Lisboa, campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 7 de setembro de 2007 >
Neste rosto luminoso e fraterno, há carisma, afabilidade, determinação, coragem física e moral, visão estratégica e capacidade de liderança, seis qualidades pessoais que eu identificava e admirava no engº agrº Carlos Schwarz da Silva (1949-2014), mais conhecido por Pepito ("nickname" que vem dos tempos da meninice: segundo o irmão João, o Carlos tinha um herói, uma das figuras de banda desenhada do "Cavaleiro Andante", o Agapito, um nome com 4 sílabas, difíceis de pronunciar por uma criança, e que ele abreviava, chamando-lhe "Pepito").
Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > A palmeira cresceu, está vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... Sempre que passo por ela, lembrou-me do Pepito e da sua face luminosa, e continuo a sentir o vazio da sua ausência.
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Morreu há 4 anos, em 18 de fevereiro de 2014. Era filho de Artur Augusto Silva (1912-1983) e de Clara Schwarz da Silva (1915-2016). Filho e mãe eram (e continuam a ser) membros da nossa Tabanca Grande. O Pepito era líder, assumido por ele, aceite e respeitado por aqueles que com ele trabalhavam, nomeadamente na ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento. Conheci-o em 16/2/2006. Era um líder, muito mais do que um chefe. Aprendeu, seguramente como seu pai, a conhecer e a amar a cultura e a sabedoria dos povos da Guiné. Acreditou, até talvez 1991, no projeto político do PAIGC. Em 1998, com a guerra civil, teve que recomeçar tudo de novo. Era um homem despojado, do dinheiro, das honrarias, do poder... (*)
Era um grande amigo nosso, que nos continua a fazer muita falta, era uma extraordinária ponte entre nós, antigos combatentes, e o povo da Guiné-Bissau de hoje... Orgulho-me da sua amizade e vejo que a foto que eu lhe tirei, em 2007, ficará para sempre associada à sua memória... Era, em 2007, um Pepito "luminoso", em grande forma, cheio de projetos e de esperança, aquele que eu fotografei à sombra da palmeira da minha Escola, que entretanto cresceu largos metros...em altura.
Há cerca de um mês atrás, o seu nome (e a sua memória) veio à baila, por causa da "relação especial" que ele teria com os felupes... Na realidade, não era exclusiva, essa relação: ele trabalhava com toda a gente, exceto com os 'esbirros' do 'Nino' Vieira ou os 'ninjas' do Kumba Ialá... Trocámos alguns comentários sobre a sua ação em prol do desenvolvimento dos povos da Guiné, no poste P18236 (**) que reproduzimos mais abaixo. E o Cherno Baldé levanta uma questão interessante (mas incómoda): será que os guineenses o amavam e o reconheciam como guineense ?
Eu sei que ele tinha horror aos "demónios étnicos" que, qual caixinha de Pandora, se vez em quando dilaceravam a "sua" Guiné, a "sua" terra... Mas agora queremos apenas lembrar, para os mais novos, ou recém chegados à Tabanca Grande, a data da sua morte, prematura, em Lisboa, em 18/2/2014 (***). E homenageá-lo com um poema do seu pai, Artur Augusto Silva. É retirado, justamente, de um livrinho de que o Pepito foi um dos coordenadores, editado em Bissau, a título póstumo, em dezembro de 1997, pelo Institituto Camões, Centro Cultural Português da Guiné.Bissau.
O CHEFE
Cântico à maneira Fula
AO FERREIRA DE CASTRO
por Artur Augusto Silva
Que o som dos tambores inflame as minhas palavras;
que o grito dos guerreiros exalte o meu ardor
e a aprovação das mulheres
cubra este canto,
como as árvores cobrem as feridas dos heróis.
Como um tornado que passa pela floresta,
quebra os altos ramos
e faz tombar as grandes árvores,
assim Monjur passava entre os inimigos...
Como o raio que cai dos céus
e derruba a maior árvore da floresta,
assim Monjur vencia os poderosos.
Como a água tépida que escorre pelos corpos cansados
e faz reviver o coração,
assim Monjur governava o seu povo.
