domingo, 29 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14414: Libertando-me (Tony Borié) (10): ...E mais os outros todos

Décimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste P14283:

Há algum tempo, o nosso companheiro António Graça Abreu, que também andou lá por Mansoa, comentando amavelmente um poste nosso, que o nosso “comandante” Luís salientou, dizia entre outras palavras, “Quanto ao Museu Dali de S. Petersburgo, na Florida, tive a sorte, e um desbragado prazer de o visitar, há menos de um ano, em Março de 2014. Aluguei um carro em Miami, viajei pela Florida durante seis dias (Everglades, crocodilos, astronautas, Cape Canaveral, Ferraris aos montes), a descoberta do universo, a ostentação dos ricos, made in America, o equilibrio dos pobres, made in Mexico. E mais os outros todos. America, fascínios do mundo”.

O António, companheiro com educação superior, pois foi oficial enquanto militar, segundo sabemos, escreveu alguns livros, viaja, tem poder de observação acima do normal, e nós, sentindo-nos honrados com o seu amável comentário, dizemos que ele fez um “retrato” quase fiel do estado onde eu vivo, que é a Florida, que tem um clima sub-tropical, onde a principal fonte de receita é o turismo. O apelido do estado é "Sunshine State", que quer dizer mais ou menos, estado, ou neste caso, "local com luz do sol”, é conhecido mundialmente pelas suas diversas atrações, que trazem anualmente mais de 60 milhões de turistas, vindos de outros estados e de outros países, normalmente, em férias, passeando, e claro, onde muitos milhares de pessoas têm residência, como segunda habitação, que na verdade, vêm passar temporadas por aqui, não se sabendo qual o nível de vida que levam em outras paragens, mas por aqui, é verdade, viajam nos tais “ferraris aos montes”, mas de todas as suas palavras salientamos aquela frase em que ele muito bem diz, “o equilibrio dos pobres, made in México”.

Tal como o nosso presidente Obama diz, “a discriminação está longe de acabar”, tem havido progressos, mas continua por aí, ela existe, embora hoje seja muito menor do que no passado, as novas gerações estão a ser educadas de maneira diferente, mas ninguém pode fechar os olhos, ela ainda anda por aí. Aqui, mesmo na cidade onde vivemos, pois assistimos à evolução dos empreendimentos que fizeram desta aldeia uma cidade, havia trabalhos onde era preciso sujar as mãos, estavam lá em baixo no “buraco” dois ou três emigrantes, não importava que fossem oriundos do México ou de outro qualquer país, e cá em cima estavam cinco ou seis pessoas, que podiam ser inspectores, encarregados ou representantes do sindicato, às vezes conversando.

Mas os emigrantes, principalmente oriundos da América do Sul, também se “colocam a jeito”, procuram isso, pois dada a sua situação, querem receber em “cash”, em “el contado”, não se importando de receber menos, e claro, alguns empreiteiros, ambiciosos e menos escrupolosos, tiram vantagem dessa situação, mas de uma maneira geral, o emigrante, seja pela cor, pela língua que fala, pois tem sotaque na voz, é sempre olhado de uma maneira diferente, por aquele que se diz “Americano”, embora o seu bisavô ou pai do seu bisavô, tenha vindo da Europa ou do Oriente.

O pensamento do emigrante em geral, pelo menos aquele que é oriundo da América do Sul, está sempre no seu País, vem aqui por algum tempo, por épocas, levando todos os seus ganhos consigo, de regresso ao seu país, onde em muitas situações, continua a sua família. Aqui na Florida, já se vai notando pouco, mas na California, pelo menos na área de Los Angeles, os emigrantes oriundos da América do Sul vivem na cidade e arrabaldes, mas é outro mundo, é o “mundo deles”.

