Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 13 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca
1. Em mensagem do dia 3 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma memória boa da sua guerra, desta vez não dele propriamente dita mas do Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523.
MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA
48 - Clube de Cabuca
Sempre que eu e o camarada Ricardo Figueiredo comentamos as “Memórias boas da minha guerra”, ele fala da sua vivência no “Clube de Cabuca “(73/74), onde tudo de bom acontecia, com sério destaque para o caso da Rádio “No Tera”.
Agora, que tive conhecimento desse período admirável, vejo-me na agradável obrigação de registar este pequeno contributo para a História Colectiva da Guerra do Ultramar.
A todos os obreiros daquele louvável trabalho, presto a minha singela e devida Homenagem!
Os militares da 2.ª CART/BART 6523, logo que instalados em Cabuca, destacaram-se pelo seu espírito de camaradagem e solidariedade.
No “Clube de Cabuca”, os seus esforçados associados assumiram a criação do Jornal, da Biblioteca, da “Tele-Escola” e de muitas actividades de desporto e recreio. Todavia, foi a criação da rádio “No Tera” que teve mais impacto junto dos militares da 2.ª CART. “Os Abutres”.
Extracto de um texto publicado no Jornal “ O Abutre”
“Parece-me mentira mas é pura verdade.
Eu que ando nestas andanças desde 1961 e tendo cumprido duas comissões em Moçambique e uma em Angola, sempre estive no mato integrado em Companhias Operacionais, nunca encontrei um punhado de bons rapazes que em vez de pensarem em si próprios, pensam antes de mais nada nos outros, que, por motivos vários, não tiveram a felicidade de poderem ir mais além na sua cultura. Pois graças a esse punhado de rapazes, que arregaçaram as mangas e sem olharem a sacrifícios de toda a ordem, especialmente pelo isolamento em que vivemos, esses rapazes, dizia eu, já puseram a funcionar aulas para a 4ª Classe e Ciclo Preparatório, uma Biblioteca onde já temos um número de livros muito engraçado e onde todos nós podemos requisitá-los para melhor passarmos os nossos momentos de ócio e iremos ter um Jornal diário do Porto, Jornal de Notícias (não esquecer que 60% do pessoal é nortenho), e três vezes por semana o Jornal A Bola. Montaram um Posto Emissor Interno, que quando só podemos estar nos respectivos abrigos nos proporciona umas horas de boa música, um Campeonato de Futebol inter-Pelotões e ainda o nosso jornal “O Abutre”.
Foi só isto que este punhado de rapazes já fizeram, e segundo parece ainda não querem parar por aqui….”
Adelino A. Monteiro
1.º Sarg. Art.
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Rádio “No Tera”
GoodMorning Vietnam!
Quem não se lembra deste filme de sucesso, parodiando peripécias da guerra dos americanos em terras do Vietnam? Para nós, os ex-combatentes, este filme sobre a guerra despertou-nos, desde logo, alguma e evidente curiosidade.
Foi o grande actor Robin Williams quem deu vida a esta intervenção permanente junto dos militares, através de uma estação de rádio instalada em Saigão. Embora o filme tenha sido realizado em 1987, o seu enredo diz respeito ao período de intervenção militar entre 65 e 67.
O que ninguém se lembra é que, quase na mesma altura, na Guiné e, também, em teatro de guerra, se viveram grandes momentos de paródia guerreira, relatados na Rádio “No Tera”.
O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.
Foi ele quem pediu ao Cap. Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.
A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução).
- Ráaadiiiooo… “No Tera”!!! … Boa Tarde… Cabuca! – gritava repetidamente o locutor de serviço, logo após a entrada do sucesso musical - Pop Corn (https://www.youtube.com/watch?v=mBDgfBunNyc). E anunciava:
- Já de seguida: - Múuusicaaa na picadaaa - programa de discos pedidos.
- Mais logo, depois do noticiário das 21,00, teremos: - Resenha desportiva
- E a partir das 22.00: - Concurso surpresa.
Repórteres da Rádio "No Tera" entrevistam o Furriel Quim Fonseca, responsável pela habitual celebração/transmissão da Missa Dominical em crioulo
A Rádio “No Tera” era um orgulho para todos os Cabucanos, incluindo os seus verdadeiros indígenas. Toda a gente acompanhava a Rádio e nela colaborava dentro das suas possibilidades.
A rádio PIFAS, sediada em Bissau, que cobria todo o espaço militar guineense, chegou a fazer referências de elogio ao bom desempenho da Rádio “No Tera”.
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Concurso polémico
Durante uns dias, a rádio anunciou o “Concurso Mama Firme”. Esperava-se, desta forma, classificar e premiar as medidas peitorais das mulheres Cabucanas. Diga-se de passagem que a tropa se esforçou imenso para que as suas conhecidas, especialmente as suas lavadeiras, ali viessem expor o seu porte. O Carlos Boto, que fora o promotor da ideia, esteve quase a levar um enxerto de porrada do corpulento milícia Jeremias, devido às insistências junto de sua mulher.
Quem também não gostou da ideia, foi o Chefe de Tabanca Mamadu, que lembrou os radialistas de que às mulheres de Cabuca estava vedada a participação em concursos de beleza. E justificou:
- Poderíamos premiar a beleza interior porque somos nós que a fazemos e não a beleza exterior, porque essa é um produto de Deus.
Decepcionados pelo fracasso, os promotores da iniciativa, reunidos de emergência, resolveram considerar a informação do Chefe de Tabanca e alterar para um “Concurso de …Piças”.
Naquele dia, a emissão da rádio abriu excepcionalmente às 15H00, por forma a poder publicitar massivamente a forçada alteração do concurso anunciado.
Foi no refeitório, por volta das 17,30, que se iniciou o evento. Para começar, ninguém queria mexer em piça alheia. Teve que ser o Oficial Dia, António Barbosa, a assumir a função de Juiz Árbitro, Decididamente, sacou a faca de mato e traçou sobre a mesa uma linha para servir de medida limite para admissão ao concurso. E avisou:
- Quem não chegar ao traço, fica logo de fora e quem o ultrapassar mais, ganhará uma garrafa de whisky.
Não levou muito tempo a que aparecessem alguns a “experimentar” a medida. Porém, não satisfeitos, voltavam para trás, e exercitavam-se a “tocar ao bicho”, na esperança de que ele crescesse de forma satisfatória. Aliás, ninguém abdicou de se exercitar ali…descaradamente. Numa das mesas viam-se o Matosinhos, o Carvalho e o Maia em acção, ao mesmo tempo que olhavam afincadamente para a mesma revista… erótica.
Quem não se desenrascava era o Zé Faroleiro, cuja fama e porte de machão eram bem conhecidos. Por mais festas que fizesse ao animal, não conseguia despertá-lo.
- Ó filhos da puta! Badalhocos!!!– gritou o Vagomestre, surgindo dos lados da cozinha. E acrescentou:
- Não tendes vergonha de sujar a mesa onde comeis, com pintelhos e pingos??? Francamente!!!
O concurso ficou pontualmente suspenso, precisamente quando havia algumas dúvidas quanto ao vencedor. Furioso, o Vagomestre chamou o básico Pequenitaites, ajudante da cozinha:
- Ó Faxina, vem cá. Traz um pano húmido e limpa esta mesa.
Quando este se aproximou, tomou conhecimento das medidas que apontavam para o possível vencedor. De repente, exclamou:
- Se é assim, eu podia ganhar!
A gargalhada foi geral. Mas o básico aproximou-se e, um tanto envergonhadamente, abriu a braguilha, sacou o marmanjo e, meio encoberto pelo pano da limpeza, pousou-o sobre a mesa.
Como o Pequenitaites parecia que não atingia a medida maior, logo alguns intervenientes (os mais avantajados) tentaram afastá-lo. Porém, o básico subiu para um pequeno tijolo de barro para poder chegar com os testículos ao tampo da mesa e poder competir em condições de igualdade.
- Ei pá!!! Foda-se!!! Mas que grande piça!!! – exclamaram abismados, os presentes.
Todas as outras murcharam e… ficaram desclassificadas.
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Notas:
1 - A Rádio “No Tera” veio a ser suspensa por ordem do Capitão Vaz. Quando esteve programada a visita de Spínola a Cabuca, a Rádio “No Tera”, além de anunciar essa deslocação do Governador-Geral da Guiné, incentivava os militares a limparem as instalações e a esmerarem-se na sua apresentação. Ora, como é de calcular, esta incúria foi manifestamente prejudicial em termos de segurança e bastante comprometedora junto das Forças Inimigas.
2 – Doze anos depois do regresso, o Ricardo Figueiredo teve a oportunidade de saber da boca do Pequenitaites que o tamanho do seu pénis só lhe trouxera dissabores. Confessou-lhe que as namoradas se assustavam e que a mulher que mais amara trocou-o por um lingrinhas que era conhecido por “Pilinha de Gato”.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18251: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (47): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (2)
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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18312: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 26 (O primeiro castigo no mato) e 27 (O paludismo)
Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda]
Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade.
Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.