Com a rapidez da gazela das lalas
correu por toda a terra dos Fulas
o nome de Monjur
e Alá teve medo dele,
receou as suas vitórias e a sua santidade,
e resolveu que morresse.
Nesse dia o povo Fula
chorou o seu chefe,
e Alá dormiu descansado.
Alá, tu que és grande como a terra
e poderoso acima de todos,
tu que sabes o passado e o futuro
e tudo vês,
restitui-nos o grande chefe,
que te daremos doze carneiros brancos
e cinco bois,
e sete nozes de cola,
e um cabaço de almoço.
In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu poemas. Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português, 1997, p9. 59-61.
2. Comentários ao poste P18236 (**)
Antonio Rosinha
A geração de Artur Santos Silva (1912), dada a África, que se dizia popularmente de «africanistas», e que como ele apoiaram a candidatura de Norton de Matos contra Salazar, não viam o anticolonialismo como prioridade, nem como um fim a atingir. Eram essencialmente anti-salazaristas.
Havia em Angola muitos angolanos e cabo-verdeanos, como ele, onde ele também esteve no Governo de Angola, que tinham uma ideia muito precisa do que era preciso fazer e concertar nas colónias, mas não passava tudo de um sonho, naquele turbilhão que se apoderou de África no pós desgraça da II Guerra Mundial.
31 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (12): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)
Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > A palmeira cresceu, está vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... Sempre que passo por ela, lembrou-me do Pepito e da sua face luminosa, e continuo a sentir o vazio da sua ausência.
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Morreu há 4 anos, em 18 de fevereiro de 2014. Era filho de Artur Augusto Silva (1912-1983) e de Clara Schwarz da Silva (1915-2016). Filho e mãe eram (e continuam a ser) membros da nossa Tabanca Grande. O Pepito era líder, assumido por ele, aceite e respeitado por aqueles que com ele trabalhavam, nomeadamente na ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento. Conheci-o em 16/2/2006. Era um líder, muito mais do que um chefe. Aprendeu, seguramente como seu pai, a conhecer e a amar a cultura e a sabedoria dos povos da Guiné. Acreditou, até talvez 1991, no projeto político do PAIGC. Em 1998, com a guerra civil, teve que recomeçar tudo de novo. Era um homem despojado, do dinheiro, das honrarias, do poder... (*)
Era um grande amigo nosso, que nos continua a fazer muita falta, era uma extraordinária ponte entre nós, antigos combatentes, e o povo da Guiné-Bissau de hoje... Orgulho-me da sua amizade e vejo que a foto que eu lhe tirei, em 2007, ficará para sempre associada à sua memória... Era, em 2007, um Pepito "luminoso", em grande forma, cheio de projetos e de esperança, aquele que eu fotografei à sombra da palmeira da minha Escola, que entretanto cresceu largos metros...em altura.
Há cerca de um mês atrás, o seu nome (e a sua memória) veio à baila, por causa da "relação especial" que ele teria com os felupes... Na realidade, não era exclusiva, essa relação: ele trabalhava com toda a gente, exceto com os 'esbirros' do 'Nino' Vieira ou os 'ninjas' do Kumba Ialá... Trocámos alguns comentários sobre a sua ação em prol do desenvolvimento dos povos da Guiné, no poste P18236 (**) que reproduzimos mais abaixo. E o Cherno Baldé levanta uma questão interessante (mas incómoda): será que os guineenses o amavam e o reconheciam como guineense ?
Eu sei que ele tinha horror aos "demónios étnicos" que, qual caixinha de Pandora, se vez em quando dilaceravam a "sua" Guiné, a "sua" terra... Mas agora queremos apenas lembrar, para os mais novos, ou recém chegados à Tabanca Grande, a data da sua morte, prematura, em Lisboa, em 18/2/2014 (***). E homenageá-lo com um poema do seu pai, Artur Augusto Silva. É retirado, justamente, de um livrinho de que o Pepito foi um dos coordenadores, editado em Bissau, a título póstumo, em dezembro de 1997, pelo Institituto Camões, Centro Cultural Português da Guiné.Bissau.
