domingo, 3 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5581: Os nossos médicos (13): Deus no céu e o Dr. Fernando Garcia... no HM 241 (António Reis / Luis Graça)

 

Capa do livro (à esquerda), de memórias,  do António Reis - A minha jornada em África. Vila Nova de Gaia: Ed. Ausência. 1999. 67 pp. (*)



"Um grande senhor" (pp. 46/47): é assim que o António Reis se refere ao Dr. Fernando Garcia, tenente miliciano médico, talvez o melhor cirurgião do HM 241, naquela época em que o autor foi 1º  Cabo Aux Enf... Dêmos-lhe a palavra:

"Quantos hoje lhe devem a vida ? Muitas centenas (...). Eu sou testemunha que se estão vivos, a vida devem a este senhor (...).

"Ele superou de longe o louvor. que o nosso director, o Dr. Pinheiro, lhe deu. Como pessoa de fino trato, de conduta esmerada,  sempre pronto a exercer as suas funções, mesmo com prejuízo das suas hiras de refeições e descanso. Este senhor  foi mais do que tudo isso. Quantas vezes o ouvi dizer:  'Este não fui eu  que o operei, aquele não fui eu que o operei'. Dizia isso quando achava demais os ter salvo.

"Os negros adoravam-no. Nós admirávamo-lo. Chegávamos mesmo a dizer: 'Deus no céu e o Dr.  Fernando Garcia na  Guiné'.

"Não consigo lembrar-me se ele tinha jipe e condutor, mas parece que não, mas lembro-me que tinha lá a mulher e dois filhos. Não ligava à farda, com os galões de tenente, a maior parte das vezes vinha em  chinelos e bata branca com o seu Citröen dois cavalos, velho mas que andava.

"Quando o serviço estava difícil e lhe pediam mais um cabo de reforço, ele indicava  sempre dois nomes: 'Avança o Reis ou o Pereira' (...).

Para o Reis, o Dr. Fernando Garcia é sempre referido como o "senhor", o "grande mestre" (p. 28):

"O médico-dia olhou [o ferido que acabara de chegar de helicóptero,  com os membros  todos esfacelados e o tronco estilhaçado] e pareceu-lhe  nada haver a fazer, mas chegou o grande mestre (Dr. Fernando Garcia), olhou e pediu sangue, deu um certo grau de inclinação à maca, fez-lhe a reanimação, e passado algum tempo o nosso homem gritava, perguntou onde estava e nós dissemos-lhe" (...).

Noutra ocasião chegou ao hospital um camarada que tinha estado com o Reis, na recruta em Leiria:

"Chegou num estado lastimável, perdia todo o sangue das transfusões pelos orifícios que tinha nos pulmões. Ele dizia que ia morrer, eu encorajava-o, dizia-lhe que se ele se aguentou até ali, já não morr[er]ia, que  o Dr. Fernando Garcia o ia safar. Ele ainda foi para a sala , mas já não voltou. Da Sala de Operações foi direito à mortuária " (p. 30).

Há ainda outra passagem (p. 50), com referência ao Dr. Fernando Garcia:

 "O nosso homem [um chefe de tabanca] chegou todo furado, para além da sonda gástrica, algália, soro e oxigénio, ainda tinha mais dois frascos debaixo da cama para onde iam correndo líquidos por uns tubos. Era daqueles que o Dr. Fernando Gracia dizia, quando via ter sido de mais tê-los salvo: ' Este não fui eu que o operei'  - fazendo alusão a Alguém  acima dele. Era um homem e fé, não sei se ainda hoje o é".

Sabemos que foi substuído pelo Dr. Manuel Diaz,  possivelmente em finais de 1967 ou princípios de 1968. O Reis, que regressou à Metrópole em 24 de Março de 1968, foi louvado pelo Dr. Fernando Garcia:

"Eu tinha sido louvado pelo Dr. Fernando Garcia porque tinha correspondido perfeitamente  à missão  para a qual tinha sido treinado (...)" (p. 40).

Outros médicos,  para além do Dr. António Augusto Antunes Pinheiro, director do Hospital (pp. 61/62), que são citados pelo Reis,  é o Dr. Vilaça Ramos, também cirurgião (p. 31),  o Dr. Melo (p. 40) , e o Dr. Gomes da Costa (p. 24). Num dia negro, 5 de Outubro de 1967, em que chegaram dezenas de feridos,  do mato, o Reis estava de serviço com o Dr. Gomes da Costa, o sargento Marcos  e o cabo  Silvino. A causa de tantos mortos e feridos terá sido uma mina incendiária, accionada por uma GMC (p. 25). Os feridos mais gaves seriam depois evacuados para Lisboa, cinco dias mais tarde.

Outros dois médicos referidos no livro do Reis são o Dr. Sá Meneses e o Dr. Manuel Diaz, este último o médico-chefe, periquito, que veio substituir o Dr. Fernando Garcia, e que quis participar do Reis, por ter respondido, com duas bofetadas,  a um insulto de um prisioneiro do PAIGC (pp. 39/40)... Há ainda um médico psiquiatra, o Dr. Castelão (p.44).

Pergunto aos nossos amigos e camaradas da Guiné: algum de vocês conhece um ou mais destes nomes, e muito em especial o Dr. Fernando Garcia, tenente miliciano médico ?

Na Internet, encontro uma referência a um Dr. Fernando Garcia, cirurgião geral, com consultório privado na Praça João A Coutinho 5,1º-D,   1170-190 Lisboa  . Telefone: 218 148 543. Alguém quer confirmar ?

_______________________

Nota de L.G.:


(...) António Ramalho da Silva Reis, nascido em Avintes, em 1944, embarcou em Março de 1966 no “Rita Maria” e foi colocado no HM 241. A sua experiência ao longo de dois anos na Guiné constitui o relato comovente “A Minha Jornada em África” (...).

Relato na primeira pessoa do singular, toca-nos pela simplicidade e ausência de pretensões:

“Vi talvez centenas de moços da minha idade morrerem ou chegarem mortos. Vi milhares de feridos entrarem por aquele hospital dentro. A tudo isto assisti, pois passei a minha comissão dividido entre o Posto de Socorros, a sala de observações e a Cirurgia 1, onde ficavam os casos mais graves. Os outros, de menos gravidade, eram distribuídos por outras enfermarias”.

Assentou praça no RI7, em Leiria, confessa que procurou todos os pretextos para se safar, ser mobilizado para a guerra, já que tinha um braço arqueado, mas ninguém se apiedou:

“Filho de pobre só não ia para a tropa o cego, o coxo ou o maneta. Filho de rico ainda se safavam alguns, arranjando falsos exames médicos onde apareciam com cavernas nos pulmões ou úlceras no estômago”.


Embarcou num barco de carga, carga bruta e carga humana, a Ritinha “desencostou ao som da grafonola que tocava o hino nacional”. (...).

Desembarca em Bissau, assustou-se com os primeiros feridos que viu chegar ao hospital, foi com o 27 (condutor do carro fúnebre) levar umas urnas à capela de Bissau (...).


