domingo, 14 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10530: História da CCAÇ 2679 (54): Quatro tiros para o Pedro (José Manuel M. Dinis)

1. Mais uma história do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), desta vez contracenando com o seu amigo e camarada Pedro Nunes.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (54)

QUATRO TIROS PARA O PEDRO

O final da comissão aproximava-se. Naturalmente, a nossa motivação estava toda direccionada para o regresso. Alguns já tinham passado maus bocados, não só do ponto de vista da ruideira e ansiedades da guerra, estrito senso, como também da guerra psicológica que era discricionariamente servida a uns e outros. O Pedro pertencera a este último grupo, desde que a companhia entrou em quadricula, e ele não se mostrou disponível para o negócio da gasolina. Foi tão perseguido e penalizado, que ninguém percebeu o louvor final que a "trika" lhe atribuiu. Alguma espécie de arrependimento? Teriam tido conhecimento das boas relações familiares do Pedro? Ou pura hipocrisia para compensar o elevado número de porradas que comprometiam a carreira do capitão?

Naquelas circunstâncias o Pedro, por vezes, mostrava-se alterado, exprimia a sua legítima revolta. Comigo mantinha bom relacionamento, pleno de camaradagem e solidariedade. Lembro-me de quando recebia queijos da metrópole, feito menino queque cortava as partes bolorentas, que o Pedro imediatamente agarrava e levava à boca, dando vivas à penicilina.

Um dia fui acordado muito cedo com uns traques na cara, e quando me dei conta, enquanto ele fugia pela porta, atirei-lhe uma bota que não atinou com a trajectória, e embateu suavemente na cara de outro camarada que também dormia. O Pedro escapou em frente à minha janela e ria-se com estrondo. Ele fazia a festa e lançava os foguetes.

O Pedro dormia no abrigo dos auto-rodas, mesmo ao fundo, onde havia segurança máxima. Mas era dos primeiros a acordar, pois todos os dias havia movimentação de viaturas para diferentes deslocações. Ao contrário, eu dormia quando não estava comprometido com saídas matinais. Por isso, um dia ou dois a seguir, o Pedro voltou a entrar no meu quarto a horas incertas da madrugada, aproximou-se da cama, e voltou a peidar-se na minha cara. Acordei com a detonação, muito a tempo de o ver a sumir-se no outro quarto ao lado, até atingir o alpendre da casa, e correr à frente da janela, enquanto ria alarvemente. Contava aos que por ali cirandavam a acção valente que empreendera. E já era pela segunda vez.

O sono não me permitia pensar em vinganças, mas, no íntimo, eu achava que a aleivosia ia sair-lhe cara. Ora, como diz o ditado, tantas vezes a bilha vai à fonte, até que parte. A cena ainda se repetiu para gáudio do Pedro, um sacana gabarolas, que depois se ragalava a contar e a fazer filmes que desmoronavam a minha reputação. Uma noite alguém me alertou ao deitar, para dormir em corrida, a ver se não era acordado com ataques já esperados, mas sempre surpreendentes. Fez-se luz. Peguei na minha namorada, pu-la em posição de tiro-a-tiro, e encostei-a à beira da janela que dava para o alpendre por onde ele se safava em busca de protecção, e na direcção dos espectadores que já granjeara, onde era aclamado, e se fazia a festa. Grande coiro! Ia pagá-las.

Fatal como o destino. Agora não me ocorre se já esperava por ele, se ele ainda me acordou. Lembro-me de que cumpriu o talentoso plano de me aterrorizar com flagelações, e fugiu pelo caminho do costume que já conhecia tão bem, e lhe conferia o êxito de que carecia para elevar o moral. Levantei-me. Peguei nela. Apontei-a para o exterior. E quando ele passou em correria esfuziante, puxei o gatilho uma vez. PUM! Puxei o gatilho outra vez. PUM! E ainda puxei o gatilho mais duas vezes. PUM! PUM! Os tiros foram para a parada onde não havia ninguém, direi que para uma altura que não atingia os pedestres, se lá houvesse.

Mas não houve festa. Antes, sucedeu um silêncio que muito apreciei. Como aquelas pausas na música, que lhes dão profundidade ou continuidade. O Pedro sentiu a morte a rondar-lhe. Logo argumentou que eu estava maluco, que não queria mais conversas comigo, e que eu era um perigoso assassino em potência. E, na verdade, passou cerca de 15 dias até voltar a falar-me. Mas à defesa. Sem confianças. Até que as relações voltaram ao normal, e hoje mantemos estima recíproca.

Semana de campo no Caniçal - Madeira > Pedro, Dinis, Gonçalves, Marino e Calvo

Bajocunda > Recepção aos piras

Piche > Rebenta-minas usado 

Piche > Oficina da ferrugem

Bajocunda > Crianças celebram as primeiras chuvas

Piche > Abrigo concluído pela ferrugem da 2679
Fotos de Pedro Nunes
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10517: História da CCAÇ 2679 (53): "Ataque" muito certeiro (Jose Manuel M. Dinis)

1 comentário:

Luis Faria disse...

Amigo José Dinis

Confesso-me surpreso!Reagir a um ataque bombista daquela estirpe,repetido e ainda por cima avisado e em presença,com uns tiritos propositadamente altos pelo que inócuos ...tsss!!!
Nessa altura ainda não havia a tal de "reacção proporcional"?!

Um abraço
Luis Faria