segunda-feira, 22 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22025: Notas de leitura (1348): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2021:

Queridos amigos,

O contributo do General José Francisco Nico dá descrição do que foram as operações que conduziram à completa neutralização da artilharia antiaérea do PAIGC no Quitafine tem grande significado, tanto quanto se sabe é o primeiro relato que vem a público com tal minúcia, acompanhado de inúmeros elementos visuais correspondentes das sucessivas operações. 

Sabia-se pelos relatos do general Diogo Neto da resiliência quanto à resposta aérea no período conturbado de 1973, mas aqui também o autor traz importantes aportes. Do princípio ao fim no seu relato o autor não ilude a fragilidade da posição portuguesa no espectro das oposições ao colonialismo e deplora não se ter encontrado uma matriz de identidade multirracial, que foi muito apoiada pelas teses federalistas que chegaram tarde e a más horas. Não se pode pôr a História em tribunal, mas tivesse havido uma entidade política dialogante com os movimentos de libertação, a tempo e horas, é bem provável que se tivessem evitado os excessos que hoje é muito fácil criticar, sobretudo quando não se pôs as mãos na poda de uma solução.

Um abraço do
Mário



Memórias da destruição da artilharia antiaérea do PAIGC, na península do Quitafine (2)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, a segunda, com data de novembro de 2020. Esta obra do Tenente-General Piloto-Aviador José Francisco Fernandes Nico encerra abundantes e por vezes considerações sobre estratégia político-militar de guerrilha e contraguerrilha, tece considerações altamente críticas sobre os acontecimentos do 25 de Abril e o processo da descolonização e dá-nos um quadro das diferentes operações que decorreram entre outubro de 1967 e janeiro de 1970 que levaram à eliminação sistemática da artilharia antiaérea do PAIGC pela Esquadra 121 do Grupo Operacional 1201. 

Chegou agora o momento de acompanhar o seu relato das operações que se iniciaram em 7 de março de 1968. Era patente que o PAIGC se convencera que a disseminação de metralhadoras antiaéreas na península do Quitafine seria suficiente para garantir o estatuto de zona libertada. Tinham chegado recentemente os G-91, bem capazes de enfrentar a ameaça dessas armas. A máxima era a de, logo que detetadas estas posições antiaéreas, atacá-las de imediato. Permanece o mistério de como a cúspide do PAIGC sonhou com a possibilidade de garantir um território inexpugnável face à Força Aérea Portuguesa.

O autor dá-nos conta das particularidades operativas do avião Fiat G-91 que é tida como uma máquina excecional, era um recém-chegado ao teatro de operações da Guiné. E o autor discreteia sobre o erro catastrófico de o PAIGC acreditar no estabelecimento de posições fixas, construindo mesmo linhas de defesa com trincheiras, a Força Aérea Portuguesa conhecia as posições e dispunha de meios para as volatizar, como se comprovou. 

Inicia-se, pois, um combate que se prolongou até janeiro de 1970. É uma narrativa cheia de peripécias, há aviões atingidos e pilotos milagrosamente não atingidos. Num ponto do Quitafine, Cassebeche, dentro de uma área conhecida pelos pilotos-aviadores como o Bacalhau, o PAIGC começou a construir espaldões para esta artilharia, a reação foi a operação Regar o Prestígio, teve resultados favoráveis. Logo a seguir ao primeiro ataque houve a repetição com quatro aviões à carga máxima, foram largadas no local 24 bombas, os pilotos tinham aprendido a lição que não deviam cair na armadilha de tiro ao alvo. Seguiu-se um período de acalmia até que em março voltaram a detetar movimentações do PAIGC com novos espaldões e detetou-se uma ZPU-4, seria a primeira destas armas na Guiné. 

Seguiu-se a Operação Martelada III, logo no dia 7 desse mês, teve resultados importantes, os aviões tinham sido rearmados com bombas de fragmentação, foram lançadas nas matas circundantes, no reconhecimento detetou-se que havia uma ZPU e cinco posições periféricas que podiam ter metralhadoras. Nasceu depois a ideia de nova operação, veio a ser denominada Tempestade Betelgueuse, consistiu num heliassalto que colocou no terreno 190 homens, paraquedistas e fuzileiros. A operação não foi particularmente feliz, houve erros de sincronização. 

Na sequência de uma operação durante os trabalhos do asfaltamento da estrada Buba-Aldeia Formosa encontrou-se uma pequena pasta preta transportada por guerrilheiros, que se revelou de grande importância, o PAIGC insistia em manter a sua artilharia antiaérea, o General Spínola decretou que iria haver um heliassalto, e assim ocorreu a Operação Vulcano, o inimigo resistia bem e mantinha a capacidade antiaérea. É nesse contexto que se lança um ataque à posição após a Operação Vulcano, as coisas correm mal ao PAIGC.

Logo a seguir o autor dá-nos pormenores sobre as derradeiras ações de contraguerrilha antiaérea, o seu pico foi a Operação Cravo Azul, 20 de janeiro de 1970, acabou-se a artilharia antiaérea do PAIGC no Quitafine. 

