Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12053: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (60): Nos trilhos da guerra
1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos o 60.º episódio da sua série Viagem à volta das minhas memórias.
VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60)
1 - Nos “trilhos da guerra”
Introdução
Vinte e cinco longos meses passados na Guiné, em defesa da Bandeira Portuguesa, tiveram a sua origem em todo um trajecto preparatório que se espraiou por diversas regiões do, à altura, ”Portugal do Minho a Timor”.
No meu caso metropolitanas, essas andanças em aprendizagens diversas, que se estenderam por uns quinze meses, levaram-me por ordem cronológica, a Caldas da Rainha, a Lamego, a Tancos, a Évora e a Oeiras (Espargal) de onde saímos uma madrugada, para embarcar no Carvalho Araújo, que nos levaria num “cruzeiro” em mares por vezes alterosos, excursando por duas ilhas nos Açores e por Cabo Verde até nos largar no destino: Guiné
“Viagem à volta das minhas memórias” ficará com certeza menos incompleta se nela forem incorporadas lembranças deste período preparatório, também ele longo e recheado de momentos e peripécias que me ficaram retidos em memória, e que por vezes relembro com saudade e prazer.
Com um filho já a prestar serviço militar na Guiné, na hora da minha ida à inspecção, minha mãe dizia que a guerra não chegaria até mim, ao que meu Pai retorquia com um “vamos a ver…,vamos a ver?!”.
Filho “caçula” de cinco, quatro rapazes e uma rapariga, quatro anos me separavam do irmão seguinte, que estava mobilizado na Guiné (Alf - 3ª CCmds) e dez da irmã, a mais velha.
Com o filho ainda na Guiné, meus Pais viram o mais velho dos rapazes avançar para Angola (Alf -médico), ao que me parece saber em opção à faina do bacalhau que lhe teria sido proposta.
Entrementes, se não erro, o filho do meio, Alf Eng fica-se por Beirolas (material de guerra?).
Depois… bem, depois as dúvidas de meu Pai confirmaram-se e arranquei eu para a Guiné estando ainda meu irmão em Angola, a par do outro na Metrópole. Só dos Açores dei conhecimento por Bilhete Postal, o que quererá dizer que já estaria n Guiné quando meus Pais souberam! Achei, talvez mal, melhor assim. Explicarei posteriormente!
Assim, de 66 a 72 tiveram quatro filhos a prestar Serviço Militar, sendo que, em permanência e com sobreposições temporárias, um de três filhos mobilizado no Ultramar. Se fosse Enfermeira se calha nem a filha teria escapado! Não há dúvidas que, como tantos outros, a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam.
Tendo “chumbado” a Matemática e Física no sétimo ano e como “manobra de recurso“ não ter corrido nada bem a prova de desenho no Instituto Engª Porto (?) (actual ISEP), não me foi possível ingressar na Medicina ou na Engenharia Técnica. Ponderada a situação, com possibilidade de adiamento de incorporação e já a trabalhar, optei por me voluntariar para a tarefa militar, já que a guerra parecia estar para durar. Ganharia tempo e como militar passaria a poder ter mais uma época de exames (mais facilitados?), creio que em Janeiro, o que acabou por me não ser possibilitado.
É facto que, se tudo tivesse corrido normalmente, minha Mãe acabaria por ter tido razão e eu não teria talvez ido para aquela guerra, já que estaria a cursar. Assim, o meu destino imediato:
CALDAS DA RAINHA - RI 5
Chegado antes da hora estipulada, um magote de Mancebos aguarda ao portao de entrada, mirando-se na esperança de reconhecimentos. Claro que os houve, alguns até seriam das mesmas terras. Quanto a mim, conterrâneo e amigo, julgo que só o A. Varela.
Não recordo já o seguimento, talvez partes burocráticas e apresentação distribuição por Companhias. A mim coube-me a 3.ª
Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI5.
Distribuída a Companhia, houve que escolher o beliche e respectiva cama, situação que me parece recordar, resolvida sem conflitos, pela generalidade da Mancebagem!
