sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21562: A arte guineense, fula e mandinga: o legado do império do Mali ou da arte sudanesa (Cherno Baldé / António J. Pereira da Costa / Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Pel Rec Daimler 2046 (maio de 1968/fevereiro de 1970) > A Rosinha, então com 18 anos... Era a lavadeiar do alf mil cav Jaime Machado... Não sabemos se era cristã... Os brincos e o fio que usa ao pescoço não seriam arte mandinga, inclinamo-nos para a hipótese de serem pechisbeque importado... Os trabalhos do ourives de Bafatá, o Tchame, mandinga, eram caros, podiam custar centenas ou até milhares de pesos... Os guineenses tinham um fascínio pelo ouro, em especial pelos nossos fios de ouro com crucifixo.

Quanto ao penteado da Rosinha, parece-nos mandinga... Será ? De qualquer modo, não é de uma mulher grande, é de uma bajuda. Os penteados africanos obedecem a uma gramática bem estruturada...

Foto (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Setor de Galomaro > Dulombi > 1972 > O chefe da tabanca, com o traje usado durante o período do Ramadão: usa ao peito um colar de prata, trabalho que só podia ser de ourives mandinga: há várias teorias sobre a funcção da caixinha. uns dizem que servia para guardar amuletos e outros "roncos";  outros, como o Cherno Baldé, dizem que era uma espécie de "guarda-joias" ambulantes, sobretudo no caso das mulheres...


Região de Bafatá > Setor de Galomaro > Dulombi >   CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) >  O alf mil Luís Dias empunhando uma "longa". usada para a  caça grossa... Não sabemos sea confeção é fula, mandinga ou europeia...

Fotos (e legendas): © Luís Dias (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O alf mil at art Jorge Cabral, ao peito um amuleto de origem fula ou mandinga, e mais dois, um à cintura e outro no direito direito...  

A função dos amuletos de guerra era "fechar (blindar) o corpo" contra as balas do inimigo... Todos combatentes, em todas as guerras, são "supersticiosos", sejam cristãos, mulçulmanos, judeus, crentes ou não crentes... E mal deles se não desenvolvem uma "idelogia defensiva" que os proteja contra o medo... Todas as profissões de risco (, dos médicos aos pilotos de aviação...) têm estratégias de "racionalização" para lidar com os "riscos"...

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P21559 (*):

(i) Cherno Baldé:

Como podem notar, a arte entre fulas e mandingas é um prolongamento da arte do então chamado Sudão Ocidental com o centro em Mali que, após a independência e durante alguns anos o teria adoptado como nome oficial do país. 

O Mali, como império e centro de cultura na Árica Ocidental, de modo geral, foi zona de apropriação e expansão da religião muçulmana e das artes dos povos árabes.

Respondendo à questão dos colares em prata, a vossa dedução é lógica e faz sentido, pois que as caixinhas teriam sido feitas para alguma utilidade como guardar e/ou transportar pequenas coisas de valor e uso pessoal. 

Da minha experiência em criança, tenho visto em ocasiões de festas a minha mae abri-la e retirar de lé dinheiro em moedinhas de prata (poucas), brincos das filhas mais pequenas e até pedaços de cola. 

No caso dos homens, certamente, era mais para ronco, como diz o Tozé, sem excluir a possibilidade de transportar amuletos ou guardas, não sendo todavia uma prática muito usada, porque estes, normalmente, eram considerados adornos modernos e de luxo ao alcance de poucos e também pouco propícios para albergar ou atrair poderes de protecção. Para isso era utilizado exclusivamente a pele (couro) dos animais.

O Canhangulo [etimologia: do quimbundo, Angola ] em Crioulo da Guiné-Bissau é "Longa", e em fula é "Noku-low", quer dizer (a arma de) "carregar à mão". 

O meu avô materno tinha uma igual e era carregada, salvo erro, pela boca com um chifre de boi, utilizando um pequeno cabo para empurrar e compactar a pólvora.

Quanto ao termo "cafala" (bainha de alfange),  é de origem árabe e pode ter diferentes significados, entre os quais de protecção (bainha) ou de adopção no sentido da protecção social ou familiar,  muito usado no seio das tribos árabes do Próximo e Mêdio Oriente. 

O mesmo se poderá dizer do termo Alfange [árabe al-kanjal: sabre largo e curvo].

Pode ser que tenham outros nomes nas línguas fula ou mandinga, mas não conheço. Eu nasci na época das armas automáticas e nunca tive nenhuma curiosidade ou fascínio por armas dos séculos passados.

(ii) António J. Pereira da Costa:

Também tenho esse artesanato. (*)

Os enfeites das kafalas [ou cafalas] de couro eram feitos de palha - ou ráfia - cosida nuns golpes dados no cabedal.

Há alguém que saiba para que servem aquelas caixas redondas penduradas nos fios de prata? É só ronco ou transportam alguma coisa?

(iii) Valdemar Queiroz: 

Quase todos soldados fulas da minha CART 11 usavam "amuletos",  envolvidos em couro. Tenho um com cerca de 7 cm envolvendo uma presa ou corno, só com a ponta à vista, de forma triangular para pendurar ao pescoço.

Nós também usavámos as nossas medalhinhas nos fios ao pescoço e até santinhos que as nossas mães metiam nas nossas carteiras. 

