sábado, 23 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8595: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (32): Hoje almocei com o Joaquim Gaspar (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 22 de Julho de 2011:

Meu caros amigos
Sei que sois homens de sentimentos, amigos do seu amigo.
Envio-vos um texto que hoje escrevi e que obviamente corresponde à realidade do que passei e estou a passar hoje.

Sentir é muito bom.
Podem utilizar o texto se assim o entenderem onde quiserem.
Um abraço amigo
Joaquim Mexia Alves


Hoje almocei com o Joaquim Gaspar!

Hoje almocei com o Joaquim Gaspar.
E perguntam aqueles que lêem estes textos neste espaço:
E quem é o Joaquim Gaspar, e o que é que eu tenho a ver com isso???

É muito simples, mas vou complicar um pouco.
O Joaquim Gaspar é do Brejo, entre Carvide e Monte Real, e faz hoje 65 anos!
Manda-lhe a Segurança Social, por carta, que deixe de trabalhar a partir de Segunda-feira, pois fica “automaticamente” reformado.
Ah, e o Joaquim Gaspar trabalha nas Termas de Monte Real há, “apenas“, 54 anos!!!

Hoje, a meio da manhã, bateu à porta do meu gabinete, e timidamente, como é seu feitio, disse-me com um sorriso:
- Depois o Sr. Mexia Alves, quando puder havia de passar ali pela “cozinha” para comer um pouco de bolo.

Senti-me apanhado na falta de memória e, claro, já sem dúvida nenhuma perguntei-lhe:
- Fazes anos hoje, não é?

Com um sorriso de “criança apanhada”, (ele é assim, não há nada a fazer), disse-me:
- Faço 65 anos, e a partir de Segunda-feira tenho de deixar de trabalhar aqui nas Termas, porque estou reformado. Pelo menos é o que diz a carta que recebi da Segurança Social.

Fiquei sem saber o que dizer, porque me inundou um sentimento tão grande tão profundo, que tive medo de me “largar” a chorar à frente dele!

Perguntei-lhe então, com um ar que eu pretendia de amizade e intimidade:
 - Quantos são, Joaquim?

E ele com aquele seu ar tímido respondeu-me:
- 54! Há 54 anos que aqui trabalho!

Mais velho que eu três anos, logo me lembrei, quando em garoto, lhe “roubava” a bicicleta, “estacionada” junto ao Hotel para dar uma voltinha.
É que a bicicleta dele tinha mudanças!!!

Nada destas coisas de hoje, em que se vêm uns matulões a pedalarem que nem uns loucos, parecendo que a bicicleta está sempre no mesmo lugar.
Não, senhor, aquilo era uma caixinha com uma espécie de gatilho que tinha três mudanças, que “inté” parecia que davam mais velocidade, sem a gente perceber que afinal o motor… eram as nossas pernas!

Deixei-me ficar ali um pouco a olhar para ele, e nesse instante passaram por mim recordações imensas, que envolveram os meus pais e todos os meus irmãos, e uma grande família feliz, que vivia um sonho de amor e união, que pretendia estender a todos aqueles que com a família trabalhavam num projecto comum.

Perguntou-me então:
 - Almoça hoje comigo?

Respondi-lhe:
- Claro que sim, Joaquim! Claro que sim!

Saiu então do meu gabinete, e ainda bem, porque eu precisava de lidar com uma emoção que avassaladoramente tomava conta de mim.

O que é que eu digo a este homem, pensava eu?
Como exprimir-lhe tudo o que vai dentro de mim?
Como explicar-lhe que ele me pertence, como eu lhe pertenço a ele?
Como afirmar-lhe que eu sou família dele, como ele é minha família?

Bem, pensei, deixa passar agora, que quando chegar o tempo ele sentirá o que tu lhe queres dizer.

E lá fomos almoçar passada mais uma hora, eu com o meu coração nas mãos e ele com o dele também.
E falámos da “ingricola”, e dos tempos passados, e de como esta gente de hoje não sabe o que é a vida, e isto e aquilo…

E quando o almoço acabou, num restaurante de alguém que também trabalhou no Hotel e nas Termas, vieram em alta voz as recordações, a tal bicicleta, e quando os olhos destes “sessentões” se avermelharam, foi só o tempo de dizer adeus, para deixar para mais tarde a homenagem inteiramente devida, inteiramente merecida, mas sobretudo inteiramente desejada.

Pois, perguntam os leitores, e depois o que é que isso interessa?

Interessa, para que esta nossa juventude perceba os tempos em que as pessoas se encontravam, em que as pessoas se conheciam, em que um vínculo de trabalho era um vínculo de amizade, em que as pessoas se preocupavam mais uns com os outros do que com eles próprios.

