Bafatá nos anos 70, instalações da Sociedade Nacional Ultramarina
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Estamos no auge da segunda guerra, é assombroso como se fazem relatos minuciosos sobre a produção de arroz, tanto de Bissau como Bolama estão atentíssimos ao que se produz, crescem as necessidades e levantam-se problemas de exportação; o gerente de Bolama, nesse ano decisivo da transferência da capital da colónia, tece hossanas à navegação aérea naquele local onde se instalou a Pan-Am e faz mesmo conjeturas daquela placa giratória nesse tempo glorioso dos hidroaviões. É nisto que o gerente de Bissau apresenta os protestos do governador que se queixa da luminosidade da fachada do banco, mesmo em frente do edifício onde trabalha, e o gerente pede ao pormenor tudo o que é necessário para duas de mãos de cinzento, para que o senhor governador não fique mais ofuscado...
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (25)
Beja Santos
O relatório de exercício de 1940 da filial de Bolama adita uma curiosa informação sobre os meios de transportes na ainda capital. Quanto à via marítima, operavam dois vapores do Estado, fazendo carreiras semanais entre a capital e Bissau e ligando as diversas ilhas do arquipélago dos Bijagós. A via área trazia uma novidade: um pequeno avião, propriedade do aeroporto, fazia a ligação entre Bolama e Bissau e outros pontos da colónia que dispunham de campo de aterragem. No porto de Bissau estabelecera-se a companhia americana de navegação aérea, a Pan-American Airways Company, aproveitando o aeroporto de Bolama, em desenvolvimento para as carreiras de Lisboa América do Norte. Esperava-se que esta companhia fizesse paragem neste porto, dentro do mês de Novembro ou Dezembro, mas até à data o acontecimento não tivera realidade. A falta de embarcação para o reabastecimento dos aparelhos, como gasolina e óleo, fizera demorar a presença da Pan-Am. Mas o relatório adiantava que a companhia aérea superaria essa falta com a construção de uma grande jangada que suportando enormes tanques teria facilidade em abastecer os aparelhos. Era grande a espectativa para Bolama:
“Dos resultados que para este porto possam advir desta carreira ainda não podem ser avaliados, mas espera-se que venham a beneficiar grandemente esta cidade e esta colónia. Dos americanos, gerente e empregados da companhia que aqui se encontram, uns para ficar e outros que vieram para estagiar e fazer preparativos, nada se consegue saber. Nós aguardamos para ver os resultados”.
Entre 1940 e 1941 cruzam-se ainda relatórios de Bolama e Bissau, a agência e a filial, mesmo dispondo de um encarregado geral pretendiam mostrar serviço a Lisboa. Veja-se um curioso texto, alusivo à situação do mercado, saído de Bolama, é a primeira parte do relatório de 1940:
“Arroz – Abriu a campanha do mês de Janeiro último. As chuvas faltaram em algumas regiões de Tombali. Em Cubumba e Cabelol e para os lados de Caboxanque os arrozais foram plantados já tarde.
Na altura das colheitas, começou a aventar-se que era escassa a produção desse ano, o que logo ao nosso regresso à colónia fomos verificar pessoalmente, correndo algumas tabancas cuja produção conhecíamos dos outros anos. Realmente os celeiros não tinham muito arroz mas quem quisesse ver encontraria as medas nas bolanhas, à espera de condução e debulha.
O indígena produtor de arroz, vendo o preço exagerado da mancarra, estava a jogar, à espera que lhe fizessem preço relativo, sob o ponto de vista de acréscimo, ao seu produto. O pequeno comerciante, o que compra diretamente ao indígena, queria convencer também o industrial que havia muita falta de arroz, para este lho pagar melhor, caso lhe quisesse comprar.
As autoridades, caladas mas agradando-lhe este estado de coisas de onde poderia resultar mais dinheiro na mão do indígena e este poderia pagar mais e melhor os seus impostos. O governo da colónia, confidencialmente nos foi dito, pediu ao ministério das colónias notícias sobre futuros, preços de arroz, na metrópole. Se fossem mais altos, obrigavam-se aqui os compradores a pagar mais caro.
Sobre exportação, nada se sabe. O Senegal deve precisar de arroz porque lhe há de faltar navegação que transporte o arroz da Indochina e que costuma ficar, em Dakar, mais barato que o arroz da Guiné!!! A Gâmbia precisa de 6 a 7 mil toneladas de arroz e já o pede mas quer barato porque o indígena não tem dinheiro para pagar mais que no ano passado pagou o arroz das colónias francesas e algum das inglesas que para lá ia”.
Não deixa de ser elucidativo o relatório de Bolama referente a 1941. Descreve o pessoal da filial; fala da natureza e valor das importações e exportações, logo adiantando que “Tendo sido transferida para Bissau a Repartição de Estatística foi-nos impossível colher os elementos necessários ao desenvolvimento do movimento geral de importância e exportação que transitou pelas alfândegas da Guiné; quanto a transportes, relativamente à via marítima, havia dois vapores do Estado, já velhos, para passageiros e carga, lanchas à vela e motor das casas exportadoras e a ligação de Bolama para Bissau e algumas circunscrições é feita por pequenos vapores, o “Geba” e o “Bolama”.
