sexta-feira, 16 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6167: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (1): "Os cobardes, esses, vivem mais, mas nunca hão-de ter música para dançar" (provérbio tradicional guineense)




Lisboa > Museu Militar >  15 de Abril de 2010  > O Amadu, 70 anos, de fato completo, gravata, e as suas condecorações,  autografando o seu livro... A seu lado, a filha e o neto... Pareceu-me estar feliz, apesar do peso da idade e da doença crónica... Disse-lhe, na brincadeira: "Agora é que vais ser famoso e rico"... 


Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > O Amadu, a filha e o neto, antes do início da sessão...  O Amadu foi apresentado como um grande contador de histórias, dotado de uma prodigiosa memória, como um homem bom, recto e profundamente religioso, bem como um grande operacional que serviu, com coragem e dedicação o exército colonial português, a partir de 1962,  ano em que fez a sua recruta em Bolama... Promovido a 1º Cabo em 1966, foi sucessivamente graduado em furriel (1970), 2º sargento (1971) e alferes (1973). Na foto, ostenta a sua Medalha de Cruz de Guerra de 3ª Classe, ganha em 1973.  O subtítulo deste poste é retirado de uma citação  do seu livro:  "Os cobardes, esses, vivem mais, mas nunca hão-de ter música para dançar"... Como todos os provérbios populares, e nomeadamente africanos, não tem uma leitura imediata nem linear... 



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > A filha e o neto do Amadú (que tem mais uma filha e um filho, a viverem no estrangeiro).




Lisboa > Museu >Militar > 15 de Abril de 2010 > Apesar de ter perdido ainda recentemente a sua mãe, o Virgínio Briote estava feliz pelo Amadu e  pela concretização de um projecto onde ele investiu muito do seu tempo, talento, camaradagem e generosidade.. Estevbe sempre atento ao Amadú, segredando-lhe ao ouvido algumas dicas...A felicidade do nosso querido amigo, camarada e co-editor seria completo se o Amadu tivesse aproveitado a ocasião, como era a sua intenção, para a estender a mão aos inimigos de ontem, num gesto  histórico de reconciliação, que teria grande simbolismo. Mas o Amadu não se sentiu muito confortável nem em condições de saúde para dizer as palavras que estavam nop seu coração e na sua cabeça (e que estão no seu livro).

Por detrás dele, sentada, a Maria Irene, sua esposa, professora do ensino secundário que sempre o acompanha nestes actos públicos. Na foto, à direita, o nosso camarada Carlos Santos, que veio de Coimbra (Recorde-se que foi  Fur Mil da CCAÇ 2700, Saltinho, 1970/72). A malta do nosso blogue esteve presente em força, querendo com isso testemunhar o seu apreço e carinho ao Amadu. Em próximos postes, apresentaremos mais fotos e vídeos.




Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Sessão de lançamento do livro "Guineense, Comando, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). Aspecto geral da assistência, completo a ala central das famosas caves manuelinas... Na primeira fila, do lado direito, reconheço a Dra. Maria Irene, esposa do Virgínio Briote bem como o comandante Alpoím Galvão, além do representante do Chefe do Estado Maior do Exército.





Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > A apresentação do livro este a cargo de três oradores: O Cor Comando Ref Raul Folques (de que lamentavelmente não temos foto, apenas um vídeo que será aqui reproduzido noutro poste; foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos), o Cor Inf Ref e escritor Manuel Bernardo (na foto) e  ainda o jornalista e analista político Nuno Rogeiro.  




Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Outro orador, o Nuno Rogeiro, apresentado como um amigo da Associação de Comandos... Disse que leu o livro de um trago. Fez uma análise original, que temos registado em vídeo.


Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 >  O Autor, Amadu Bailo Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, e o presidente da Associação de Comandos, Dr.  José Lobo do Amaral... Nas suas palavras de abertura fez questão de, em nome da associação,.  agradecer "ao sócio comando Virgínio António Moreira da Silva Briote a disponibilidade, competência e dedicação com que acompanhou esta Memória, sem a qual não teria sido poossível esta edição"... No final, também me agradeceu a divulgação dada pelo nosso blogue e manifestou o seu regozijo pela entusiasmo com que foi recebida o 1º volume das memórias do Amadu bem pelo pluralismo das abordagens dos oradores.



Fotos e legendas: ©   Luis Graça (2010). Direitos reservados

Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 30 de Março de 2010:

Caro Luis, Vinhal, Magalhães e restante Tabanca Grande
Algum tempo atrás recebi via Luís e Vinhal um pedido de contacto do meu camarada Passos do PELREC do BCAÇ 3872.

Rapidamente respondi ao nosso camarada, que eu já não via há alguns anos, após termos mantido contacto regular durante algum tempo. A vida troca-nos as voltas e o Passos e família, embora não aparecessem, eram sempre falados nas reuniões anuais da CCS e Companhia.

Mas tudo isto faz parte do pedido que o Passos me fez, que foi o de o apresentar à Tabanca uma vez que está a dar os primeiros passos na Arte de Navegar em Toda a Net.

Assim, o Manuel Carvalho Passos foi incorporado na Carregueira onde tirou a Recruta, daí foi para RI6 do Porto para tirar a Especialidade de Reconhecimento e Informação.
Finda a mesma, foi um dos meus companheiros de comboio até Abrantes, ao RI2.

Foi mobilizado juntamente com o seu Pelotão de Reconhecimento e Informação e foi um dos responsáveis pelo enquadramento amigável que eu tive no seu PELREC.

Regressou a casa, que fica em Matosinhos, mais cedo, penso por motivos de saúde.

Ele já me prometeu que quando estiver mais à vontade, escreverá a tal estória da praxe para os novos tertulianos, mas até lá ficam estas linhas e as fotos que ele me enviou.

Um abraço
JA

Abrantes > No chão: Passos e Ferreira. Sentados, da esquerda para a direita: Silva, Ivo, Léo, Ermesinde e Santarém. Em pé, Amado

Silva, Amado e Passos

Pel Rec com legendas


2. Comentário de CV:

Caro Juvenal, obrigado por trazeres até nós o Manuel Carvalho Passos.

Caro Passos, bem-vindo à Tabanca Grande, onde entraste apadrinhado, embora não fosse preciso, pelo Juvenal que é um dos veteranos do nosso Blogue, com imensos trabalhos publicados. E que trabalhos.

De ti ficamos a saber pouco. Sabemos que tens a Especialidade de Reconhecimento e Informação e que foste para a Guiné integrado na CCS/BCAÇ 3872. Não sabemos o teu antigo posto. Vê se te apuras, como diz o teu padrinho, na Arte de bem cavalgar em toda a net, para nos completares os teus dados.

Como vês, tens muito para nos contares. Podes escrever-nos para luis.graca.prof@gmail.com, carlos.vinhal@gmail.com e magalhaesribeiro04@gmail.com. Qualquer destes endereços estão à tua disposição para receber a tua correspondência. Podes e deves enviá-la sempre para dois deles para teres a certeza de que não se perde.

Tanto quanto me disse o Juvenal, moras em Matosinhos, junto ao Wall Street cá do sítio, digo eu, deduzindo pelo número da tua porta.

Eu moro em Leça da Palmeira, mas Matosinhos foi muito importante na minha vida, desde local de estudo, de trabalho, de encontro da última namorada e de morada durante quase 5 anos no edifício New Ark, bem perto de ti.