Interessa, porque é sempre tempo de regressarmos à amizade, á relação entre pessoas, que não seja apenas um contrato que defende uns contra os outros, mas sim um contrato que une uns e os outros.

Interessa, para que se perceba que quando é preciso cortar nos custos de uma empresa, não se vá pelo caminho mais fácil, que é dispensar/despedir pessoas, mas sim cortar no supérfluo que apenas serve uns e deixa os outros de fora.

Interessa, para que os projectos sejam comuns, e não apenas ideias de uns em que os outros são dispensáveis, mas como parceiros de um bem para todos.

Neste momento, os leitores pensarão:
Este indivíduo vive noutro planeta!

E este indivíduo apenas diz:
Se houver um planeta onde se viva e trabalhe para construir um bem comum, e em que as relações de trabalho e as outras sejam alicerçadas no entendimento, na paz e no amor entre pessoas, então é nesse planeta que eu quero viver!

Por enquanto, deixo-me ficar pela recordação, guardando dentro de mim este sentimento bom, de saber que ainda há homens bons, e assim esperar que um dia, perante a indiferença, o homem perceba que é melhor amar do que desprezar.

Do meu coração ninguém tira o Joaquim Gaspar, como acredito que do coração do Joaquim Gaspar ninguém é capaz de me retirar.

Até o seu filho, homem feito agora, por aqui trabalhou também!

Hoje almocei com o Joaquim Gaspar!
Sinto-me muito mais realizado, por o ter conhecido e por ser seu amigo.
É sempre bom, ser amigo de homens bons!

Que Deus o abençoe!
Graças a Deus, e por causa deste almoço, amo mais um pouco a vida!

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 22 de Julho de 201
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8535: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (31): As ilustrações de Miguel Pessoa chegam à Tabanca do Centro com a publicação de KARAS de Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8535: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (31): As ilustrações de Miguel Pessoa chegam à Tabanca do Centro com a publicação de KARAS de Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

20 comentários:

Juvenal Amado disse...

Camarigo Mexia estou plenamente de acordo.

«Interessa, para que se perceba que quando é preciso cortar nos custos de uma empresa, não se vá pelo caminho mais fácil, que é dispensar/despedir pessoas, mas sim cortar no supérfluo que apenas serve uns e deixa os outros de fora.»
É verdade sem discussão mas pouca praticada.
A lógica do capital é poupar nos alfinetes para gastar nas lagostas.
Espero com este meu singelo comentário não ofender, nem enojar ninguém e a cima de tudo não pôr maus cheiros aqui neste espaço onde as ideias se querem arejadas.

Abraços


Bom fim de semana

Anónimo disse...

Orgulhoso de te ter por AMIGO,e de contigo ter compartilhado o "nosso" Colégio que,afinal,algo a muitos deu.

Juvenal Amado disse...

Mexia esqueci-me de mencionar que a tua disponibilidade e coração ao pé da boca não me surpreende de forma alguma, antes pelo o contrário é amplamente confirmada.

Um abraço

admor disse...

Camarigo Mexia já são 3 ou 4 em 1, como agora se costuma dizer.
Quando a palavra SOLIDARIEDADE existia e significava alguma coisa
estas situações eexistiam também na ESCOLA no TRABALHO ou em qualquer lugar, mas também havia muito trabalho de CASA.
A partir de certa altura estes VALORES começaram-se a perder e hoje estão quase completamente perdidos.

Um grande abraço para ti e para todos.

Adriano Moreira

Manuel Reis disse...

Camarigo Mexia Alves:

Que bom ter a possibilidade de ler o teu texto escrito com o coração e com a naturalidade de quem fala das coisas simples.

De facto, ainda podemos sonhar!
Gostaria de viver no tal planeta de que falas.

Um forte abraço.

Manuel Reis

Alberto Branquinho disse...

Gostei.
Transcrevo:
"...regressarmos... à relação entre as pessoas, que não seja apenas um contrato que defende uns contra os outros, mas sim um contrato que une uns e os outros".!!!

Ou, até mesmo, como nos tempos do contrato não escrito, "selado" com um aperto de mãos.

Alberto Branquinho

CANCELA disse...

Caro Mexia Alves.
És grande no «fisico»,mas és enorme
no sentimento.
ABRAÇAO.

ZE MANEL CANCELA

antonio graça de abreu disse...

Obrigado pelo teu texto,
Para recordar que, apesar de tanta falsidade, ainda somos homens com valores e coração.


Abraço muito amigo,

António Graça de Abreu

paulo santiago disse...