O CHEFE
Cântico à maneira Fula
AO FERREIRA DE CASTRO
por Artur Augusto Silva
Que o som dos tambores inflame as minhas palavras;
que o grito dos guerreiros exalte o meu ardor
e a aprovação das mulheres
cubra este canto,
como as árvores cobrem as feridas dos heróis.
Como um tornado que passa pela floresta,
quebra os altos ramos
e faz tombar as grandes árvores,
assim Monjur passava entre os inimigos...
Como o raio que cai dos céus
e derruba a maior árvore da floresta,
assim Monjur vencia os poderosos.
Como a água tépida que escorre pelos corpos cansados
e faz reviver o coração,
assim Monjur governava o seu povo.
Com a rapidez da gazela das lalas
correu por toda a terra dos Fulas
o nome de Monjur
e Alá teve medo dele,
receou as suas vitórias e a sua santidade,
e resolveu que morresse.
Nesse dia o povo Fula
chorou o seu chefe,
e Alá dormiu descansado.
Alá, tu que és grande como a terra
e poderoso acima de todos,
tu que sabes o passado e o futuro
e tudo vês,
restitui-nos o grande chefe,
que te daremos doze carneiros brancos
e cinco bois,
e sete nozes de cola,
e um cabaço de almoço.
In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu poemas. Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português, 1997, p9. 59-61.
2. Comentários ao poste P18236 (**)
A geração de Artur Santos Silva (1912), dada a África, que se dizia popularmente de «africanistas», e que como ele apoiaram a candidatura de Norton de Matos contra Salazar, não viam o anticolonialismo como prioridade, nem como um fim a atingir. Eram essencialmente anti-salazaristas.
Havia em Angola muitos angolanos e cabo-verdeanos, como ele, onde ele também esteve no Governo de Angola, que tinham uma ideia muito precisa do que era preciso fazer e concertar nas colónias, mas não passava tudo de um sonho, naquele turbilhão que se apoderou de África no pós desgraça da II Guerra Mundial.
Cherno Baldé
Tambem sou admirador dos Felupes, do seu orgulho e tenacidade, em especial das suas dançaas tradicionais, mas achei muito exagerados todos esses adjectivos que não correspondem à verdade:
(i) melhores em quê? Pela sua capacidade sistemática de furtivamente matar e comer os viajantes que inadvertidamente se aventuravam nos seus territórios ?
(ii) mais puros ? Qual seria o critério ? Em Africa tudo é aparente, tudo relativo e surpreendentemente tão comum. Entre Banhuns, Diolas, Baiotes e Bijagós, todos eles vizinhos, o diabo que venha e escolha o pior ou o melhor, dependendo das circunstâncias e de que ponto de vista sáo vistos;
(iii) mais corajosos ? Na Guiné é uma tarefa extremamente difícil julgar esta faceta e por etnia. Todas as etnias tiveram seus heróis e gestas. Na Guiné todos reconhecem a bravura Felupe, mas dentro do seu minúsculo território de pântanos e tarrafes, pois nunca sairam destes limites.
E a afirmação de que foram as maiores vítimas da escravatura, parece-me sem fundamento e contraria à afirmação anterior de que seriam mais corajosos.
O engº Pepito nunca escondeu a sua predileção pelos povos do litoral que considerava mais genuínos, mais puros, mais honestos, os Nalus, os Felupes, mas eram suas convicçoes pessoais q~ue não correspondem, necessariamente, à nossa realidade.A realidade é muito mais complexa.
(...) E, paradoxalmente, quanto maior era o amor que ele lhes dedicava, maior era o ódio e o desprezo destes povos do litoral para com os Europeus e tudo o que representavam. Apesar do imenso amor e sacrifício consentido em prol dos mesmos, não creio que estes tenham compreendido e o tenham reconhecido e aceitado como seu filho ou ainda como Guineense, filho da terra. A Guiné tem destas coisas, impossíveis de entender.
Luís Graça
Cherno, o Pepito era sportinguista e guineense como tu... Ele nem sequer tinha dupla nacionalidade... E levou uma bandeira do Sporting e outra da Guiné-Bissau na urna que foi diretamente para o crematório...
O amor aos felupes (e aos nalus) era igual ao dos fulas... Sabias que ele tinha uma ilha no rio Corubal oferecida pelo Cherno Rachid, de Aldeia Formosa ? E o pai dele tinha igualmente grandes amigos entre os "homens grandes" do teu povo...