Eu mais alguns camaradas organizamos o Convívio Anual dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos que tem lugar no primeiro sábado do mês de Março, pelo que ficas desde já convidado a participar no próximo Encontro.

Caro camarada, deixo-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia. Aguardamos as tuas notícias e a tua colaboração.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6100: Tabanca Grande (211): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74 (Agostinho Gaspar)

Guiné 63/74 - P6165: Em busca de... (124): Procura-se o pedreiro Amaral que pertenceu à CCAÇ 2791 (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66, com data de 8 de Abril de 2010:

Boa tarde companheiros da tabanca grande.
Não sei quem está de serviço, mas como estive a rever uns vídeos que fiz de uma das minhas idas à Guiné, e reparei nestas fotos, que são referentes um aqueduto feito pela nossa tropa quando da abertura da estrada de Teixeira Pinto-Cacheu, lembrei-me de as enviar.
O pedreiro foi um camarada chamado Amaral que era de Sabrosa e pertencia à CCaç 2791. Era interessante se este colega pudesse ver a sua obra passados estes anos.

Eu filmei isto em 1993, estava na zona de Capó. Voltei lá novamente em 2000 e ainda lá continuava, mas em 2008 já não fui capaz de localizar. Sei que a estrada nalguns sitios mudou de traçado, mas não vi o dito aqueduto.

Será que o Oficial de dia publicava isto no jornal da caserna e aparece alguém da CCaç 2791, e quem sabe até o pedreiro?

Companheiro, se por acaso for inconveniente a publicação, tambem não há problema. Agradecia se davas um jeito ao texto pois não sou muito famoso a escrever.

Muito obrigado e desculpa, sempre ao dispor
Ex-1.º Cabo do Pelotão Caçadores 953
António Paulo Bastos








Comentário de CV:

Quem da CCAÇ 2791 se lembra do camarada Amaral que seria pedreiro na vida civil?

O camarada Amaral é natural do concelho de Sabrosa que fica no Alto Douro Vinhateiro que por sua vez pertence à Região Demarcada do Douro, a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo.

Ao concelho de Sabrosa pertencerá, dizem alguns, Fernão de Magalhães, e com todos de acordo, o poeta Miguel Torga, o General Loureiro dos Santos e a nossa querida camarada Enfermeira Pára-quedista Giselda Antunes Pessoa.

Vamos então encontrar o camarada Amaral algures em Sabrosa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6142: Em busca de... (123): Procuro informações sobre Camaradas da CCAÇ 1612 / BART 1896 (Fernando Manuel Belo)

Guiné 63/74 - P6164: O Spínola que eu conheci (13): Os ananases que não chegaram à mesa do Palácio do Governador-Geral (Jorge Félix)


Guiné > Algures > O Alf Mil Pil Heli Al III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)
Foto: © Jorge Félix (2010). Direitos reservados

1. Mensagem do Jorge Félix, com data de hoje

Assunto: Aniversário meu e do Spinola

Caro Luís Graça,

Não sei como te agradecer os momentos que vivi com as mensagens que recebi nos dia dos meus anos, algumas de "gente" que eu nem conheço.

Como sabes, era nesse dia 11 de Abril que também comemorava o Gen António  de Spinola [n. em Estremoz, em 1910, de pais madeirenses, e do lado do pai,  aspirante de finanças, de ascendência italiana].

Tem aparecido histórias e saíram vários livros a recordá-lo (*). A minha especialidade não é a escrita, ou não ando com paciência para grandes relatos, mas não podia passar este momento sem homenagear o homem que tanto admirei.

Junto uma foto do Caco, com a minha pessoa nos comandos do Heli Al III, podendo ver-se no banco  uma arca que variadas vezes o Cap Almeida Bruno [, o ajudante de campo,]  transportava, e que continha alimentação para o nosso Chefe.

Segue uma mensagem que recebi, [em 14 do corrente, no Facebook,] do José Ramos, piloto que já foi falado no nosso Blog e que julgo também devem conhecer:
Está bonito o filme, parabéns. Sempre que me lembro de ti, não posso esquecer um bombardeamento de ananases em Galomaro que ficaram a faltar na mesa do Spinola.
Um abração

O Ramos recorda-me que um dia, no regresso a Bissau levando uns ananases que deveriam chegar à mesa do Spínola, eu resolvi, numa passagem por Galomaro, "oferecê-los" à D. Maria, esposa do comerciante Regala, num estacionário "perfeito", dando liberdade ao mecânico para atirar um a um os "ananases".

Mais tarde informaram-me que a loja esteve uma semana semi-fechada para limpar o pó que o heli levantou e foi parar dentro da casa. Dos ananases nada se aproveitou, nem a D Maria os saboreou, nem o Gen Spinola os recebeu algum dia.

Foi o Ramos que ma recordou, se achares que vale a pena contar, "posta-a".
Abraço
Jorge Félix


2. Comentário de L.G.:

Jorge, ainda não te agradeci, pessoalmente o magnífico vídeo (mais um!) com que brindaste a comemoração do nosso blogue, que também vai fazer aninhos (seis!) no dia 23 de Abril próximo. O teu trabalho, que me sensibilizou, já teve perto de 800 visualizações no You Tube.

O Carlos Vinhal já  fez os devidos agradecimentos. Mas também me fica bem reforçar aquilo que tenho escrito sobre ti e os trabalhos audiovisuais... Tu és o nosso mago,  dás o tal  toque de magia às imagens que publicamos no nosso blogue (e às outras, do teu arquivo). Uma imagem pode valer mais do que mil palavras, mas tu ascrescenta-lhes  vida, ritmo, emoção, poesia...
 
Obrigado também, meu glorioso maluco das máquinas voadoras,  pela tua deliciosa história dos ananases (ou não seriam abacaxis, variedade guineense do ananás ?) que não chegaram à mesa do Bispo (alcunha por que era também conhecido o Spínola, em linguagem cifrada)...  As deliciosas maluqueiras que um homem (não) faz aos vinte anos para chamar a atenção de uma mulher... E, a propósito,  o Regala não te apresentou a conta dos estragos no estaminé ?  LG

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 15 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6160: O Spínola que eu conheci (12): Missirá, Dezembro de 1970, vésperas de Natal: Quando Sexa, o Caco, ia perdendo o dito... (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P6163: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (16): Comemorações do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço

1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em Março de 2010, a quem peço desculpa pela demora:

Amigo Carlos
Aqui vão fotos do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço em Lisboa.
Os tabanqueiros podem tentar descobrir eles mesmo ou algum camarada amigo.
De seguida segue as fotos em pormenor.

Um abraço
RC


CERIMÓNIA PROTOCOLAR DE IMPOSIÇÃO DE CONDECORAÇÕES NO DIA 10 DE JUNHO DE 1966



À esquerda da foto o Cor Braamcamp Sobral, CMDT do BART645, e à direita o Fur Mil Rogério Cardoso, ambos assinalados na foto.



Fur Mil Manuel Basílio Soares Domingos da CART 564, assinalado na foto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6094: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (15): As famosas costeletas do Asdrúbal, e não só

Guiné 63/74 - P6162: Notas de leitura (93): Braço Tatuado, de Cristóvão de Aguiar (Beja Santos)

1. O nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos, com data de 6 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
A viagem açoriano prossegue, o vento sopra de feição, não se prevêem os desfavores da meteorologia atlântica.
Continuo suspenso da solidariedade de todos aqueles que eventualmente tenham mais livros publicados nos anos 80 e 90 e queiram ter a amabilidade de me os emprestar.
Aqui estou, estátua de pedra, a aguardar os vossos sinais.

