I – Introdução
Este tema tem em vista explicar qual foi esta especialidade administrativa militar, que é pouco conhecida da maioria dos nossos militares que estiveram nas guerras de África desde 1961/68
Foi sugerido pelo editor Luis Graça a propósito de um Poste para ser editado nos anos 2017 ou 2018, o qual eu tinha denominado de “A minha fuga de São Domingos” (*) e as peripécias que isto acarretou, e que não gosto de me lembrar, mas nunca as esqueço (1).
II – O que são os CA (Conselhos Administrativos) num Batalhão de Reforço
O CA é formado por uma estrutura Administrativa e Financeira, e é composto por 3 elementos:
Tomamos o caso do CA do BCAÇ 1933 a que pertenci:
- O Presidente do CA, que é o segundo comandante (no nosso caso o major Américo Correia);
- O Tesoureiro do CA, com a missão de movimentar os dinheiros, em Cash (no nosso caso o alf mil inf Joaquim Custódio de Araujo Carneiro) (2);
- O Chefe de Contabilidade (título que faz parte da estrutura do CA), cujo responsável era o alf mil SAM, Virgilio Teixeira (3),
Como nota explicativa, podemos fazer um paralelo entre:
- Os conselhos administrtivos das Unidades Militares (CAM);
- Os Conselhos de Administração das Empresas (CAE).
As empresas privadas, de um modo geral, as médias e grandes empresas, são sociedades anónimas, que funcionam com uma estrutura, como todos sabem, os chamados os Conselhos de Administração, compostas no minimo com 3 elementos:
- Um presidente, confundido atualmente com o CEO ("Chief Executive Officer");
- Um vogal com funções multidisciplinares e que serve para desempatar em caso de litigios;
- Um Administrador financeiro.
Sem me referir a nenhuma empresa em particular, existem muitas delas, em Portugal, nomeadamente, com unidades do mesmo grupo espalhadas por diversos pontos, e que tudo somado formam a empresa ou Grupo X, as quais devem apresentar as suas contas do exercicio à sua Holding , após devidamente aprovadas por orgãos independentes, normalmente os chamados "Auditores".
Compete ao CAE reunir, e apresentar o relatório e contas em reunião formal aos Accionistas da Empresa, os quais aprovam ou não.
A grande parte deste trabalho é organizado pelo Administrador Financeiro.
O paralelo entre os CAM e os CAE é muito parecido, conquanto que os CAE são , mais unidades, sejam outras companhias operacionais espalhadas pelo sector que comandam, sejam pelotões independentes – Pel Rec Daimler, Pel Canhões sem Recuo, Pel de Morteiros, Esquadrões de cavalaria, companhias de milicias, e outras mais subunidades... Tudo podendo perfazer no total mais de 3000 miitares, sob o comando do Comandante do Batalhão e sob a esfera administrativa do CAM .
No caso presente, em Nova Lamego o meu BCAÇ 1933 tinha anexadas 17 subunidades independentes com um total de mais de 3000 militares para gerir, o que era uma grande carga e trabalho e organização incompativel para um local de trabalho distante cerca de 300 quilometros da capital e sede da sua Chefia de Contabilidade (os "Auditores" ),
São grandes empresas privadas de até 4000 colaboradores que o aqui narrador teve a oportunidade de gerir na vida civil. Mas quero chamar a atenção que nunca fui Presidente de nada na minha vida toda.
Aliás, e melhorando a ideia, fui nomeado uma vez há muitos anos, para presidente da mesa numa assembleia de condóminos do meu empreendimento. Começaram a chamar-me "Senhor Presidente tem a palavra", meteu-me tanto asco por estas etiquetas que ao fim de uma hora terminou e jamais passei por essa cena vergonhosa.
Voltando ao cargo de CC do CA do BCAÇ 1933:
O paralelo está mais ou menos feito, mas claro que não são todas iguais. O CA do BCAÇ 1933, tinha a seu cargo múltiplas responsabilidades a saber:
- A gestão do Fundo do Tesouro;
- A gestão do Fundo Privativo;
- A gestão dos Fundos Privados ("saco azul");
- Os Fundos Confidenciais, a cargo do Comandanta do Batalhão (4);
- A supervisão e acompanhamento dos pagamentos dos vencimentos a todo o pessoal, quer a parte que ficava na Metropole, quer a que recebia no CTIG;
- Controlar e supervisionar as verbas de alimentação, a cargo dos Vagomestres, mas com prestação de contas ao CA (5);
- Conferir, e reunir com todas as partes, e decidir de aprovar ou não, os famosos "Autos de Destruição", apresentados pelas Companhias e outras subunidades independentes, e que no fundo era listar e contabilizar os danos sofridos em flagelações do IN aos aquartelamentos, o que era dificil porque era tudo uma grande mentira do tamanho de todo o Sector (6);
- Os gastos com despesas diversas, sejam de material corrente, sejam de materiais comprados no comércio local para a protecção das tropas e pessoal civil (arame farpado, cimento, blocos, etc.);
- As compras de alguns equipamentos de uso especifico, frigorificos, arcas, rádios, ventoinhas, e tanto outro material, as BIC e a Papelada !