Sinopse:
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,
(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;
(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;
(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";
(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;
(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;
(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 26 e 27
[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]
26º Capítulo > O PRIMEIRO CASTIGO NO MATO
[O capº 25 - As Mensagens Natalícias - já aqui foi reproduzido em poste de 22 de dezembro último (**)]
No dia 25 de Abril de 2017, para comemorar o dia da liberdade, fui convidado a discursar, perante uma plateia onde até deputados do parlamento europeu marcaram presença, além de outras ilustres figuras da política, da arte e da cultura de Portugal. As minhas primeiras palavras foram: - Olho para vós e tenho a sensação de que estou ao mesmo nível de todos. É isso que nos permite a democracia. Sermos todos iguais.
No dia 25 de Outubro de 1972, o 1º cabo condutor, (éramos dois) encarregado da cantina, soube qual o castigo que apanhou: 10 (DEZ) dias de detenção.
As funções dele eram a de servir os camaradas com os produtos existentes na cantina e também a população civil. Não me perguntem porquê, mas regras ditavam que na cantina não se podia estar com a cabeça tapada. Em contrapartida, fora da cantina não podíamos andar de cabeça destapada.
Querem saber qual foi o crime? O 1º cabo exigiu a um dos senhores Alferes que tirasse a boina da cabeça. Fez isso sem estar em sentido e sem pedir por favor. O senhor Alferes participou o sucedido ao comandante que, muito ao jeito dos militares, ajuizou e condenou o pobre 1º cabo.
Parece-lhes ridículo? Eu já tivera um castigo na Metrópole, embora muito mais leve, por assobiar. Enchera 20 flexões.
O meu colega estava-se nas tintas para os 10 dias de detenção; tínhamos sido todos condenados a um exílio, num presídio penitenciário, por dois anos, só que o castigo impedir-nos-ia, no caso de o pretendermos, passar o mês de férias a que tínhamos direito, ao fim de um ano de comissão, na Metrópole.
Não será necessário afirmar que a disciplina, mesmo naqueles confins do mundo, era duma exigência tal que torturava. Admito que com o decorrer do tempo foi aliviando um pouco mas, nos primeiros meses, até formatura diária era obrigatória, com o uniforme completo e a barba feita. Arrotava-se de náusea.
Como já frisei, tinha deixado crescer bigode, porém, como na foto da caderneta militar tal não constava, fui obrigado a cortá-lo ou teria de fazer um requerimento superior.
Aproveito para lhes contar um caso divertido, precisamente com a caderneta. Não podendo usar bigode, interroguei o capitão se podia ter a altura que tenho, ou se deveria usar a que a caderneta mencionava. É que eu meço um metro e setenta e seis e na caderneta consta que meço um metro e meio. Não me proibiu de usar a minha altura real.
Juro que nos encontros anuais de ex-combatentes, já me apeteceu enfiar um barrete na cabeça do ex-alferes mas ele iria dizer-me que eram outros tempos e só cumpriu ordens. Era assim, por muito estúpidas que as ordens fossem.
27º Capítulo > O PALUDISMO
Não acreditei minimamente no que tinha escrito quando, após estes anos, li que tinha passado de 63 para 58 quilos em quatro dias e acreditei menos quando também li que tinha atingido 41 graus de febre.
Está ali escarrapachado na carta:
“Apanhei o paludismo, nem tenho forças para escrever! – Não digas à minha avó” - dizia eu.
Dois dias depois, já pesava apenas 56 quilos. Isto estava a ficar complicado.
Acreditem que já vários colegas que tinham estado com essa doença, alguns dos quais, como também já vos disse, por serem analfabetos era eu que escrevia por eles, me proibiam que dissesse aos familiares, principalmente pais, algo que fosse grave e que os pudesse afligir.
Tínhamos consciência de que eles nada poderiam fazer para nos ajudar, por isso, para quê atormentá-los com os nossos problemas?
Era, pois, natural que até nesse aspecto tenhamos aprendido a contar com a lealdade de uns para com os outros, e, mais uma vez, tive sorte.
O Leal e o Moreira cuidaram de mim, alimentando-me o melhor que puderam. Também o Lopes, enfermeiro, dos poucos alentejanos da companhia, que desviava vitaminas para mim e me obrigava a tomar MILO. No batalhão, tínhamos um excelente médico que vinha de 15 em 15 dias, e enfermeiros que faziam da sua profissão uma missão de coragem, de abnegação e sacrifício, em nome de todos nós. Enfermeiros que participavam nas operações no terreno, que além das armas e munições, para sua defesa, tinham de carregar a pesada mochila de medicamentos e que, em caso de ataque, pura e simplesmente não se podiam abrigar, pois tinham de socorrer os feridos. Eram esses os nossos anjos brancos, embora nos tratassem com o camuflado vestido.
O paludismo não me venceu nem a nenhum dos soldados da companhia. Recordo que até esta data dois colegas já tinham sido evacuados por contraírem hepatite. Dizia-se que tinham feito de propósito para adoecerem. Não acredito
Agradeço aos meus amigos e à magnífica equipa de saúde da minha companhia que, por vezes, e em circunstâncias extremas, socorreram e trataram, com uma sensibilidade fora do comum, todos, e creio que fomos mesmo todos, que em algum momento daqueles dois anos precisaram dos seus serviços. Ficámos a dever-vos ser mesmo muito amigos.
[Continua]
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...
Está ali escarrapachado na carta:
“Apanhei o paludismo, nem tenho forças para escrever! – Não digas à minha avó” - dizia eu.
Dois dias depois, já pesava apenas 56 quilos. Isto estava a ficar complicado.
Acreditem que já vários colegas que tinham estado com essa doença, alguns dos quais, como também já vos disse, por serem analfabetos era eu que escrevia por eles, me proibiam que dissesse aos familiares, principalmente pais, algo que fosse grave e que os pudesse afligir.
Tínhamos consciência de que eles nada poderiam fazer para nos ajudar, por isso, para quê atormentá-los com os nossos problemas?
Era, pois, natural que até nesse aspecto tenhamos aprendido a contar com a lealdade de uns para com os outros, e, mais uma vez, tive sorte.
O Leal e o Moreira cuidaram de mim, alimentando-me o melhor que puderam. Também o Lopes, enfermeiro, dos poucos alentejanos da companhia, que desviava vitaminas para mim e me obrigava a tomar MILO. No batalhão, tínhamos um excelente médico que vinha de 15 em 15 dias, e enfermeiros que faziam da sua profissão uma missão de coragem, de abnegação e sacrifício, em nome de todos nós. Enfermeiros que participavam nas operações no terreno, que além das armas e munições, para sua defesa, tinham de carregar a pesada mochila de medicamentos e que, em caso de ataque, pura e simplesmente não se podiam abrigar, pois tinham de socorrer os feridos. Eram esses os nossos anjos brancos, embora nos tratassem com o camuflado vestido.
O paludismo não me venceu nem a nenhum dos soldados da companhia. Recordo que até esta data dois colegas já tinham sido evacuados por contraírem hepatite. Dizia-se que tinham feito de propósito para adoecerem. Não acredito
Agradeço aos meus amigos e à magnífica equipa de saúde da minha companhia que, por vezes, e em circunstâncias extremas, socorreram e trataram, com uma sensibilidade fora do comum, todos, e creio que fomos mesmo todos, que em algum momento daqueles dois anos precisaram dos seus serviços. Ficámos a dever-vos ser mesmo muito amigos.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...
(**) Vd. poste de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)
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Guiné 61/74 - P18311: Notas de leitura (1040): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (4) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2018:
Queridos amigos,
Chegou o momento de desvelar o modelo político unificador. Estou absolutamente seguro que propostas tão entusiasmantes levarão a um estudo mais aprofundado, tal o entusiasmo que o autor põe nas suas propostas.
Não quero despedir-me desta obra gémea à dissertação de doutoramento do Dr. Livonildo sem dizer, haja a ingenuidade que houver em todo o emaranhado do modelo político unificador, que ele se revela bem intencionado e que não lhe podemos atribuir todas as responsabilidades por erros crassos que o trabalho evidencia. Noutros tempos, havia júris onde os membros estudavam o conteúdo da dissertação e dividiam tarefas entre si. Fica-se com a dúvida de que algum daqueles membros, e mesmo do arguente, soubesse alguma coisa sobre o que é a Guiné-Bissau e a cornucópia dos seus problemas.
Um abraço do
Mário
Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (4)
Beja Santos
A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.
Não se escondeu, desde o primeiro texto de recensão aqui publicado, que se põem sérias reservas à organização deste trabalho. Carece totalmente de sentido transplantar para obra literária o conteúdo de uma dissertação de doutoramento. Propõe-se no livro ir falar de um novo paradigma de governação na Guiné-Bissau, apõe-se o subtítulo à obra de “Um manual de ciência política para a Guiné-Bissau e para África” e faz-se percorrer centenas de páginas com uma orgia de citações, desfilam pensadores a falar de ciência política, de filosofia, de direito constitucional, e muitíssimo mais, o resultado é calamitoso, e não se pode contestar que o Dr. Livonildo trabalhou afincadamente, mesmo quando escreve erros crassos, que houve que apontar.
