizadas. Outros, mais cínicos, diziam ser elas que exploravam e utilizavam. Mas, as vantagens seriam mútuas. E, na maioria dos casos, também (e principalmente) para as famílias que, na sombra, lá estavam. Onde acabava o "patacão" e começava o "amor"? (Ou seria vice-versa?). Com o passar das muitas décadas as tonalidades tornam-se cada vez mais... "cor-de-rosa"... e ainda bem!"

Acaso não é verdade que desde a longa história que conhecemos, mulheres acompanhavam os exércitos em movimento, ou eles se juntavam nos "altos" para lhes prestarem serviços práticos de vários tipos, incluindo a venda de sexo?

E será que alguém tem dúvidas que também assim continuará a ser na desgraçada sina humana das guerras que aí virão?

E não é verdade que, mesmo nessas condições extremas de sobrevivência e comércio, muitas vezes "os sentimentos sublimados" não explodiam e mesmo o amor em formas sublimes?

"Quem diria que mulheres pudessem suportar as fadigas daquela campanha, quando a virilidade do homem às vezes fraquejava? No entanto, cerca de cinquenta mulheres, representantes do belo sexo, compartilharam todas as peripécias da longa marcha, seguiam maridos ou amásios, rivalizando com eles até em bravura [...] Apesar da conformação física mais fraca e mesmo da inferioridade biológica, elas nunca demonstraram fraqueza. É que a alma simples da mulher brasileira é feita de sacrifícios e de martírios [...] é esse o sentimento que fez das vivandeiras umas abnegadas".

Esta "peça" pertence ao Capitão Ítalo Landucci, integrante da Coluna Prestes que, entre 1924 e 1927 atravessou todo o Brasil na tentativa de uma revolução popular contra a oligarquia brasileira, é uma homenagem e a exaltação da mulher ou a condenação do homem que a desejava mesmo naquela condições terríveis?

E que dizer de Brecht e das "suas" prostitutas, dos "seus" bares de vinho e mulheres, dos "seus" juízes nivelados ao homem comum na comum ânsia do homem pelo corpo e pela alma da mulher?

Quanta poesia e que bela poesia tem saído da alma dos poetas na justa e libidinosa imagem da mulher?

Quantos feitos grandiosos se cometeram no mundo sob a asa inspiradora do amor carnal e espiritual de homens crápulas ou santos, mussulmanos ou cristãos, administradores ou guerreiros?

E que tem Jomar de tão preconceituoso contra o comércio do sexo? A venda do corpo? A venda da aparência de sentimentos que se têm como para serem partilhados apenas na gloriosa intimidade de dois serem que se encontram? Muito teríamos para falar sobre o assunto se o espaço e a sabedoria nos permitissem, mesmo sem pôr em questão esse ofício de dar filhos, muitas vezes a esposos que não se amam e que tratam esposas como coisa necessária e útil apenas.

Levemente abordei já esta questão aqui no Blogue no troco que dei a poste infeliz aqui editado há meses.

Também, quer no "Vindimas no Capim", quer (e em especial) no "Lugares de Passagem", através da figura de Mominato, tento um entendimento que desejo mais próximo da realidade, naquela perspectiva de José Alencar sobre o índio Guarani.

Na visão de Jomar deve ser tarado sexual todo o homem que entusiasma perante um corpo de mulher.

O soldado português, na sua grande maioria, saía de uma sociedade restritiva e castigadora do corpo e do sexo, sem nenhuma experiência sexual para além de uma ou outra oportunidade com prostituta de feira.

Algumas vezes se terá excedido na descoberta de uma mulher jovem, bonita e desnuda, na confusão que a sua pequena formação cultural e visão do mundo, em confronto com o seu desejo de guerreiro jovem lhe transmitia.
T
alvez se tenham cometido um ou outro crime nas relações de poder que se estabelecem nestas condições de poder.

Contudo, não é essa linha que marca a presença do soldado português na generalidade para além das brincadeira quase ingénuas, nem faz do exército ou do povo entidades abusadoras, como não me faz a mim ou País, entidades especuladoras apenas porque temos a nacionalidade em comum com Belmiro de Azevedo, nem incendiários apenas porque somos da mesma terra de Dias Loureiro, o homem do negócio do fogo.

Criminoso, na África ou aqui, em meu entender, é o uso do poder para forçar uma aquiescência, seja ela de que tipo for, e sexual, por maioria das razões espirituais que o acto envolve.