 Descreve a chegada dos feridos ao HM 241, o helicóptero a aterrar e a abordagem de um piquete constituído por quatro soldados e um cabo. Ao princípio o António ainda lhes perguntava o que é que tinha acontecido, depois limitava-se a fazer o seu trabalho. Havia dias especiais como o 5 de Outubro de 1967 em que chegaram quarenta corpos, todos a cheirar a carne humana queimada, todos transformados em múmias, quem estava vivo foi transferido para Lisboa. E confessa:


“Era duro trabalhar naquela enfermaria. Ainda recordo o cabo Silvino ter-me dito que tinha de arranjar formar de fugir daquela enfermaria se não morria ou ficava louco, mas muito mais duro era ficar destacado no mato e aparecer lá num estado como chegaram aqueles e outros desgraçados”.

Há sofrimento inesquecível: o ferido que parecia nada haver a fazer para o salvar e que irá recuperar, tratado com desvelo por aquela malta toda; o camarada que esteve com ele na recruta em Leiria e que chegou num estado lastimável a perder todo o sangue das transfusões pelos orifícios que tinha nos pulmões. Depois a camaradagem, levara soldados à mortuária para os convencer que o camarada de pelotão não estava entre os mortos. (...)


As histórias que ele conta referem camaradas pícaros, bebedeiras, o tratamento de prisioneiros, a chegada da malta lá da terra internada no hospital, as recordações do Dr. Fernando Garcia, a sua referência profissional, as vicissitudes da única gorjeta que recebeu, as visitas das senhoras da Cruz Vermelha e do Movimento Nacional Feminino. Há recordações dolorosas como a chegada daquele alferes que vinha paralisado que ele calçou com almofadas, friccionou com álcool e empoou com Lauroderme para que não ganhasse escaras. Prometeu visitá-lo quando viesse para Portugal, encontraram-se. Anos mais tarde, voltou a procurá-lo, o alferes não o reconheceu, talvez tivesse subido muito na vida e não quisesse ser visto com aquele homem com cara de jardineiro ou cantoneiro...


Regressou a metrópole em 1968, aqui está agora o seu relato que finda assim: “Exteriorizei aquilo que me ia na alma, se alguém me quiser julgar que o faça, mas que esse juiz tenha vivido no mínimo aquilo que eu vivi”. (...).

sábado, 2 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)


Guiné > BCP 12 > CCP 121 (1972/74) >  O crachá da unidade (à esquerda). Foto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.


Guiné > BCP 12 > CCP 122 (1972/74) > O crachá da unidade (à direita) Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Nuno Mira Vaz,  Cor Pára Ref (Guiné, BCP 12, 1967 e 1973) (*), com data de 29 de Dezembro último:

Assunto - Comentário sobre posts do blogue

Meu caro Luís Graça

Cá estou de novo a abusar do seu tempo.  Mas é por uma justa causa, pois trata-se de um comentário, em word, no qual tento esclarecer um conjunto de acontecimentos relatados no blogue.

Bem sei que,  não sendo membro, não tenho o direito de o incomodar. Por isso, se achar que o comentário não tem interesse ou carece de oportunidade, eu não fico ofendido.

Abraço mais uma vez com simpatia um antigo camarada de armas.
Nuno Mira Vaz


2. A propósito dos incidentes entre pára-quedistas e fuzileiros  e do 1.º Cabo Jaime Duarte de Almeida (**)

(i) Incidentes entre pára-quedistas e fuzileiros

Considero bastante conforme à verdade (com excepção da data, que foi o dia 3 de Junho de 1967 e não Janeiro de 1968, conforme a História oficial do BCP 12, da autoria do Tenente-Coronel Luís Martinho Grão) a versão apresentada pelo 1.º Sargento Carmo Vicente, inclusive no que respeita às responsabilidades dos graduados pára-quedistas, que pouco fizeram para evitar o infeliz desenlace duma jornada que devia ser lembrada apenas como desportiva.

Nos primeiros meses de 1967, a rivalidade desportiva entre pára-quedistas e fuzileiros foi-se transformando numa animosidade doentia. Estou certo de que muita gente se apercebeu do fenómeno, mas ninguém foi capaz de apreender o potencial de violência armazenado no processo. Por mim o digo: em momento algum imaginei que alguém pudesse conceber a sucessão de embustes que conduziram os páras à emboscada mortal.

Assisti a alguns dos jogos onde marinheiros e aviadores se enfrentavam e fui mais um dos que puderam observar o Jaime Duarte de Almeida, conhecido por Oitenta, e o Mário Cerqueira, por alcunha o Pedra Dura, a orquestrarem as actuações da claque da Força Aérea. E que fizemos nós, oficiais e sargentos com responsabilidades na conduta dos homens? Admoestámo-los com pouca convicção.

Era um sinal dos tempos: entre os operacionais, havia a convicção generalizada de que quem ia ao mato arriscar a vida tinha direito a descarregar na cidade as tensões acumuladas no combate – um sintoma, talvez o mais nítido de todos e sem subterfúgios, de imaturidade colectiva. Se os responsáveis tinham menos de trinta anos, e tendo em consideração que os dois lados se comportavam exactamente da mesma maneira, a rivalidade só por milagre poderia ter terminado de forma pacífica. Mas o que aconteceu ultrapassou em muito a imaginação mais delirante.

Na noite de 3 de Junho de 1967, no final dum jogo que parecia ter decorrido de forma idêntica a tantos outros, entre o ASA – acrónimo de Atlético Sport Aviação, o clube dos militares da Força Aérea – e a equipa onde alinhavam os marinheiros, sucedeu o inesperado: estes, depois de trocarem insultos e provocações com os pára-quedistas, como era hábito, abandonaram o recinto desportivo, numa atitude pouco consentânea com os seus comportamentos recentes.

Os páras correram atrás deles pelas ruas da cidade, não imaginando que, algumas centenas de metros à frente, emboscado num prédio em construção, um grupo de fuzileiros armados com G-3 (***) se preparava para os atacar a tiro. Custa a entender onde aqueles homens foram buscar ânimo para levar a cabo semelhante acto, mas a verdade é que foram capazes de abrir fogo à queima-roupa sobre camaradas de armas desarmados, matando de imediato o 1.º cabo Ismael Santos e o sold. Fernando Marques, para além de terem provocado ferimentos noutros soldados.

Na manhã seguinte, as pessoas – militares e civis, homens e mulheres -, demoravam a acreditar que pudesse ter ocorrido semelhante acontecimento. O relato de pancadarias épicas entre grupos de militares das tropas especiais, e sobretudo entre estes e as patrulhas da Polícia Militar que os queriam meter na ordem, em bares, discotecas e outros locais de diversão nocturna de certos bairros de Luanda, Lourenço Marques ou Beira, era tema frequente de conversa nos clubes e nas messes.