Vamos finalmente ao modelo que ele nos propõe. A razão pelo modelo unificador, observa ele é que desde 1240 até 2015 nenhum modelo político conseguiu estabilizar o povo, território e aparelho do poder do Estado guineense. É de arrepiar o que acaba de se escrever, já que o Estado guineense existe de facto desde 1974, não sei como será possível enfileirar todos estes séculos de História no mesmo tipo de análise. O modelo preconizado destina-se a agregar todos os elementos que constituem o Estado – território, povo e aparelho de poder, a sua finalidade é o preenchimento das lacunas que afetam a política e o pensamento político guineense nas suas múltiplas facetas. O que escreve adiante é inenarrável num qualquer texto de recensão e não sei mesmo qual a natureza de um artigo presumivelmente científico que dê claridade a tais propostas. Um só exemplo começa por o modelo triangular ou o modelo de Duplo Mandato de Governação Alternado com duas fases de 9 ou 6 anos, composto por um Governo de Base Democrática, por uma Área de Estudos que é um Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação.
Num segundo bloco, irá ser representado pelo modelo de rodas dentadas ou modelo de engrenagem, que será composto pela Nova Etapa Democrática com um mandato de 6 ou 5 anos, e que se desdobrará num bipartidarismo perfeito típico dos EUA ou do Reino Unido, só com dois ou três partidos políticos, articulando com um Governo de Manutenção e Coordenação de um mandato com 3 ou 2 anos, mantendo-se o Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação. Num terceiro bloco, integrará o Modelo Político Federal com duração de 6 ou 5 anos e com a legitimação do bipartidarismo e bipolarização típicos dos EUA. O leitor deverá atender a todas estas siglas, os seus acrónimos vão ser usados com fluência daqui até ao final do livro. É indispensável, quem o diz é o autor, pôr termo aos desnortes das segundas voltas, é de rejeitar a representação proporcional e de procurar pôr cobro à existência do multipartidarismo de partido dominante, o PAIGC anda por toda a parte, mesmo nos outros partidos, como anteriormente observou o autor. Com ardor, emite as suas opiniões:
“Vale a pena apostarmos no escrutínio maioritário de uma volta para escolher abertamente os 3 ou 2 partidos políticos e governantes para fazerem parte do arco da governação da Guiné-Bissau. Isto é, se o Estado e os cidadãos guineenses querem baixar drasticamente os 40 partidos políticos para 2 ou 3 partidos políticos, deverão adotar um verdadeiro instrumento para proceder a uma lipoaspiração da sua vida política”.
Segue-se uma longa enumeração em torno dos sistemas políticos do governo. Os anciãos merecem respeito, os chefes tradicionais deverão ser bem acolhidos e ouvidos. Instala-se primeiro o modelo triangular, avança-se para a segunda fase, põe-se em funcionamento o modelo unificador. O autor lembra os efeitos negativos da filosofia colonial, baseada depois na estratégia de mobilização e de adesão à luta armada, está aqui a matriz ideológica que ainda hoje envenena a Guiné-Bissau. E a autor descarrega uma sentença:
“O facto de Amílcar Cabral ter considerado a descolonização como um processo de luta contínua, não apenas política ou até económica, mas também profundamente psicológica, leva-nos a crer que Amílcar Cabral conhecia de antemão o pesado fardo que os guineenses iam carregar por muitas décadas”.
A Guiné tem que mudar de mentalidades, deve universalizar a língua portuguesa e a crioula e respeitar 8 áreas-chave prioritárias para o desenvolvimento do país: educação, saúde, justiça e apoio social; agricultura, ciência/tecnologia/energia; direitos humanos e ambiente; defesa e segurança/cultura, etnia e religião/autarquias locais, património e turismo; cooperação e relações internacionais; sociedade civil, organizações não-governamentais. A seguir, o Estado guineense poderá proceder à descentralização de poderes e à desconcentração dos serviços de defesa e segurança. Dentro da originalidade do pensamento do Dr. Livonildo chegámos a um ponto de uma nova estratégia: a Guiné-Bissau deve ceder uma das suas ilhas para a instalação de uma base militar a uma potência amiga de Portugal – de preferência o Reino Unido – pelo seu passado histórico. Não se assombre o leitor, é que o Reino Unido mete medo à França, quer estar perto da Gâmbia. Dentro deste enquadramento da geoestratégia político-militar da Guiné-Bissau, é preferível, numa primeira fase, apoiar os rebeldes Felupes contra o Senegal e depois convidá-los, integrá-los e transformá-los a partir do terceiro bloco do modelo unificador, quando a Guiné for um Estado federado. Mas há outras hipóteses e valências:
“Se o Senegal precisar de apoio do Estado guineense para apaziguar os rebeldes Felupes, deve conceder contrapartidas vantajosas ao Estado da Guiné-Bissau, tais como beneficiar da sua energia para resolver o problema crónico da Guiné-Bissau e conceder à Guiné-Bissau mais de 50% do litígio do petróleo que o Senegal ganhou contra a Guiné-Bissau”.
Estamos a chegar à cúpula do modelo, a Guiné-Bissau deverá adotar uma atitude de Estado coordenador. Se até aqui a narrativa pode ser encarada como uma obra capaz de ombrear com a ficção científica, a partir daqui Franz Kafka, todo o sistema norte-americano será apreciado da base ao topo, ponderada a possibilidade de haver duas câmaras e cita-se Cícero:
“Um governante não deve aumentar os impostos – a menos que não haja mesmo alternativa. Os governantes devem perceber de alguns princípios: nunca comecem uma guerra injusta e a corrupção destrói um país. A ganância, o suborno e a fraude minam um país a partir do seu interior, deixando-o fraco e vulnerável”.
Na reflexão final o autor reitera que procurou tratar os principais temas de forma clara e objetiva e orgulha-se de ter apresentado um modelo político e inovador, sem precedentes, baseado em teorias/práticas de modelos já existentes, mas com uma nova configuração e fundamentação. Enfim, o modelo unificador está pronto para ser submetido à análise e ao debate, irá abrir uma frente de combate. Anota grandes dificuldades:
“Os intelectuais guineenses foram educados e socializados no seio do velho paradigma, pelo que terão dificuldade em aceitar este novo modelo político de governação”.
Cá estaremos para acompanhar esse galvanizante debate e procurar vislumbrar as saídas que se abrem para o modelo unificador do Dr. Livonildo.
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Notas do editor:
Poste anterior de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18286: Notas de leitura (1038): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 9 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18304: Notas de leitura (1039): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18310: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XV: Parte pesos, nosso alfero...
Foto nº 4 > Cacheu, 1968 > Monumento
Foto nº 5 > Bissau, julho de 1969 > À espera do Uíge
Foto 6 > São Domingos, 1969> Eu, junto a um piroga e atrás a "ilha maldita" dos felupes
Foto nº 1 > São Domingos, 1968 > Eu com criança ao colo
Foto nº 2 > Nova Lamego, 1967 > Cães, "djubis" e eu de motorizada
Foto nº 3 > São Domingos, 1969 > "Eu e os meus amigos"...
Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado [, foto atual à direita]. (*)
Mensagem de 25 de janeiro último:
Bom dia Luís,
Obrigado por tantas lições, estou a aprender muita coisa, e aceito tudo de bom grado, não fico a fazer de conta, sei que errei na raça, por isso já fiz um comentário. Quero mesmo falar em etnias, isso é que está certo. E o dicionário diz tudo.
As legendas do P18252 (**) estão mais ou menos certas. Na foto das Felupes [336 A], dizes que uma delas parece um homem, e é capaz de ser, embora pelo traje comparando com as outras pode ser uma Felupe, menos bonita, mais velha, mas não tenho a certeza.
As 3 meninas e menino da Mocidade Portuguesa [335], estive a ver melhor, elas são «mestiças» ( está correcto o termo? ) e, se se comparar com o novo administrador de Posto cujas fotos já foram publicadas, e numa outra em que aparece a mulher dele numa festa do 1º de Janeiro, ela parece também «mulata» e deu filhos e filhas mulatos também, pois ele é mesmo negro da Guiné.
Pelos trajes de cerimónia, o menino tem parecenças com o pai, e posso ter feito esta foto num Domingo qualquer em que poderia ter havido qualquer festa, ou roncos. Os slides não têm data, eles só foram revelados muito mais tarde, quando vim de férias à metrópole e eram mandados para Paris, eu li isso nas caixas. As datas algumas eu sei bem, mas em centenas de slides pode escapar algumas datas. De qualquer forma só apareceram a partir do final do 1º Semestre de 68 e até final da comissão.
Fico satisfeito com as visualizações das fotos do meu álbum, sem fim... Por isso vou mandar mais algumas das infindáveis fotos do tema «fotos 027 - as minhas fotos pessoais ».
[Nas fotos que reproduzes acima], pode-se ver já o meu instinto paternal, e o carinho que proporcionava aos miúdos locais, eles não me largavam, queriam fotos e andar na minha motorizada, e queriam sempre uns «Pesos":
- Nosso Alfero, parte 2 pesos e meio! - era assim sempre...