Um abraço do
Mário


O Braço Tatuado:

O criminoso (às vezes) volta ao local do crime

Beja Santos

A expedição de Arquelau de Mendonça em terras da Guiné, publicada em “Ciclone de Setembro” (1985) deve ter sabido a pouco quer ao escritor quer aos leitores. Arquelau é um ilhéu típico: foi à guerra para não se demorar, andou lá a correr, acompanhado de um casal de rafeiros, comandou o 1º grupo de combate da C Caç 666. As suas correrias, tanto quanto parece, centraram-se no Leste, procurou alhear-se da guerra, era impossível, viu execuções sumárias, dez mortos numa emboscada, entre Piche e Canquelifá. Sofreu as solidões do aquartelamento de Dunane, sentiu a sombra da loucura, depois o Niza, o tal soldado do braço tatuado, resolveu suicidar-se quando a Lena (cujo nome estava tatuado) o preteriu por outro. Não é difícil perceber como o episódio do Niza lhe ficou gravado, obriga Cristóvão de Aguiar a revisitações: “Tento de onde estou parado parlamentar com ele. Faço-lhe ver que aquela loucura o poderá desgraçar para o resto da vida. Não me dá ouvidos. Desgraçado já ele estava, nenhuma outra desgraça o poderia afectar tanto. Dão uns passos a medo e muito devagar. Mal nota que me vou aproximando, dá dois tiros para o ar. Estaco estarrecido. Muito subtil, levo a mão ao bolso e palpo a arma. Ele olha-me com a fixidez de um dementado e entende o meu gesto sorrateiro. Diz ele: Se o meu alferes sonha em tirar a pistola, abato-o de seguida... E despeja, em rajada, quase todo o carregador da G-3 para o ar, mas não tanto para o ar que não sinta o assobio de uma bala rente ao ouvido direito. Não me dou por achado, mas entro em pânico por dentro. A minha cabeça é um carrossel de fogo. Mordo os beiços numa tentativa de autodomínio, se calhar de autodefesa. Verifico que o Niza não traz cinturão nem as cartucheiras. Respiro de alívio”.

O Braço Tatuado, garanto ao leitor, ainda tem muito para dizer. Em 1990 vai pela primeira vez aparecer desafectado do Ciclone de Setembro. Tem inúmeras parecenças mas foi à forja, aparece clarificado, tonificado, menos ilhéu. O autor esquematiza menos, aviva detalhes, tece maiores considerações sobre o que os oficiais do quadro permanente pensavam dos outros, os seus subordinados:

“ – Veja bem, nosso alferes, quem são os militares que se deixam abalar por problemas do foro psicológico e têm na sua maioria de ser evacuados para a psiquiatria: alguns – poucos – furriéis e uma caterva de oficiais milicianos, sobretudos os provenientes das universidades de onde saíram abarrotados de filosofices políticas e anti-patrióticas...

O mesmo já não sucedia, por exemplo, os graduados oriundos da Academia, nem aos que saíram, por falta de vocação, dos seminários. Ambas as castas se encontravam compenetradas do dever, da obediência, da resignação, habituada que foi a primeira à dureza da tarimba e às correntes da disciplina da vida militar profissional, formada que foi a segunda no amor e temor à religião dos nossos maiores, no respeito pelo cilício da pátria, que a todos uniu na justa luta.

– Mas é no soldado bronco e simples que se encontra, alferes Mendonça, o nosso melhor material humano e logístico; vê na tropa um súbito céu de fartura, pouco lhe interessando a destrinça entre justiça e injustiça; nem sequer lhe preocupa os porquês desta guerra que de fora nos impõem, o que nos facilita a tarefa de explicar; por isso, o nosso alferes nunca viu nem de certo há-de ver um soldadinho dos genuínos sofrendo da caixa dos pirolitos; logo que se lhe dá vinho tinto ou mesmo branco, rancho suculento e correio a tempo e horas, nada, mesmo nada deste mundo o fará esmorecer...”

Cristóvão de Aguiar cultiva as emoções-limite, os comportamentos da crueldade paradoxal (aquela que precisa de ser vista por detrás do espelho): pessoas ternas, só na aparência, capazes da mais imprevista sanha homicida; o fanfarrão acobardado; a solidão que nos torna mais frágeis quanto, como um raio, nos chega uma notícia aterradora (é o caso do Niza). O suicidado recebe os benefícios da burocracia militar: fora criado na companhia um saco azul (mediante um pequeno desconto mensal no pré de todo o pessoal) destinado à aquisição de urnas de chumbo e caixões condignos. “Teve o Niza um vistoso e moderno caixão de madeira de pau-sangue envernizada que servia de invólucro a uma bem vedada urna de chumbo. O nosso Primeiro Gervásio abateu-o ao efectivo da Companhia 666 em Ordem de Serviço e não se esqueceu de mencionar que o soldado número tantos, barra 64, ia abonado de alimentação e de pré até hoje inclusive...”. Há os ataques de abelhas, as flagelações, mas havia sobretudo o silêncio lunar em Dunane. Mas um ilhéu confessa-se, sempre: “A Ilha espera-me do outro lado do tempo, que já não é o meu, e da palavra, que ainda me vai pertencendo, e com a qual vou procurando ressuscitá-la. Como voltar agora à Ilha, que me espera, sempre me esperou, na sua fidelidade de amante antiga que, de tanta esperança desgastada, põe luto fechado e chora uma morte ainda não acontecida mas já há muito pressagiada?”. O autor está exausto, interrompe a narrativa, estão todos de abalada até Bissau, o Uíge já os espera perto do Pidjiquiti. O regresso parece fácil. Nunca será, há sempre gritos, vozes, incêndios, até animais espavoridos nos seus currais de morte. É uma guerra pronta a regressar, insidiosa, fica à espreita, na penumbra do tempo. Cada um voltou à sua ilha, agarrou no arado, remexeu a terra, fez filhos, teve uma profissão, procurou iludir os tais gritos, vozes, incêndios. Os sons, as imagens, as palavras têm esse condão de regressar e deixar a marca do ferro em brasa. É assim com todos nós. Por isso percebo muito bem este cerco lançado por “O Braço Tatuado” e matéria congénere. É uma questão de vermos a edição seguinte.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6155: Notas de leitura (92): Trasfega, de Cristóvão de Aguiar (Beja Santos)

Guiné 63/74 – P6161: Banco do Afecto contra a Solidão (7): Um grande capitão da Guiné - Eurico de Deus Corvacho - CART 1613, Últimas Notícias


1. Este poste destina-se a informar todos os Homens que serviram sob as ordens do então Capitão Eurico de Deus Corvacho, que dele guardam as melhores recordações, e a todos os restantes Camaradas que se solidarizam em acompanhar a evolução das notícias, que vamos recolhendo, sobre o seu melindroso estado de saúde.