Isto significa que não se podia gastar um Peso, sem a autorização formal do CC do CA, embora todos os restantes membros tinham de assinar os documentos de despesas.
O CC do CA também não poderia nunca fazer tudo isto sozinho, nem os outros, havia 3 assinaturas que não podiam faltar.
A prestação da contas, mensalmente, era feita junto da Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração no QG em Bissau – pelos CC dos CA.
Este trio do CA era assim responsabilizado, cada um na sua função, pelo bom andamento das contas, e no todo, que teriam de ser aprovadas mensalmente na Chefia de Contabilidade (7).
III - O fim dos CA na Guiné
Feita esta explicação perliminar, vamos resumir como tudo acabou.
Não sei ainda se esta determinação da extinção dos CA dos Batalhões de reforço (BR), era dirigida apenas para a Guiné ou se era geral para todos teatros de operações.
- No dia 16 nov 68 a Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração- Secção do Orçamento, emite uma Circular para todos os Batalhões, trancrevendo uma diretiva do Ministério do Exército, Circular nº 51/68, determinando a extinção dos CA dos BR no CTIG, devendo a respectiva Liquidação estar terminada em 31 de dezembro de 1968. (Foto 1);
- E as subunidades passariam a ser independentes para efeitos administrativos a partir de 1 janeiro de 1969;
- E que brevemente seriam emitidas as normas para as subunidades.
E nada foi feito no nosso caso, porque no dia 20 desse mês de novembro o nosso comandante é ferido em combate e evacuado para o HMP na Estrela, e nunca mais apareceu.
Por causa disso, o Presidente do CA , 2º Comandante passa a ocupar interinamente o Comando do Batalhão, e o Oficial de operações major Graciano Henriques ocupa também interinamente a Presidência do CA, ou seja passa a ser o meu Chefe direto, o diabo caiu do Céu, pois este senhor era e sempre foi o meu maior inimigo no CTIG (8).
E assim, após uma fase atribulada com este Senhor, continuãmos no ritmo normal.
Chegamos ao final de 1968, e em janeiro de 1969, chega o novo reforço – O coronel Renato Xavier – a quem o pessoal deu o seu nome original – o "Papaias" (em alegoria ao seu principal modo de vida, a agricultura intensiva no nosso aquartelamento, uma vez que os terrenos eram escassos, e a tropa precisava de frutas e produtos frescos, e ele vendendo para as messes, cantinas e refeitórios, ganhava algum dinheiro extra, era o que diziam, pois já não é do meu tempo).
Na minha apresentação ao novo Comandante, acho que ele me viu com indiferença, mas não me lembro desse episódio, e eu com mais indiferença para ele.
Penso que o meu ‘amigo’ o major Graciano, que voltou para a sua função normal nas operações, deve ter-lhe enchido os ouvidos e olhos.
Daí por diante começa, um período negro nas relações pessoais, já nada era como antes (9).
O encerramento das contas, não foi obviamente feito no prazo, devido a estas contingências, e em 31/12/68 continuávamos com tudo igual.
Começo a perceber que as coisas vão demorar, não há diretivas internas como proceder.
(Continua)
(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do autor;
(1) Já foi postado há anos, mas escaparam outros contornos que agora já poderei contar.
Este Poste que o editor alterou o titulo, porque segundo ele explicou, um Militar nunca foge!
É verdade, mas não foi uma fuga à guerra, mas sim aos novos comandos do meu batalhão, face à evacuação do nosso comandante ten cor inf, Armando Vasco de Campos Saraiva, devido a ferimentos graves em combate, no dia 20 de novembro de 1968, a curta distância do fim da pista em S.Domingos.