Um dia, viajando na companhia de nossa esposa e companheira, da cidade de Orlando, aqui da Florida, para Los Angeles, ao fim de algumas horas, vendo filmes, lendo por uma dezena de vezes o nosso roteiro, vendo pela janela do avião lá ao fundo uma paisagem seca de planícies e algumas pequenas montanhas, conversávamos com a pessoa que ia ao nosso lado esquerdo, que parecia pessoa de negócios, pois ia lendo e fazendo contas no computador, e nos questionou porque é que íamos para Los Angeles, deixando um estado tão agradável como o da Florida, pois em Los Angeles parte da população é de raça “Hispânica”, onde nós, compreendendo a “maldade” da pergunta, logo lhe respondemos que era só para ver do ar o cruzamento das auto-estradas, que nesta cidade chegam a ter seis andares de estradas, que seguem em diferentes direcções.


Quanto a nós entendemos perfeitamente que lá vivam muitos “Hispânicos”, que falem castelhano, pois a cidade de Los Angeles, a quem carinhosamente chamam pelas iniciais “LA”, é a segunda cidade mais populosa dos Estados Unidos, estende-se por 1300 quilómetros quadrados no sul da Califórnia, está classificada como a 13.ª área metropolitana do mundo, foi fundada em 1781, em nome da “Coroa de Espanha”, o seu nome inicial era muito grande, parecido com aqueles nomes de pessoas nobres, que em pequenos aprendemos na história de Portugal, pois chamava-se, “El Pueblo de Nuestra Señora la Reina de los Angeles del Rio de Porciúncula”, tornando-se parte do México em 1821 após a sua independência da Espanha, depois houve a Guerra Mexicano-Americana, e Los Angeles e o resto da Califórnia foram adquiridos como parte do “Tratado de Guadalupe Hidalgo”, tornando-se parte dos Estados Unidos.

O nosso roteiro era sair da cidade e ir na direcção ao norte, pela estrada número 1, que segue ao longo do Oceano Pacífico até ao estado de Oregon, onde vimos muitas quintas, com os tais “Hispânicos”, apanhando vegetais e fruta. Para isso, ao sair do aeroporto, tomámos um autocarro que nos levaria aos balcões das companhias de “Carros de Aluguer”, que sempre cheios, com uma fila de pessoas esperando, uma simpática pessoa, com uma camisa com o emblema de determinada companhia de carros de aluguer, ouvindo-nos falar em português, nos falou em língua castelhana, questionando-nos, mais ou menos com estas palavras, “por que estão nesta linha de “Gringos”, subam aqueles degraus, e logo ali alguém vos providencia o arrendamento de um veículo, e lá, falam castelhano ou portunhol e, é mais barato”. Na verdade existe em Los Angeles, nas periferias da cidade, “Los Barrios” onde habitam os “Chicanos”, onde todo o comércio, assim como o estilo de vida, é igual, como qualquer aldeia, de qualquer país da América do Sul, que são pessoas que emigraram e não só, desse continente, principalmente do país vizinho México e, “os outros”, os tais Americanos, que embora habitem na cidade, não falam o idioma castelhano, que na sua linguagem são os “Gringos”.

Não nos queremos alongar muito, pois isto era assunto para muitos mais postes, mas quase todo o trabalho manual na agricultura, tanto aqui, no estado da Florida, como em outros estados do sul até ao estado da California, é feito por essas sofredoras pessoas, que se sujeitam a receber menos, a trabalhos sujos e cansativos, vivem em muito más condições, mas sempre é melhor que nos seus países de origem, onde não existem muitos meios de sobrevivência.
Para finalizar, dizemos o que vai na mente de quase todos nós, para fazerem uma ideia da coragem dessas pessoas, um dia atravessámos a fronteira para a cidade de Tijuana, no México, para lá é livre, é só atravessar o portão, para cá é impossível passar, só com documentos e autorização para trabalhar, por isso, quando colocamos alguma fruta ou vegetais na nossa mesa de jantar, o nosso reconhecimento é muito grande para com essas corajosas e sofredoras pessoas.