2. Em 9 de Abril surgiu um novo comentário, da autoria de Américo Carvalho, no poste “Guiné 63/74 - DLXXVI: O meu capitão, o capitão Cor....”, com o seguinte teor:

Finalmente, e graças ao seu filho mais velho, visitei o meu Coronel em Oeiras, no IASFA, aonde está tipo armazenado. Este Homem extraordinário que é, para mim, um Herói de Abril. Sinceramente nunca me passou pela cabeça que teria de vê-lo amarrado a uma cama no verdadeiro sentido, amarrado pelos pulsos. Até para beber água, com garrafas junto a ele, tem que pedir para lha darem pois ele não pode autonomamente bebê-la, dado estar preso aos beirais (guardas laterais da cama). Eu não sei se será necessário tal prisão, mas, enfim, foi um dia que fiquei triste, por ver o que vi, e pedia a todos, que com ele conviveram, para lhe darem um pouco de calor Humano com a sua presença. A sua morada é IASFA, cama 108 em Oeiras, junto á antiga Fundição de Oeiras. Sem mais agradecia do coração que fizessem uma visita a este Homem que eu conheci bem e me ficou no coração.

3. O nosso Camarada Luís Graça, em 12 de Abril, reenviou ao filho do Coronel (com o mesmo nome do pai - Eurico Corvacho), o mencionado comentário, para seu conhecimento:

Meu caro Eurico: Pelo que vejo, as notícias sobre o seu pai, nosso camarada, continuam a não ser as melhores. Dou-lhe conhecimento deste comentário. Julgo que o Américo Carvalho seja alguém da companhia comandada pelo seu pai em Guileje. Gostava de confirmar, antes de dar o devido destaque ao comentário. Se o comentário for de pessoa idónea (como eu espero), gostaria de ter mais informação sobre a situação do seu pai, local onde está, horário de visitas, etc. Saudações. Luís Graça

4. No mesmo dia, poucas horas depois, veio uma esclarecedora resposta do filho:

Meu caro Luís Graça e todos os camaradas de armas do meu pai,
É com muita satisfação que vou tomando conhecimento da preocupação e das mensagens de solidariedade que tenho recebido destes homens que tiveram a oportunidade de privar com o meu pai.
Efectivamente ele tem uma doença, Corea de Huntington, do foro neurológico, degenerativa e sem tratamento. Um dos sintomas tem a ver com a descoordenação dos movimentos, o que faz que os doentes em fase avançada tenham que ser, com equipamento especial, amarrados á cama no sentido de não se magoarem involuntariamente. Não é efectivamente bonito de ser ver, mas um mal necessário.
Mais, quero frisar e louvar todo o corpo de médico e de enfermagem do IASFA, que tem sido impecável no seu acompanhamento.
O quadro dele é estável, tendo resistido a vários episódios clínicos complicados.
Penso que tem momentos de lucidez e por vezes reconhece as pessoas, fica contente com as visitas que vai tendo.
O IASFA fica junto á estação de caminhos-de-ferro de Oeiras e o horário das visitas vai das 13 às 19 horas, todos os dias.
IASFA/ Assistência na Doença a Militares
Rua Piedade Franco Rodrigues, 1
2780-383 OEIRAS
Vou mantendo informado de qualquer alteração deste cenário.
Saudações,
Eurico Corvacho

5. Mais uma vez agradecemos ao Sr. Eurico C. Corvacho, as notícias que nos foram prestadas, registando aqui um sempre renovado e sincero desejo das melhoras do seu estado de saúde.

Emblema do IASFA: © (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

25 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 – P5007: Banco do Afecto contra a Solidão (6): Um grande capitão da Guiné - Eurico de Deus Corvacho - CART 1613, Últimas Notícias

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6160: O Spínola que eu conheci (12): Missirá, Dezembro de 1970, vésperas de Natal: Quando Sexa, o Caco, ia perdendo o dito... (Jorge Cabral)

1. Já há tempos demos aqui a (boa) notícía de que as famosas estórias cabralianas, nascidas da veia humorística do Jorge Cabral, o mais lídimo representante da corrente literário-filosófico da guerra do absurdo (possivelmente só a par do nosso saudoso Raul Solnado), vão ser publicadas em suporte de papel, isto é, em livro... 

Pelo menos ele já me encomendou o prefácio, e garante que já tem editor, faltando-lhe apenas um bar de alterne, de preferência triste e rasca, como local condigno e mentalmente saudável para lançar a obra com as aventuras e desventuras do Nosso Alfero lá pelo chão fula...

Como humor com humor se paga,  eu fui ao arquivo repescar esta estória que não pode nem deve ser entendida como sinal de menos respeito pelo nosso antigo Com-Chefe, agora subido ao Olimpo dos Deuses e dos Heróis...

Em contrapartida, e porque não há favores (nem almoços) de borla, o Jorge cravou-me para lhe fazer a conferência mensal, lá no seu estaminé, na Universidade Lusófona... Vai ser a 28 de Maio próximo...E o tema adequa-se ao perfil do Nosso Alfero: A guerra colonial e as suas repercussões na sociedade portuguesa: um enfoque sócio-antropológico... LG


2. Quando SEXA o CACO, em Missirá, ia perdendo o dito (1)

por Jorge Cabral

O protótipo do Nosso Alfero, ou melhor, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, filho de militar, com avoengos ilustres, estudante universitário, menino-boémio das Avenidas Novas, amador do Teatro do Absurdo, ... comandante, no TO da Guiné,  do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71; hoje, advogado e professor universitário. "Trata-me bem deste homem, porque já não há disto" - foi a recomendação do Branquinho, há dias, em Coruche, no convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e subunidades adidas...

A mensagem, lacónica como sempre,  que o Jorge me mandou, rezava assim: "Luis Amigo e Companheiro, aí vai o relato da visita do Caco. Infelizmente não foi filmada... Um grande abraço, Jorge"....

O episódio passa-se em Dezembro de 1970... E já foi publicado na série Estórias cabralianas, na I Série do blogue, de mais difícil pesquisa e acesso (*)


Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (2).

(Estou tramado, o quartel está uma merda. Que visto? Apresento-me em estado de nudez? Não há tempo a perder. O pássaro já poisou e o General avança. Enfio uns calções antigamente verdes, umas chinelas, e claro uma boina, para poder fazer a devida continência).

Eis-me assim, garboso Comandante, apresentando a tropa, e os milícias, todos eles mal fardados, como era habitual. Sua Excelência, pede um intérprete, pois vai botar discurso. E começa:
- Debaixo desta bandeira… - e aponta o braço na direcção onde pensava que a mesma existia. Fica-lhe o braço no ar, mas continua:
- ... A Pátria… - , e notando a atrapalhação do tradutor, pergunta-lhe:
- Sabes o que é a Pátria?
- Não - responde aquele.

(Lixei-me! Vou ser despromovido, talvez preso. Dentro de mim um turbilhão de maus presságios começa a fervilhar. Mentalmente preparo réplicas. Não é necessária bandeira, pois a Pátria está dentro de nós, e por isso, meu General, é indefinível, responderei).

Mas o Caco nada me pergunta. Vem acompanhado de três majores e um capitão. Querem ver tudo. Primeiro a Escola. Onde funciona?

(Escola? Qual Escola? Pensa rápido, Jorge! Inventa!)