Se calhar fui eu que adjetivei de mais... Devemos ser sempre cautelosos e comedidos no uso do superlativo relativo de superioridade quando falamos de povos e de atributos... Tens razão nas tuas críticas... Ao divinizar un, estamos a diabolizar outros...
Cherno Baldé
Eu trabalhei com ele, lado a lado, quando foi Ministro das Obras Públicas (1999/2000), na altura eu era Director Executivo do Fundo Rodoviário, constatei de perto o seu patriotismo, seriedade e afinco no trabalho, homem simples que nunca usava gravata, que o incomodava. Ainda, eu era estudante em Bafatá e já o conhecia de nome em Contuboel, como Director do DEPA (1978/80). Não é isso que está em causa.
A questao é a seguinte: Sera que o seu sacrifício foi compreendido e reconhecido? Será que aqueles Guineenses "puros e autênticos" o reconheciam como seu filho, irmão, Guineense igual a eles?
Não esquecer que a primeira constituição guineense aprovada após a abertura politica (1992?) não reconhecia o próprio Amílcar Cabral como filho legítimo da Guiné-Bissau e com ele muitos e muitos outros, dos chamados "Burmedjos".
José Teixeira
Tive a felicidade de acompanhar de perto a vida do saudoso Pepito nos últimos 6 anos da sua vida. É verdade que ele tinha afeição especial pelos Felupes, no que respeita a seriedade, assunção de compromissos e como povo trabalhador. Tinha na região onde os Felupes são maioritários, vários projetos de desenvolvimento e a sua relação com eles era de Grande homem grande, mas dinamizava projetos independentemente da etnia, por ex. em Ingoré ( Balantas e Fulas) sem distinção de raças.
Tambem sou admirador dos Felupes, do seu orgulho e tenacidade, em especial das suas dançaas tradicionais, mas achei muito exagerados todos esses adjectivos que não correspondem à verdade:
(i) melhores em quê? Pela sua capacidade sistemática de furtivamente matar e comer os viajantes que inadvertidamente se aventuravam nos seus territórios ?
(ii) mais puros ? Qual seria o critério ? Em Africa tudo é aparente, tudo relativo e surpreendentemente tão comum. Entre Banhuns, Diolas, Baiotes e Bijagós, todos eles vizinhos, o diabo que venha e escolha o pior ou o melhor, dependendo das circunstâncias e de que ponto de vista sáo vistos;
(iii) mais corajosos ? Na Guiné é uma tarefa extremamente difícil julgar esta faceta e por etnia. Todas as etnias tiveram seus heróis e gestas. Na Guiné todos reconhecem a bravura Felupe, mas dentro do seu minúsculo território de pântanos e tarrafes, pois nunca sairam destes limites.
E a afirmação de que foram as maiores vítimas da escravatura, parece-me sem fundamento e contraria à afirmação anterior de que seriam mais corajosos.
O engº Pepito nunca escondeu a sua predileção pelos povos do litoral que considerava mais genuínos, mais puros, mais honestos, os Nalus, os Felupes, mas eram suas convicçoes pessoais q~ue não correspondem, necessariamente, à nossa realidade.A realidade é muito mais complexa.
(...) E, paradoxalmente, quanto maior era o amor que ele lhes dedicava, maior era o ódio e o desprezo destes povos do litoral para com os Europeus e tudo o que representavam. Apesar do imenso amor e sacrifício consentido em prol dos mesmos, não creio que estes tenham compreendido e o tenham reconhecido e aceitado como seu filho ou ainda como Guineense, filho da terra. A Guiné tem destas coisas, impossíveis de entender.
Luís Graça
Cherno, o Pepito era sportinguista e guineense como tu... Ele nem sequer tinha dupla nacionalidade... E levou uma bandeira do Sporting e outra da Guiné-Bissau na urna que foi diretamente para o crematório...
O amor aos felupes (e aos nalus) era igual ao dos fulas... Sabias que ele tinha uma ilha no rio Corubal oferecida pelo Cherno Rachid, de Aldeia Formosa ? E o pai dele tinha igualmente grandes amigos entre os "homens grandes" do teu povo...