A propósito de medalhinhas, o soldado Mamadu Cano, do meu Pelotão, quando eu vim de férias pediu-me para lhe trazer de Lisboa "fio doro com cruz", provavelmente por ver muitos de nós com um crucifixo. Evidentemente que me esqueci desta e de muitas outras "traz-me de Lisboa".
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Notas do editor:

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Blogue Catorze de Maio > 19 de junho de 2020 > Hugo Ferreira Zambukaki [São Paulo] (com a devida vénia]

A HISTÓRIA POR TRÁS DAS TRANÇAS.

A Trança Africana, especificamente a nagô, é bastante antiga na África. Penteados com tranças abrangem um amplo terreno social: religião, parentesco, estado, idade, etnia e outros atributos de identidade podem ser expressados em penteado. Tão importante quanto o desenho é o ato da trança, que transmite os valores culturais entre as gerações, exprime os laços entre amigos e estabelece o papel do médico profissional.

Há uma grande variedade de estilos tradicional de tranças africanas, que vão desde curvas complexas e espirais para a composição estritamente linear. Pode parecer estranho olhar um modelo de trança e comparar a geometria, mas estes são os estilos bastante tradicionais na África. A matemática faz parte do penteado Africano e, como muitos outros africanos no Novo Mundo (escravidão), o conhecimento sobre ele sobreviveu.

Termos étnicos como Nagôs, Angolas, Jejes e Fulas representavam identidades criadas pelo tráfico de escravos, e cada termo continha um leque de tribos escravizadas de cada região. Nagô era o nome dado a todos os negros da Costa dos Escravos que falavam o Iorubá. Mas muita gente não sabia que as divisões e reconhecimentos de cada um era feito devido a seu penteado que contém sempre um mapa para ajudar nas suas longas caminhadas e traçados.

Na Grécia, e depois em toda a Europa durante a Idade Média (essa é outra história que vou contar pra vocês depois), a trança foi adotada pela maioria das mulheres.

No início do século XV, com a escravidão das sociedades africanas, o cabelo exerceu a importante função de condutor de mensagens. Nessas culturas, o cabelo era parte integrante de um complexo sistema de linguagem. A manipulação do cabelo era uma forma resistência e de manter suas raízes. Coisa que nos dias atuais vem tendo um grande poder não só nas mulheres e sim na sociedade como um todo.

As tranças serviram como pano de fundo de diversos movimentos como, Marcha dos Direitos Civis nos Estados Unidos, o aparecimento de movimentos negros como o Black Power e os Panteras Negras, que lutavam pelos direitos e enaltecem a cultura afro.
African United movimento que visa a volta dos negros às suas raízes.

Na década de 70, em meio ao movimento hippie, a cultura negra ficou em evidência. Movimentos negros originados da reunião de seus afrodescentes mostraram sua marca e cultura. Além do Black Power, as tranças e os dreadlocks, também se destacaram. O movimento Hippie, com sua variedade, possibilitou a diversidade de culturas. E naquela época, os afrodescendentes ficaram em evidência, mas foi pelo ano 2000 que as tranças dominaram, fazendo a cabeça de todo mundo e com isso vieram as apropriações culturais.

Apropriação cultural é a adoção de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo cultural diferente. Ela descreve aculturação ou assimilação, mas pode implicar uma visão negativa em relação a aculturação de uma cultura minoritária por uma cultura dominante. Não é porque está na moda que devemos sair fazendo sem saber de onde veio e sua história. Todo lugar tem sua cultura e deve ser respeitado. Usar tranças designa origem e demonstra o orgulho por sua história.

“Minhas tranças são minha coroa, nunca diga que tá tentando criar coragem de fazer um dia no carnaval, pois minha história não é fantasia.” – Juliana Henrik

Obs: os dreads não vieram da Jamaica, do movimento Rastafári ou com Bob Marley, e sim da Índia. Mas foram os jamaicanos que propagaram o penteado. A palavra dreadlock usada pelos Rastas vem da união das palavras lock (o penteado com tranças) e dread (a pessoa que usa a trança).

Fernando Ribeiro disse...

Eu fiquei encantado com as imagens que documentam a arte oeste-africana de trabalhar os metais, sejam eles metais preciosos, sejam eles ligas de ferro como o aço. Afinal quem é civilizado, quem é?

Por essa razão, não entendo a legenda referente à fotografia do canhangulo ou longa, nomeadamente a parte que afirma: «Não sabemos se a confeção é fula, mandinga ou europeia...» Aqui pergunto eu: «Por que razão a confeção haveria de ser europeia? Qual é a dúvida sobre o fabrico fula ou mandinga de uma tal arma?»

Na disciplina de Tecnologia dos Materiais, que tive há muitos anos na Faculdade de Engenharia do Porto, alguém fez um estudo comparativo entre os aços produzidos pelos ferreiros africanos, por métodos artesanais (ou considerados como tais), e os aços saídos dos altos-fornos das siderurgias europeias, por processos industriais, tendo concluído que os aços africanos eram tão bons como os melhores europeus. Sendo assim, um ferreiro fula ou mandinga não seria capaz de fabricar uma boa arma de fogo porquê?

Próximo da fronteira norte de Angola tive a oportunidade de ter nas minhas mãos um canhangulo em tudo idêntico ao da fotografia. As semelhanças são tantas, que eu seria capaz de apostar que era o mesmo canhangulo, sem tirar nem pôr. O dono dele, que era um homem de etnia bakongo, disse-me que já tinha matado vários elefantes com ele e mostrou-me como o carregava, tal e qual como Cherno Baldé descreve.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano, C.Caç.3535 / B.Caç. 3880, Angola 1972-74