Eu não ligava ao dinheiro e podia dar algum do que tinha a mais, pois realmente ganhava-se bem, e não tinha pensão na Metrópole, era tudo para gastar em copos, nas melhores marcas de tabaco mundiais, nas fotos, nas compras de câmaras e artigos fotográficos, canetas, relógios, recordações, 2 motorizadas, e em dezenas de garrafas das melhores bebidas brancas que eu tinha à minha disposição... Bons tempos!
Li o que contaste sobre o 'Pepito' casado com a Isabel Levy, quando puderes manda então essa história toda, vou gostar de certeza. Eu logo a seguir enviei um email para a Isabel Levy, aquele que eu tinha em 2014, mas ele veio como não entregue, significa que ela não recebeu ou já mudou de correio electronico. Se me facultares uma forma de voltar a contactá-la era bom, reactivar a nossa conversa. Foi pena a morte do Pepito, mais novo do que eu.
Obrigado e vamos falando,
Um Oscar Bravo ( Não sei se foi a brincar, mas eu sou também Óscar!)
Mais fica na mesma um
Ab
Virgilio
_______________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 5 de fevereiro de 2018 > uiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!
(**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18252: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XII: Mulheres e bajudas (4): São Domingos, "chão felupe", 1968: na festa e no trabalho
[Nas fotos que reproduzes acima], pode-se ver já o meu instinto paternal, e o carinho que proporcionava aos miúdos locais, eles não me largavam, queriam fotos e andar na minha motorizada, e queriam sempre uns «Pesos":
- Nosso Alfero, parte 2 pesos e meio! - era assim sempre...
Eu não ligava ao dinheiro e podia dar algum do que tinha a mais, pois realmente ganhava-se bem, e não tinha pensão na Metrópole, era tudo para gastar em copos, nas melhores marcas de tabaco mundiais, nas fotos, nas compras de câmaras e artigos fotográficos, canetas, relógios, recordações, 2 motorizadas, e em dezenas de garrafas das melhores bebidas brancas que eu tinha à minha disposição... Bons tempos!
Li o que contaste sobre o 'Pepito' casado com a Isabel Levy, quando puderes manda então essa história toda, vou gostar de certeza. Eu logo a seguir enviei um email para a Isabel Levy, aquele que eu tinha em 2014, mas ele veio como não entregue, significa que ela não recebeu ou já mudou de correio electronico. Se me facultares uma forma de voltar a contactá-la era bom, reactivar a nossa conversa. Foi pena a morte do Pepito, mais novo do que eu.
Obrigado e vamos falando,
Um Oscar Bravo ( Não sei se foi a brincar, mas eu sou também Óscar!)
Mais fica na mesma um
Ab
Virgilio
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 5 de fevereiro de 2018 > uiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!
(**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18252: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XII: Mulheres e bajudas (4): São Domingos, "chão felupe", 1968: na festa e no trabalho
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Guiné 61/74 - P18309: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXX: 30 de outubro a 8 de novembro de 2016: Austrália Ocidental: Fremantle, Mandurah, Burnbury, Bussleton e Perth, antes de o casal rumar de avião, para Singapura, onde voltou a apanhar o "Costa Luminosa"
Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
Foto nº 4
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias":
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, estimanos nós];
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:
(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);
(viii) o "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;
(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...
Depois de Melbourne, apanhámos uma valente tempestade, com um Pacífico furioso a fazer dançar o Costa, para desprazer de toda a gente. Era inevitável encontrar mares agitados e ondas de sete metros numa viagem de mais de três meses em redor do mundo. O navio aguenta-se bem, mas posso imaginar os marinheiros portugueses de quinhentos, naquelas caravelas e naus, casquinhas de noz a avançar na crista das ondas, a afundarem-se no desvão dessas mesmas ondas, a descobrirem o mundo, a caminharem para a morte. (Foto nº1).
Com muito melhor mar, desembarcamos no porto de Fremantle que serve Perth – a cidade situada uns 25 quilómetros mais para o interior e capital deste imenso estado da Austrália Ocidental –, e decidimos, Haiyuan e eu, abandonar o Costa [Luminosa], deixá-lo seguir sem a nossa companhia nos mais seis dias de viagem até Singapura.
Em Fremantle comprámos entretanto bilhetes de avião para Singapura, com chegada na mesma altura do navio. Foi uma boa ideia porque trocámos alguns dos já conhecidos e cada vez mais redundantes, e eventualmente tempestuosos, dias de navegação por uma estadia, ao nosso modo, na Austrália Ocidental.
Vimos o Costa partir e depois de um “adeus, até ao meu regresso”, procurámos instalação em Fremantle, uma interessante cidadezinha com 30 mil habitantes onde começou a colonização de toda esta vasta região [Foto nº 2]. Foi difícil encontrar alojamento porque não havíamos marcado nada e estava tudo quase cheio. Fremantle, ou Freo como o pessoal da terra lhe chama, é um destino turístico para muitos jovens australianos. Acabámos por ir parar aos Pirates, um hostel backpackers de nenhuma qualidade, 65 dólares australianos, cerca de 50 euros, um pobre quarto para dois, sem banho.
O problema foi a música em altos berros, no jardim, logo por baixo do nosso quarto, que durou até às três e meia da manhã. Estes presumivelmente bem educados rapazes e moçoilas australianas esqueceram os bons costumes e a boa educação. Às duas da manhã a minha Haiyuan ainda me pediu para eu ir, com um sorriso nos lábios, solicitar àquele pessoal barulhento para cessarem a música. Eles seriam aí uns dez, quase todos bêbados, e eu pensei que se lhes aparecesse um feio sexagenário à frente, àquela hora, a pedir para eles se calarem, habilitar-me-ia, com largas probabilidades, a levar com uma garrafa de cerveja na cabeça.
Na manhã seguinte mudámos de instalação e fomos direitinhos para a prisão [Foto nº 3]. Eu explico. Fremantle orgulha-se de possuir os mais antigos edifícios construídos na Austrália Ocidental como uma pequena prisão redonda que data de 1830, e uma outra cadeia, ampla, arejada, desconfortável, inaugurada em 1851 e que funcionou em pleno até 1995. São hoje ambas Património Mundial pela Unesco e por esta última passaram 350 mil prisioneiros, tendo aqui sido enforcados, até 1964, 43 homens e uma mulher.
A grande prisão, tipo baluarte em pedra, estende-se por seis hectares e é hoje uma das atracções turísticas de Fremantle. O município local resolveu fazer obras e transformar a cadeia em museu. Parte da ala feminina foi adaptada a YHA, ou seja, um originalíssimo Youth Hostel. É barato, 45 dólares australianos, e lá dormimos na pequena cela 201, pintada de branco onde, para além das duas camas em beliche, tínhamos apenas uma mesa e, em cima, uma janela minúscula, com grossas grades, para vermos o sol aos quadradinhos. Os quartos de banho, unissexo, eram lá fora, mas não havia carcereiro para nos levar até lá.
Tudo espartano, de sobriedade total, as celas sucedendo-se umas às outras em corredores cruzados, os muros à volta com cinco metros de altura, as guaritas de vigilância levantadas nos ângulos das grossas paredes de pedra. Jamais, em dias da minha vida, me senti tão seguro. Como “prisioneiros de luxo”, porque metidos na prisão por livre vontade, éramos contemplados com uma série de regalias como, por exemplo, uma grande cozinha bem equipada -- até grelhadores tinha --, arcas frigoríficas, lavandaria, uma sala de jantar e outra de convívio, com biblioteca, televisão, excelentes sofás. No recreio dos presos havia também um pequeno campo de jogos e um relvado para despir e apanhar sol. Uma maravilha estar na prisão!
Claro que o objectivo nestes dias de Austrália não era propriamente viver num presídio. Alugámos um automóvel, um Toyota Corolla novinho em folha e foi tempo de deixar a prisão e rumar a sul. Passámos, no entanto, mais um dia em Fremantle, uma cidadezinha por demais bonita que conserva um clássico património construído que me dizem ser o mais valioso de toda a Austrália. Tem ruas inteiras com edifícios centenários em estilo vitoriano, impecavelmente restaurados, onde funcionam hotéis, restaurantes, pubs, lojas, galerias de arte, um mercado, museus e teatros. Tem praias logo ali ao lado do porto, um Fishing Boat Harbour, uma espécie de doca dos pescadores com restaurantes de peixe e marisco em plataformas sobre a água, todas as noites com música ao vivo.
Fremantle até tem um cônsul honorário de Portugal, vi a placa num edifício na saída sul da cidade, sinal evidente de que haverá portugueses emigrantes por perto, gente de bom gosto ou a quem calhou em sorte viver num deleitoso lugar.
Tudo espartano, de sobriedade total, as celas sucedendo-se umas às outras em corredores cruzados, os muros à volta com cinco metros de altura, as guaritas de vigilância levantadas nos ângulos das grossas paredes de pedra. Jamais, em dias da minha vida, me senti tão seguro. Como “prisioneiros de luxo”, porque metidos na prisão por livre vontade, éramos contemplados com uma série de regalias como, por exemplo, uma grande cozinha bem equipada -- até grelhadores tinha --, arcas frigoríficas, lavandaria, uma sala de jantar e outra de convívio, com biblioteca, televisão, excelentes sofás. No recreio dos presos havia também um pequeno campo de jogos e um relvado para despir e apanhar sol. Uma maravilha estar na prisão!