Se calhar fui eu que adjetivei de mais... Devemos ser sempre cautelosos e comedidos no uso do superlativo relativo de superioridade quando falamos de povos e de atributos... Tens razão nas tuas críticas... Ao divinizar un, estamos a diabolizar outros...
Cherno Baldé
Eu trabalhei com ele, lado a lado, quando foi Ministro das Obras Públicas (1999/2000), na altura eu era Director Executivo do Fundo Rodoviário, constatei de perto o seu patriotismo, seriedade e afinco no trabalho, homem simples que nunca usava gravata, que o incomodava. Ainda, eu era estudante em Bafatá e já o conhecia de nome em Contuboel, como Director do DEPA (1978/80). Não é isso que está em causa.
A questao é a seguinte: Sera que o seu sacrifício foi compreendido e reconhecido? Será que aqueles Guineenses "puros e autênticos" o reconheciam como seu filho, irmão, Guineense igual a eles?
Não esquecer que a primeira constituição guineense aprovada após a abertura politica (1992?) não reconhecia o próprio Amílcar Cabral como filho legítimo da Guiné-Bissau e com ele muitos e muitos outros, dos chamados "Burmedjos".
José Teixeira
Tive a felicidade de acompanhar de perto a vida do saudoso Pepito nos últimos 6 anos da sua vida. É verdade que ele tinha afeição especial pelos Felupes, no que respeita a seriedade, assunção de compromissos e como povo trabalhador. Tinha na região onde os Felupes são maioritários, vários projetos de desenvolvimento e a sua relação com eles era de Grande homem grande, mas dinamizava projetos independentemente da etnia, por ex. em Ingoré ( Balantas e Fulas) sem distinção de raças.
No Sul o Rei dos Nalus assumiu-o como filho e era com este velho rei que ele se aconselhava, a quem chamava pai. Outro povo que acarinhou foi o Tanda, uma pequena etnia protegida pelos Fulas de Iemberem.
Em suma, promovia projetos de desenvolvimento onde as populações tinham carências e aceitavam trabalhar nos projetos em parceria, sem distinção de raças. Claro que com as tabancas onde a população não colaborava, o Pepito não avançava.
Testemunhei vários momentos gratificantes de acarinhamento ao Pepito em diversas tabancas de predominância étnica diversa. Claro que centrava a sua atividade nas áreas mais afastadas dos centros de decisão, e de acessos mais difíceis, onde naturalmente havia mais carência, Como o Norte (predominância Felupe) e o Sul (Cantanhês) onde a predominância se repartia entre Fulas Balantas, Nalus e outros. Ele chegava à Tabanca, sentava-se à sombra dum mangueiro e ouvia os mais velhos, e as mulheres sobre as suas necessidades, sonhos e projetos, organizava-os e propunha parcerias de atuação fazendo-os comprometerem-se com os projetos, por exemplo as escolas EVA - Escola de valorização ambiental geridas pela a sua esposa Isabel. Acesso à água, melhoria das condições ambientais e de apoio à saúde.
3. Artur Augusto Silva (1912-1983): nota biográfica
(i) nasceu na Ilha da Brava, a 14 de outubro de 1912;
(ii) viveu os primeiros anos em Farim, na Guiné;
(iii) estudo em Lisboa, onde tirou a licenciatura em Direito (1938);
(iv) ainda estudante, fundou (e foi director de) a revista “Momento”, equivalente à coimbra “Presença”:
(v) ainda enquanto estudante, publicou vários artigos, fez jornalismo, organizou e promoveu saraus literários, exposições de arte moderna, conferências culturais;
(vi) em 1939, partiu para Angola, onde trabalhou como Secretário do Governador Geral, Manuel Marques Mano;
(vii) de 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em Porto de Mós:
(viii) Em 1949, partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e substituto do Delegado do Procurador da República;
(ix) foi também membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral, de quem era grande amigo;
(x) participou, com esposa, dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), e outras figuras da elite local, na fundação do futuro liceu de Bissau, Honório Barreto;
(xi) fez estudos sobre os usos e costumes jurídicos de algumas etnias como os Fulas (1958), Feluopes (1960) e Mandingas (1969);
(xii) visitou vários países africanos, e foi defensor de presos políticos, nos início da década de 1960 em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, todos acusados de subversão, teve apenas duas condenações;
(xiii) era seguido pela PIDE desde os anos 40; em 1966, foi preso à chegada ao aeroporto de Lisboa; esteve cinco meses em Caxias sem culpa formada:
(xiv) libertado por intervenção de Marcelo Caetano e de outros responsáveis políticos, que o admiravam como homem de carácter, mesmo discordando das suas ideias políticas, foi proibido regressar à Guiné, ficando com residência fiixa em Lisboa;
(xv) regressou à Guiné-Bissau, em 1976, tendo sido convidado pelo então Presidente Luís Cabral para trabalhar como juiz no Supremo Tribunal de Justiça; também foi professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau;
(xvi) faleceu em Bissau a 11 de julho de 1983.