Tens um coração proporcional ao
teu corpo...muito grande
Bem-Hajas

Abraço

Colaço disse...

54 anos de trabalho para uma reforma da segurança social e o amor de uma família por ter sido um óptimo colaborador,quando muitos políticos da nossa praça se reformaram com oito ou doze anos de serviço e reformas milionárias.
É bem possível que ainda tenha uma bicicleta.

manuelmaia disse...

Caro Mexia

Francamente gostei desta lição de amizade ,de sociabilidade,de respeito mútuo.
A prova de que o respeito e a amizade estiveram nas duas partes, está no convite de uma delas à outra para partilhar a alegria,pelo acesso ao direito ao descanso após uma vida de trabalho, e no prazer que a outra evidencia da partilha desse prazer.
Não me surpreende este teu escrito.
Está na linha do teu comportamento
desde que te conheço.
Depois do que li só tenho que agradecer-te a amizade que me dispensas.

Anónimo disse...

Camarigo Mexia
Comentar para quê, se já disseste tudo, que vai directo ao coração.

A Amizade é como os Diamantes...é ETERNA.
Mantenhas

Luís Borrega

Anónimo disse...

Caro Joaquim, não me surpreende este teu texto. Não esperava menos da tua parte...
Com amizade. Miguel Pessoa... e Giselda, claro.

José Marcelino Martins disse...

O Joaquim Gaspar, que não conheço, é um homem de sorte.

sorte porque a "empresa" só agora "foi avisada" que já tinham passado 54 anos e o seu funcionário fazia 65 anos; en quanto outras "empresas" a partir dos 64 anos estão sempre a perguntar: Quando é que o Fulano se reforma?

Tenho a certeza que o Joaquim Gaspar, mesmo que o seu substituto seja "um génio" não conseguirá que seja esquecido.

José Barros disse...

Amigo Mexia!

Não tenho o prazer de te conhecer pessoalmente,apenas te conheço virtualmente.
Que grande lição de amizade nos deste
ao partilhar este texto connosco.
Se todos assim fossem o mundo seria bem melhor. Que Deus te ajude a manter essa grandeza de ALMA.
Obrigado amigo!
Um abraço do tamanho do mundo
José Barros

Anónimo disse...

Quando os valores sociais e humanos se sobrepoem ao mero interesse econimicista, digo que ainda vale a pena viver neste mundo..
Há pouco tempo falando com um Bispo muito conhecido..disse-lhe que não era religioso..era agnóstico.
Pergunta dele; mas tem valores ? e eu.. bem..sim..acho que sim.
Então.. isso basta,disse ele...bahh
Obrigado, camarada Mexia Alves, muito obrigado.

C.Martins

Anónimo disse...

Caro Mexia Alves

Grande lição de amizade!
Grande lição de valores!
valores de dois Homens de Bem!
Que bonito ver exposto os sentimentos que valorizo! que dignificam o ser humano, que lições de civismo de gratidão, de reconhecimento!
Que prazer constatar, os valores de todos os homens, que aqui manifestaram a seu apreço, pelos sentimentos de dois homens, que os anos de vivência tornaram imensos e indestrutíveis!

Com um abraço para todos, permitam-me que felicite, os moços do meu tempo, pela sua honorabilidade, pelo seu carisma, aqui expresso, e permitam-me também, que me associe aos vossos valores, que subscrevo encantada.

Felismina Costa

Anónimo disse...

Meu caro amigo Mexia Alves,

Quando cheguei a esta grande nação americana conheci homens muito altos. Aprendi a respeitá-los.

Hoje infelizmente já são uma raridade. Precisamos de ajuda. Que tal dares um saltinho para este lado do Atlântico?

Acredita que te aceitaremos de braços abertos e que nunca questionaremos os teus sentimentos.

Um abraço amigo,
José Câmara

alma disse...

Abraço Amigo, és Homem de Alma Grande!


Jorge Cabral

Manuel Joaquim disse...

Ah grande Joaquim!:
Um grande exemplo de humanismo cristão que, infelizmente, tem pouca réplica no mundo empresarial português. Este é mais de " ó Abreu dá cá o meu" ou, como muito bem diz o Juvenal Amado, de "poupar nos alfinetes para gastar nas lagostas". E depois queixam-se dos "seus" trabalhadores!

"Uma andorinha não faz a primavera" mas eu adoro as andorinhas! Este "andorinhão" de Monte Real merece, valham o que valham, os meus elogios,a minha consideração, o grande abraço que tenho vontade de lhe dar.

Como é bom conhecermos pessoas assim!
Que sejas muito feliz, meu camarigo J.Mexia Alves!