Claro que o objectivo nestes dias de Austrália não era propriamente viver num presídio. Alugámos um automóvel, um Toyota Corolla novinho em folha e foi tempo de deixar a prisão e rumar a sul. Passámos, no entanto, mais um dia em Fremantle, uma cidadezinha por demais bonita que conserva um clássico património construído que me dizem ser o mais valioso de toda a Austrália. Tem ruas inteiras com edifícios centenários em estilo vitoriano, impecavelmente restaurados, onde funcionam hotéis, restaurantes, pubs, lojas, galerias de arte, um mercado, museus e teatros. Tem praias logo ali ao lado do porto, um Fishing Boat Harbour, uma espécie de doca dos pescadores com restaurantes de peixe e marisco em plataformas sobre a água, todas as noites com música ao vivo.
Fremantle até tem um cônsul honorário de Portugal, vi a placa num edifício na saída sul da cidade, sinal evidente de que haverá portugueses emigrantes por perto, gente de bom gosto ou a quem calhou em sorte viver num deleitoso lugar.
A Austrália Ocidental conta com 4,5milhões de habitantes num território com 2,6 milhões de quilómetros quadrados, um terço de todo o continente australiano. A orla marítima estende-se por 12,5 mil quilómetros, repletos de praias selvagens onde apetece a estranha, mas sublime diluição na natureza. [Foto nº 4].
Estamos no fim da Primavera, o tempo começa a aquecer, tenho um automóvel para conduzir, não sei o que irei encontrar, mas aí vamos, conduzindo o carro pela esquerda, ou seja, pelo lado errado da estrada, centenas e centenas de quilómetros, quase sempre ao lado do mar. Passamos Rockingham, aterramos em Mandurah. Estão 24 graus, precisamos de praia e ela aí está, chama-se Sands Beach, com água mais quente do a que costumamos ter em Portugal. Grande banho de mar, agora no Oceano Índico porque a parte ocidental da Austrália já está voltada para o Índico. Mandurah tem um parque para ver pinguins, barcos para observar golfinhos e gente bonita, não muita na praia. Quedo-me a aquecer ao sol, mas o lugar não é perfeito, aparecem umas irritantes moscas pequeninas que nos pousam na cara, entram nos ouvidos, zumbem e temos de estar permanentemente a enxotar.
De tarde, mais quilómetros, muitos, atravessando o Yalgorup National Park, com milhares de eucaliptos, mais baixos e redondos do que os de Portugal, uns tantos lagos e uma sucessão de praias selvagens. Na berma da estrada vi um canguru morto, atropelado. Dormida num hotelzinho em Australind, um apartamento grande e confortável, diante de mais um lago. Foram 100 dólares australianos
Outra cidadezinha, Bunbury tem milhas e milhas de praias, mas é sobretudo conhecida por ser o maior centro de compras de todo este sudoeste australiano. Um enormíssimo shopping foi a primeira paragem no dia seguinte. Comprei o que necessitava, uma caixa de clips para agrafar as folhas soltas onde vou rabiscando as notas dos lugares de passagem, nesta volta ao mundo. Bunbury deu para constatar como vive bem esta gente endinheirada da Austrália!
Depois quedámo-nos por Busselton, uns 40 quilómetros mais para sul na Geographe Bay, quase só praias de areia branca, o mar com uma pequena ondulação, um lugar acolhedor, quase vazio de gente. Uma longa caminhada ao longo da baía e em Busselton acabamos por dormir mais uma noite, no descanso dos deuses. A vila tem uma curiosidade, um molhe ou pontão assente numa estrutura em troncos de madeira sobre a qual avança uma plataforma suspensa sobre o mar, com caminho pedonal e uma linha férrea para o trânsito de um pequeno comboio. Construído em 1865, o pontão estende-se sobre as águas do mar ao longo de 1.841 metros, o que faz dele o mais extenso de todo o hemisfério sul.
Ficou por fazer a ida a Margaret River, outros 40 quilómetros mais para sul. A região é famosa porque aqui, dizem-me, se produzem alguns dos melhores vinhos da Austrália. Falaram-me num tinto de excelência, tipo Bordéus, tão bom, tão bom, de que até os golfinhos, mamíferos inteligentes, gostam. Lembrei-me da penicilina e das palavras sábias do seu inventor, o inglês Alexander Fleming: “A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os faz felizes.”
Austrália Ocidental > 30 de outubro a 8 de novembro de 2016 > De Fremantle a Perth
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4. Perth, Austrália Ocidental (pp. 40-42, da Parte II
Com 2,1 milhões de habitantes, situada a 3.869 quilómetros de Sidney – uma viagem de comboio entre as duas cidades demora três dias –, a 3.352 quilómetros de Melbourne, a mais de 5.000 de Singapura, Perth parece perdida nos extremos austrais do mundo. Porém, perfeitamente integrada no que de melhor a Austrália e o mundo têm, Perth será uma das cidades mais organizada, moderna e civilizada do globo.
Chego a Perth exausto, após mais de 500 quilómetros de estrada num só dia, desde Busselton, no sul, a conduzir no lado incerto da estrada, com o volante no lado errado do carro, e não sei quantos desvios por atalhos para idas a não sei quantas praias, algo semelhantes às nossas da Torreira ou de Vagos, vastos areais onde até dava para os jipes dos jovens australianos irem molhar os pés na água do mar e fazerem corridas na areia dura, na maré vazia.
Cansado, após três dias a conduzir (foram 837 quilómetros!) com extrema atenção e cuidado porque não estou habituado a pôr o carro na outra faixa de rodagem, a entrar ao contrário nas rotundas, desejava apenas um hotel e uma cama limpa para me deitar. Fomos dormir a um razoável paradouro, o City Waters Hotel, em frente ao jardim e ao rio Swan que atravessa Perth. Foram 115 dólares australianos, cerca de 90 euros. Na Austrália, nada é verdadeiramente barato.
Na manhã seguinte subi ao Kings Park, sobranceiro à cidade, com um jardim botânico e um sentido monumento em homenagem aos soldados australianos mortos em combate na I e na II Guerra Mundial. Depois fui devolver o Toyota ao rent-a-car de Fremantle e regressei a Perth de comboio, uns 20 minutos de confortável viagem para 25 quilómetros. Agora, sem rodas próprias, tenho a cidade por minha conta, dois dias a pé ou em transportes públicos. Passeio por Murray Street, por Hay Street, ruas pedonais no centro do burgo, com lojas e shoppings de estarrecer, tudo ordenado, funcional, de qualidade, à moda da Austrália.
Não há muitas compras a fazer, mas o demorado passeio pelo centro histórico de Perth, não desiludirá ninguém. Temos os velhos edifícios coloniais com mais de cem anos de idade, a casa do governador, a câmara municipal, o His Majesty’s Theatre harmoniosamente inseridos na sofisticada malha de arranha-céus recentes, há uma torre de vidro em frente ao rio Swan – que em Perth se assemelha a um lago –, exibindo um conjunto de velhos sinos provenientes da igreja de St. Martin in the Fields, em Londres, oferecidos pelo governo inglês em 1988. Encontro uma surpreendente manifestação de curdos, famílias inteiras com bandeiras e tambores que pretendem mostrar aos australianos que desejam a independência do seu Curdistão e o fim das perseguições e matanças. [Foto nº 5]
Na Austrália creio que os únicos engarrafamentos que existem, a sério e em quantidade, são os de garrafas de vinho, não de automóveis, e em Perth apercebi-me de alguns dos porquês. Além de uma excelente rede de transportes públicos, nesta cidade funcionam cinco carreiras de autocarros, verde, azul, vermelha, amarela e laranja, os chamados CATS (Central Area Transit Service) que transportam quem quer que seja desde os diferentes arredores para o centro da cidade, tudo gratuito. É só vir de longe, estacionar o carro, esperar um autocarro – passam de oito em oito minutos --, entrar, e rapidamente o cidadão chega ao centro de Perth. [Foto nº6]
A comida australiana não me convenceu até porque haverá por lá uma mistura de burguers e batatas fritas, à americana, com pizzas à italiana e fish and chips, à inglesa.
Qual é a verdadeira cozinha australiana? Não deu para ver e provar. A salvação foi a comida chinesa. Como país multi-étnico, a Austrália prima pelos variegados restaurantes que oferecem banquetes ou simples petiscos de tudo quanto é país para cima, ou para baixo do Equador. Até existe uma grande cadeia de restaurantes chamada Oporto, especializada em frangos assados à moda portuguesa.
Na volta pelo autocarro nº. 3, gratuito, atravessámos não propriamente a chinatown, que em Perth parece não existir, mas um bairro com muita loja chinesa, coreana e indiana. E restaurantes, claro. Aí abanquei, ao almoço, nos dois dias de Perth, em espaços diferentes para atestar o estômago e carregar baterias, alimentando gordurinhas que espero derreter na muita viagem pelo mundo que ainda falta cumprir.