____________
Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
3. Artur Augusto Silva (1912-1983): nota biográfica
(i) nasceu na Ilha da Brava, a 14 de outubro de 1912;
(ii) viveu os primeiros anos em Farim, na Guiné;
(iii) estudo em Lisboa, onde tirou a licenciatura em Direito (1938);
(iv) ainda estudante, fundou (e foi director de) a revista “Momento”, equivalente à coimbra “Presença”:
(v) ainda enquanto estudante, publicou vários artigos, fez jornalismo, organizou e promoveu saraus literários, exposições de arte moderna, conferências culturais;
(vi) em 1939, partiu para Angola, onde trabalhou como Secretário do Governador Geral, Manuel Marques Mano;
(vii) de 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em Porto de Mós:
(viii) Em 1949, partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e substituto do Delegado do Procurador da República;
(ix) foi também membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral, de quem era grande amigo;
(x) participou, com esposa, dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), e outras figuras da elite local, na fundação do futuro liceu de Bissau, Honório Barreto;
(xi) fez estudos sobre os usos e costumes jurídicos de algumas etnias como os Fulas (1958), Feluopes (1960) e Mandingas (1969);
(xii) visitou vários países africanos, e foi defensor de presos políticos, nos início da década de 1960 em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, todos acusados de subversão, teve apenas duas condenações;
(xiii) era seguido pela PIDE desde os anos 40; em 1966, foi preso à chegada ao aeroporto de Lisboa; esteve cinco meses em Caxias sem culpa formada:
(xiv) libertado por intervenção de Marcelo Caetano e de outros responsáveis políticos, que o admiravam como homem de carácter, mesmo discordando das suas ideias políticas, foi proibido regressar à Guiné, ficando com residência fiixa em Lisboa;
(xv) regressou à Guiné-Bissau, em 1976, tendo sido convidado pelo então Presidente Luís Cabral para trabalhar como juiz no Supremo Tribunal de Justiça; também foi professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau;
(xvi) faleceu em Bissau a 11 de julho de 1983.
____________
Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
18 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15765: Efemérides (216): O Pepito deixou-nos há 2 anos... Retenho a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural, um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que, perante a adversidade, sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"... (Luís Graça)
7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...
7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...
(**) Vd. poste de 21 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18236: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) -Parte XI: Mulheres e bajudas (3): homenagem à felupe (poema de Artur Augusto Silva)
(...) Para o Pepito, os felupes eram a melhor etnia da Guiné, os mais puros, os mais autênticos, os mais valentes, os mais leais... E é bom lembrar que foram, historicamente, as grandes vítimas do esclavagismo. Povo ribeirinho, era caçado pelos temíveis mandingas e vendidos aos negreiros europeus... O memorial da escravatura, no Cacheu, muito deve ao Pepito, que infelizmente já nºao viveu o suficente para assistir à sua inauguração, em 2016. (...)
(***) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18357: Efemérides (269): 30 de julho de 1969, quando o famigerado comandante Mamadu Indjai (, um dos carrascos de Amílcar Cabral), quis pôr Candamã, a última das duas tabancas do regulado do Corubal, a ferro e fogo... Recordando um raro e precioso vídeo sobre uma tabanca fula em autodefesa, da autoria de Henrique Cardoso, ex-alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), que vive hoje na Senhora da Hora, Matosinhos
9 comentários:
Quatro anos!