- Sabe, meu Major, estas crianças também frequentam o ensino corânico, que decorre ao ar livre. Por isso considerei que a nossa escola não devia ser enclausurada, pois tal podia traumatizá-las.
- Ainda assim…- começou o Major, impedido de continuar por um olhar do Com-Chefe.
- E o Heliporto? - indagou um outro Major - Parece muito atrasado.
- É que, meu Major, faltam os materiais e também operários especializados.
- Operários especializados? Então e os seus soldados?!
- Todos homens de Fé, meu Major. Tirando a actividade operacional, dedicam-se à reflexão.

Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral (3), sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!)

Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu.

Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa de whisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló (4). Contou-me o Branquinho (5) que, quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem!

© Jorge Cabral (2006). Direitos reservados






Guiné > Natal de 1970 > RTP: Mensagem natalícia do Com-Chefe, Gen António Spínola. Vídeo da RTP (com a devida vénia...)

Vídeo (1' 39''): Alojado no You Tube > Nhabijoes  (conta do nosso blogue)

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Notas de L.G.

(1) Caco (ou Caco Baldé) era a a alcunha, afectuosa,  por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. Os seus pares chamavam-lhe o Velho, termo mais depreciativo.  O termo Caco queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava, na vista direita... Baldé, por seu turno,  era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, aliados de Spínola...

(2) Este tipo de visita-surpresa, na quadra festiva (Natal e Ano Novo), por parte do Com-Chefe, António de Spínola, era frequente... Ia a todos os recantos da Guiné. O homem, já com 60 anos feitos, aparentava uma energia, física e mental, que pedia meças aos seus colaboradores mais próximos.

(3) Furriel Miliciano do Pel Caç Nat 63 (1969/71).

(4) Capitão graduado comando da 1º Companhia de Comandos Africanos, na altura sediada em Fá Mandinga.

(5) Furriel  Miliciano do Pel Caç Nat 63 (1969/71), irmão do nosso camarada Alberto Branquinho.

(*) 13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

Guiné 63/74 - P6159: O Spínola que eu conheci (11): Visitas inesperadas... ou o humor do Cá Olho Baldé!

1. Mensagem,  com data de 11 de Fevereiro de 2010, do José Belo ex-Alf Mil,  CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70) (*):

 Assunto: Visitas inesperadas. Ou...humor do "Cá Olho Baldé"! (**)

Caros Amigos e Camaradas, nem tudo daqueles tempos são más recordações!
 
O Comandante-Chefe gostava de aparecer inesperadamente no mato, em visitas de controlo de disciplina, de confecção dos ranchos e bem estar das praças, em acompanhamento da actividade operacional, e em encorajamento, tanto pela palavra como pelo exemplo, após ataques inimigos nas zonas visitadas.
 
Gostava (?) também,dizia-se, de dar "porradas" mais que merecidas a Srs. Oficiais inconpetentes, vigaristas, ou em ambos os casos!
 
Mas, para além disto tudo, gostava também (mais paternalista, talvez!?), de fazer "suar" os pobres dos Comandantes das Companhias, quando, ao surgir-lhes inesperadamente pela frente, exigia detalhes precisos e briefings da situação operacional da zona.
 
Sentava-se então, normalmente, em cadeira estrategicamente colocada na sala de operações da Companhia, frente aos mapas orgânicos e operacionais da zona de acçao da Companhia. E,em silêncio, só interrompido por perguntas bruscas e directas, fazia o Capitão "espremer" literalmente tudo o que sabia.....e não sabia. E era bom que soubesse!...
 
Ora este Sr. Capitão, em calções de comprimento bem abaixo do joelho, e já a atirar p'ró gorducho em que rapidamente viria a transformar-se... pouco sabia! Em tique nervoso,acompanhava o "ponto da situação" com energia, batendo com o ponteiro no grande mapa da parede. Mostrava eixos de infiltracão inimigos, possíveis acampamentos, postos sanitários, patrulhamentos, emboscadas montadas pela Companhia, zonas que o inimigo controlava, etc,etc,etc.(E o ponteiro sempre deslizando pelo mapa...demonstrativamente!).
 
Ao terminar,  encharcado em suor,o único ruído que se ouvia era o do FAISCAR do monóculo do Comandante-Chefe. Este, voltando-se com cara de poucos amigos para o seu Ajudante Almeida Bruno, deixou cair com gélica secura:
- Que estivesse a apontar no mapa durante todo este tempo para além da fronteira e já bem dentro do Senegal.....já seria muito mau.  Mas agora que o ponteiro estivesse a apontar ainda para mais além que o Senegal.......isso é demais!...........
 
FELIZMENTE QUE AQUI O NOSSO CAPITÃO NÃO DISPÕE DE UM MAPA MUNDO!~
 
 Abisko, 11 Fev/2010. José Belo.

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Notas de L.G.:


Guiné 63/74 - P6158: Parabéns a você (107): António Pimentel (ex-Alf Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70 (Os editores)

»+» F*E*L*I*Z...A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O «+«

1. Festeja hoje mais um aniversário o nosso Camarada António Pimentel, cliente habitual da Tabanca de Matosinhos, e que foi Alf Mil Op Esp/RANGER na CCS do BCCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70.


2. Foram infrutíferas as buscas no blogue, sobre notícias do Pimentel, pelo que é de crer que ele, até ao dia de hoje, nunca se nos apresentou “formalmente”.
Esse motivo não impede que lhe dediquemos, neste dia de aniversário, uma mensagem.




António Pimentel/João Rocha > Dois Alf Mil Op Esp/RANGER do BCCAÇ 2851 > Uma parelha indissociável > Foram parelha em Lamego. Foram parelha na Guiné. Continuam a ser uma parelha na Tabanca de Matosinhos,  todas as 4ª feiras. Inseparáveis!

3. Como vem sendo habitual, sempre que me toca a mim – MR -, publicar estes postes aniversariantes, para melhor tentarmos avaliar o perfil do António Pimentel, recorri mais uma vez à consulta do seu signo de zodíaco – Carneiro -, para nativos entre 21/03 e 20/04, num site que se tem vindo a tornar muito popular nesta matéria e ao qual se tem acesso através do endereço: KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm), que diz textualmente o seguinte:

Carneiro
21/03 a 20/04


Com os nativos de Carneiro e os que o têm com ascendente, a primeira impressão é a de uma pessoa egocêntrica e de um signo independente, assertivo e impulsivo.
Os Carneiros não perdem tempo e quando tomam uma decisão, agem sobre ela de forma habitualmente rápida.
São energéticos e excelentes lideres mas nem sempre o melhor «seguidor». São óptimos a iniciar as coisas mas deixam-nas frequentemente para um dos signos fixos acabar. Altamente competitivos, gostam de se colocar à prova constantemente.
Apesar de governados por Marte e bastante temperamentais, a fúria é passageira e são em regra acolhedores e inspiradores.
Apresentam qualidades como a coragem e lealdade mas também a impaciência e têm um forte sentido de individualidade. Atraem e realçam estas qualidades também nos outros e o dia de um nativo de Carneiro começa normalmente com um entusiástico estrondo. Aparentam uma certa ingenuidade, por confiarem e acreditarem que os outros são tão directos e honestos como eles.
Marte na primeira casa astrológica influência a personalidade de forma similar. A frase chave para nativos de Carneiro é «eu sou».
Com ascendente de Carneiro, as atracções viram-se para Balanças, governado na sétima casa, a dos parceiros.
Carneiro é um dos quatro signos Cardeais, por estar ligado à mudança de estação e do solstício, tendo como elemento o Fogo.
Anjo: O Arcanjo Cassiel é o protector dos nativos do Signo Carneiro. Cassiel é chamado Anjo Guerreiro e aqueles que nascem sob a sua influência são pessoas criativas, destemidas e determinadas.
Líderes natos, gostam de ocupar cargos de chefia e de desempenhar funções de elevada responsabilidade. Possuidores de um carisma e encanto naturais, são amados por todos e até mesmo as suas atitudes irreflectidas são perdoadas e encaradas como uma encantadora particularidade da sua personalidade.
O Arcanjo Cassiel desenvolve a coragem e a imaginação. Ajuda a moderar a ambição, o espírito de competição e o egocentrismo.
4. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:

PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA,
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS,
PARA O AMIGO TONINHO,
UMA SALVA DE PALMAS!
E mais acrescentamos:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.
Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.
Com manga de abraços fraternos... manga deles mesmo!