As fotos de António Teixeira no Blogue (já disse que eu não exporia), não enquadram, nem de perto nem de longe, tal abuso ou intenção e isso foi largamente defendido e fundamentado nos muitos comentários que se editaram.

Estou mesmo de acordo com José Belo quando diz "diziam ser elas que exploravam e utilizavam.", quando me apercebo nas fotos, da gaiatice malandra do olhar dessas bajudas, como que gozando a confusão do branco. E nisso não vejo qualquer mal, nem da parte de um nem do outro, crendo que quem vê qualquer mal aí, é quem tem a alma ainda atada por um espírito feudal das relações homem/mulher, quem lá no fundo tem ainda as marcas da negação do prazer sexual à mulher, quer ela seja negra como nas fotos em questão, quer seja de pele branca, já que da mesma cor serão os espíritos de ambas, diferenciadas apenas pelas culturas de cada qual.

A reacção de Jomar a mim me parece muito mais denunciadora de desvios negativos sobre a mulher, sobre o respeito e a exaltação que a mulher, de corpo e alma, nos merece.

José Brás
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7978: Blogpoesia (125): O cuco sabe que o Sol voltará ao Monfurado (José Brás)

Vd. último poste da série de 13 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8263: Controvérsias (123): A guerra. As realidades locais e as bajudas de mama firmada (José Belo)

7 comentários:

Anónimo disse...

Camarigo José Brás

Acabei de colocar um comentário no escrito do José Belo e, logo após, dou de caras com esta tua bela prosa, muito mais burilada.
Terei de a guardar.
Belo Brás...Belo.

Só uma confissão, para complemento deste e do anterior comentário.
Fui lá celebrar os meus 33 e 34 anos. Casado e com 4 filhos cá no Continente (não o do Belmiro que foi meu camarada de armas no COM e no GACA em Torres Novas), Cap Mil e com responsabilidades. Quantos sacrifícios fiz e passei...se é que me compreendem...

Também não suporto moralismos balofos...

Abraço
Jorge Picado

Luís Dias disse...

Camarigo José Brás

Já não fui a tempo de entrar nesta dita "polémica" e se tivesse intenções de o fazer, esta ficou unicamente no meu pensamento, depois de ler este teu belíssimo texto, já nada sobraria para dizer. Marcaste o teu ponto de vista e todos nós, de certeza, ficamos satisfeitos, por sentirmos naquilo que escreveste, nessa prosa serena, inteligente, bem doce de palavras, aquilo que sobre esta matéria pensávamos.Um bem hajas e em bom tempo voltaste.
Um abraço.
Luís Dias

Luís Graça disse...

Houve comentários que se perderam, nestes dois dias em que o Blogue deixou de funcionar, devido a prolongada manutenção do servidor, o Blogger... Um deles terá sido este que... (LG)

Quem esteve na justiça militar, no QG, como o Rui Barbot (hoje “o nosso Mário Cláudio”, que nos honra com a sua presença na Tabanca Grande, como grande escritor que é da língua portuguesa, e que é portuense e que é amigo do beirão, do Sabugal, Manuel António Pina, que acaba de ganhar o Prémio Camões 2011, e que também vive na Invicta… Parabéns ao laureado, e ao Porto, e ao Sabugal, e à língua portuguesa, e à lusofonia, e à poesia!!!), poderá falar, com mais propriedade, de casos de violência contra as populações civis, em geral, e de violação, em particular, de mulheres e bajudas, na Guiné, casos esses que não passavam impunes , sobretudo a partir do Consulado do Gen Spínola, ou seja, com a política da chamada Guiné Melhor...

Não sei, mas gostava um dia de saber, quantos casos desses chegaram à "justiça militar", que é isso que aqui nos interessa,. como o caso do Capitão P, que é do meu tempo...

Permitam-me que aqui transcreva um excerto da carta que escrevi (mas nunca cheguei a pôr no correio), dirigida ao meu amigo e camarada da CCAÇ 12, Tony Levezinho, da CCAÇ 12, com data de 10 de Fevereiro de 1970… Nessa carta chamo a atenção para o caso do Capitão P e de um furriel miliciano da sua companhia que estavam, em Bissau, a contas com a justiça militar…

Não sei o que lhes aconteceu… Se chegaram a ser julgados e, se sim, se foram condenados ou absolvidos… Na zona leste, entre Maio de 1968 e Março de 1971, não tive conhecimento de casos semelhantes… Afinal, os fulas eram nossos aliados e, mais do que isso, nossos camaradas…