Uma sentida homenagem ao Eng. Carlos Schwarz, que conheci em Lisboa através de um seu colega de curso, antes de estar com ele em Bissau no tempo em que integrava o governo de Francisco Fadul.
Alberto Branquinho
Cherno, a ascendência guineense do Pepito remontavam ao séc. XIX. Recorde-se o que escreveu no seu testamento intelectual ("A SOMBRA DO PAU TORTO", por Carlos Schwarz, julho de 2008):
(...) "Em 1948, um ano antes de eu nascer o meu pai regressava à Guiné-Bissau, onde vivera em Farim a sua infância e, onde tal como os meus avós que lá haviam aportado no final do século XIX, se prendeu pelos encantos e tranquilidade destas paragens. Pressionado pela perseguição política da Ditadura de Salazar e desiludido com a derrota do Movimento de Unidade Democrática [MUD], procura em África aquela paz de consciência que o mundo europeu não lhe podia dar.
Com a minha mãe Clara e meus irmãos Henrique e João volta a nascer, entusiasmado com esta terra e suas gentes, tal como a família dos meus avós maternos renasceram do Gueto de Varsóvia e dos campos de concentração nazis. Saem da Polónia para Portugal para tudo começar de novo." (...)
Será que ele era "menos" guineense por denunciar os "demónios étnicos" do 'Nino' Vieira e do Kumba Ialá ? Ou, mais prosaicamente, por ser filho de "caucasiano" cabo verdiana, e de portuguesa, de ascendência judia, polaco pelo lado do pai, russa pelo lado da mãe ?
Se os portugueses tivessem que fazer o teste do ADN, para "mostrar" que são portugueses, estavam tramados... Ainda há tempos um casal amigo meu, ela de Vila do Conde ou Póvoa do Varzim, ele do Marco de Canaveses, fizeram um teste de ancestralidade na América, onde vive um dos seus filhos... Resultado, ela descobriu que tinha "sangue negro" e ele "sangue judeu"...
(...) "Com o Golpe de 14 de Novembro de 1980 reintroduziu-se na história da Guiné a divisão étnica: no início a divisão era entre caboverdianos, apelidados de cavaleiros, e guineenses, chamados de cavalos. Esquecendo-se os seus promotores que. uma vez estabelecida a primeira divisão étnica, outras se lhe seguiriam, surge a estigmatização dos balantas, tanto mística com o fenómeno iang-iang, como política com o caso Paulo Correia, prosseguindo com a divisão entre muçulmanos e animistas, e mais recentemente entre os naturais da cidade e os da tabanca. Tudo isto em função da conveniência e interesse da estratégia do líder político da ocasião." (...)
A 2011 a nossa amiga Gilda Pinho Brandão, luso-guineense, de Catió, fula pela mãe, portuguesa pelo pai, deu-nos conta da "hostilidade" ou "animosidade com que foi recebidfa em Arouca, por alguns familiares seus, do lado paterno:
(...) "Pelo menos a minha filha já ficou a conhecer alguns familiares do avó de quem só sabia o nome, viu fotografias do tio avô e conheceu alguns primos e eu já sei um pouco mais da história do homem que foi o meu pai e, dou-me por satisfeita e feliz, a Márcia já pode fazer a sua árvore genealógica, com os nomes dos bisavós, avós e alguns tios.
Há duas semanas atrás uma das filhas do meu pai, como sabe que o meu primo se dá connosco, foi ter com ele para tentar saber como é que eu era, onde vivia, etc., no fim de tudo isso vira-se para ele e diz que só acredita que eu sou filha do pai dela se fizer um teste de ADN. Podem esperar sentados, pois a palavra da minha mãe Mariboi e do meu avó paterno estão acima de qualquer teste.
Peço desculpa por toda esta lenga lenga, mas só agora é que tive disponibilidade para lhe contar esta minha aventura por terras de Arouca." (...)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/03/guine-6374-p8001-o-mundo-e-pequeno-e.html
O construtor de Sonhos
Desistir é perder, recomeçar é vencer.