O que variava, curiosamente, eram as cumplicidades afectivas: em Luanda os páras aliavam-se ao fuzos contra os comandos, em Bissau eram os fuzos e os comandos que lutavam contra os páras. Algumas cenas, como a da Pastelaria Versailles de Luanda, ficaram tristemente celebrizadas por causa das mortes envolvidas. Mas nenhuma, até aí, fora perpetrada com os níveis de irresponsabilidade e premeditação registados em Bissau.

No rescaldo dos acontecimentos, os militares do BCP 12 viviam um ambiente de amargura, raiva e impotência. Uma única coisa veio mitigar o nosso desconsolo: o enterro dos dois soldados mortos foi acompanhado por uma multidão imensa, seguramente a maior manifestação cívica a que assisti em Bissau, apenas superada pela visita do Presidente Américo Tomás. Tive então a convicção, que mantenho hoje, de que os civis quiseram dar um testemunho claro da sua consideração pelas Tropas Pára-quedistas.

(ii) O 1.º Cabo Jaime Duarte de Almeida, o Oitenta

Quando foi nomeado para o BCP 12, o Jaime, como prefiro tratá-lo, já tinha cumprido uma comissão em Angola como soldado. Foi destinado ao 1.º Pelotão da CCP 121, sob meu comando. A alcunha, segundo me lembro, não se devia a nenhuma proeza mitológica, como a sugerida por Jorge Félix no post 5552, mas sim a um incidente ocorrido no próprio dia em que se alistou nas tropas pára-quedistas. Mandado a subir para a balança pelo Sargento que anotava os índices físicos dos candidatos, replicou: - “Não vale a pena, meu sargento. São oitenta quilos certos”.

É verdade que alguns dos apontadores de MG-42 conseguiam “desenhar” com o impacto das balas na barreira da carreira de tiro figuras surpreendentes, mas com as duas mãos em simultâneo, nunca vi nem me contaram. Aproveito para esclarecer que tanto o Jaime como o Hoss, referenciados no post 1512 do Tino Neves com enfermeiros, pertenceram à CCP 121, onde eram apontadores de metralhadora.

O Jaime era oriundo da região de Mafra, e desde muito novo que fazia trabalhos pesados. Foram estes, e a generosidade da natureza, que lhe deram um corpo dotado de uma força impressionante e com uma resistência à dor inultrapassável. Recordo-me de o ver pegar com os dentes numa barrica de azeitonas vazia, de a erguer no ar e de executar com ela alguns passos de dança.

Como todos os seres humanos, não se lhe pode tirar uma fotografia a preto e branco, nem rotulá-lo de bom ou de mau. Era aquilo para que a vida o encaminhou desde muito novo, uma vida na qual se reagia a soco e a pontapé contra a adversidade e as provocações. Isto no Pilão ou nos bares na cidade, porque no Quartel o seu Comandante de Pelotão - o Tenente António Ramos, outro veterano de Angola, que mais tarde, como Capitão, foi oficial às ordens de Spínola – mantinha-o de rédea curta.

Em combate era indiscutivelmente corajoso. As Cruzes de Guerra que lhe penduraram no peito foram mais do que merecidas. Mas disso havia muito nas tropas pára-quedistas. E o Jaime nunca foi um dos melhores soldados da CCP 121. Eu explico:

A partir de certa altura, começámos a capturar quantidades consideráveis de armamento ao PAIGC. Não só as que pertenciam aos combatentes abatidos, mas também as armazenadas em esconderijos que íamos descobrindo no decurso das operações. Não me recordo da data em que isso começou, mas sensivelmente em meados de 1967 foi publicada legislação que atribuía prémios pecuniários por captura de armas e munições. O diploma estipulava que o dinheiro fosse entregue ao responsável directo pela captura mas, por acordo dos comandantes de Companhia com o Comandante de Batalhão, Tenente-Coronel Costa Campos, ficou estabelecido que uma parte seria entregue ao Comando do Batalhão e a outra às Companhias e utilizada em obras ou aquisições de interesse geral.

Com parte desse dinheiro, a CCP 121 instituiu um prémio, destinado exclusivamente a praças, que consistia numa viagem de ida e volta à Metrópole para gozo de férias. Os premiados, que eram indigitados pelos camaradas em votação secreta, recebiam além disso uma pequena importância em dinheiro para gastos pessoais.

A indigitação era aguardada sempre com natural expectativa pelos graduados, que receavam uma nomeação menos criteriosa ou ajustada, beneficiando um valentão de caserna ou algum detentor de prestígio adquirido de forma duvidosa. Mas as praças provaram ter um entendimento correcto dos valores em jogo, escolhendo, com grande maturidade e sentido de justiça, apenas entre os melhores. E o Jaime não foi um deles.

Voltei a encontrá-lo na minha segunda comissão da Guiné, de novo no comando da CCP 121, mas o Jaime pertencia então à CCP 122.

Quando saiu da tropa, foi para Marselha, onde se ligou a gente com negócios pouco recomendáveis. Como diz o Jorge Félix, acabou chinado. Como seria de esperar. Só não sei se em Lisboa, se em Marselha.

Recordá-lo-ei, sempre, como um combatente excepcional.

Nuno Mira Vaz

[Revisão / fixação de texto / bold a amarelo: L.G.]
 
________________
 
Notas de L.G.:
 
(*) Vd. postes de:
 
 15 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5471: O Nosso Livro de Visitas (75): O blogue, uma obra que não pode morrer (Nuno Mira Vaz, CCP121/BCP 12, 1972/74)
 
10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1581: O elogio dos pára-quedistas das 121ª e 122ª CCP (Nuno Mira Vaz / Vitor Junqueira)
 
(...) Meu caro Vitor Junqueira:

 Quem lhe escreve é o comandante da CCP 121 na altura em que estivémos juntos no COP 6. Eu estive com dois pelotões no Olossato e o Tenente Castro esteve com outros dois em Mansabá. Li hoje a sua crónica num blogue que acompanho com muito interesse e sentida emoção, e no qual só não colaboro por falta de vocação pessoal para me expor (1).

Quero agradecer-lhe do fundo do coração as suas palavras. Não só expressa uma admiração sincera pelas tropas pára-quedistas, como ainda por cima soube detectar algumas das virtudes não propriamente militares de que muito nos honramos. Bem haja. (...) Nuno Vaz Mira (...)