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália
Estamos no fim da Primavera, o tempo começa a aquecer, tenho um automóvel para conduzir, não sei o que irei encontrar, mas aí vamos, conduzindo o carro pela esquerda, ou seja, pelo lado errado da estrada, centenas e centenas de quilómetros, quase sempre ao lado do mar. Passamos Rockingham, aterramos em Mandurah. Estão 24 graus, precisamos de praia e ela aí está, chama-se Sands Beach, com água mais quente do a que costumamos ter em Portugal. Grande banho de mar, agora no Oceano Índico porque a parte ocidental da Austrália já está voltada para o Índico. Mandurah tem um parque para ver pinguins, barcos para observar golfinhos e gente bonita, não muita na praia. Quedo-me a aquecer ao sol, mas o lugar não é perfeito, aparecem umas irritantes moscas pequeninas que nos pousam na cara, entram nos ouvidos, zumbem e temos de estar permanentemente a enxotar.
De tarde, mais quilómetros, muitos, atravessando o Yalgorup National Park, com milhares de eucaliptos, mais baixos e redondos do que os de Portugal, uns tantos lagos e uma sucessão de praias selvagens. Na berma da estrada vi um canguru morto, atropelado. Dormida num hotelzinho em Australind, um apartamento grande e confortável, diante de mais um lago. Foram 100 dólares australianos
Outra cidadezinha, Bunbury tem milhas e milhas de praias, mas é sobretudo conhecida por ser o maior centro de compras de todo este sudoeste australiano. Um enormíssimo shopping foi a primeira paragem no dia seguinte. Comprei o que necessitava, uma caixa de clips para agrafar as folhas soltas onde vou rabiscando as notas dos lugares de passagem, nesta volta ao mundo. Bunbury deu para constatar como vive bem esta gente endinheirada da Austrália!
Depois quedámo-nos por Busselton, uns 40 quilómetros mais para sul na Geographe Bay, quase só praias de areia branca, o mar com uma pequena ondulação, um lugar acolhedor, quase vazio de gente. Uma longa caminhada ao longo da baía e em Busselton acabamos por dormir mais uma noite, no descanso dos deuses. A vila tem uma curiosidade, um molhe ou pontão assente numa estrutura em troncos de madeira sobre a qual avança uma plataforma suspensa sobre o mar, com caminho pedonal e uma linha férrea para o trânsito de um pequeno comboio. Construído em 1865, o pontão estende-se sobre as águas do mar ao longo de 1.841 metros, o que faz dele o mais extenso de todo o hemisfério sul.
Ficou por fazer a ida a Margaret River, outros 40 quilómetros mais para sul. A região é famosa porque aqui, dizem-me, se produzem alguns dos melhores vinhos da Austrália. Falaram-me num tinto de excelência, tipo Bordéus, tão bom, tão bom, de que até os golfinhos, mamíferos inteligentes, gostam. Lembrei-me da penicilina e das palavras sábias do seu inventor, o inglês Alexander Fleming: “A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os faz felizes.”
Foto nº 5
Foto nº 6
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4. Perth, Austrália Ocidental (pp. 40-42, da Parte II
Com 2,1 milhões de habitantes, situada a 3.869 quilómetros de Sidney – uma viagem de comboio entre as duas cidades demora três dias –, a 3.352 quilómetros de Melbourne, a mais de 5.000 de Singapura, Perth parece perdida nos extremos austrais do mundo. Porém, perfeitamente integrada no que de melhor a Austrália e o mundo têm, Perth será uma das cidades mais organizada, moderna e civilizada do globo.
Chego a Perth exausto, após mais de 500 quilómetros de estrada num só dia, desde Busselton, no sul, a conduzir no lado incerto da estrada, com o volante no lado errado do carro, e não sei quantos desvios por atalhos para idas a não sei quantas praias, algo semelhantes às nossas da Torreira ou de Vagos, vastos areais onde até dava para os jipes dos jovens australianos irem molhar os pés na água do mar e fazerem corridas na areia dura, na maré vazia.
Cansado, após três dias a conduzir (foram 837 quilómetros!) com extrema atenção e cuidado porque não estou habituado a pôr o carro na outra faixa de rodagem, a entrar ao contrário nas rotundas, desejava apenas um hotel e uma cama limpa para me deitar. Fomos dormir a um razoável paradouro, o City Waters Hotel, em frente ao jardim e ao rio Swan que atravessa Perth. Foram 115 dólares australianos, cerca de 90 euros. Na Austrália, nada é verdadeiramente barato.
Na manhã seguinte subi ao Kings Park, sobranceiro à cidade, com um jardim botânico e um sentido monumento em homenagem aos soldados australianos mortos em combate na I e na II Guerra Mundial. Depois fui devolver o Toyota ao rent-a-car de Fremantle e regressei a Perth de comboio, uns 20 minutos de confortável viagem para 25 quilómetros. Agora, sem rodas próprias, tenho a cidade por minha conta, dois dias a pé ou em transportes públicos. Passeio por Murray Street, por Hay Street, ruas pedonais no centro do burgo, com lojas e shoppings de estarrecer, tudo ordenado, funcional, de qualidade, à moda da Austrália.
Não há muitas compras a fazer, mas o demorado passeio pelo centro histórico de Perth, não desiludirá ninguém. Temos os velhos edifícios coloniais com mais de cem anos de idade, a casa do governador, a câmara municipal, o His Majesty’s Theatre harmoniosamente inseridos na sofisticada malha de arranha-céus recentes, há uma torre de vidro em frente ao rio Swan – que em Perth se assemelha a um lago –, exibindo um conjunto de velhos sinos provenientes da igreja de St. Martin in the Fields, em Londres, oferecidos pelo governo inglês em 1988. Encontro uma surpreendente manifestação de curdos, famílias inteiras com bandeiras e tambores que pretendem mostrar aos australianos que desejam a independência do seu Curdistão e o fim das perseguições e matanças. [Foto nº 5]
Na Austrália creio que os únicos engarrafamentos que existem, a sério e em quantidade, são os de garrafas de vinho, não de automóveis, e em Perth apercebi-me de alguns dos porquês. Além de uma excelente rede de transportes públicos, nesta cidade funcionam cinco carreiras de autocarros, verde, azul, vermelha, amarela e laranja, os chamados CATS (Central Area Transit Service) que transportam quem quer que seja desde os diferentes arredores para o centro da cidade, tudo gratuito. É só vir de longe, estacionar o carro, esperar um autocarro – passam de oito em oito minutos --, entrar, e rapidamente o cidadão chega ao centro de Perth. [Foto nº6]
A comida australiana não me convenceu até porque haverá por lá uma mistura de burguers e batatas fritas, à americana, com pizzas à italiana e fish and chips, à inglesa.
Qual é a verdadeira cozinha australiana? Não deu para ver e provar. A salvação foi a comida chinesa. Como país multi-étnico, a Austrália prima pelos variegados restaurantes que oferecem banquetes ou simples petiscos de tudo quanto é país para cima, ou para baixo do Equador. Até existe uma grande cadeia de restaurantes chamada Oporto, especializada em frangos assados à moda portuguesa.
Na volta pelo autocarro nº. 3, gratuito, atravessámos não propriamente a chinatown, que em Perth parece não existir, mas um bairro com muita loja chinesa, coreana e indiana. E restaurantes, claro. Aí abanquei, ao almoço, nos dois dias de Perth, em espaços diferentes para atestar o estômago e carregar baterias, alimentando gordurinhas que espero derreter na muita viagem pelo mundo que ainda falta cumprir.
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália
domingo, 11 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18308: Blogues da nossa blogosfera (91): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (10): "O meu gesto das coisas simples"
Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.
O MEU GESTO DAS COISAS SIMPLES
ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ
Fui à caixa dos gestos e baralhei-os todos, cheio de raiva por não encontrar o meu gesto das coisas simples.
Há muitos anos que o perdi e nunca mais consegui encontrá-lo.
Esperemos mais um par de noites, pois os sonhos, às vezes, trazem-nos aquilo que julgamos perdido para sempre.
Os sonhos adormecem, muitas vezes, no regaço da realidade, e outras vezes a realidade esconde-se no meio dos sonhos.
Onde estará o meu gesto das coisas simples?
Ora bem, talvez o gesto das coisas simples ande por aí perdido nalgum sonho.
Foi numa noite de tempestade.
Um refulgente relâmpago estralejou lá fora e faíscas de luz incendiaram as frinchas da janela.
Um ribombante trovão abanou o quarto e o sonho foi-se.
Os sonhos não gostam de tempestades nem do abuso das realidades.
Acendi a luz e vi no tapete o meu gesto das coisas simples.
Peguei-lhe com toda a ternura e pareceu-me que ele queria aninhar-se entre os meus dedos.
Confesso, dei-lhe um beijinho.
Fui ao monte das recordações.
O meu gesto das coisas simples espremeu uma lágrima quando lhe mostrei as coisas esquecidas, abandonadas, desde os tempos em que nós os dois éramos apenas simples.
O entrosamento das palavras e das imagens das coisas simples teciam uma espécie de fábula que deliciava a nossa inocência.
Às curvas do tempo não é fácil reter as coisas simples, e, como o amor, as coisas simples vão perdendo os seus lugares nas curvas do tempo.
