sexta-feira, 17 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17150: Notas de leitura (937): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (2) (Mário Beja Santos)


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Não conheço historiador mais atento a tudo quanto se publica sobre África Lusófona do que René Pélissier. É bem possível que ele todo os dias ande a vasculhar em blogues como o nosso e em todas as casas editoriais europeias. O certo é que ele lê e comenta o que se publica e ajuda-nos a conhecer o pouco que se vai editando sobre a Guiné. Ele pede aos antigos combatentes que façam as suas edições de autor que não se esqueçam de lhe enviar os seus trabalhos para: Editions Pélissier, 20 Rue des Alluets, 78630 Orgeval, França.
Temos depois, o autor terá a grata surpresa de ver os seus comentários publicados numa imprensa especializada já que, como é do domínio público, os grandes gigantes da edição permanecem indiferentes a todo o tipo de literatura e estudos científicos sobre a guerra colonial, aquele espaço de martírio e onde houve tanta esperança revolucionária deixou de estar na moda.

Um abraço do
Mário


As leituras de René Pélissier acerca da Guiné (2)

Beja Santos

René Pélissier tem o dom de escavar e encontrar pepitas de ouro, e no que tange à Guiné a sua voracidade bibliográfica surpreende sempre. Continuamos a respigar o que ele sobre a Guiné plasma em "Portugal Afrique Pacifique", edição de autor, 2015 (para os interessados: Editions Pélissier, 20 Rue des Alluets, 78630 Orgeval, França; email do autor viapelbooks@wanadoo.fr).
Já aqui se falou no precioso álbum organizado por Mário Matos e Lemos sobre “O primeiro fotógrafo de guerra português José Henriques de Mello. Guiné: Campanhas de 1907-1908”. Obra que me provocou emoção, referia-se a território que percorri palmo, o Cuor. Quando o régulo Infali Soncó decidiu fechar o trânsito do Geba, os políticos de Lisboa aperceberam-se que a questão era mesmo grave, aquela rebelião podia levar ao colapso do comércio da colónia. Por isso o governo deliberou enviar tropa europeia e macuas de Moçambique. José Henriques de Mello fotografou as tropas em Bissau e depois no Cuor, onde houve combates e o régulo fugiu. São imagens impressionantes. É pena este álbum editado em 2009 pela Imprensa da Universidade de Coimbra estar completamente esgotado.

Outra preciosidade é um guia turístico espanhol, “Rumo à Guiné-Bissau” de José Luis Aznar Ferrández, Barcelona, 2010. Pélissier comenta que consagrar mais de 200 páginas a um país que não acolherá muitos visitantes hispanófobos por ano é uma intenção louvável de editor e de autor, por aqui pululam traficantes colombianos que mais não leem que banda desenhada e livros de contabilidade com droga transacionada. Pélissier considera este autor imbatível nas suas descrições minuciosas dos principais locais merecedores de visita. É um autor que não deixa de elogiar a hospitalidade, a xenofilia dos guineenses. E na mesma recensão, o autor fala-nos de uma obra merecedora da nossa atenção, “Mami Wata, Mãe das Águas, Natureza e Comunidades do Litoral Oeste-Africano”, por Pierre Campredon, França, 2010. O autor é um ecologista naturalista fascinado pelas zonas costeiras oeste-africanas e das populações que vivem na Mauritânia, no Senegal e na Guiné-Bissau. Disserta sobre a vida económica do arquipélago dos Bijagós e chama a atenção para a necessidade de preservar as espécies faunísticas do arquipélago, ameaçadas pela pesca industrial. Pélissier espera que a criação da reserva de biosfera do arquipélago Bolama-Bijagós não chegue demasiado tarde.

Recorda Gérard Chaliand e o seu La pointe du coteau, Robert Laffont, 2011, de já se fez aqui recensão. Em Maio de 1966, Chaliand entrou no território da Guiné através do Casamansa, fez-se prontamente amigo e admirador de Cabral. Pélissier passa de Chaliand para um livro de Rui Jorge Semedo, ponto de vista, Pedro e João Editores, Brasil, 2009, e pergunta o que é que diria Cabral se lesse este livro. Rui Semedo faz uma verificação desesperada da situação da sua pátria, a Guiné-Bissau, cerca de 40 anos depois da morte de Cabral. E cita-o: “As principais atividades económicas da Guiné são: tornar-se ministro, traficante de droga, entrar em revoltas militares ou na corrupção, no peculato e no desvio de bens públicos”. Um geólogo à procura de diamantes, pôs-se ao caminho em países africanos como a Costa do Marfim, o Gabão, o Mali e entrou na Guiné-Bissau em 1978. Essas memórias parecem publicadas com o título Reflets de Brousse, por Jean-Louis Marroncle, Editions Edilivre, Paris, 2010. Outra surpresa: as memórias do padre Abel Gonçalves, missionário na Guiné cerca de 20 anos, o título da obra é Catarse (Ordem da Trindade, Rua da Trindade, 115, Porto, 2007. Descreve o seu ministério religioso primeiro como padre capelão junto de tropas do Exército, entre Maio de 1967 e Maio de 1969, e depois no Hospital Militar de Bissau.

Tem agora a precedência um livro de Lourenço da Silva intitulado Les Héros de la Guinée-Bissau, L’Harmattan, Paris, 2012, cidadão da Guiné, alto funcionário. O seu livro não é nem de história nem de ciência política, é uma espécie de biografia apologética e ditirâmbica de Nino Vieira. Pélissier leu atentamente o relato de Idálio Reis a CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné. Gandembel/Ponto Balana, uma revisitação a um pesadelo para o qual nunca ninguém deu uma explicação: montar um quartel longe da população e no corredor da morte, é de facto um dos documentos mais arrasadores da estratégia montada pelo Estado-Maior de Schulz. O pesadelo acabou em 28 de Janeiro de 1969 com a evacuação de Gandembel, uma posição fustigada centenas de vezes, em que a reação, pela força das coisas teria sempre que ser meramente defensiva. Uma palavra para Guinée, 22 Novembre, 1970. Opération Mar Verde, de Bilguissa Diallo, L’Harttman, 2014, um livro que Pélissier considera útil para completar tudo o que tem sido publicado em Portugal sobre o assunto. A autora é filha de um antigo oficial guineense que esteve envolvido na tentativa de golpe de Estado. Na obra procura-se reabilitar muitas figuras do FLNG – Frente de Libertação Nacional da Guiné.

Um comentário final para este maratonismo de René Pélissier que abarca toda a África Lusófona, é um esforço incansável para repertoriar tudo o que se publica pelo mundo fora. Bem entendido, há obras que aqui não se referem escritas em línguas não acessíveis ao leitor comum, caso de Branco Pelele, publicado por um finlandês na Alemanha, mas inteiramente redigido em Finlandês e consagrado às experiências e à vida quotidiana de uma voluntária humanitária na Guiné-Bissau. Enfim, quem quiser estar atualizado sobre este vasto caleidoscópio de edições tem mesmo que ter na mão estas mais de 500 páginas de Portugal Afrique Pacifique.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2017 Guiné 61/74 - P17131: Notas de leitura (936): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

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