(2) Nunca percebi porque esta função foi cometida a um militar de infantaria, quando devia ser alguém oriundo da Escola Prática de Administração Militar (EPAM) . Esta Escola Prática de Serviços funcionava na zona de Alvalade e Lumiar. Há poucos anos ainda perguntei a este membro porquê ele foi desviado de infantaria para o CA? Sempre se desviou da conversa, mas julgo que foi uma cunha de alguém, porque já era casado e tinha um filho de 2 anos!
(3) Esta função em qualquer CA quer seja de Batalhões de Reforço, ou de unidades militares fixas, como seja o caso dos Comandos, Paraquedistas, Adidos, Bases da Força Aérea, Bases dos Fuzileiros, do Quartel General e outros é da responsabilidade máxima da Administração Militar, que no fundo gere os fundos dde todas as subunidades operacionais.
Vou relevar aqui as relações entre eu o CC do CA e o meu comandante de batalhão, por achar dever ser do conhecimento de todos os interessados.
O comandante é o primeiro responsável pelas contas certas do batalhão. Mas essa função é cometida ao segundo comandante, por lei, como presidente do CA. Ele só pode regressar após a aprovação das contas do seu batalhão.
Ele pode, se assim entender, ordenar os gastos da sua unidade como quiser, ficando como o seu responsável final, caso as verbas sejam desviadas para outros fins.
Quando o BCAÇ 1933 se formou em Tomar, no RI 15, julgo que começou por volta de junho 67, ele ficou à espera do seu chefe do CA para tomar decisões quanto às compras de várias coisas, sejam administrativas ou de lazer e conforto.
Já todo o CA estava formado e pronto, no inicio de agosto de 67, mas o CC do CA não aparecia em Santa Margarida onde se encontravam as tropas a fazer o IAO. Quem foi nomeado para esta função fui eu – o alferes Teixeira – , que me encontrava então à espera de alguém no BC 10 de Chaves para fazer o estágio no CA daquela unidade.
Mas era fim de julho e depois agosto, e como não havia ninguém no CA para dar a tal formação, estava tudo de férias, e com aquele calor sofucante, eu simplesmente deixei de aparecer durante duas semanas, isto é, tecnicamente era um desertor.
Nunca falei com ninguém no BC 10, apenas me apresentei lá ao Comandante no dia em que cheguei e nunca mais falámos. Aluguei uma cama numa vivenda no centro, de uma senhora que vivia sozinha, onde eu dormia no hall de entrada, e tomava banho, tudo o resto era cá fora.
Tinha o tempo todo livre para poder visitar e estar com umas amigas de Chaves, a minha segunda terra, até hoje continua a ser. Havia muitas ligações, ia com o meu irmão nos camiões militares quando ele ia fazer serviços de Rádio no interior de Trás- os -Montes, as muitas vezes que fomos para festas e aniversários, com um colega do meu irmão que também esteve como ele, prisioneiro no Estado Português da India, e outro amigo também de Chaves, a ligação com as minhas amigas também de Chaves. Nunca passei tanto frio e calor como em Chaves.
Nas ruas nada se via, os meses de verão eram também de férias escolares, e os cafés e outros espaços, não tinham ninguém, exceto a classe idosa que tomava os seus copos nos cafés e tascas, as quais eu também frequentava. E só nos fins de semana havia algum movimento, mas eu estava no Porto, com a namorada.
Eu tinha um amigo do meu pai, o capitão Gamelas, que às segundas feiras de manhã cedo me apanhava no jardim da Arca de Água, e no seu carocha preto me levava para Chaves por aquelas estradas sinuosas com o rio lá a umas dezenas de metros no fundo, a estrada sem qualquer protecção, e era sempre a abrir, eu aproveitava também para passar pelas brasas e ao fim de umas 3 horas chegávamos ao quartel depois de percorrer uns 180 /200 quilómetros de estrada empedrada e perigosissima.
E às 9 horas estávamos ao serviço.
Na sexta à tarde faziamos a viagem de regresso, sempre com calor abrasador, e com o melhor ar condicionado que havia na altura, as janelas abertas. E assim fizemos umas 4 semanas, e não pagava nada. O capitão Gamelas estava a formar uma companhia com destino à Guiné, onde acabei por me encontrar com ele nos anos 67 ou 68.
Eu pedi para ele dar uma olhada se alguém me procurava no BC10, ou se o meu instrutor já teria chegado. Mas nunca obti nenhuma informação, e ao meu pai disse apenas que estava de licença.