O meu gesto das coisas simples parecia tremer de desânimo e fadiga, confundindo ingénuos impulsos com efemérides de granito e rumores de árvores dos dias felizes.
O meu gesto das coisas simples estava com medo.
Mas a nossa grande afeição há-de ser a aliança renascida entre a poesia e o gesto das coisas simples.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18263: Blogues da nossa blogosfera (90): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (9): "Impossibilidade" e "Monte das Oliveiras"
Guiné 61/74 - P18307: Blogpoesia (552): "Ao alcance da mão...", "Brandenburg", e "Saiu um vedor...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Portas de Brandenburg
Com a devia vénia: World Atlas
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Ao alcance da mão…
Numa cadeia de actos, a vida decorre.
Umas vezes, sonâmbula,
Outras desperta e atenta.
Até que a solução
Fique à vista e ao alcance da mão.
Não é gratuita.
Dá luta viver.
Sacrifício e esforço é o caminho e a arte.
O mal e o erro escondem o bom e o certo.
Desembaraçar o caminho,
Subindo e descendo,
Com esforço,
Se avança e alcança.
Só vendo, sobre ou não sobre,
Se o preço compensa.
Garanto.
Gosto que gostem.
Berlim, 7 de Novembro de 2018
11h18m
Jlmg
********************
Brandenburg
Cidade discreta,
Nos arredores de Berlim.
Ninguém fala dela e ela se cala.
Mas, tão bela.
Raiada de canais
Onde deslizam suaves,
Barcos e cisnes.
Tem jardins majestosos.
Abundam igrejas.
Cicatrizes da guerra,
Memórias em registo,
Em lápides gravadas,
Paredes e pontes.
Em 1945, bombardeada feroz,
Tanta gente morreu.
Agora,
Deambulam seniores,
Testemunhas do passado.
Saboreando a paz
Que ali assentou arraial,
E saúda quem vem.
Hoje, coube-nos a nós.
Com a Sandra e o João.
Soube tão bem…
Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
17h49m
Jlmg
********************
Saiu um vedor…
Homem, mulher,
Saíu, de vara na mão.
Buscando a água bem funda
Que corre no chão.
Avança pelo campo,
Em passadas bem firmes,
A vara num V.
Os olhos à frente.
Agarra-lhe as pontas.
Como os cornos dum boi.
Tremem-lhe as pernas.
Arrepia-lhe a pele.
Os cabelos hirsutos,
Como estacas de vimes,
Se erguem ao ar.
Ruboresce-lhe o rosto.
Os olhos reluzem.
Os ouvidos internos ressoam em brados.
- passa aqui uma veia.
De água fresquinha.
A vara retorce.
Ninguém a segura.
Com o pé faz uma cruz,
No ponto exacto.
É hora agora de lhe abrir o caminho…
Ouvindo My silent cry
Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
20h13m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18284: Blogpoesia (551): "Ter quem pense em nós...", "Sabor da melancolia", e "É branda e suave...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18306: Os nossos seres, saberes e lazeres (252): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Conheço muita boa gente que tem uma imagem desconsoladora de Bruxelas. São sobretudo os funcionários que desembarcam na cidade ao fim da tarde e que no dia seguinte se encerram numa sala a conferenciar ou a ouvir outros a palestrar, regressando ao centro quando a luz se foi. E então dizem que se come bem mas não há nada praticamente para ver naquela cidade escura e que não dá sinais de ser muito acolhedora.
Tive a sorte de ser iniciado a conhecer lagos e jardins, museus extraordinários, artérias cheias de vida, com gente de 184 países. Bruxelas tem eventos culturais a um ritmo impressionante.
Vinha desta vez com o objetivo de rever e comparar a evolução da capital nos últimos 40 anos e exaltar uma nobre amizade. O que aqui se mostra é que tais objetivos foram alcançados.
Um abraço do
Mário
Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (2)
Beja Santos
O viandante programou um dia azafamado, sai de Watermael-Boisfort em direção a Ixelles, vai a uma venda solidária de um empreendimento original e que goza de grande reputação por toda a Bélgica, dele se falará adiante. Faz todo o sentido, seguidamente, vadiar por Ixelles, uma comuna de larga superfície e que goza de um património imobiliário notável, e depois de matar a fome é imperativo visitar os locais que o deslumbraram, exatamente 40 anos atrás. Logo à saída de casa, este belo espetáculo das cerejeiras do Japão como incendiadas pelo Outono, todos os dias, enquanto o viandante aqui estiver, haverá um olhar de fascínio e ternura.
Só por pudor é que não se tiraram dezenas de imagens no interior desta venda solidária organizada pelos Compagnons Depanneurs, dedicam-se a prestar serviços a pessoas no limiar da pobreza. O viandante não sabia, mas um quinto da população belga vive em habitações com grandes problemas que vão da humidade à deterioração passando pelo excesso de pessoas vivendo em condições precárias. Trezentos companheiros prestam serviços de pintura, de arranjo do chão das casas, tratando de avarias em canalizações e eletricidade, facultando móveis utilitários, a sua consigna é de assegurar uma habitação decente e agradável a todos os que têm fracos rendimentos.
Os companheiros precisam de solidariedade, que não lhes é regateada, por todo o país. Naquele dia abriam as portas a uma venda solidária na Rue de la Glacière, ali se chegou para ver um edifício inteiro transformado numa caverna de Ali Babá: divisões com móveis e utensílios domésticos, divisões com eletrodomésticos, tapetes de todas as formas, tamanhos e feitios, quadros e mais adornos de paredes, divisões de bijuterias, roupas para todas as idades, material informático, cd’s, dvd’s, livros… O viandante tem limites severos de carga, ainda se assombrou com um espelho de parede, mas foi afeição de pouca dura, não resistiu a vários livros e alguns cd’s. Passeou-se por todos aqueles espaços, feliz por ver viçoso um projeto que visa a dignidade humana. Combateu o frio com uma boa sopa e uma saborosa sandes. E atirou-se ao trabalho, havia que calcorrear Ixelles, uma comuna cheia de história, um misto de Bairro Latino, Montparnasse e área residencial das classes médias, por ali pululam cafés com estudantada, uma livraria pejada de obras revolucionárias de todo o século XX, pequenos restaurantes, marcas concretas de que a comuna tem população vibrante.
O viandante gosta de fruir uma habitação cuidada ou renovada, contemplou esta que terá sido uma residência familiar, hoje deverá ter vários apartamentos, mas é um gosto ver tudo retocado, com as muitas bicicletas à porta. A cidade é plana e os ciclistas não desfalecem mesmo quando são confrontados com oceanos de carros que atravessam a cidade, há bicicletas com estranhíssimos atrelados onde vai a garotada. Bruxelas é outra coisa com o frémito deste tráfego a duas rodas.
Este é o edifício comunal, o Hotel de Ville, respira prosperidade, sempre teve, a comuna tem este privilégio de uma intensa vida intelectual, Bruxelas não dispõe de uma cidade universitária, os seus equipamentos estão dispersos, mas é aqui que os estudantes gostam de viver, misturados com as gentes de todas as categorias. O viandante delicia-se com esta arquitetura, faz uma pausa, toma um café e apanha um transporte para o centro da cidade.
Convenhamos que a imagem em si nada tem de fulgurante, merece uma explicação. Quando o viandante aqui arribou há 40 anos, em frente à Gare Central era como que um deserto, pontuava a um canto uma igreja, de nome Santa Maria Madalena, deu depois para aprender que é uma das mais antigas da cidade, que conheceu como todas acrescentos e reconstruções. Duranta a última fase de restauros, em meados de 1950, meteram-lhes estes vitrais, nalguma profusão. Foi um movimento artístico que as novas gerações hoje passam ao lado. Finda a II Guerra Mundial, ignorou-se o classicismo e o academismo, emergiu uma arquitetura de vanguarda que ocupou os espaços destruídos pela guerra, a pintura encontrou outros motivos, e o vitral também. Passadas estas décadas, aquilo que era modernidade para o viandante, ainda por cima um arrojo de inserir num edifício estruturalmente talhado nos séculos XV, XVI e XVII, é hoje um dado assente, já foi modernidade. E ainda bem que assim é.
Estamos num espaço icónico, daqui avista-se o Hotel de Ville de Bruxelas e a sua agulha majestosa, quem entra na Grand Place não resiste a contemplá-la demoradamente. Preferiu-se naquele dia registá-la de outro modo, de uma rua lateral, havia pressa em bater à porta do teatro La Monnaie, a mais bela casa de ópera e de música da cidade.
