1. III Parte da publicação do texto de memórias intitulado "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (Bissau, Buba e Pelundo, 1969/71)A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA
António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte III
Com a Companhia de Comando e Serviços já quase toda no Pelundo por alturas do mês de setembro, fui mais o Médico e um Sargento para os Adidos. Por esta altura, eu já tinha reservado viagem de férias ao Continente.
Aconteceu também, adoecer com sintomas de apendicite, e com os Médicos do Hospital Militar a querer que eu embarcasse o mais rapidamente para Lisboa de modo a poder aqui ser observado.
Logo em Bissau me deram uma injeção anti-inflamatória, e mal cheguei a Lisboa dirigi-me ao Hospital Militar Principal para ser tratado. Aproveitei também passar pelo Porto antes de ir visitar meus pais e demais família, ir medicar-me ao Hospital Militar desta Cidade onde por sinal havia realizado o meu estágio. Devo dizer ainda, que foi nestes dois Hospitais Militares que eu passei meu tempo antes de embarcar para a Guiné.
Nesta minha passagem pelo Porto, fiquei uma noite numa República chamada “Deixa cá Ver”. Nesta República passei muitas noites durante a minha permanência no Porto durante o meu estágio, convivendo com estudantes universitários de vários cursos e de várias regiões do País. Aqui assisti a muitos serões de debates políticos. Nela encontrava-se um jovem também de Foz Côa que era como um irmão para mim e eu para ele. Criados na mesma rua e cuja família se encontrava ligada à minha por laços muito fortes. Nunca esquecerei na minha vida o quanto ele me ajudou naquela época. Também tentei ser prestável aos frequentadores da República dando algumas injeções a quem por vezes necessitava. Fui muito acarinhado por todos.
Aconteceu nessa noite de passagem mais uma vez por lá vindo da Guiné, para se gerar discussão sobre a guerra. Verifiquei como as notícias eram destorcidas. Falaram-me em acontecimentos que não eram verdadeiros. Eu vindo da Guiné três dias antes, tive que fortemente os desmentir dizendo-lhes que aquelas notícias eram totalmente falsas. Foi difícil convencê-los. Para eles, já em 1969 a Cidade de Bissau encontrava-se cercada por todos os lados.
Já bastante melhor das dores e febre que me traziam debilitado, fui descansar e continuar o meu tratamento em Foz Côa junto da minha família. Foi muito bom para mim ter vindo de férias naquela altura até porque sabia que logo que chegasse a Bissau, teria que apanhar escolta que me levasse para o interior Norte da Guiné e para a aldeia do Pelundo.
Passados os meus repousantes dias de férias e com o estado de saúde melhorado, lá apanhei o avião em Lisboa de regresso à Guiné.
Mal cheguei ao aeroporto de Bissau, um jipe esperava-me para me conduzir até ao Quartel dos Adidos onde uma escolta já se encontrava pronta para me levar, mais uns soldados que tinham vindo a Bissau à consulta externa bem como, mantimentos para as nossas tropas do Batalhão.
Cheguei ao Pelundo já ao fim da tarde. Ao contrário de Buba onde tinha estado quinze dias conforme já aqui referi, o ambiente aqui era diferente bastante calmo. Em Buba, só por duas tardes consegui ter algum descanso e confraternizar com companheiros militares, mas somente, dentro do arame farpado. Não tomei conhecimento de nada daquela aldeia. Ao contrário, ao chegar ao Pelundo vi logo à entrada da aldeia soldados confraternizando com jovens locais. É certo que para Buba fui de helicóptero que me deixou já dentro do Quartel e da mesma forma de lá saí para Bissau.
Como uma das minhas missões era fazer ação psicológica com a população, verifiquei que seria um bom lugar para o meu feitio e gosto de conviver e aprender os hábitos de vida daquelas gentes, iria ser bom.
Também só agora iria tomar conhecimento próximo com os militares da minha CCS e, da Companhia operacional 2886 do meu Batalhão que, juntamente com a Companhia de Comando, se encontrava no mesmo local.