No dia 9 de agosto aparece um telefonema que o meu pai atendeu. Era o comandante do BC10, um coronel que não me lembro do nome. Quando chego a casa ao fim da tarde, depois de ir à praia do Castelo do Queijo, na Foz, o meu pai dá-me logo "uma guia de marcha" para Chaves, imediata. Vou logo para a estação de Campanhã e apanho o comboio da noite e estou no quartel de manhã bem cedo e apresento-me ao comandante.
Ele só não me bateu por consideração, mas deu-me uma daquelas ‘broncas à militar’ que me arrepiou, e lembro apenas do que me disse e fixei:
- Não leva uma porrada por consideração ao seu pai... E também não lhe dou qualquer castigo, porque já tem um bom castigo para cumprir, vai para a Guiné, o pior sitio que lhe podia calhar.
Era o dia 10 de agosto de 1967, a data da minha mobilização oficial, embora já tinha sido no início do mês mas não estava presente. Nesse dia e com a Guia de Marcha oficial, mandam-me apresentar de imediato em Santa Margarida para me juntar ao meu batalhão que se formou e já tinha o número de 1933.
Quando chego a Santa Margarida, e me apresento ao comandante, vejo logo os olhos que me deita. A conversa não me lembra, pois o segundo comandante recebeu-me bem, pois precisava de mim para umas saídas para Bissau, e fizemos um pacto que eu não vejo necessidade de aqui o reproduzir, pois ele há muito que já faleceu, a esposa também, mas tem os filhos ainda vivos.
O comandante desesperado pois queria fazer as compras antes do embarque, foi dizendo que precisava disto e daquilo para conforto das NT, especialmente para a Messe de Oficiais.
Eu nada sabia como fazer isso, e respondi "não" a tudo! Arranjei logo o primeiro inimigo.
Mas eu não sabia mesmo, nem tinha o orçamento dos fundos do tesouro, fui apanhado a zeros, por causa de me baldar no curso e de não fazer estágios nem na EPAM nem depois no BC 10. A culpa não era minha, mas sim deles que me mandaram para a frente do touro sem ter as armas para me defender.
Muitas décadas depois o nosso Tesoureiro, que eu encontrava muitas vezes na Póvoa de Varzim, onde ele tinha segunda casa de férias, veio a contar-me coisas que eu não sabia.
Logo o comandante em Santa Margarida terá dito ao seu confidente, o Tesoureiro, carne e osso , que não sabia como mandaram um rapazito para uma função tão melindrosa. Veio depois a saber que não era assim, quando viu os resultados do meu trabalho. Abeirou-se um dia, um ano depois de lá estarmos no CTIG, e confidenciou ao Tesoureiro: "Afinal temos aqui um militar de administração muito competente, e por isso vou preparar um Louvor para ele".
Naturalmenteque o nosso tenente coronel Saraiva já teria tido outra comissão e sabia o quanto dificil era esta função naquelas condições longe das chefias.
Não teve tempo, pois entretanto teve a mina e emboscada que o mandou evacuado para o Hospital e nunca mais o vi, apenas 15 anos depois num almoço do batalhão em Tomar, andava ele com umas pernas postiças, e tive muita pena dele, apesar de tudo.
E para não deixar outro pormenor para trás, contou-me um dia também o condutor Boubon, impedido do 2º comandante e seu confidente, que tinha muito apreço por mim e ia dar-me um Louvor. Não chegou a dar, porque com o fim dos CA não voltei a S. Domingos e fiquei adido a outros serviços em Bissau. O nosso major presidente do CA não voltou com o seu batalhão no mesmo barco, porque teria de assinar as contas das novas companhias independentes, e por lá ficou.
Disse ao Burbon na despedida, que ele ia voltar para casa, mas o major não, e depois iria novamente para outra comissão. Disse-lhe que lamentava não se despedir de mim, e que ficou em divida comigo e com os louvores. O Burbon, um bem sucedido industrial têxtil de Guimarães, vinha passar férias em Vila do Conde e encontrámo-nos imensas vezes, e por ele vim a saber tanta coisa que me passou ao lado, porque não fazia parte do tal Casino de S. Domingos.
(4) Recebia mensalmente a quantia de 12500$ para despesas com informadores, presentes para os Homens Grandes das tabancas, e outras que nem eu sei. Não tinha de prestar contas.
Quem acompanhava este cofre, era o nosso Tesoureiro, e diz ele que o comandante de uma seriedade sem fim, pouco gastava e o saldo passava de mês para mês chegando a acumular muito dinheiro. Parte desse dinheiro era também entregue aos Comandantes das companhias, e outras subunidades independentes. Mas nada sei em concreto do uso deste fundo.