Agora sim, vou terminar, pois está na hora ir fazer uma salada com morangos, que hoje comprei na feira, nos arrabaldes da cidade de St. Agustine, morangos frescos, cultivados aqui na Florida e, apanhados e vendidos por uma família “Hispânica”, que me pediu dois dólares por um cesto cheio, dizendo, “são dois pésitos”.

Tony Borie, Abril de 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14397: Libertando-me (Tony Borié) (9): Este fui eu

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Caríssimo Tony

Através dos teus relatos sempre se vai conhecendo mais um pouco do mundo...
Mas, deixa-me que te diga, o que descreves do comportamento dos emigrantes, dos preconceitos para com eles, das dificuldades que enfrentam, das suas atitudes, etc., não são nada diferentes daquilo que conhecemos relativamente aos nossos compatriotas quando foram para as 'franças', as 'alemanhas', os 'luxemburgos', as 'suiças'. Tudo quase tal e qual.

Gostei de saber da tua compra do "cesto cheio" de morangos frescos por "dois pésitos", dois dólares... e de como manifestas o respeito pelo esforço desses 'hombres'...

Por outro lado, não sabendo exactamente o tamanho do cesto, não é fácil calcular o preço do quilo.... Por aqui, por esta altura, anda mais ou menos por 1,60 Euros o meio quilo... e são morangos criados e crescidos nas estufas espanholas, cuidados por emigrantes marroquinos e cheios de produtos para 'ficarem grandes'...

Por outro lado, não evitei deixar de sorrir quando me lembrei dessa medida do "cesto cheio", que é equivalente às medidas daqui dos pescadores da muralha do rio Sado que são o "balde cheio" e o "balde meio". Não é referido o tamanho do balde... daí que sempre se pode 'aumentar a pescaria' sem mentir muito...

Abraço.
Hélder S.

José Botelho Colaço disse...

Obrigado Tony por mais um bate papo o teu modo de escrita devora-se muito fácil é como se estivesse-mos a beber um café a contar uma história de um para outro, ou lá na terra sentados numa pedra.
Um abraço
Colaço.

Antº Rosinha disse...

Tony, enquanto houver repúblicas das bananas, não faltarão cultivadores de «morangos» para os norte americanos que têm dólares para os comprar.

Os únicos que se zangaram foi o Fidel e Guevara, mas parece que estes já vão regressar à cultura da «banana».

Enfim, quem se põe a jeito...!

Cumprimentos

Tony Borie disse...

Olá companheiros.
Bom dia, por aqui desperta a manhã e, dá indícios de que vai ser um dia quente!.
Hélder, um "cesto cheio", de morangos, é mais ou menos 2 libras, talvez um pouco mais, o preço depende da época, assim como as laranjas, maçãs, tomates ou pepinos, que também vendem ao cesto, mas maior, sendo o preço entre dois ou três dolares, pois é "feira", até se pode "regatear", que por aqui chamam "mercado das pulgas", porque também vendem, entre outras coisas, roupa usada, que dizem que às vezes traz pulgas!.
José Botelho Colaço, os teus simpáticos comentários, incentivam-me e dão coragem, obrigado, pois todos precisamos, além de saúde, sobretudo de muita coragem, nesta idade de "ouro"!.
António Rosinha, conhecedor do fenómeno "emigração", da vida de África, talvez também do resto do mundo e das pessoas, é verdade, "enquanto houver república das bananas, não faltarão, cultivadores de morangos" e a nós, sobretudo aos nossos filhos ou netos, cumpre-nos contribuir para que essas corajosas pessoas possam ter direito a uma vida melhor!.
Olhem, vou tomar algum sumo de fruta e vou preparar a bicicleta para dar uma volta , antes que o sol, e com ele o calor, me façam vir de novo para casa!, para apanhar algum fresco!.
Um abraço para todos companheiros,
Tony Borie.

JD disse...

Caro Tony,
Só agora li este teu relato sobre a América e, tal como os restantes sublinharam, também aprecio e aprendo contigo alguma coisa do americam way of live.
Um abraço
JD