 (**) Vd. postes de:
 
28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5552: FAP (42): Dois senhores da guerra: O Cabo 80 e o Cap Pára Terra Marques (Jorge Félix)

27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5546: FAP (41): Quem foi realmente o Cabo 80, 1º Cabo Pára-quedista nº 85/RD ? (Pedro Castanheira)
 
13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1522: Bissau em estado de sítio por causa dos graves incidentes entre paraquedistas e fuzileiros em Janeiro de 1968 (Álvaro Mendonça)
 
11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)
 
10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)
 
(***)  Poderiam pertencer a uma ou mais destas subunidades de fuzileiros: 

Companhia de Fuzileiros nº 3 (1967/69), Companhia de Fuzileiros nº 7 (1965/67), Companhia de Fuzileiros nº 9 (1966/68), Destacamento de Fuzileiros Especiais 3 (1965/71), Destacamento de Fuzileiros Especiais 4 (1965/67), Destacamento de Fuzileiros Especiais 6 (1966/67), Destacamento de Fuzileiros Especiais 7 (1966/68), Destacamento de Fuzileiros Especiais 19 (1967/69), Destacamento de Fuzileiros Especiais 12 (1967/69) (Fonte: página do nosso camarada Jorge Santos)

Guiné 63/74 - P5579: Parabéns a você (61): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CArt 2339 (Editores)

»»»»»»» F*E*L*I*Z .... A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O «««««««


1. Completa hoje 67 anos de idade o nosso CamaradaCarlos Marques Santos (*), ex-Fur Mil At Art da CArt 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, a quem saudamos especialmente neste dia.
É um dos membros da nossa Tabanca Grande, da primeira hora, e tem marcado a sua presença constante tanto na I Série do nosso blogue, como nos nossos quatro encontros nacionais, entre 2006 e 2009.
Vive em Coimbra, onde é professor de educação física (reformado) e dirigiu a sua primeira mensagem ao blogue em 04 Janeiro 2006, ficando registada no poste CDXIX, tendo-se apresentado dois dias depois, em 06 Janeiro 2006, com o seu Curriculum Vitae (abreviado), no poste CDXVI:
Assentou praça em Mafra (EPI) em Setembro de 1966. Especialidade de Atirador de Artilharia em Vendas Novas.

Iniciou a formação da Companhia (CART 2339) no RAL 3, Évora, em 28 de Agosto de 1967.

É natural de Coimbra, da Freguesia de Santo António dos Olivais; estudou no antigo Liceu Normal de D. João III e no Colégio S. Pedro em Coimbra; foi atleta federado de Basquetebol e Andebol, treinador e dirigente desportivo na modalidade de Basquetebol; presidente da Direcção e da Assembleia Geral do Olivais F. Clube e Vice-Presidente da Associação de Basquetebol de Coimbra.

Diplomado em Educação Física, voltou ao Liceu D. João III como professor (hoje Escola Secundária José Falcão, nome alterado depois do 25 de Abril de 74, fazendo parte da Comissão de Gestão). Efectivou na Esc. Sec. de Avelar Brotero, onde integrou como Vice-Presidente o Conselho Directivo.

Foi professor de Mobilidade (técnicas de Orientação e Bengala) de alunos invisuais durante 32 anos. É actualmente aposentado e reside na Rua Gago Coutinho, 17 A-6.ºA – 3030-326 Coimbra (...).

Na Guiné onde chegou a bordo do navio Ana Mafalda (parecia uma traineira!) (1), em 21 de Janeiro 1968, esteve em Fá Mandinga e Mansambo, onde foi rendido pela CCAÇ 2404.

Regressou a casa, em Dezembro de 1969, no navio Uíge, a 13 desse mês, dois anos após a partida para a Guiné.



2. Para melhor tentarmos conhecer o seu eventual perfil, acreditando nestas ancestrais sabedorias, fomos mais uma vez consultar um site que se tem vindo a tornar muito popular e se dá pelo nome de KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm), que nos diz sobre os nativos do signo astrológico Carpicórnio (22 de Dezembro a 20 de Janeiro), o seguinte:

Capricórnio (22/12-20/01O)


Ascendente de Capricórnio desperta na personalidade a ambição e vontade de perseguir e alcançar uma segurança material. Tomam em consideração tudo a que têm acesso e ao seu redor para facilitar a subida ao suzesso. Por serem tão prudentes, são adeptos da utilização de qualquer informação com que se deparem.


Os nativos de Capricórnio costumam aparentar serem calmos, tímidos ou um pouco reservados, sobretudo na primeira impressaõ. Tudo o que fazem tem um propósito e é feito para alcançar um objectivo bem tangível. Paciência, disciplina e trabalho árduo ajudam estes indivíduos a conseguirem aquilo a que se propuseram ceda na vida.Apesar de levarem o seu tempo a percorrer o caminho traçado, fazem-no de forma segura e sem colocar o pé em falso, e sem nudar de direcção. Organizados e metódicos, são capazes de lidar com grandes responsabilidades e obrigações. Preocupam-se bastante com a sua reputação e sentem a necessidade máxima de realização pessoal.

Acham-se merecedores de retribuição por tudo o que contribuiem, gostando de ser reconhecidos por isso.

A frase chave para Capricórnio é «eu utilizo». A atracção está direccionada a Caranguiejo pelo lado mais emocional destes equibilibrar uma vida mais orientada ao trabalho e negócios.

Corresponde ao signo cardeal de Terra, ligado às profissões e carreira.


3. Independentemente dos comentários que os nossos Camaradas colocarão no local reservado aos mesmos, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, cantar-te a seguinte cantiguinha:



PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO CARLINHOS...
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos que:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas, às que hoje lerás no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os nossos sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas.

Com um grande abraço fraterno.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz


Guiné-Bissau > Região de Bafatá ~> Xime > 10 de Janeiro de 2006 > "Os meus irmãos, mais velhos, irmãos de sangue, Fodé Biai, o primeiro a contar da direita para a esquerda, e Bacar Biai, o segundo na mesma ordem e Malam Mané, o quarto, dos que estão de pé, meu primo-irmão. O Fodé e o Malam cumpriram o serviço militar em Farim e depois Bissau, sendo o Malam depois transferido para Bambadinca. O Bacar sempre esteve em Xime" (J. C. Mussá Biai)... Será que algum deles poderá o Mancaman, que nos fala o Arsénio Puim ?


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 10 de Janeiro de 2006 > Rua principal da actual povoação do Xime



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 10 de Janeiro de 2006 >  A escolinha...

"O curioso de tudo isso, quem tirou as fotografias é um colega meu, o Domingos Fonseca, trabalhei junto com ele na Escola do Ensino Básico Preparatório Amizade Guiné Bissau - Suécia, em Bissau. Ele leccionava a língua portuguesa e eu matemática, antes de ele ir tirar o curso de engenheiro técnico agrário na Argélia. Estive com ele no ano 2000 em São Domingos onde ele estava como responsável de AD" (J. C. Mussá Biai).


Fotos: © Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados


1. Mais um texto do nosso camarada Arsénio Puim, açoriano de Santa Maria, a viver na Terceira, antigo Alf Mil Capelão, natural de Santa Maria, Açores, e antigo capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72):



Recordando... VII > Em homenagem de Mancaman: um homem da Guiné defensor da paz 

por Arsénio Puim

Mancaman vivia na tabanca do Xime, contígua ao quartel onde estava estacionada a CART 2715 (**). De trinta e poucos anos, magro e um pouco alto, filho do chefe da tabanca - Mancaman (pai). Era mandinga, do que se orgulhava, por reconhecer a supremacia histórica e cultural desta etnia no quadro guineense e africano.

Não gostava dos Fulas e apreciava o espírito laborioso e a coragem dos Balantas. Falava, com muita graça e expressividade, o português, além do crioulo, o mandinga e o fula. Inteligente, muito humano e sabedor no que toca à guerra da Guiné, nas suas duas faces. Era-nos dedicado, correcto, amigo. E pertencia mesmo às milicias populares, armadas pelo exército português.