(5) Falava-se de muita coisa, pois havia sempre uma percentagem de pessoal que não aparecia nas refeições, mas no mapa constava sempre a totalidade, e as refeições eram feitas com menos quantidade, menos gastos, e compensada com outras faturas/papéis de compras locais, que bastava o dedo para a assinatura
(6) Uma companhia no Boé (a CCAÇ1589), por exemplo, que tinha mais de 300 ataques e flagelações por ano, todas tinham ‘materias e bens destruidos´que depois teriam de ser substituidos por outros , comprados no mercado local, com assinatura por dedo, e os dinheiros não sei que destino levaram.
Ou, os bens destruidos, alimentares, gasolinas, e afins, podiam ser substituidos por novas remessas da Manutenção Militar e, como não eram precisos, vendia-se às populações locais cuja receita era revertida para a Unidade, para o seu Fundo Privativo, vulgarmente conhecido pelo famoso nome de ‘saco azul’ ( ninguém quer aceitar e confirmar a sua existência).
Isto não é invenção minha, não só porque se via claramente a sua ilegitimidade, como acabou por ser denunciado pelos próprios beneficiários do esquema.
Não valia a pena levantar a lebre, pois quem ficava mal era o CC e tudo se passava com a maior normalidade. No final faziam parte das contas do Estado e os Fundos do Tesouro.
(7) Isto quer dizer que, no fim da comissão, o CA nomeadamente o CC nunca poderia ter Guia de Marcha para a Metrópole, sem as contas aprovadas, o que era também extensivel ao Presidente do CA e também ao próprio Comandante.
Daí que sendo o CC o responsável final na aprovação das contas, era tratado com cuidado e respeitado por todos. Os comandantes tinham sempre muito medo de no final não poderem embarcar por falta de aprovação das contas.
Mas também, o CC era o único que trabalhava a tempo inteiro, mesmo a dormir e a pensar como resolver muitas situações que não percebia, no meu caso, porque não liguei grande coisa à minha formação, situação que me causou sempre muitos problemas.
Foi a minha experiência anterior de 12 anos que me ajudou imenso.
O Presidente que sempre nutri por ele grande respeito, desde o dia 10 de agosto de 1967, em Santa Margarida, quando me apresentei na minha nova unidade, ele, o major Américo Correia levou-me a Tomar, ao RI 15, para tomar contacto com este Regimento, e acabei por conhecer a mulher e filhos. Acho que aí percebi que tinhamos de fazer um pacto a dois. E assim foi.
Nunca se meteu em nada do serviço do CC, passava por lá bem cedo, nem sempre eu estava presente, muito menos o Tesoureiro, tratava com os nossos amanuenses, furriel Pinto e furriel Riquito, bem como os escriturários cabo Horta e cabo Seixas. Assinava todos os papeis que se encontravam nas mesas, a maioria não era nada, e ia-se embora e dormir mais um bocado.
O Tesoureiro do BCAÇ 1933, não tendo grande trabalho, passava no CA uma hora se tanto, depois ia para o quarto ‘Estudar para os exames’ que fazia nas férias do Curso de História, ou a dormir, porque à noite após o jantar juntavam-se quase todos os oficiais, comandante e 2º comandante incluidos, no chamado ‘Casino’ que funcionava na própria messe, e prolongava-se até madrugada, a jogar não sei quê porque não sei nem sabia jogar a nada.
Jogavam duro segundo o que me contava o Tesoureiro, que dizia que ganhava sempre, e ainda hoje, é incrivel que sempre que falamos conta a mesma coisa que o major Henriques, o nosso Oficial de Operações, lhe ficou a dever 400 escudos que nunca lhe pagou...
(8) Na minha apresentação acho que ele me viu com indiferença, mas não me lembro desse episódio, e eu com mais indiferença.
Penso que o meu ‘amigo’ o major Graciano, que voltou para a sua função normal nas operações, deve ter-lhe enchido os olhos.
Começo logo a ser nomeado para diversas acções que não eram da minha função, nomeadamente a comandar patrulhas à volta do aquartelamento – as rondas -, levando comigo operacionais, e sendo uma secção ia um furriel, que julgo que seriam da companhia de cima, a CART 1744, do Capitão Serrão, e alferes Gatinho e muitos furriéis que conhecia da messe onde eu passava então as noites nos copos, já que na messe de oficiais estavam todos a jogar.
Comecei a perceber que isto das rondas ao fim do dia, não era para se fazer, pois, uns quilómetros à frente lá haviam os tais abrigos, onde a tropa se acoitava, e depois regressava ao quartel evitando-se prováveis contactos com o IN.