Carlos Shwartz (Pepito)
Pepito, o construtor de Sonhos,
Sentado à sombra de um mangueiro,
Ouvia serenamente o seu povo a sonhar,
E com ele sonhava, construindo –
Dava luz às suas ideias, alimentava os seus projetos,
Ouvindo –
E continuava a sonhar um mundo diferente –
Desafiava-os a seguir em frente,
Sorrindo –
Sorrisos de esperança repartidos
Como raios de sol suave e ardente,
Penetrante –
Fonte de vida. Alimento
Para o seu povo, sedento
De paz, pão, trabalho e dignidade,
E assim, de mãos dadas com ele,
Ganhavam forças para construírem o caminho
Da felicidade.
Partia, então, no seu pesado passo,
De homem cansado de tanto lutar,
Saltando de tabanca em tabanca,
Leve como um passarinho a esvoaçar,
Construindo sonhos num país adiado
Para o seu povo que teima em acreditar
Que consigo a seu lado é possível a mudança.
O construtor de sonhos
Era para o seu povo da Guiné
Um sinal de esperança –
Com muita saudade do Zé Teixeira
Catarina Schwarz:
Olá Luís,
Não me parece que essa questão seja sequer relevante.
O meu pai viveu plenamente, deu o melhor de si para as causas em que acreditava.
Nunca foi uma pessoa que procurasse validação externa.
Aliás, o primeiro conselho que ele me deu quando comecei a trabalhar, foi "não faças as coisas à espera de reconhecimento".
O que eu acho Luís, opinião pessoal, é que o preconceito relativamente à cor, à "raça" e ao sexo só servem para desviar a atenção do que realmente interessa.
Beijinhos e obrigada pelo post dos 4 anos.
Catarina
Catarina, obrigado, pela tua opinião sincera e pessoal...
Também estou de acordo contigo: é uma questão acessória...Não diria que é uma não-questão, uma vez que a discriminação na base do fenótipo, do género, da orientação sexual ou da religião, existe (mas também da idade, da deficiêmcia, da doença crónica, etc.) e não é fácil de prevenir e combater... Os esterótipos têm raízes muito fundas na experiências e culturas dos grupos humanos...
Espero que a tua filha escreva numa Guiné-Bissau mais tolerante e aberta... Bj. Luis
João Schwarz [Paris]
5 mar 2018 10:50
Caro Luís
E sempre com muito prazer que venho dar uma volta pelo seu blogue. Desta vez foi também com muita emoção que li o poste sobre o Pipito. Aquele sorriso tão afável só pode vir de uma pessoa que olha para todos com igual dignidade. Não penso que ele tenha tido alguma preferência pelos felupes. Em todos os povos da Guiné ele só via o que de melhor um ser humano é capaz.
Um grande abraço
João
Reconheço que é uma poderosa armadilha falarmos no plural sobre "nós", os "portugueses", os "chineses", os "felupes", os "alentejanos", os "homens", as "mulheres"...
Porque é que, ainda hoje, operamos a distinção entre felupes, nalus, mandingas, biafadas, papéis... e outros grupos étnicolinguísticos da Guiné-Bissau ? A culpa é dos sociólogos e antropólogos ao serviço do poder... São tiques que bos vêm do tempo "colonial": os meus soldados eram fulas, os balantas é que eram os grandes orizicultores, o Pepito gostava mais dos povos do litoral, etc.
Esta operação de discriminação, por razões de descrição e enumeração, encerra riscos... Às tantas estamos a fazer comparações, a adjetivar, a objetivar, a relativizar, a fazer juizos de valor... E aí, sim, caímos, quase sem querer, no estereótipo, no preconceito, no racismo, na xenofobia...
A estupidez, o preconceito, a sobranceria, a violência, a intolerância, o ódio e tudo o mais que pertence à infernália da malvades nos seres humanos... não são atributos dos povos, são de alguns indivíduos...
Patrício Ribeiro
6 mar 2018 12:38
Bom dia,
Acabei de chegar há alguns minutos das Ilhas. Não dei para ler tudo o que escreveram.
Na semana passada, assisti a uma missa dos 4 anos na Sé Catedral de Bissau, onde estavam alguns amigos [do Pepito].
Abraço
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