Não obstante, era um homem algo complexo e não facilmente transparente aos nossos olhos europeus, atraindo mesmo algumas suspeitas, para as nossas tropas, de que mantinha contactos com o «outro lado» e dizendo-se, até, que tinha «arroz turra» a vender na tabanca.

Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon (****), que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.

Na relação que travei, durante as minhas estadias no Xime, com Mancaman, não me pareceu, porém - com certa estranheza minha - que Mancaman tivesse um ideal de revolução e independência. Antes, diz que não sabe ler e não pode desejar a Guiné independente. Que se os portugueses sairem, vai haver manga de guerra entre os Fulas e os Balantas e que, por si, terá que ir para o Senegal (talvez por se achar de algum modo comprometido com o exército português). E receia ainda que os outros países que deram armas ao PAIGC se metam na Guiné.

Mais: não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração porém, por Senhgor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.

Para mim, Mancaman é, acima de tudo, um homem que, como confessou, «não gosta da guerra» e «a sua lei (muçulmana) não quer guerra»; um homem que viveu, pessoalmente, o drama da guerra entre Portugal e Guiné; um homem que sentiu na alma o sofrimento, a morte e a destruição de que foram alvo os seus irmãos guineenses por quererem a independência; um homem marcado por uma tristeza impressionante quando fala destes assuntos.
- Para saber o que é a guerra – diz ele – é preciso ver os turras mortos. Num ataque de helicóptoro ao Poidon, cinco mortos: três homens armados, duas mulheres e uma bajuda. Todos picados.
Via-se-lhe no rosto estampado o horror. Ele próprio já perdera um filho na confusão dum ataque ao Xime e um irmão numa mina.
- Então, nós estamos a fazer mal por bombardearmos os turras e fazer operações para lhe destruir os acampamentos e os meios de vida? - perguntei.

Mancaman não hesitou nada em responder:
- Sim. É muito mal. Se as tropas atacam com armas, eles fogem, ficam com medo e atacam com armas.
- Então como é que se devia fazer?
- Mandar lá pessoas da mesma raça dizer que eles venham, que não tenham medo, que a tropa trata bem todos. Fazer que eles tenham confiança na tropa. E quando acabar as chuvas eles vêm.
- E se os turras atacarem o quartel, não se responde com armas?
- Não, se os turras atacarem o quartel temos que nos defender. E se morrer algum turra foi porque eles nos vieram atacar.

Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas.

Foi este profundo sentido humano, o seu pensamento e princípios contra a guerra em si, a sua visão clara e dos dois lados da guerra da Guiné, a sua simpatia pela presença portuguesa e a sua inalienável identidade e alma guineenses que eu conheci e admirei em Mancaman, em longas conversas que tivemos, marcadas pelo respeito mútuo e confiança, ainda que sempre com alguma natural reserva da minha parte e que também ficasse com a sensação de que ele sabia mais do que me dizia.

Onde quer que hoje Mancaman se encontre, desejo que ele goze a Paz, que tanto queria,  para a sua terra da Guiné.

Arsénio Puim

2. Comentário de L.G.:

Dos mandingas do Xime, mílícias e guias das NT, lembro-me bem do infortunado Seco Camará,   morto em 26 de Novembro de 1970...  Não me lembro do Mancaman que, a ser vivo, terá hoje perto de 72 anos. Fui muitas vezes ao Xime, ponto de partida de operações, quse sempre guiadas pelo Seco Camará. Não nunca lá fiquei uma temporada como o Arsénio Puim. Talvez o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, e um dos mais antigos membros da nosso blogue, nos possa dar notícias do Mancaman.

Lembro que o José Carlos é natural do Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/71), CART 2715 (1970/72), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... No Xime viu (e viveu) muita coisa, demasiadas coisas...

Teve, como professores, no Posto Escolar Militar nº 14 (Xime),  o furriel miliciano enfermeiro Carvalhido da Ponte, da CART 3494, e o furriel Osório, da CCAÇ 12 (que dava aulas juntamente com a esposa).

O José Carlos aprendeu a ler e a escrever português debaixo de fogo. Nascido em 1963, o José Carlos devia ter já 10 anos, aquando do ataque ao aquartelamento e tabanca do Xime, em 1 de Dezembro de 1973 (segundo relata o António Duarte), do qual resultaram sete vítimas mortais entre a população civil, incluindo dois amigos de infância e vizinhos do Mussá Biai...

Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Por sua vez, o seu pai, um homem grande, mandinga, do Xime, era o chefe religioso da comunidade islâmica local (um almanu).

A vida não foi fácil para eles. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Teve irmãos que fizeram o serviço militar em Farim e que depois foram presos.

Após a independência, o José Carlos foi para Bissau onde fez  o liceu. Foi cinco anos professor, até vir para Lisboa e obter uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian. Hoje é formado em engenharia florestal. É casado. A sua mulher é natural do Xitole, filha de um comerciante conhecido dos tugas, o Braima.

Trabalha e vive em Portugal, no Instituto de Geográfico Português (IGP),  no Departamento de Conservação Cadastral (DCC), Tel. 213819600 (Ext. 310).

 Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime... Tal como Mancaman, o  José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a que ele continua a pertencer, apesar de ter optado pela nacionalidade portuguesa e de viver em Portugal. (*****)
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5553: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (6): O Geba e as viagens do Bubaque

(**)  Companhias de quadrícula do BART 2917 (Maio de 1970/Março de 1972) (comandado por Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e depois por Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro):

(i) CART 2714, sita em Mansambo (Cap Art José Manuel da Silva Agordela)

(ii) CART 2715, sita no Xime (Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida)

(***) A relação da CART 2715 com os seus vizinhos do Poindon / Ponta do Inglês, não podia ser fácil... Em 26 de Novembro de 1970, uma secção inteira da companhia foi massacrada a caminho da Ponta do Inglês... Era comandada pelo meu amigo Cunha....


25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).

Na lista dos mortos do Ultramar, da Liga dos Combatentes, só aparecem quatro dos seis elementos das NT, mortos nesta operação, e cujos restos mortais ajudei a recolher no local:

Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha
Sold Manuel da Silva Monteiro
Sold Rufino Correia de Oliveira
Sold Fernando Soares (...)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

(****) Os militares portugueses sempre escreveram Poidon... Mas a grafia correcta parece ser POINDOM, de acordo com a carta do Xime (1961). Será erro tipográfico ?

