A
ilha da praia do Caniçal…
por Luís Graça
Chita,
em homenagem
aos nossos 40 anos de casados
(1976-2016),
e ao
teu aniversário natalício,
duas efemérides que ocorrem
no "nosso
querido mês de agosto"…
Uma
vida em comum
com
os seus montes e vales,
as
suas ilhas e mares,
os
seus cabos das tormentas
e
das boas esperanças,
os
seus encantos e desencantos,
amores
e desamores,
e
dois filhos,
uma Joana
e um João,
que
são afinal as flores mais lindas do nosso jardim.
só posso
oferecer-te rosas,
meu amor,
vermelhas,
em celebração
da vida e do amor.
Nunca te ofereci outras flores,
senão rosas,
vermelhas.
Espero que gostes deste poema
sobre (a ilha d)a praia do Caniçal
onde demos o nosso primeiro beijo, lembras-te ?
Teu,
(e)terno amante e amado, Nhicas.
Praia do Caniçal…
Poderia ser a minha ilha,
afinal, aqui tão perto,
poderia ser a minha ilha,
sim, senhor,
se eu quisesse ser egoísta,
se eu pudesse, outrossim,
ter uma ilha só para mim,
registada em meu nome pessoal,
depois de me ter perdido
na vida,
e de ter sido achado por ti, algures no deserto!
A mais exclusiva das ilhas,
com muitas milhas em redor,
pintadas de azul marinho,
até perder de vista,
“ad nauseam”.
Não, não nasci,
nem gostaria de ter nascido numa ilha.
Se eu lá tivesse nascido, não duvido,
o sítio perderia todo o encantamento,
que é coisa que está
justamente ligada ao mistério.
Não, não quereria
nenhuma ilha como berço
e muito menos o oceano Atlântico
como cemitério.
Mas, confesso,
gostaria de ter tido um ilha,
só para mim,
como se eu fosse o Robinson Crusoé
do século XXI,
náufrago
apátrida,
sem lar nem terra,
errático,
proscrito,
ex-veterano da guerra da Guiné
ou de outra qualquer guerra.
Robinson Crusoé
ou outro pobre diabo,
em busca de uma ilha,
porto de abrigo
ou tábua de salvação,
e a quem tivesse saído o Euromilhões
por um bambúrrio da sorte
ou tivesse sido nomeado
presidente do Goldman Saque Saque Saque,
por um dia,
por um um simples bug
informático.
Não sei se há ilhas dessas
à venda,
ao desbarato,
aqui à porta,
na feira da ladra
ou da bolsa vazia de valores de Lisboa,
no meu país
que é Portugal
ou no que resta dele.
Yes,
Portugal, my Lord,
Portugal,
sítio, para quem não sabe,
que fica na ponta mais acidental da Europa.
Uma ilha rigorosamente exclusiva
e vigiada,
concentracionária,
com arame farpado
e neblinas matinais,
por causa dos meus medos irracionais,
a sul do cabo Carvoeiro,
e com um arco-íris grafitado
a anunciar a borrasca que aí vem,
para desencorajar os intrusos,
afastar os mirones,
intimidar os candidatos a refugiados,
ah!, uma tabuleta a (con)dizer,
um gigantesco
outdoor,
em português, gente com fama de cortês,
em inglês, língua de corsário,
em alemão, a vingança dos godos e visigodos,
em árabe, por causa dos mártires de todos os islões,
em chinês, mandarim,
com muitos cifrões:
“Propriedade privada.
Cuidado com o cão
E com o tubarão.
Perímetro de segurança armadilhado”.
Para
quê, ó estúpido,
tanto
medo securitário ?
Haverá
sempre um chinês
que
não sabe mandarim,
ou
um árabe analfabeto
ou
um português,
xico-esperto,
tetraneto
dos
grandes descobridores
dos
mares e ilhas por achar,
e
com a mania de espreitar
pelo
buraco da fechadura do vizinho.
Ficarás
deveras constrangido
quando
ouvires a notícia de pobres diabos
eletrocutados
nas
fronteiras de Schengen!