Diário de um Tuga > Bissau, far from the Vietnam. 10 de Fevereiro de 1970:

(…) De facto, aqui desaguam todos os rios humanos da Guiné: a carne que já foi do canhão e agora é do bisturi (ou dos vermes, em caixões de chumbo, discretamente empilhados, à espera que o Niassa ou o Uíge ou o Alfredo da Silva os levem nos seus porões nauseabundos); os desenfiados, como eu, todos os que procuram safar-se do inferno verde, quanto mais não seja por uns dias ou até umas breves horas, que o tempo aqui conta-se, de cronómetro na mão, até à fracção de segundo; os prisioneiros de guerra, esfarrapados, andrajosos, a caminho da Ilha das Galinhas; as populações do interior desalojadas pela guerra; os jovens recrutados para a nova força africana; enfim, os criminosos de guerra como o capitão P. que está aqui detido no Depósito Geral de Adidos à espera de julgamento em tribunal militar – suponho eu -, juntamente com um furriel miliciano da sua companhia. Ambos estão implicados em vários casos, muito falados, violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos…
A propósito, como os tempos mudam, meu caro!.. Em conversa com um sargento de cavalaria que teve o Velho como comandante de batalhão no Norte de Angola – conversa a que ocasionalmente assisti -, o Capitão P. (que eu não sei, nem me interessa saber, se é miliciano, ou se é do quadro, ça c'est m´égale!), mostrava-se vexado (o termo é dele) pelo facto do então tenente coronel ameaçar executar, in loco, sumariamente os guias nativos que mostrassem a mais pequena hesitação na escolha dos trilhos ou os carregadores que deliberadamente deitassem fora a água dos jericãs..
- E agora, como Com-Chefe na Guiné, não permitir sequer que se toque no cabelo de um preto! (…)

Anónimo disse...

Camarigo José Brás
Excelente prosa
afirmativo e correcto.
Já agora aproveito para contar uma pequena história de índole sociológica
Um dia um meu soldado(fula)veio pedir-me para ir de férias.Como não estava previsto ir alguém de férias naquela altura,perguntei-lhe qual motivo.Respondeu-me que tinha recebido a notícia de que um amigo lhe tinha roubado duas vacas e uma mulher e que queria matá-lo.
He...lá.. não fazes a coisa por menos,é por causa da mulher, não é ?
resposta;" shiii.. alfero...cais molher...é por cosa dos vaca.
Fui mesmo burro.
É claro que não foi de férias.

C.Martins

Anónimo disse...

Confesso näo ter ,(antes) ,considerado a possibilidade,mas depois de voltar a ler os comentários do Sr.Jomal pergunto-me:Será que ele é um africano com doentios e inapropriados complexos rácicos?Existindo europeus complexados quanto a relacionamentos sexuais inter-rácicos,o mesmo se verifica junto de alguns africanos.Será o Sr.Jomal um entre eles?Seräo por certo teorias "interessantes", mas que,em verdade,nada tem a ver com a NOSSA GENTE.Como se diria pelas matas da Guiné........"Manga di merda no escabêca"! Um abraco.

António Teixeira disse...

Caro José Brás:
Já tinha prometido a mim mesmo não voltar a estas lides, pois achei que o principal já estava dito e redito, e quanto ao resto mais vale ignorar pois é dar importância demais a quem não a merece.
Li e reli o teu texto que acho absolutamente fabuloso. Infelizmente, nunca tive o dom da palavra. Desde longa data aprendi mais a exprimir-me através da máquina fotográfica, que chegou a ser uma verdadeira "doença", ao ponto de em pleno teatro de guerra, e numa zona (Bedanda) considerada complicada, ter aí o meu laboratório de fotografia.
Como entendi aquilo que tão bem disseste. E quero aqui felicitar-te por isso. Depois disto, francamente, acho que já não há nada mais a acrescentar.
Um grande abraço.
ANTÓNIO TEIXEIRA

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

Cheguei a este 'post' vindo de mais recentes pelo que não me quero repetir em relação ao que escrevi num desses.
No entanto sempre deixo a idéia principal que o saldo de toda esta troca de impressões é positivo. Permitiu avançar com argumentos, trocar opiniões (aqui e ali alguma 'violência verbal', algum excesso, mas...), porventura contribuiu-se para mais e melhor esclarecimentos sobre esse tema .

Este texto do JBrás é um bom exemplo do que quero dizer, com as 'coisas' muito bem explicadas.

Abraço
Hélder S.