(*****) Vd. postes, da I Série do Blogue:

 20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) Luís Graça)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Gúiné 63/74 - P5577: Álbum fotográfico de João Graça (3): Os pescadores de Cananima, Rio Cacine


























Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima >  9 de Dezembro de 2009 > c. 18h >  Imagens da comunidade da aldeia piscatória de Cananima, na margem direita do Rio Cacine, frente a Cacine. (*)

Fotos (editadas por L.G): © João Graça (2009). Direitos reservados. (**)


A Friendly World
por Luís Graça

Se todos os pescadores
De todo o mundo,
Ao longo de todas as costas,
De todas as linhas do horizonte,
De todas as praias,
De todos os mares,
De todos os bancos de pesca,
De todos os icebergs,
De todas as fossas submarinas
E plataformas continentais,
De todas as ilhas,
De todas as pontes,
De todos os cabos e promontórios,
De todos os lagos e albufeiras,
De todos os rios,
De todas as rias,
De todos os cais…

Se todos os pescadores
Se dessem as mãos,
As canas de pesca,
Os fios,
Os anzóis,
As redes, os covos,
O mapa das marés,
Os barcos, as canoas,
A bússola, o radar,
O GPS,
O sextante, o sonar,
O peixe pescado,
O peixe por haver,
Fresco,
Cru,
Seco,
Frito,
Cozido,
Guisado,
Alimado,
Assado,
Grelhado,
Fumado,
Salgado,
Congelado…

Talvez pudéssemos reencontrar
Elos perdidos da cadeia da vida…

Talvez o mundo fosse mais
Pequeno,
Aconchegado,
Caloroso,
Maneirinho,
Habitável…

Talvez o mundo fosse mais
Amigável.

Luís Graça > Blogpoesia > 11 de Agosto de 2007 > Blogantologia(s) II - (43): A Friendly World

___________

Notas de L.G.:

(*) Sobre Cananima, vd. o poste de 24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

(...) A região de Tombali, com pouco mais de 3700 km2 (o que representa cerca de 10,3% do território da Guiné) e pouco mais de 90 mil habitantes (7,1% do total) tem grandes potencialidades, devido ao seu património ambiental e cultural, ainda insuficientemente conhecido e valorizado pelos próprios guineenses. A jóia da coroa é o massiço florestal do Cantanhez e os dois rios principais que o atravessam, o Cumbijã e o Cacine. (...)

(...) Cananima é uma praia fluvial e um aldeia piscatória. Gente de vários pontos, desde os Bijagós até à Guiné-Conacri, vêm para aqui trabalhar na actividade piscatória. No entanto, é preciso saber gerir os recursos do rio e do mar com sabedoria... A sobre-exploração de certas espécies pode ser um desastre... Por outro lado, as infra-estrututuras de apoio à pesca são precárias ou inexistentes.  (...)

(...) No estaleiro naval artesanal, de Cananima, também se constroem barcos, segundo os modelos tradicionais. A matéria-prima, a madeira, é abundante. Abate-se uma árvore centenária para fazer uma piroga. Felizmente, as pirogas não são feitas em série. E hoje há, também felizmente, restrições ao abate de árvores no Cantanhez. O problema são, muitas vezes, os projectos megalómanos e inconsistentes, que acabam por morrer na praia, como estas embarcações senegalesas que viemos aqui encontrar. (...)


(...) Em frente, do outro aldo do rio, fica Cacine, que tem muito que contar, aos nossos camaradas do exército e da marinha... Alguns deles ficaram por aqui, enterrados e abandonados... A guerra e as suas memórias estão por todo o lado, não nos largam. (...)

(...) A areia não é fina, as águas não são azuis [cfomo em Bora Bora], nem a paisagem é a mais bela do mundo, mas tudo depende dos olhos com que se olha, dos ouvidos com que se ouvem, das emoções com que se capta o instante, o eféremo, o diferente (..).


(...) É preciso salvar o Cantanhez, dando uma chance às crianças de Tombali. Projectos como o ecoturismo, ou o turismo de natureza, podem vir a ser um factor dinamizador de mudanças, a nível local e regional. (...)

(..) A diversidade étnico-linguístico e cultural da Guiné-Bissau, em geral, e do Tombai, em particular, não deve ser vista como uma obstáculo, mas sim como um factor potenciador da cidadania e do desenvolvimento... Os demónios étnicos não podem é dormir descansados na Caixinha de Pandora... Combatem-se com as armas da saúde, da educação, da democracia, da integração, do desenvolvimento económico, social e cultural... (...)


(**) Vd. último poste da série >  27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5548: Álbum fotográfico de João Graça (2): O Fatango ou macaco fidalgo (Procolobus badius) do Parque Nacional do Cantanhez

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5576: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (28): Mensagens da Tertúlia

Votos da Tertúlia para o Ano de 2010


1. Mensagem de Luís Borrega

Boa noite
Vou enviar novamente as Boas Festas pois enviei para o email do Carlos Vinhal e não sei se foi recepcionada.

Portanto para todos, Alahj Luis Graça, Chernos Carlos Vinhal, Virginio Briote e Magalhães Ribeiro e para todos os Homens Grandes da nossa Tabanca Grande o desejo que o novo ano 2010 vos traga manga di saúde e manga di patacão são os meus votos sinceros.

Mantanhas
Luís Borrega

***/***/***/***/***


2. Mensagem de António Paiva

Caros camaradas

Assim me vou embora
Um pouco esfarrapado,
Espero levar a crise comigo,
Para o povo ficar descansado.

BOM FIM DE ANO PARA TODOS
QUE 2010 TRAGA MAIS FELICIDADE.

Um abraço
António Paiva

***/***/***/***/***


3. Mensagem de Afonso Sousa e Sousa de Castro

O nosso caminho é feito
pelos nossos próprios passos...
Mas a beleza da caminhada...
depende dos que vão connosco !

Para estes meus amigos, desejo um próspero ano de 2010, sobretudo
com saúde e com a concretização das aspirações de cada um.



***/***/***/***/***


4. Mensagem de Manuel Amaro



***/***/***/***/***


5. Mensagem de Mário Gualter Rodrigues Pinto

Para amigos e camaradas vão os meus votos de ANO NOVO

BOM ANO PARA TODOS



***/***/***/***/***


6. Mensagem de Torcato Mendonça

CAMARADA AMIGO

BOM E FELIZ ANO NOVO COM SAÚDE E JUNTO DE QUEM AMAS PARA CONCRETIZAÇÃO DE TEUS SONHOS.

Através de ti abraço o Luís Graça, Virginio Briote Magalhães Ribeiro e TODOS mas Todos os e as Camaradas desta Tertúlia enorme

Abração do Torcato
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5571: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (27): O Pai Natal das minhas netas encheu-me o sapatinho (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P5575: O meu Natal no mato (31): A minha mensagem de 1968 na RTP: Um 69 em grande para os meus amigos (Jorge Félix)

1. Texto do Jorge Félix, também publicado no blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74

Aproveito para saudar, na pessoa do Victor Barata, seu fundador e editor, e nosso tertuliano de longa data, todos os camaradas da FAP que estiveram na Guiné, durante a guerra colonial, e que passaram por Bissalanca...