O viandante chegara aguado, esperançado em poder ver a ópera Lucio Silla, do jovem Mozart. Tem um certo historial afortunado de entradas nesta casa, e a preços altamente abordáveis. Recorda-se sempre que desembarcara na cidade aí pelas 17h, no dia seguinte estaria em reunião até ao fim da tarde, regressando a Lisboa no último avião. Arrumada a trouxa no hotel, rumou sem propósito definido até La Monnaie, eram 17h50 quando chegou à bilheteira para farejar se havia algum espetáculo. Sim, dentro de minutos começaria uma récita de Tristão e Isolda. Lamentavelmente, só havia um bilhete de 10 euros lá para o último andar, quase a tocar o teto. Não hesitou, saiu dali pela meia-noite, consolado com uma das obras-primas de Wagner, o pior foi encontrar um sítio para matar a fome, e não foi fácil. Vinha com esperança de mais um golpe de sorte, os bilhetes que restavam orçavam os 100 euros, foi pronta a desistência. Lucio Silla nem de longe nem de perto tem a genialidade de Don Giovanni, os estudiosos já anotaram as pequenas falhas do jovem Mozart, mas também não deixam de se surpreender como aquela criança pôs em música a profundidade das emoções humanas e como precisou psicologicamente bem a personalidade narcísica do Lucio Silla, o homem mais poderoso do seu tempo, mas a quem faltava o amor. Paciência, fica para a próxima, o viandante confia que não lhe faltem oportunidades de regressar a Bruxelas.
Serve de consolo à despedida registar o teto da grande entrada de La Monnaie, é um festival de cor e garridice naquele átrio que exibe majestade e convencionalismo. Chega de deambulação pelos lugares matriciais que o viandante tanto aprecia. É fim de tarde, vai embrenhar-se numa livraria de obras em segunda mão. Será afortunado, imagine-se que encontrou um livro de história de arte… escrito por Jorge Pais da Silva, que foi seu professor de História de Arte. Contente e feliz, regressa a penates, amanhã também será um dia grande – num dia curto de Outono.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18281: Os nossos seres, saberes e lazeres (251): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Conheço muita boa gente que tem uma imagem desconsoladora de Bruxelas. São sobretudo os funcionários que desembarcam na cidade ao fim da tarde e que no dia seguinte se encerram numa sala a conferenciar ou a ouvir outros a palestrar, regressando ao centro quando a luz se foi. E então dizem que se come bem mas não há nada praticamente para ver naquela cidade escura e que não dá sinais de ser muito acolhedora.
Tive a sorte de ser iniciado a conhecer lagos e jardins, museus extraordinários, artérias cheias de vida, com gente de 184 países. Bruxelas tem eventos culturais a um ritmo impressionante.
Vinha desta vez com o objetivo de rever e comparar a evolução da capital nos últimos 40 anos e exaltar uma nobre amizade. O que aqui se mostra é que tais objetivos foram alcançados.
Um abraço do
Mário
Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (2)
Beja Santos
O viandante programou um dia azafamado, sai de Watermael-Boisfort em direção a Ixelles, vai a uma venda solidária de um empreendimento original e que goza de grande reputação por toda a Bélgica, dele se falará adiante. Faz todo o sentido, seguidamente, vadiar por Ixelles, uma comuna de larga superfície e que goza de um património imobiliário notável, e depois de matar a fome é imperativo visitar os locais que o deslumbraram, exatamente 40 anos atrás. Logo à saída de casa, este belo espetáculo das cerejeiras do Japão como incendiadas pelo Outono, todos os dias, enquanto o viandante aqui estiver, haverá um olhar de fascínio e ternura.
Só por pudor é que não se tiraram dezenas de imagens no interior desta venda solidária organizada pelos Compagnons Depanneurs, dedicam-se a prestar serviços a pessoas no limiar da pobreza. O viandante não sabia, mas um quinto da população belga vive em habitações com grandes problemas que vão da humidade à deterioração passando pelo excesso de pessoas vivendo em condições precárias. Trezentos companheiros prestam serviços de pintura, de arranjo do chão das casas, tratando de avarias em canalizações e eletricidade, facultando móveis utilitários, a sua consigna é de assegurar uma habitação decente e agradável a todos os que têm fracos rendimentos.
Os companheiros precisam de solidariedade, que não lhes é regateada, por todo o país. Naquele dia abriam as portas a uma venda solidária na Rue de la Glacière, ali se chegou para ver um edifício inteiro transformado numa caverna de Ali Babá: divisões com móveis e utensílios domésticos, divisões com eletrodomésticos, tapetes de todas as formas, tamanhos e feitios, quadros e mais adornos de paredes, divisões de bijuterias, roupas para todas as idades, material informático, cd’s, dvd’s, livros… O viandante tem limites severos de carga, ainda se assombrou com um espelho de parede, mas foi afeição de pouca dura, não resistiu a vários livros e alguns cd’s. Passeou-se por todos aqueles espaços, feliz por ver viçoso um projeto que visa a dignidade humana. Combateu o frio com uma boa sopa e uma saborosa sandes. E atirou-se ao trabalho, havia que calcorrear Ixelles, uma comuna cheia de história, um misto de Bairro Latino, Montparnasse e área residencial das classes médias, por ali pululam cafés com estudantada, uma livraria pejada de obras revolucionárias de todo o século XX, pequenos restaurantes, marcas concretas de que a comuna tem população vibrante.
O viandante gosta de fruir uma habitação cuidada ou renovada, contemplou esta que terá sido uma residência familiar, hoje deverá ter vários apartamentos, mas é um gosto ver tudo retocado, com as muitas bicicletas à porta. A cidade é plana e os ciclistas não desfalecem mesmo quando são confrontados com oceanos de carros que atravessam a cidade, há bicicletas com estranhíssimos atrelados onde vai a garotada. Bruxelas é outra coisa com o frémito deste tráfego a duas rodas.
Este é o edifício comunal, o Hotel de Ville, respira prosperidade, sempre teve, a comuna tem este privilégio de uma intensa vida intelectual, Bruxelas não dispõe de uma cidade universitária, os seus equipamentos estão dispersos, mas é aqui que os estudantes gostam de viver, misturados com as gentes de todas as categorias. O viandante delicia-se com esta arquitetura, faz uma pausa, toma um café e apanha um transporte para o centro da cidade.
Convenhamos que a imagem em si nada tem de fulgurante, merece uma explicação. Quando o viandante aqui arribou há 40 anos, em frente à Gare Central era como que um deserto, pontuava a um canto uma igreja, de nome Santa Maria Madalena, deu depois para aprender que é uma das mais antigas da cidade, que conheceu como todas acrescentos e reconstruções. Duranta a última fase de restauros, em meados de 1950, meteram-lhes estes vitrais, nalguma profusão. Foi um movimento artístico que as novas gerações hoje passam ao lado. Finda a II Guerra Mundial, ignorou-se o classicismo e o academismo, emergiu uma arquitetura de vanguarda que ocupou os espaços destruídos pela guerra, a pintura encontrou outros motivos, e o vitral também. Passadas estas décadas, aquilo que era modernidade para o viandante, ainda por cima um arrojo de inserir num edifício estruturalmente talhado nos séculos XV, XVI e XVII, é hoje um dado assente, já foi modernidade. E ainda bem que assim é.
Estamos num espaço icónico, daqui avista-se o Hotel de Ville de Bruxelas e a sua agulha majestosa, quem entra na Grand Place não resiste a contemplá-la demoradamente. Preferiu-se naquele dia registá-la de outro modo, de uma rua lateral, havia pressa em bater à porta do teatro La Monnaie, a mais bela casa de ópera e de música da cidade.
O viandante chegara aguado, esperançado em poder ver a ópera Lucio Silla, do jovem Mozart. Tem um certo historial afortunado de entradas nesta casa, e a preços altamente abordáveis. Recorda-se sempre que desembarcara na cidade aí pelas 17h, no dia seguinte estaria em reunião até ao fim da tarde, regressando a Lisboa no último avião. Arrumada a trouxa no hotel, rumou sem propósito definido até La Monnaie, eram 17h50 quando chegou à bilheteira para farejar se havia algum espetáculo. Sim, dentro de minutos começaria uma récita de Tristão e Isolda. Lamentavelmente, só havia um bilhete de 10 euros lá para o último andar, quase a tocar o teto. Não hesitou, saiu dali pela meia-noite, consolado com uma das obras-primas de Wagner, o pior foi encontrar um sítio para matar a fome, e não foi fácil. Vinha com esperança de mais um golpe de sorte, os bilhetes que restavam orçavam os 100 euros, foi pronta a desistência. Lucio Silla nem de longe nem de perto tem a genialidade de Don Giovanni, os estudiosos já anotaram as pequenas falhas do jovem Mozart, mas também não deixam de se surpreender como aquela criança pôs em música a profundidade das emoções humanas e como precisou psicologicamente bem a personalidade narcísica do Lucio Silla, o homem mais poderoso do seu tempo, mas a quem faltava o amor. Paciência, fica para a próxima, o viandante confia que não lhe faltem oportunidades de regressar a Bruxelas.
Serve de consolo à despedida registar o teto da grande entrada de La Monnaie, é um festival de cor e garridice naquele átrio que exibe majestade e convencionalismo. Chega de deambulação pelos lugares matriciais que o viandante tanto aprecia. É fim de tarde, vai embrenhar-se numa livraria de obras em segunda mão. Será afortunado, imagine-se que encontrou um livro de história de arte… escrito por Jorge Pais da Silva, que foi seu professor de História de Arte. Contente e feliz, regressa a penates, amanhã também será um dia grande – num dia curto de Outono.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18281: Os nossos seres, saberes e lazeres (251): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18305: Parabéns a você (1389): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18298: Parabéns a você (1388): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18298: Parabéns a você (1388): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)
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