Aqui criei algumas amizades, que ainda hoje são lembradas como tempos inolvidáveis.
Então além disto e outras mais, era frequentemente nomeado para os serviços de oficial de dia, devendo estar presente em todas as etapas do dia, em especial as rondas aos abrigos e postos de vigia, onde se passaram algumas cenas hilariantes.
(9) E nestas nomeações aparece um dia em que vou a comandar uma pequena força, e de Sintex (**) fomos para a companhia de Susana, a CCAÇ 1684, nessa data, para carregar alguns mantimentos pois havia falta de muita coisa , devido não só às chuvas e ciclones que levaram pelo ar os telhados de zinco dos armazéns e ficou tudo estragado, mas também a uma flagelação do IN à noite e que acabou por destruir outros armazéns.
Nesta saída a Susana em inícios de 1969, era a segunda, acabamos por ir mais uma vez a Varela ver aquelas praias excelentes e de Burrito, fardados e armados, lá fomos pela areia fora até ao Cabo Roxo – fim de linha do nosso território – e fronteira com o Senegal.
Deparamo-nos com um espetáculo impensável, as caravanas vindas de Zinguinchor e Dakar com o pessoal branco, franceses e em especial belas francesas em bikini, que iam apanhar o Ferry para as praias ao largo. As mulheres ficaram um misto de atarantadas como surpresas, verem tanto homem jovem fardado e armado, nem sei se sabiam que existia uma guerra ali aolado. Ficámos a xuxar no dedo e a acariciar as nossas G3.
Isto pode parecer um filme, mas é verdade, e só não sei ainda hoje, porque não tirei umas fotos, pois tenho muitas fotos, antes na praia e depois no regresso. Talvez tive algum tipo de receio. Se as tivesse faziam furor hoje e antes.
Quando após 2 ou 3 dias regressámos no mesmo Sintex, conduzidos pelo piloto que era de Engenharia, e conhecia tudo aquilo como a palma das mãos, apoiado com um soldado da Companhia de Caçadores Nativos, sei bem quem era, mas não me lembro do nome, que empunhava uma arma M6 ou Drise, com fita de carregadores a tiracolo, e uma caixa de madeira cheia de munições, mais dois soldados com G3 e cartucheiras, e eu também armado de G3 e cartucheiras, a comandar aquilo tudo, não sabendo o que fazer em caso de ataque terrorista, ou outra qualquer eventualidade. Hoje penso que, com a nossa mania do desenrascanço, alguma coisa deveria fazer. Mas nada aconteceu.
Comunicações nada, gasóleo pouco, dois motores fora de borda de 50 CV e a "banheira" cheia de sacos de batatas, da MM, bananas e outra coisas que não me lembro, pois, um dos homens devia ser da alimentação, a mando do vagomestre.
Voltámos ao rio, é comunicada a hora da nossa saída, dentro de duas horas deveríamos chegar, mas só chegámos passados dois dias. São muitos rios, pequenos e engolfados que se misturam em enormes tentáculos de polvo, e não andámos muito até que o piloto já não sabia bem por onde ia, parece tudo igual, mas afinal muito desigual.
Ficámos então perdidos após horas de tentar encontrar a saída, e assim se esgotava o combustível. Não havia modo de comunicação, os comeres e beberes iam faltar. E, dada a minha forma de ser não me atrapalhei, e dei confiança ao resto do pessoal. Não sei o que falámos, talvez nada.
Esperávamos que fosse dado o alerta pela hora, e eu pelo menos deitei-me por cima dos sacos de batatas, e fui dormitando, e ainda bebi uma cervejola, quente, mas útil face às condições.
Acabámos por ir parar a um sítio, esse mesmo no cu de judas, pois ainda hoje não sei a que aldeia aportámos. Ao longe fomos avistando um sitio inacreditável, e fui tirando fotos. Quando já estamos a chegar vemos um "pelotão" de Felupes, quase nus e armados até aos dentes, com arco e flexa do tempo dos índios americanos.
O cais de desembarque não havia, era tipo "Normandia em África", e qundo a pata sai do barco e enterra-se num lamaçal lodoso, ficámos com as botas cheias de tarrafo ou porcaria.
A população amiga recebe-nos com sorrisos mas nada percebemos, estes eram mesmo naturais da "Felupelândia". Umas fotografias para o Álbum, e lá estou eu no meio de crianças dos seus 5 anos até homens com 2 metros de altura, eu ficava abaixo do ombro deles.