Nova fase da vida:
INSTRUENDO
Dos Instrutores recordo o nome do 1.º Cabo Mil Op Esp Henrique(s), nariz meio ”apapaigado”, inicialmente incisivo e meio duro mas… compreensivo. A mandar ”encher"… era useiro e vezeiro!! Até que gostei dele! Do Capitão e do Alferes, não lembro nada. Do outro Cabo Mil, recordo as feições ao tempo arruivado, mas do nome???
Começam as formaturas, a Ordem Unida, as aulas em semicírculo de armas e outras…
A injecção mata-cavalo a uma 6.ª feira e o recambiamento para casa com instruções para mexer bem o braço!!!
Depois, as marchas, os obstáculos… enfim a dureza vai aumentando gradualmente, a par de um entrosamento mais confiante entre os deveres e obrigações e a própria hierarquia.
A minha/nossa guerra havia começado e estaria para ficar durante longos meses.
Luís Faria
____________
Nota do editor
Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"
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8 comentários:
OLÁ LUÍS,
COITADOS DOS TEUS PAIS QUE VIVERAM NUM SUFOCO TERRÍVEL DURANTE OITO ANOS...
MAS TUDO ACABOU POR CORRER BEM.
ABRAÇO
mm
Luis Faria
Também a minha mãe viu partir dois filhos em 24 horas. Um no dia 6 e outro no dia 7 de Maio de 1969, um para Angola outro para a Guiné, eu como era o mais novo e tinha sido o ultimo a ser mobilizado, poderia ficar por ser amparo de mãe, mas quando o meu irmão voltasse iria eu. Perante esta alternativa optámos por seguir tentar a sorte.
Um abraço
César Dias
Caro Luís
Também eu quando fui para a Guiné não disse a ninguém, pensando eu estupidamente que evitava tanto sofrimento à minha mãe. E então escrevi uma carta de Sta. Margarida no dia da partida já bem bebido foi pior a emenda que o soneto a minha mãe todos os dias à noite lia a carta e chorava até que omeu pai queimou a carta.É uma das coisas que eu fiz na minha vida de que muito me arrependo ainda hoje.Quanto ao fornecimento de carne para canhão os meus pais não ficaram atrás de 67 a 74 foram cinco mancebos, dois na Guiné um em Angola e dois ficaram cá mas o ultimo foi o 25 de Abril que o safou. Chegamos a estar um na Guiné outro em Angola e outro em Chaves ao mesmo tempo.Vidas.
Manuel Carvalho
ÀH! bom, Luís Faria.
Além de um e outro termos andado por Bula, também assentámos praça nas Caldas da Rainha.
Bonito, sim senhor.
armando pires
"... a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam." Seria bom que nunca esquecêssemos esse sentido patriótico.
A minha história difere da tua. No dia em que os meus pais e irmãos partiram para os EUA recebi a ordem da C. M. Horta para me apresentar em Tavira.
Só voltaria a reunir-me com a família cerca de 44 meses depois.
Abraço.
José Câmara
Viva Luís!
Em 9 de Janeiro de 69, um dia chuvoso, enquanto devia estar a receber a Gigliola Cinqueti (lembras-te?), abalava de Cascais com o meu amigo Tito Martins, para essa faina de defender a Pátria. Fui colocado na 6ª.Companhia, comandada por esse gordinho buliçoso de nome Vasco Lourenço, e no pelotão do tenete Clemente, um porreirão,e rapidamente tornei-me numa espécie de seu assessor. Havia ainda um cabo-miliciano de bom recorte moral e excelente trato, o Mourinho.
Ainda à civil, numa fila antes de receber o material, e já estava a dar nas vistas quando um furriel rangerizado vinha com duas ou três praças rapinar os petiscos que a malta carregava, à cautela.
Nunca tinha sido interno, mas comecei a dar barracas que podem ter sido decisivas para que o pelotão abrisse o desfile no dia do juramento, e talvez tenha valido um louvor ao tenente. Foi uma recruta de rebaldaria, mas de encenações eficazes, e constituíu excelente preparação para a guerra.
Fartei-me de reinar.
Aquele abraço
JD
O meu irmão esteve em Moçambique e como é mais velho que eu seis anos também a minha mãe pensou que a guerra acabaria antes de chegar a minha vez.
Grande erro.
Assim 8 dias antes de fazer 22 anos mais precisamente a 9 de Junho de 1971 entrei no CICA4 em Coimbra.
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