5. Comentário (tardio) do L.G.:

O Pimentel é um bom e leal amigo e camarada da primeira hora do blogue. É um português que ama a Guiné e o seu povo. É um homem solidário. Participou inclusive no 1º Encontro, realizado na Ameira, Montemor-O-Novo, em 14 de Outubro de 2006. E fez inclusive uma intervenção, a propósito das perspectivas de desenvolvimento do blogue que ia no sentido na abertura da estrada da solidariedade. Sintetizei a sua ideia nestes termos:

"Haveria um crescente número de ex-combatentes que amaram e continuam a a Guiné e o seu povo, dispostos a ajudar, de maneira efectiva, concreta e solidária, o desenvolvimento daquele país, sendo importante para esse efeito canalizar essas ajudas (financeiras ou outras) para uma organização não-governamental (ONG) que seja credível (António Pimentel)".

Tenho convivido com ele, nomeadamente na Tabanca de Matosinhos. Mas também já estivemos na Guiné-Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). Aí descobri a sua faceta de grande dançarino...

Um grande Alfa Bravo para este "homem grande" da Figueira da Foz, há muito radicado no Porto.

PS - António, continuo a ser fã do restaurante "Carrossel", na Cova-Gala, na margem sul do Mondego... Gosto de lá ir sempre que posso e passo pela Figueira... Foi uma preciosa sugestão tua, tirada do teu vasto conhecimento do nosso rico roteiro gastronómico...


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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6157: O Spínola que eu conheci (10): A reocupação do Cantanhez, Dez 1972 / Jan 1973 (Carlos Matos Gomes, Cor Comando na Reserva)



1. O nosso Camarada Carlos Matos Gomes, Coronel Cav COMANDO na situação reserva, conhecido estudioso e analista da Guerra do Ultramar, investigador e também romancista e argumentista (autor de, entre outras obras, sob o pseudónimo "Carlos Vale Ferraz", do romance "Nó Cego", 1983), enviou-nos a seguinte mensagem, em 12 de Abril de 2010:

Olá Luís, um abraço para ti e para todos os ilustres tabanqueiros.
Como acontece com frequência e sempre com prazer e proveito, passei pelo blogue.
Como julgo ser interessante reflectir a propósito do que todos temos à nossa disposição nesta extraordinária casa de convívio e como modesto retribuição do muito que dela tenho recebido, junto envio um texto sobre o post P6144, relativo ao general Spínola. (*)

Guiné, Cantanhez, 1973

Julgo, com elevado grau de certeza, que esta fotografia é de Janeiro de 1973 e foi tirada em Caboxanque. O oficial em fundo, atrás de Spínola, no seu lado esquerdo, de boina, é o capitão de cavalaria Fernando Carvalho Bicho (já falecido).

Um pouco de história para enquadrar a foto, retirado da obra «Os Anos da Guerra Colonial» que eu e o Aniceto Afonso publicámos em 2009 no Correio da Manhã (Volumes 13 e 14).

Após Marcelo Caetano ter proibido Spínola de continuar os contactos com o presidente Senghor do Senegal, para encontrar uma solução política para a guerra (Maio 72), o general percebeu que nada mais lhe restava a não ser garantir a posse de um núcleo territorial que permitisse ao seu sucessor continuar a guerra.

Em Julho de 1972 ordenou, através da Directiva 10/72, a reocupação do Cubisseco, com a instalação dos Destacamentos de Fuzileiros Africanos 21 e 22, primeiro passo para a reocupação do Cantanhez. A reocupação desta península será determinada pela Directiva 23/72.

O conceito de manobra de Spínola era estabelecer a fronteira sul da Guiné no rio Cacine. (Um parêntesis para falar de Guileje: Spínola teria previsto retirar de Guileje e de Gadamael, mas por sua iniciativa e não por pressão do inimigo, o que seria sempre apresentado, como foi, como uma vitória do PAIGC – daí a sua insistência para a guarnição resistir e a sua frustração pela retirada).

Cacine poderia manter-se, ou não, para controlar a foz do rio.

Em Dezembro de 1972 foi lançada uma operação coordenada pelo COP 4 (recém constituído) e comandada pelo tenente-coronel páraquedista Araújo e Sá. Foram ocupados três destacamentos na margem do rio Cumbijã: Caboxanque, Cafine e Cadique.

Com esta manobra convencional, Spínola pretendia de criar no Cantanhez uma “zona principal de resistência” e aí controlar militarmente o Sul da Guiné.

O COP 4 ficou na dependência directa de Spínola e tinha as seguintes forças iniciais 2 companhias de Paras, 2 destacamentos de Fuzileiros, 4 companhias de Caçadores (CCaç 6, CCaç 4540, CCaç 4541,CCav 8352); 1 pelotão de Artilharia 14cm.

A zona de acção do COP 4 era definida pelo rio Cumbijã até Guileje e pelo rio Cacine, de Dideragabi até à foz (península do Cantanhez). A implantação do dispositivo foi efectuada entre 8 e 16 de Dezembro de 1972.

Em Janeiro de 1973 o general Costa Gomes deslocou-se à Guiné e foi visitar as tropas. (A foto é dessa visita) É curioso ler o relatório que Costa Gomes fez da situação da Guiné no seu regresso a Lisboa e datado de 22 de Janeiro de 1973:

“O crescente aumento da actividade inimiga e do seu potencial de combate e, ainda, o crescente apoio externo que vem recebendo, deixam antever o agravamento da situação militar; o aumento do potencial militar, quando encarado sob o ponto de vista das novas armas de que o inimigo dispõe já, ou que virá a dispor muito em breve, constituem indício seguro duma próxima subida de patamar na conduta da guerra”(…)

“O êxito da manobra de contrasubversão depende, no campo interno, das possibilidades de atribuição dos meios necessários para assegurar a continuidade, no mínimo ao ritmo actual do esforço socio-económico que está a ser desenvolvido” (…)

“Os militares do QP denotam vestígios de cansaço e quebra psicológica mais acentuados após cada comissão, sendo urgente medidas eficazes que se oponham a esta tendência e que garantam o rejuvenescimento”.

Um abraço amigo
Carlos Matos Gomes
Cor COMANDO Reserva

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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6156: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (28): Teixeira Pinto - O Bolo

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 7 de Abril de 2010:

Amigo Carlos Vinhal
Ida a Páscoa que espero tenhas passado bem e rodeado pelos teus, cá te mando mais um capítulo de “Viagem…” num tom um pouco leve e adocicado que, dada a gravidade dos momentos passados à altura, espero não ofenda ninguém, muito menos os camaradas de Armas feridos, intervenientes nas acções a que esta narrativa alude.