Falando da via aérea, crê-se ser do maior interesse reproduzir a informação de gerente da filial:
“Um pequeno avião que liga a colónia em serviço de governador, servindo oficiais e alguns particulares, quando urgentes e de extrema necessidade. A Pan-Am liga esta colónia com a metrópole pelo porto de Lisboa e com as Américas do Sul e o Norte, pelo porto de Natal e Belém, no Brasil. Dá-nos esta empresa oportunidade para dizer a V. Exas., depois de ouvirem pessoas que de perto acompanham o seu movimento, o seguinte.
A esta importante sociedade norte-americana de navegação aérea concedeu já o governo português grandes facilidades para a utilização do aeroporto de Bolama. A importância destas facilidades torna-se cada vez mais evidente pela posição de Bolama em relação ao continente americano e as distâncias que a separam dos aeroportos de Natal e Belém e ainda com escala para futuras ligações dentro do continente africano. A mesma sociedade criou este ano mais algumas bases de escala neste continente, entre elas uma no Lago Fischerman, na Libéria, e outra no Congo Belga, prevendo-se para um futuro próximo grandes carreiras aéreas transoceânicas.
Na impossibilidade de conseguir que os capitais portugueses se arrisquem a empresas desta natureza, é de louvar a atitude do governo português facilitando à Pan-Am o estabelecimento destas carreiras. Todas as facilidades concedidas são poucas se considerarmos não só o desenvolvimento que pode advir para Bolama, mas também que na Libéria, República criada pela América do Norte, situado um pouco ao Sul da Guiné, tendo eles toda as facilidades e só este aeroporto pode ser preferido pelas condições naturais e pelo seu apetrechamento.
Não devemos esquecer também que a ocasião é a mais própria para eles se estabelecerem em Bolama, devido ao estado de guerra em que a maior parte das nações estão envolvidas.
Um pouco mais ao Norte da Guiné está o importante porto de Dakar, que já tirou a navegação marítima a S. Vicente do Cabo Verde e não se poupariam os franceses a esforços para tirarem a navegação aérea de Bolama, se não houvesse a guerra.
Portanto, repetimos, todas as facilidades são poucas, dada a importância destas carreiras e dos benefícios que delas pode vir a ter a Guiné”.
E continua a exaltar Bolama e o transporte aéreo:
“Antes de terminar a guerra é que se deve intensificar o apetrechamento do aeroporto de Bolama, onde já o governo gastou milhares de contos apesar de pouco se ver feito.
A maior parte dos maquinismos e aparelhos para serviço do aeroporto encontram-se ainda encaixotados e armazenados, por montar, nos armazéns da alfândega, embora já despachados há mais de ano.
Concluídas as obras que faltam no aeroporto de Bolama, é de esperar que os americanos, para não terem de gastar mais dinheiro na Libéria, escolham Bolama, não só para escala, como para entroncamento das carreias transoceânicas”.
E o gerente presta informações sobre arrendamentos à Pan-Am e de que a comissão municipal já tinha oferecido à empresa um terreno nas proximidades do banco, para eles ali construírem, mas nada resolveram.
Em 30 de Julho de 1941, segue de Bissau um ofício assinado por Virgolino Teixeira que tem o seu algo de caricato:
"Sua Excelência o Governador instalou o seu gabinete no edifício em frente ao nosso.
A ação do tempo e o sol descoraram a tinta da nossa frontaria, que está agora muito clara e é um perfeito espelho que reflete intensa luz dentro do gabinete do senhor governador, prejudicando muito. Sua Excelência desejaria que a frontaria do nosso prédio fosse pintada de escuro, desejo este que solicitamos a V. Exa. que nos deixe atender.
Mas aqui não há tintas capazes e as que aparecem melhores, mal aplicadas, já estão estragadas pelo sol intenso.
Deste modo, agradecemos que V. Exa. nos mande remeter tinta de óleo boa, cor cinzenta muito escura, para cobrir uma superfície de 400 metros quadrados e o preparo respetivo para se aplicar uma primeira camada de suporte para a tinta boa.
Aquela tinta cinzento-escuro deve vir em quantidade que permita darem-se, pelo menos, duas demãos.
Seria útil que tudo viesse remetido com urgência para aproveitarmos uns operários que vieram da Europa fazer os acabamentos em edifícios do Estado.
Por outro lado, a instalação das repartições em frente do banco tornou a casa completamente devassada.
Por esta razão, pedimos licença para fazermos aqui 7 estores de cujo custo daremos depois conta e não será exagerado”.
Os despachos apostos, em Lisboa trazem as devidas contas e a administração questiona mesmo se o assunto não é mesmo urgentíssimo…
(Continua)
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Notas do editor:
Poste anterior de 2 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18373: Notas de leitura (1045): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (24) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 5 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (Mário Beja Santos)
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