Virão
da África subsariana
e o
único árabe que terão aprendido
será
o das tabuinhas das madraças
de
contrafação.
Mas, que importa ?
Viva o cinismo, a ideologia dominante
deste tempo global!
Se eu fosse um milionário,
excêntrico,
idiota,
suicidário,
teria à minha direita, a norte,
o polo,
e mais ligeiramente, ao lado,
a estrela,
polar.
E o esplendor,
já não de Portugal,
mas de um dos seus últimos recantos,
a praia de Paimogo,
atapetada de algas,
e, sob a a areia, diamantes,
rubis, topázios, esmeraldas,
com sorte o forte,
setecentista,
com os seus soldadinhos de chumbo
e os seus canhões de bronze,
de pólvora seca e longo alcance.
Com engenho e arte
faria parte
do meu condomínio
a enseada,
sereníssima,
nas tardes de fim de verão da minha civilização,
mais a velha rampa dos contrabandistas,
e dos mariscadores
e das tropas luso-britânicas
que aqui hão de desembarcar
no verão quente de 1808
e que na batalha do Vimeiro
se hão de cobrir de glória.
Pensando bem,
e tal como o Robinson Crusoé,
preferiria uma ilha sem história,
sem as brumas da memória,
sem qualquer inquietante peugada humana.
E, tanto quanto a minha geografia consente,
ao longe, em frente,
as Berlengas,
que, em dias de nevoeiro,
não são de ninguém,
ou são de quem as achar,
à deriva,
em alto mar…
Poderiam ser minhas,
por usucapião, ou não ?!
Sim,
as Berlengas,
ali,
quase ao alcance da tua mão,
que
o teu braço,
diriam
depois os teus inimigos,
seria
tão comprido
como
o abraço
com
que se enforcam
os
violadores da lei e da ordem.
Mas,
para que é que tu, cretino,
querias
ter mais uma ilha,
ao lado
de outra ilha,
e às
tantas um arquipélago,
uma
metrópole,
um
império ?
Terias,
que chatice, pagar IMI,
de
um extenso areal
do
domínio público marítimo
e,
nas marés vivas de setembro,
rodear-te
de altas falésias,
caídas
a pique.
E,
imagina, que muda o governador
do reino
d’aquém e d’além mar,
e
que na sua fúria iconoclasta,
própria
dos ex-proletários,
contra
os milionários,
excêntricos,
idiotas,
suicidários,
acionava
o princípio da retroatividade
da
lei e da ordem ?
Diz
o mapa do tesouro
que
a ilha está datada
do tempo
do jurássico superior
E
foi cemitério de dinossauros,
corsários
e
cetáceos.
Cento
cinquenta milhões de anos!,
mas
o que é isso, afinal,
na
escala geocronológica
da
tua galáxia,
da
qual nem sequer sabes o nome,
só
sabes que foi o pedacinho de universo
que
te coube em sorte.
Sim, pensando bem,
para que quereria eu
uma enseada,
mesmo que sereníssima,
e, depois do sol posto,
a magia do luar de agosto ?
A insularidade é solidão,
e a solidão não se partilha,
Respondendo à minha consciência crítica,
para que quereria eu, de facto,
um forte militar
e um pelotão de milícias
com os seus bacamartes e arcabuzes ?
Só para brincar às guerras
do tempo em que Portugal
era ainda um país de brandos costumes,
no século das luzes.
Fica aqui desde já a minha declaração
de conflito de interesses
e, outra, de
objetor de consciência.
Não tenho licença de uso e porte de armas,
não gosto de brincar às guerras,
já fiz uma e não gostei,
e os seus fantasmas nunca os exorcizei.
Mais:
nunca achei a violência lúdica,
nem sexy,
nem muito menos romântica,
qualquer que seja a sua bandeira,
branca, negra ou vermelha,
A violência sempre foi uma má parteira
da história.
E, depois,
o que faria eu,
com o meu metro e setenta e dois de altura,
com uma ilha… só
para mim ?
Sem ti, meu amor?
Sem vocês, meus queridos ?
Sem todos nós e os nossos amigos ?
A insularidade não é só solidão,
é lonjura,
é amargura.
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