segunda-feira, 13 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17131: Notas de leitura (936): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um tomo bem pesado daquele que será o grande maratonista internacional de recensões das antigas colónias portuguesas. A seleção que aqui se pretende fazer é de obras estrangeiras que possam interessar ao investigador ou curioso, sem deixar de dar a palavra a alguns escritores que Pélissier não esconde a boa apreciação. Também eu não escondo a minha profunda admiração por este investigador que continua ágil e ativo debruçado sobre o período colonial e pós-colonial. É caso para dizer que desejo longa vida a todos aqueles que não perderam o entusiasmo por aquilo que é o estudo aturado do antigo Império colonial português.

Um abraço do
Mário


As leituras de René Pélissier acerca da Guiné (1)

Beja Santos

“Portugal Afrique Pacifique” é o mais recente livro de René Pélissier, tão referenciado que está no nosso blogue por se tratar do investigador estrangeiro que melhor conhece a literatura portuguesa na vertente da guerra colonial. Trata-se de uma edição de autor (quem pretender adquirir a obra pode dirigir-se: René Pélissier, Éditions Pélissier, 78630 Orgeval, França).
Trata-se de um livro que é um instrumento de trabalho destinado a bibliotecários, investigadores, livreiros, colecionadores e simples curiosos. É uma obra com mais de 500 páginas, inclui crónicas e miscelâneas, Angola e Moçambique têm a fatia de leão, mas Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Índia e Timor são também contemplados. Obviamente que ficaremos centrados na problemática guineense, vamos ser surpreendidos com uma série de obras sobre as quais nunca tínhamos ouvido falar. Logo à cabeça, “Navigating terrains of war. Youth and soldiering in Guinea-Bissau”, Berghahn Books, Oxford, 2006. O autor aborda em antropologia social um problema muito circunscrito: porquê, como e com quais resultados um adolescente, pobre, marginal e violento, se envolve numa milícia paramilitar – os Aguentas, em 1998-1999 – para apoiar o presidente Nino Vieira? O autor fez o inquérito de 16 meses e considera-se apto a responder à questão. A Guiné-Bissau é um país sem esperança onde a única aspiração de um jovem sem trabalho é de emigrar para a Europa com prioridade para Portugal. Segundo o autor, os políticos atuais exacerbam as rivalidades entre Papéis e Balantas, eles querem manter-se no poder e enriquecer. Muitos dos entrevistados deploram a saída dos portugueses em que havia estabilidade e prosperidade. Tantos mortos e tantos horrores para se chegar a isto!

Segue-se outra obra que desconhecia inteiramente, “Navigating youth, generating adulthood. Social becoming in an African context”, por Catrine Christiansen e Mats Utas e Henrik Vigh, Instituto Nórdico de África, Uppsala, 2006. Nesta obra examina-se a situação em que os Papéis estão no epicentro sangrento da resistência local à quarta campanha de Teixeira Pinto. “Os contos navais” de Joaquim Chaves Ubach, Xlibris Corporation, EUA, 2006 é outra revelação. O autor é um antigo oficial da Armada que andou nos rios e rias da Guiné entre 1965 e 1967. Descreve as suas operações nas rias do Sul, Cacine (no rio Grande de Buba, Cacheu e Mansoa). A impressão que sai desta leitura é que o PAIGC estava muitíssimo bem equipado em artilharia e alvejava implacavelmente as embarcações portuguesas.

“A difusão do nativismo em África, Cabo Verde e Angola, séculos XIX e XX", por José Marques Guimarães, África Debate, Lisboa, 2006 é uma história de intelectualidade crioula, analisa-se a relação entre os movimentos independentistas brasileiros contra Portugal e, de outro lado, o separatismo latente das elites crioulas nas duas colónias atlânticas mais evoluídas. O autor segue os meandros destas pequenas células de intelectuais, por vezes proprietários de escravos ao longo do século XIX, até ao fim da primeira república, 1926. O mérito deste trabalho de Marques Guimarães é de situar numa perspetiva transatlântica ampla elementos dispersos.