A caminhar para o termo da sua narrativa, o General José Francisco Nico disserta sobre outras ações antiaéreas do PAIGC e há para ali trechos emocionantes como o avião atingido pelo Tenente-Coronel Costa Gomes que se ejetou a centenas de metros do aquartelamento de Gandembel, teve a sorte do seu lado, ao fim da tarde pôde reunir como normalmente fazia com o Governador e Comandante-Chefe, na Amura. 

Há igualmente a descrição do abate por míssil Strela na área de Madina do Boé do Tenente-Coronel Almeida Brito, em 28 de março de 1973. 

Depois de uma reflexão acerca da ajuda humanitária sueca seguem-se os estranhos acontecimentos da presença de um farto dispositivo antiaéreo perto do antigo quartel abandonado de Sangonhá, algo de incompreensível, mas veio-se a apurar que se trataria de uma filmagem para simular a tomada de um quartel, foi um revés completo. O último suspiro desta artilharia antiaérea do PAIGC ocorreu no corredor de Guilege durante a Operação Pérola Azul.

Nas conclusões, o autor reflete sobre os conceitos de defesa antiaérea e antiaérea ofensiva.

“Inicialmente, o armamento antiaéreo do PAIGC procurava limitar a capacidade de intervenção da aviação quer isoladamente em acções autónomas, quer no apoio às forças de superfície. Tratou-se de um requisito objectivo para eliminar o único factor de assimetria favorável às nossas forças, a componente aérea. O emprego desse armamento teve uma função visivelmente ofensiva e destinava-se a provocar atrição. Foram os tempos das emboscadas antiaéreas, em que as armas eram colocadas em posições dissimuladas na orla das matas ou mesmo razoavelmente encobertas pela vegetação”

Houve episódios de alvejamento, as emboscadas antiaéreas foram retomadas a partir de março de 1973 com os mísseis Strela-2. E o autor insiste no erro crasso que se praticou de teimar numa guerrilha com posições fixas. Fica-se igualmente a saber que a partir de junho de 1970 a artilharia antiaérea do PAIGC nunca mais foi utilizada para tentar interditar qualquer área.

Num apontamento à parte o autor fala sobre os apoios intermédios do PAIGC tanto no Senegal como na Guiné Conacri, dissertando depois sobre os acontecimentos das ofensivas do PAIGC a partir de março de 1973 e a resposta da Força Aérea para conter o adversário, efetuando ataques na área fronteiriça.

Chegou a hora de contabilizar os resultados do conjunto de operações levadas a efeito na península do Quitafine e termina o seu trabalho deplorando a falta de benefícios advindos da chamada guerra de libertação, falhou o objetivo da constituição de uma comunidade multirracial e pluricontinental: 

“A história dos últimos 46 anos da Guiné-Bissau permite concluir que, em vez de o desastre incentivado pelo Sistema adversário que nos atacou, sob a direcção da ONU, podíamos ter continuado a ser a mesma entidade política, certamente com características compagináveis e até mesmo impostas pelos avanços sociais inerentes à cultura ocidental onde estamos inseridos, - à época era essa a vocação da grande maioria do povo português como era da maioria dos guineenses, e hoje estaríamos certamente muito melhor. Especialmente o povo guineense. É esta a minha convicção”.

Como se teria parturejado tal entidade política, depois de tão sangrentos anos de luta, o autor não nos dá explicação ou oportunidade de ajuizar como se teria processado tal via de reconciliação.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22009: Notas de leitura (1347): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (1) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom voltamos ao mesmo e o difícil é ficar calado.Lá vêm mais duas "ferroadas" do Mário Beja Santos.

"Sobretudo qdo. não se pôs a mão na poda numa solução".

"Como se teria parturejado" etc...

Carlos Gaspar

antonio graça de abreu disse...

Diz o general Nico:

"A história dos últimos 46 anos da Guiné-Bissau permite concluir que, em vez de o desastre incentivado pelo Sistema adversário que nos atacou, podíamos sob a direcção da ONU, ter continuado a ser a mesma entidade política, certamente com características compagináveis e até mesmo impostas pelos avanços sociais inerentes à cultura ocidental onde estamos inseridos, - à época era essa a vocação da grande maioria do povo português como era da maioria dos guineenses, e hoje estaríamos certamente muito melhor. Especialmente o povo guineense."

Claro que era o sonho, a utopia, o irrealizável, avançar bem e de frente contra os ventos da história...
Do outro lado,o sonho e utopia era ainda muito mais exacerbado. Expulsos os colonialistas, era a construção de uma sociedade sem gentes más,pluri-étnica, o levantar de uma pátria livre, o mundo melhor. Ai, Amílcar Cabral, até te mataram...

Abraço,

António Graça de Abreu

Tabanca Grande Luís Graça disse...

parturejar
parturejar | v. tr.

par·tu·re·jar - Conjugar
verbo transitivo
[Figurado] Produzir ou dar à luz (muitas coisas).


"parturejar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/parturejar [consultado em 22-03-2021].

Valdemar Silva disse...

Quem tiver paciência para ler sobre os cerca 50 países que fazem parte do Continente Africano poderá verificar que nos ÚLTIMOS 46 ANOS, com as poucas excepções de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Guiné-Conacri, houve revoluções e conflitos armados em todos eles.

Valdemar Queiroz