São eles: o Armindo, o Taia (Enfº), o Casal, o Agostinho Silva, o Monteiro, o Lobo, o Cunha, o Sampaio (falecido há meses) e o Alcino.

A todos eles o meu obrigado.

Um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (28)

Teixeira Pinto - O bolo


Passadas mais ou menos as trinta e seis horas em que me obriguei “a recuperar das “visões do Puto”, de novo fomos convidados a comer uma nova fatia do dito bolo tendo ido fazê-lo para a “estância desportiva” do Balanguerêz (P. Teixeira, Pijame), onde inesperadamente apareceu uma catrefa de “não–convidados–surpresa” que escondidos no meio da vegetação e sem contarmos, nos começaram a agredir atirando-nos “coisas”, desestabilizando o “pic-nic” e obrigando-nos a correr com eles à porrada mas a custo, o que fez “cair bastante mal o bolo” a quatro convivas nossos, que tiveram necessidade de ser assistidos e evacuados.

Meia dúzia de dias volvidos, voltamos à mesma “estância” na esperança de que desta vez conseguíssemos, em convívio e sossego, comer nova fatia. Pois sim…! Estávamos a acabar de inspeccionar uns “bungalows” que se nos depararam no meio do arvoredo da “quinta”, quando a convivência foi estragada novamente por um “monte de arruaceiros” que não nos deixando comer a fatia em paz e sossego, nos começaram a insultar e a agredir - a meu ver “sem razão”, já que aquele espaço à altura nos pertencia - tendo esta agressão causado ferimentos mais ou menos graves a mais cinco amigos que tiveram que ser evacuados com urgência.

Ficamos mesmo “quilhados” com o abuso e falta de decoro! Para além de os termos corrido, arremessando-lhes com quase tudo o que tínhamos à mão, apanhamos–lhes uma pouca “ferramenta e instruções de trabalho“ que esqueceram quando deram “corda aos pés”. De seguida fomos deitando fogo a pr´aí uma dezena de “bungalows” que fomos encontrando e que tinham sido eles a construir à revelia de autorização!

Os “sacanas” eram vingativos, não davam a cara e por mais uma vez no intervalo de uma queima nos esperaram escondidos e tentaram adulterar ainda mais o resto da fatia, que já nos tinha estragado corpos e almas! Felizmente isso não voltou a acontecer.

Aquele “bolo” estava a ficar muito azedo. Era a terceira vez seguida que na mesma zona as fatias ficavam estragadas e o grupo de convivas estava a ficar reduzido. Uns dias de “dieta” e algum descanso foram necessários para recuperação. Passados que foram, voltamos para as mesmas zonas para comer outra “fatia” e ver se havia novos ou outros “bungalows” clandestinos! Desta vez não detectamos construções nem apareceram “penetras” para estragar o convívio e a “fatia” não caiu mal a ninguém, felizmente! Só a noite foi longa de insónia e preocupação (creio que foi essa noite), como espero vir a contar um dia na terceira e na primeira pessoa!

Desta feita como de outras, tive oportunidade de apreciar um tanto melhor as matas daquela zona que ao que recordo e comparativamente com as de Bula, me pareceram não terem na sua maioria uma tão densa intensidade arbustiva que nos dificultasse sobremaneira as progressões em corta-mato, como por segurança e norma fazíamos. Havia mais intervalos espraiados, povoados com arvoredo frutícola assente em tapetes verdejantes de mais ou menos altura e que em tempos de paz seriam convidativos a uma boa sorna à sombra de um cajueiro, abastecida pelos seus frutos refrescantes, que eu muito gostava, ao mesmo tempo que se poderia apreciar as mais ou menos elegantes e harmónicas movimentações e cantares animais disfrutando do seu “habitat”.

Todo aquele tom verde, que se devia a estarmos na época das chuvas, era(é) a cor da Esperança que no fundo nos envolvia e que ainda hoje não deve ser perdida por aquele Povo amigo que continua a sofrer.

O final de Julho chegou e com ele a nossa ida inesperada para o AGRBIS para participar na defesa de uma Bissau em alerta. Circulava à altura a “boca“ de que o Amílcar queria “sentar-se” na cadeira do General Spínola!

Foram uma espécie de “férias” inesperadas, que me proporcionaram conhecer um pouco de Bissau e “descansar” alguma coisa os olhos, no feminino em tons de branco!!

Um abraço a todos
Luís Faria
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6153: Parabéns a você (105): Luís Faria, minhoto, portista, ex-Fur Mil Inf, MA, CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6091: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (27): Teixeira Pinto - o dia-a-dia

Guiné 63/74 - P6155: Notas de leitura (92): Trasfega, de Cristóvão de Aguiar (Beja Santos)

1. O nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos, com data de 5 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Tomei o vapor para as Ilhas açorianas, parece que não quero sair de lá.
Para dizer a verdade, a saudade de São Miguel nunca me largou, ali cheguei em Outubro de 1967, lá permaneci até Março de 1968, vim formar batalhão na Amadora onde me classificaram como “Ideologicamente Inapto para a guerra de contra-guerrilha, mormente no Ultramar português”. Como se viu.
Estou a juntar as fotografias daquele tempo magnífico, bem pode acontecer que esta caterva de recordações desagúe no nosso blogue.

Um abraço do
Mário


Cataplasmas para pesadelos recorrentes

Beja Santos

Desde que escreveu “Ciclone de Setembro” (1985), Cristóvão de Aguiar (1940)* nunca mais largou o filão da Guiné, onde combateu de 1965 a 1967. Virá a desafectar de “Ciclone de Setembro” o romance “O Braço Tatuado” (1990), segue-se “Relação de Bordo” (1999), “Trasfega” (2003) e “A Tabuada do Tempo” (2006).

Acabam por ser farrapos que se evolam da memória, numa hora incerta entre o dia e a noite, uma mistura de recordações passadas na infância, aos encontrões entra-se na guerra, onde se misturam pessoas, rebentamentos, animais que procuram o afago humano, e o apelo à Ilha, a obsessão açoriana espalhada por dois continentes. Pegue-se em “Trasfega” (Prémio Literário Miguel Torga, Publicações Dom Quixote, 2003). É uma colectânea de contos, muito ao sabor das forças elementares da Ilha. E a culminar a viagem ruminada pela açorianidade, as dores inescapáveis de uma Guiné que não descolam daquele alferes da 666, por acaso o número da Besta, o conto “A Noite e a Sombra”. Alguém acorda estremunhado, chegou a hora da apresentação dos fantasmas, eles caminham nos rodízios da mente, quem está a viver o pesadelo permanente procura afastar as imagens das atrocidades que foram vistas por aquelas terras que têm bolanhas, tornados e até rios sem nascente, um território que mingua ou se expande de acordo com a lei inexorável das águas. Quem acordou até se lembra do Apocalipse, súbito entrepõe-se a recordação do pai, aparece depois o professor das primeiras letras e de novo se escancara a bruteza da guerra, dá pelo nome de Querubim, é chefe de brigada da polícia secreta:

“Vejo-o uma noite, em Bafatá, onde fui por abastecimentos e pelo correio para a minha companhia; está na messe de oficiais com duas crianças negras, os pais haviam sido presos e levados para parte incerta, o destino mais que marcado; na altura, ainda não sei desses pormenores, por isso me enternece a sua atitude para com aquelas duas crianças indígenas, parecem gémeas de pouco mais de seis ou sete anos; dá-lhes de comer e de beber com tanta ternura e carinho, que me vou emocionando com os maternais cuidados do secreta, ao serviço do batalhão e da Pátria... No outro dia, logo ao princípio da tarde, estou eu ainda dormindo a sesta, quando o meu guarda-costas, o Vila Velha, vem acordar-me: tinha chegado uma coluna de Bafatá comandada por um alferes meu amigo, queria falar comigo; levanto-me e vou ter com ele; ele então conta-me: “O Querubim, depois de ter saciado as crianças, cujos pais tinham sido levados para parte incertamente incerta, deu-lhes uma grande bebedeira, como se faz aos perus, e degolou-os a seguir longe da messe e do quartel, fora dos olhares cúmplices da hierarquia militar; no dia seguinte, dá o alarme, dizendo que encontrara duas crianças negras degoladas na orla da bolanha: «São certamente os turras os obreiros de tal tragédia...»; nesta conformidade, elabora um circunstanciado relatório dirigido aos seus superiores hierárquicos, denunciando crime tão horrendo, próprio de gente sem escrúpulos nem sentimentos, devemos exterminá-la sem contemplações; diz-me também o alferes Xavier que o chefe de Brigada de gabara, entre amigos íntimos, «Sempre são menos dois futuros turras para chatear...»”. Depois o pesadelo vai até Coimbra, há histórias que se enovelam, mistura-se a Ilha, os tiros nas picadas, coisas passadas em Buruntuma, quem acordou em pesadelo despede-se da escrita insinuando que regressará a qualquer momento. Como comprovam as notas do diário publicado em 2006, “A Tabuada do Tempo, a lenta narrativa dos dias”, Livraria Almedina:

Janeiro, 11 – Ao regressar da guerra colonial trazia por companhia uma caterva de fantasmas. Um deles até nem era desinteressante. Fazia com que me sentisse enjoado na sala de qualquer cinema. Mas, se fosse assistir, na mesma plateia, a uma peça de teatro, nada me acontecia. Nos filmes, tinha de sair a meio – tonto, agoniado, enjoado. Passei então a levar o meu doce fantasma apenas ao teatro, e risquei o cinema dos meus hábitos. Um dia de intensas intenções, decidi esconjurar-me. Decidi ir a um filme de Chaplin. Vomitei na sala de cinema. A cena passava-se a bordo. O mar revelava-se cavado e de tal forma desabrida se balançava o barco, no ecrã, que o enjoo do Santo Amaro, velho iate de cabotagem entre Ilhas, onde em dia aziago encomendei a alma, foi-me pouco a pouco engulhando o estômago. Não tive mão no mal-estar e lancei a carga ao mar alcatifado da plateia. Não me dei por vencido. Fui outra vez. Senti-me mal, mas, por força de vontade, não arredei pé. Dias depois, nova ida. Saí muito menos agoniado. A partir da terceira vez, deixei de sentir os agudos sintomas de princípio de gravidez. Esta tarde fui ao cinema. Antes de me sentar à banca da escrita, lembrei-me e fui espairecer. Estou já na sala do Avenida. Chato é o filme, desligo-me do ecrã. Presto atenção ao moedouro de dentro. Nas conferências de sete léguas faço o mesmo, mas nunca durmo. A arte de dormir, em conferência, só na têm alguns eminentes eruditos. Sintonizam a ciência do não cabeceamento com a última palavra do orador que os desperta para as palmas e os bravos. O filme continua chato, as imagens rodopiam. E eu, sentado num assento fofo, persigo imagens diferentes em outras telas. O banco é duro e comprido. Estou à ilharga de meu Pai, na sala do teatrinho de Pedreira. Assisto ao primeiro filme da vida, a Quimera do Ouro. Pouco ou nada entendo, mas as cenas esculpem-se-me na memória. O actor de bigodinho, chapéu de coco e de bengala, andar escanchado e as ponteiras dos sapatos enviesadas, parece-se com o mestre ferreiro da Lomba, o mestre Jaime, que ensinou o ofício a meu Pai. Radiante com a descoberta, deixo-me arrastar pela corrente magnética que sai do ecrã ao meu encontro e me vai puxando para o miolo da aventura. Nem o coto de cinza em brasa de cigarro, caído do galinheiro do teatro e que me entra no olho direito, consegue fazer-me afrouxar a atenção. Mau grado o ardume e a gana de esfregá-lo, conservo-me impassível. Almofado o olho com o lenço de meu Pai e o esquerdo faz o serviço de ambos. Saí do cinema há poucas horas, o mestre serralheiro da Lomba subindo a saudosa ladeira da lembrança e o Santo Amaro já atracado há muitos anos ao molhe da doca. Que leveza não sentir o iate de cabotagem encalhado na cova do estômago!

Fevereiro, 4 – Uma enxaqueca de endoidar o juízo, já de si pouco famoso. Três dias seguidos e respectivas noites. Parecia que havia regressado ao pós-guerra colonial, o período mais negro e cruel da minha vida. Até me conduziram ao banco do hospital. Depois de uma injecção na veia, fiquei como se tivesse renascido. Via tudo com cores mais vivas e senti-me subir ao ar como um balão.

Maio, 31 […] Ainda tive de esperar mais de uma hora por um programa televisivo sobre a guerra na Guiné-Bissau. Foi para o ar cerca da meia-noite e tinha por título De Guilege a Gadamael, duas povoações onde existiam dois aquartelamentos portugueses, ao sul – o reino do Nino, hoje presidente da Guiné (o chamado corredor da morte) – bases que foram bem fustigadas pela guerrilha e por fim, quando os ataques eram insuportáveis, abandonadas pelas nossas tropas, para fúria de Spínola. Queria fuzilar os fugitivos... Revivi a minha guerra, a paisagem continua idêntica. Gostei do programa, da confraternização dos antigos guerrilheiros com os ex-combatentes, um deles alferes miliciano na altura, actualmente professor de Liceu e com mais vinte e tal anos em cima do pêlo. Falaram todos sem preconceitos, no local outrora inferno, e ainda com resquícios da velha guerra colonial, abrindo o jogo e falando abertamente sobre o que, na altura, Maio de 1973, presidia às suas intenções. NinoVieira estava presente, fardado de camuflado, comandante supremo, na ocasião, daquela zona sulista. O Viriato Madeira esteve por lá cerca de um ano, na Ilha do Como. O Inferno ao vivo!

Como se vê, a memória de Cristóvão de Aguiar promete. Dizia-se, logo a seguir ao termo da guerra, que ninguém mais queria falar dela. Quem tal prognosticou bem se enganou: deve-se ter escrito mais sobre a guerra colonial nestes últimos dez anos que nos últimos trinta e cinco do século XX. As línguas soltam-se, talvez seja a desinibição da idade, de quem quer deixar as contas em dia, o seu legado histórico ao alcance dos outros. E enquanto esperamos novas páginas de Cristóvão de Aguiar, vamos falar de “O Braço Tatuado”.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6124: Notas de leitura (90): Relação de Bordo, de Cristóvão de Aguiar (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6137: Notas de leitura (91): Depois da guerra, as recordações da região de Cacine... e algo mais , de Luís Rosa - II (Beja Santos)