A obra seguinte intitula-se “The life, thought and legacy of Cape Verde’s freedom fighter Amilcar Cabral. Essays on his liberation philosophy”, The Edwin Mellen Press, Lewiston, Nova Iorque, 2006. Marxista pragmático, Amílcar Cabral inflamou a esquerda terceiro-mundista de seu tempo. Este agrónomo tudo apostou num projeto de união contranatura entre o arquipélago de Cabo Verde e a Guiné. Tanto na Praia como em Bissau a sua memória continua a ser respeitada, mas, curiosamente, é sobretudo nas universidades negras dos Estados Unidos se se estuda o seu pensamento. É aqui que parece que Amílcar Cabral sobrevive.

Mudamos de longitude. Para os amadores da história oral têm muito peso as narrativas e crónicas relativas ao nascimento, evolução do reino de Kaabu e o seu desaparecimento. Um par de investigadores holandeses estudou a batalha de Kansala (em que os Fulas derrotaram os Mandingas no território da Guiné Portuguesa, em 1867) e procuram uma boa cronologia onde se possa fazer a distinção entre o mítico e aquilo que está incontestavelmente certificado. René Pélissier faz largas referências a livros de que aqui já se fizeram recensão, como o "Diário de Luís de Matos, Memória dos dias sem fim", de Luís Rosa, e o esplêndido álbum “O primeiro fotógrafo de guerra português", José Henriques de Mello. "Guiné: campanhas de 1907-1908", por Mário Matos e Lemos, trata-se do primeiro diário de campanha é a primeira das monografas militares mais completa que conhecemos, neste período. Fica ainda uma referência ao livro “O tempo e o espaço em que vivi”, por Miguel Urbano Rodrigues, Campo das Letras, Porto, 2002. Este jornalista desvela os seus contactos em 1961 em Conacri com alguns nacionalistas angolanos. Este mesmo autor refere que os acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda, não foram o resultado de um plano amadurecido, utilizava-se a presença de jornalistas estrangeiros que estavam à espera do paquete Santa Maria, apanhado por Henrique Calvão. É uma contradição com a vulgata ulterior do MPLA, que propagandeava a sua participação no assalto às cadeias. Miguel Urbano Rodrigues não esconde a sua grande admiração por Amílcar Cabral tanto como pensador como humanista. Uma última referência para a obra de António Duarte Silva, “Invenção e construção da Guiné-Bissau”, Edições Almedina, 2010. O autor procede a um estudo das primeiras organizações protonacionalistas, traz aspetos novos. Introduz uma iluminação na nebulosa das versões antagonistas do massacre de 3 de Agosto, dito do Pidjiquiti. As responsabilidades apontam para António Carreira, ao tempo gerente da Casa Gouveia em Bissau. Resta dizer que Carreira veio desdizer publicamente que tivera quaisquer responsabilidades nos atos da polícia e do exército. É uma obra que se concentra sobre certas temáticas, por exemplo o golpe de estado de Novembro de 1980, as constituições de 1984 e 1993, a etnicidade, o carrossel político depois do conflito de 1998-1999.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série 10 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17124: Notas de leitura (935): Autóctones guineenses e portugueses: Contactos sempre difíceis, dos primórdios à independência (Mário Beja Santos)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

O inefável camarada Beja Santos e o modo do Pélissier, que nunca foi à Guiné, fazer a nossa História.
Diz René Pélissier:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

René Pélissier, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007.

Até quando, Mário Beja Santos, esta admiração pelos Pelissiers e cia?. Até foste buscar o Miguel Urbano Rodrigues, um homem do estalinismo requentado e, um homem do PCP que até o Álvaro Cunhal acusava, entre camaradas, de esquerdismo primário.
Mário, é a nossa História toda em viés, ou ao contrário, numa visão de esquerda delirante e reaccionária. Claro que não defendo o colonialismo, nem
os dez mil defeitos desta nossa gente portuguesa, em derivas existenciais, guerreiras e temporais por um mundo que já não existe.
Mas não te dói o coração, não te dói o respeito, não te dói a dignidade que, todos nós, ex-combatentes na Guiné, merecemos?

Abraço,

António Graça de Abreu

António Graça de Abreu