Para o Jorge Félix, o Victor Barata e os demais bissalanquenses, membros ou não do nosso blogue,  vão as nossas melhores saudações bloguísticas, com uma menção especial ao Jorge Caiano que teve a gentileza de me telefonar do Canadá, nas vésperas de Natal... E já que estamos em maré de amores & humores, que o 2010 não seja um annus horribilis para nenhum de nós... É uma mensagem defensiva e conservadora, mas é que se pode arranjar... (LG)

A minha mensagem de 1968 na RTP: Um 69 em grande para os meus amigos

As mensagens de Natal eram um momento de TV muito visto nos anos da guerra do Ultramar. Centenas de militares enviaram a sua. Uns a desejarem "muitas propriedades" e outros a rematarem com o "nós por cá, todos bem"...

Eu também falei na RTP. Vou contar...

Naquele tempo, 1968, os Canibais residentes não estavam interessados em aparecer na televisão. Não havia voluntários, logo, foram os mais periquitos que tiveram que representar a classe de Pilotos da Esquadra. Por tal motivo tive que ser eu e recordo-me que também gravou mensagem o Sargento Piloto Marta. Eu por ser o mais novo, ele porque iria partir em breve.

Não estava nada interessado em falar e arranjei uma maneira de ser censurado.Então que fiz eu? Debitei uma laracha que não fosse transmitida e disse o seguinte:

" Um beijo para os meus pais e um sessenta e nove em grande para os meus amigos".

O Operador, Serra Fernandes, homem que vim a encontrar passados anos na RTP, disse logo:
- Tem que dizer outra mensagem que isso não vai para o ar.

E eu respondi:
- Ou vai isto ou não vai nada.

Sempre fiquei com a ideia que não iria passar nos ecrãs da TV mas a verdade é que passou. Na altura, 1969, contaram-me alguns amigos que foi uma barraca muito comentada.

Há dias a falar com o nosso Amigo, Belarmino Gonçalves, alferes Piloto em Bissalanca nos mesmos anos que eu, recordou-me esta história, quando lhe desejei um Bom Natal ele atirou o "um 69 em grande para os meus amigos".

Votos de um Bom Ano Novo a todos os que terteluem nesta excelsa página da Guiné-Bissau.

Abraço

Guiné 63/74 - P5574: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (14): O menino que gostava de saber palavras novas

1. Mensagem de Carlos Geraldes (ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), com data de 28 de Dezembro de 2009:

Caro amigo:
Esperando que estejas a passar esta Quadra com a melhor das disposições juntamente com os teus familiares e amigos e, desejando óptimas perspectivas para o ano de 2010, aqui envio mais uma pequena crónica para fechar este ano de 2009.

Um grande abraço do
Carlos Geraldes


GAVETAS DA MEMÓRIA (14)

O menino que gostava de saber palavras novas


Em Pirada, logo após os primeiros dias da nossa chegada, apareceu a rondar a casa onde se alojaram alguns oficiais e sargentos, um rapaz com um ar meio ingénuo e meio atrevido a querer meter conversa numa linguagem atrapalhada, mistura de crioulo, fula e português. Sempre com um sorriso enorme, ria-se quando nós nos ríamos dos seus disparates e pontapés na gramática, olhando-nos atentamente quando não entendia tudo o que se lhe dizia. Durante o dia via-se a vadiar por ali, não ia à escola e não parecia ter qualquer ocupação.

Habituados a desconfiar de tudo e de todos, mergulhados naquele ambiente inteiramente novo, embora não directamente hostil, suspeitámos que algo de esquisito haveria ali escondido por detrás daquele sorriso resplandecente. Por isso não lhe demos muita confiança e chegámos até a escorraçá-lo à bruta. Mas ele regressava sempre como um cachorro vadio, de rabo entre as pernas, tentando conquistar as simpatias do Nine o nosso impedido que tinha também um coração grande de menino a quem tinham roubado a infância.

Quase sem darmos por isso, já ele andava a carregar lenha, a trazer os sacos de pão acabadinho de fazer no forno do M. Soares, ajudando o Nine a preparar o pequeno-almoço, varrendo o jardim das traseiras, tagarelando sempre em alegre camaradagem com o nosso impedido. De uma algaraviada que quase não se entendia nada, passámos a pouco e pouco a reparar que ele fazia nítidos progressos na fala e já se fazia entender quase na perfeição.

Em menos de um mês o Adérito, assim era o nome dele, dominava menos mal o português, à mistura é claro com alguns termos de crioulo que nós também já sabíamos utilizar. E estava sempre disposto a ajudar em qualquer coisa.

Quando aprendia uma palavra nova vinha radiante repeti-la para que nós lhe disséssemos se a estava a pronunciar bem.

- Alfero, olha hoje sabe palavra nova, “inauguraçom”!

- Inauguração, palerma!

E sempre a rir, lá ia ele tentando corrigir a pronúncia: - “ão, ão, inau…gura…ção.


- Alfero, qué que é um “opiniom?”

– Opinião, Adérito, opinião! Quer dizer o que tu pensas de uma coisa qualquer, o que pensas de mim, por exemplo.

- Alfero, “opiniom” tem “manga de ronco” - rematava logo ele radiante por ficar a saber mais uma palavra e a saber aplicá-la.


- E compro... vati... vu? - voltava ele, suando com o esforço de se fazer entender.

- O quê? Que queres tu agora?

- Comprovativo, nosso alfero?!... suplicava a medo.


E a pouco e pouco ia juntando, como a galinha, que vai catando o milho grão a grão, as palavras novas que escutava nas conversas dos soldados na caserna, dos sargentos na tasca do velho Palha. Depois ias repeti-las na tabanca perante uma assistência de outros miúdos que o miravam incrédulos da sua nova sapiência.

Mas o Adérito via mais longe, via para lá do horizonte da bolanha, para lá do chão que o vira nascer. Como seria lá em Bissau? Era uma pergunta, uma curiosidade que lhe minava o pensamento. Os diabos dos soldados brancos vieram tumultuar a sua alma simples. Suspirava romper mundo fora, talvez nos camiões da tropa, quem sabe? E a melhor das armas que se deveria levar era o saber fazer-se entender, disso não lhe restava a menor dúvida. Os brancos não tinham tudo? Pois tinha que saber falar como eles! Os outros que ficassem para ali sempre na mesma vidinha de sempre. Talvez à espera de serem mortos numa guerra que nunca tinham pedido. Ele tinha que fugir dali para fora!

(Na noite do primeiro ataque ao quartel, Adérito, quando corria a refugiar-se junto dos soldados brancos foi ceifado, por uma rajada de metralhadora disparada não se sabe donde, nem por quem. Renasceu hoje no fundo de uma das gavetas da memória, como um rosto radiante no meio de tantos outros que teimam em não se confundirem com a poeira vermelha da picada levantada pela desengonçada GMC que aos solavancos trouxe de volta os soldados brancos.)

Os meninos de Pirada na sala de aulas
Foto: © Carlos Geraldes (2009). Direitos reservados


Viana, 28 Dezembro de 2009
carlos.geraldes@live.com.pt
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5385: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (13): O primeiro ataque a Pirada e a morte do Gila

Guiné 63/74 - P5573: Contraponto (Alberto Branquinho) (4): Desenraizado

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 27 de Dezembro de 2009:

Como o Natal já passou, abaixo transcrevo uma coisa escrita em 1971/1972 a propósito disso mesmo, enviando, ao mesmo tempo, votos de muitos e bons anos, incluindo o de 2010.