E fomos esperando (sentados !) dentro do barco, mas não desesperando. Passados dois dias, vemos um Heli lá em cima, depois aparece uma avioneta e somos encaminhados pelos rios com o pouco combustível que restava, com certeza foi alguém a nadar e a puxar o barco, e assim chegámos ao Rio São Domingos, que faz parte do Grande Rio Cacheu já nosso conhecido. Acho que eles perceberam isso, e foram embora, também não havia sítio para aterrar aeronaves.
Nunca se falou no assunto, não veio na ordem de serviço nem na História da Unidade. Muito pouca gente veio a saber desta aventura.
Muitos anos depois venho a ter conhecimento, por um ex-1º cabo telegrafista, que num almoço de batalhão me veio contar como ele me safou a mim e aos outros "perdidos", não deixando de contactar sempre a Força Aérea que assim nos encontrou.
E fica a pergunta: e se não nos encontravam, o que seria feito dos 5 aventureiros perdidos no cu de Judas?
Boa pergunta sem resposta!
© Virgílio Teixeira (2025)
(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:
(*) Tema T008 – A minha fuga de Sáo Domingos ao estilo do Papillon (que não chegou publicado ns série "Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)".
6 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18180: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (2)
7 comentários:
Virgílio, obrigado pelo empenho que puseste na elaboração deste extenso apontamento sobre os CA od Batalhões de Reforço no CTIG (que vai ter continuação nos próximos dias).
Em geral, nós, operacionais, preocupávamo-nos muito ou nada com as fiunções de apoio, que são essenciais em qualquer teatro de operações.
Vejo agora, consultando a história de um dos batalhões, a que estive a(r)dido, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), que havia o Comando, um estrutura distinta da CCS e das unidades orgânicas (as companhias). Neste caso, tinha:
(i) comandante (1 ten-cor);
(ii) estado maior (2º cmdt, 1 major; of op inf, 1 major; of pes e reab, 1 cap;of trms, 1 alf mil, o nosso Fernando Caldo; of manut, 1 alf, o nosso Ismael Augusto; of médico, 1 ou mais alferes mil médicos; Of capelão, 1 alf graduado capelão)
(iii) secretaria (chefe, auxiliar, escriturários)
(iv) conselho administrativo:
Presidente - 2º cmdt;
Chefe de Contabilidade - 1 alf mil SAM;
Tesoureiero (alf mil);
Amanuenses (2 fur mil);
Escriturários (2 1ºs cabos)
Havia ainda a secção de Op / Inf e a secção de Pes / Reab,
No total, o comando de batalhão teria 3 dezenas de militares (dos quatro médicos, só me lembro de haver um, o dr. Davi Payne, e o capelão nunca o vi).
Tudo isto para dizer que tu funcionalmente pertencias ao Comando e não â CCS/BCAÇ 1933... É isso ?
Virgílio, ainda não li o documento todo que mandaste...Mas no fim espero que expliques ao leitor a razáo por que os CA dos BR no CTIG (estamos a falar só da Guiné), foram extintos...
É uma decisão do Ministério do Exército, portanto do Terreiro do Paço, na capital da Metrópole... Uma medida centralizadora, na melhor tradição do Estao Novo ? Ou uma exigência de Spínola, que tinha tomado posse do cargo de Governador e Com-Chefe há poucos meses ?... Inclino-me mais para esta última hipótese... Spínola na Guiné é um "cônsul", Salazar deve-lhe ter prometido "mundos e fundos" em troca da "garantia" de acabar com a guerra (ou pelo menos inverter a situação...).
Segundo o seu biógrafo, Spínola teve a coragem e a lucidez de mostrar a Salazar (que o convidara no início de maio de 1968 para assumir o lugar de governador e comandante-chefe das FA na Guiné) "a grave situação militar da Guiné"... E que para além do esforço militar, a estratégia teria que assentar na "conquista das populações", logo no desenvolvimento socioeconómico (eram precisas estradas, escolas, serviços de saúde, reordenamentos, etc.)... Logo, a burocracia militar e os pequenos poderes dos Batalhões de Reforço eram um estorvo para a "política da Guiné Melhor", já gizada pelo então brigadeiro Spínola, que tinha uma outra visão, integrada, do problema político-militar, em oposição ao conservadorismo de Arnaldo Schulz...Daí, entre outras medidas, a extinção dos Conselhos Administrativos dos batalhões...e o reforço dos poderes do Quartel-General...
Para a malta dos SAM foi bom, passaram a ir para a "guerra do ar condicionado", ou não ?...(É uma pequena "provocação": o meu cunhado, do Porto, da minha geração, de 1947, que também era alferes dos SAM como tu, já não foi mobilizado, e se fosse ficava em Bissau; tem piada, fez o mesmo percurso que tu, trabalhando em multinacionais na área financeira; uma boa escola, a EPAM..., além da Faculdade de Economia / UP).
Acabei de confirmar na história da unidade, o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) já chega o CTIG sem CA... Mas traz um alferes mil SAM...
COMANDO E COMPANHIA DE COMANDO E SERVIÇOS
- OFICIAIS
Tenente Coronel de Artª DOMINGOS MAGALHÃES FILIPE
Major de Artilharia JOSÉ ANTÓNIO ANJOS CARVALHO
Major de Artilharia JORGE VIEIRA BARROS BASTOS
Capitão de Artilharia GUALBERTO MAGNO PASSOS MARQUES
Tenente S.G.E. ARMINDO TORRES TEIXEIRA
Alferes Mil. TRMS ANTERO MAGALHÃES PACHECO SILVA
Alferes Mil. Rec. e Infor. FERNANDO MANUEL CABRITA GUERREIRO
Alferes Mil. Médico MÁRIO GONÇALVES FERREIRA
Alferes Mil. Médico JORGE PEDRO FERREIRA NUNES MATOS
Alferes Mil. Médico ARTUR MANUEL FERREIRA VILELA DIONÍSIO
Alferes Mil. Secretariado ABÍLIO FERREIRA MACHADO (o "nosso Bilocas" de Riba d'Ave...)
Alferes Mil. Sapador LUÍS RODRIGUES CARDOSO MOREIRA (também grão-tabanqueiro)
Alferes Mil. S. A. M. ANTÓNIO REIS BEATO CARVALHO
Alferes Mil. Capelão ARSÉNIO CHAVES PUIM ( o nosso querido Puim)... (...)
Dos 3 médicos só conheci um, o Mário Gonçalves Ferreira... Os outros 2 só no papel...
Luis, estou de acordo com a maioria do que aqui escreves, e vou sintetizar o meu ponto de vista, que não é sagrado:
- Ar condicionado nunca estive nele, nem gostava de ar frio forçado.
- Dependia do Comandante do batalhão e não à CCS (embora a esta ficavam todos ligados organicamente incluindo o comandante)
- A Extinção dos CA é aquilo que consta na Nota do EME de Lisboa.
- Refere a extinção dos CA em 31dez68 e fala no CTIG!
- Náo sei se foi extensivel a outros cenários
- Em 1969, os batalhões de reforço, já não tinham, esta estrutura, o CA não existia mais com essa estrutura. Por isso não sei como o teu batalhão de banbadinca ainda o tinha. Mas só no inicio, talvez, mas nem isso.
- Penso que esse alf do SAM, seria o Tesoureiro que os batalhões continuaram a ter, acho eu, mas as contas das subunidades passaram a ser independentes administrativamente.
Esta estrutura é igualzinha à minha, mas nesse periodo transitório, talvez houvesse ainda confusão com a medida adoptada da sua Extenção tão rápida, mas não é coisa do Spinola!
(iv) conselho administrativo:
Presidente - 2º cmdt;
Chefe de Contabilidade - 1 alf mil SAM;
Tesoureiero (alf mil);
Amanuenses (2 fur mil);
Escriturários (2 1ºs cabos)
Quanto ao teu cunhado, da mesma escola que eu, se fosse mobilizado seria talvez ou para uma unidade fixa, ou até para a Chefia de Contabilidade em Bissau, na qual quase todos eram da minha geração, da mesma escola, do mesmo café, era quase tudo uma familia.
Mas nunca tive favores de ninguém
Voltamos mais tarde
abraço
Virgilio
Virgílio, o batalhão de Bambadinca (Setor L1) que eu citei, É que ainda tinha na sua estrutura um Conselho Administrativo com o teu BCAC 1933... Estou-me a referir ao BCAÇ 2852 (1968/70)...
Desembarcou em Bissau em 29/7/1968, portanto em data anterior à extinção dos CA dos BR do CTIG...
O que o veio render , o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) já está de acordo com o novo figurino... Já não tem CA...
Ambos, o BCAÇ 2852 e o BART 2917 têm em comum, no seu historial, terem sido "decapitados" pelo gen Spínola...Os dois tenentes coronéis (e "adjuntos") levaram com os "patins"...
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