Vai junto, também, um abraço para todos, tanto para os que lerem como para os que venham a não ler e, se tiverem lido, tanto para os que gostem como para os que detestem.


CONTRAPONTO (4)


Desenraizado


No chão
à porta da casa onde foi senhor
está um pinheiro-de-Natal anão
restam-lhe uns flocos de algodão
(fingimento de neve)
e muita dor.
Já não tem luzes, brinquedos,
fios prateados e dourados…
Conheceu intimidades, enredos,
fingimento, adulação, calor.

Agora não pode voltar ao lar
E, nem mesmo, ao seu pinhal
Só porque já passou o Natal.


(IN: “Pré/Texto” – 1973)

------------------

P.S. – Porque Natal é nascimento, o nascimento do Cristo-bébé, o tal que veio a provocar uma revolução social com as suas ideias, qual é a razão pela qual vemos durante o Natal quase só Árvores assim ditas e o dito Pai-Natal?

Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5445: Contraponto (Alberto Branquinho) (3): Fugas... na hora da morte

Guiné 63/74 - P5572: Pensamento do dia (17): A guerra colonial e o sentido da História (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 31 de Dezembro de 2009:

Carlos
Chegou-me agora mesmo à cabeça este texto que te envio para dele fazeres o que quiseres.

Um forte abraço para ti e para toda a camaradagem
José Brás


A Guerra colonial e o sentido da História

Por aquilo que digo correntemente sobre o tema que se abriga por debaixo do título, alguém, senão mesmo a maioria dos que me lêem, pode muito bem e unilateralmente, montado apenas nas palavras e nas ideias incompletas que esta forma de comunicar comporta, concluir que está perante um desses pseudo-intelectuais cheio de conceitos mal-fabricados por aí em tertúlias esquerdistas, recusando tudo quanto cheire a passado e a feitos deste grupo a que chamam povo desde Afonso Henriques, ou, de acordo com a história oficial, antes ainda, em Viriato e seus pastores, pelo menos.

E também poderá imaginar-se que desdenho o próprio acto de guerra suportado pelos militares portugueses, as acções no terreno, a luta que, sem assento na cadeira do poder, tiveram que assumir contra um inimigo que havia de derrotar, quer dizer, de eliminar.

A vida é o que é, e não o que gostaríamos que fosse, e sendo o que é, temos que agir como é… e não como se fosse o que gostaríamos que fosse, senão nunca virá a ser o que queremos que seja, mas outra coisa, provavelmente pior do que a da nossa esperança.

É minha convicção que Portugal raramente teve os líderes que este povo merecia e que, mesmo os heróis a que nos habituámos, reconquistadores do território, sendo gente brava no combate a Mouros e Leoneses, eram, de facto, fracos líderes políticos, mais gostando de comezainas e bebedeiras e torneios do que de aproveitar o conhecimento que nos deixaram os derrotados Árabes..

Dizem mesmo que a fundação da nacionalidade se deve mais a disputas entre a Igreja de Braga e de Santiago de Compostela e que não fora isso, teríamos continuado espanhóis até hoje, sem razões, portanto, para refilar sobre Olivenza.

Acredito que, como tudo na vida, também a igreja é e tem sido ao longo dos tempos, uma entidade dual, plena de bem e de mal, uma zona clara e brilhante que ajudou o homem no seu sonho de belo, e outra escura, repressora, mutiladora desse sonho.

Infelizmente, em Portugal, o tempo e a acção do poder desta última metade, é incomensurável e tragicamente maior do que os da outra.

Sempre que tivemos chefes brilhantes este povo elevou a sua verdadeira estatura, como no caso de 1383, no caso da chamada Escola de Sagres, nos vultos humanos como Gil Vicente, António Vieira, Damião de Góis, Pedro Nunes, Camões e tantos outros não nomeados mas tão importantes como estes, porque ninguém constrói “Tebas a das sete portas, sozinho”.

E mesmo na aventura que era partir daqui para o desconhecido, cheios de terror feudal, a cabeça plena de imagens de fábula, de monstros e dragões.

E a própria guerra que teve de fazer-se para ocupar as terras achadas, o sacrifício e heroicidade de tal gente que, sabendo disso ou não, deram um dos maiores contributos alguma vez dados, para que o mundo “pulasse e avançasse”.

O mal foi que o pensamento feudal e uma certa ideia de deus nos afastaram sempre do seu caminho.

Fomos colonialistas escassos porque sempre analfabetos, agarrados a passados pelo seu lado mais negativo, afastados do progresso e da ideia de mudança.

Mesmo temendo cair em cliché, diria que fomos em África apenas mais uns pretos, de tez menos carregada. Casámos com negras, vivemos nas matas, abrimos lojecas nos musseques, fizemos mulatos e tentámos ensinar o significado fundo da palavra saudade.

Também matámos e reprimimos, tem que se dizer, porém sem a crueza exibida por outros, “de cruz numa mão e de espada na outra”.

Quando os outros colonialistas (esses de verdade e inteiros) iniciaram a descolonização, tínhamos no poder um homem que não podia entender a vida porque foi sempre um monge, e tínhamos na alma a convicção de que éramos também África, quer dizer, as terras e o conceito de nação que construíramos ao longo dos anos em África.

É só isto que me leva a falar como falo, com palavras que querem dizer mesmo da minha crença funda de que inteligente e historicamente humano, teria sido mesmo negociar, salvaguardando o melhor do passado para construir um futuro bom, e não partir para uma luta que ninguém ganharia e que inviabilizaria, seguramente, qualquer caminho em comum.

A Guerra Colonial foi, assim, a oportunidade para o melhor dos “Últimos Guerreiros do Império” e para o pior “Regresso das Caravelas”.

Os novos países de África precisavam de nós, pese embora a opinião de alguns dos seus cidadãos. Nós precisávamos de África, embora alguns de nós julguem que somos apenas europeus, e, afinal, com tanta hesitação, nem somos africanos, nem europeus, mas qualquer coisa que ainda não desistiu de uma costela nem da outra.

Os nossos militares, nessa guerra, foram apenas mais uma prova da capacidade deste povo para aceitar o sacrifício, a dor e a morte em nome das suas convicções, certas ou erradas (se é que esta diferença existe), bravos que tentaram tudo para que o feudalismo persistente acabasse por entender que o caminho não era por ali.

É só isto, amigos, que me anima as palavras que digo e a crença em que, também eu, persisto.

No resto, embora contrariado, fui o que foram vocês todos, mesmo os que não me entendem, guerreiro que fez o que lhe era possível fazer, no sofrimento e no risco, e não branco fujão como, podia ter sido.

Abraços a todos (a todos, mesmo) e um melhor anos em 2010.
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3208: Pensamento do dia (16): E não se pode exterminá-la ?... A epidemia de cólera em Bissau (Sofia Branco, Público)