Após deixar a minha bagagem no abrigo onde ficaria alojado juntamente com quase todos os Furriéis da CCS, fui até ao Posto Médico reencontrar-me com todos da minha equipa (Médico, Cabo Enfermeiro e Maqueiros).
Depois de os cumprimentar e deitar uma olhadela ao edifício que mais não era que um barracão um uma parte mais ampla que funcionava como sala de consultas e tratamentos e, ao lado, uma outra divisão separada com porta para o exterior que servia de armazém. No mesmo local e separados por uma ruela, ficavam as messes de Oficiais e de Sargentos e, num outro edifício, os quartos dos Comandantes (Major e Tenente Coronel).
Mais afastados, encontravam-se os alojamentos da Companhia operacional 86. Todos estes espaços se encontravam cercados com arame farpado tendo à sua entrada uma guarita com sentinela.
Separados por uma estrada que vinha desde o início da povoação, encontrava-se o novo Quartel ainda em construção, mas já com algumas funcionalidades.
Este quartel situava-se num amplo espaço plano com os abrigos à prova de morteiros nas paredes externas e espessura normal nas paredes voltadas para o interior do mesmo. Estes abrigos que a maioria eram os dormitórios de todos nós menos dos comandantes como já descrevi, circundavam o quartel em formato octogonal. Atrás com um espaço ainda considerável era cercado por arame farpado que, creio, porque nunca perguntei nem observei, que fosse eletrificado como acontecia em Buba.
Num destes abrigos e próximo da entrada do quartel, veio mais tarde a funcionar como Posto Médico. Nele dormiu o Médico desde a sua chegada até ao fim da Comissão.
Não resisti de, logo nesse fim de tarde e após o jantar, dar a minha primeira caminhada pela rua principal e juntar-me a um grupo de soldados mais um Alferes de origem cabo-verdiana que confraternizavam com jovens locais. Este Alferes que só lá conheci, era de apoio ao Comandante e detentor de todo o sistema de informações. Profissionalmente meu colega.
Logo no dia seguinte, apresentou-se-me uma jovem dizendo-me que seria ela a tomar conta da minha roupa. Nem tive hipótese de escolha. Disse-me que seria ela e mais ninguém e que já tomava conta da roupa do Médico, do Major e do Comandante e que só ela tinha autorização de entrar no Quartel buscar e trazer roupa. Todas as outras lavadeiras ficavam fora do arame farpado para receberem e entregarem roupa. Esta jovem de nome Judite tornou-se uma pessoa muito importante para mim durante toda a Comissão, e lhe serei toda a minha vida grato por tudo o que fez por mim, lhe devo o meu bom estado mental com que regressei daquelas paragens. A ela me referirei com mais pormenores na parte final desta minha narrativa.
Tive também a surpresa de ter um conterrâneo aqui em Pelundo e na Companhia 2886. O Adriano Sousa, natural da Freguesia das Chãs e Concelho de Foz Côa, era Soldado atirador dado não ter completado o quinto ano dos liceus. Estudou no Colégio de Foz Côa. Dado ele não ter feito parte das minhas amizades habituais em Foz Côa naquele tempo, e nos últimos anos eu tê-los passado fora de Foz Côa, não o conhecia. Ele, ao ouvir o meu nome abeirou-se de mim identificando-se. Construímos uma amizade até ao dia que Deus nos levar. O Adriano é testemunha de muitos dos meus factos que aqui transcrevo. Era meu confidente.
No momento que estou a escrever estas linhas, tenho meu coração triste ao tomar consciência da pequenez moral dos políticos responsáveis que o representam Portugal.
Acabei de assistir ao vídeo do funeral do militar Português mais condecorado do meu país de nome Marcelino da Mata. Desprezado no direito às honras merecidas que a Pátria lhe devia e, por aqueles que a representam, a Pátria que com sangue e lágrimas ele como nenhum outro soube defender. Não teve honras de abertura de telejornais, nem comunicados dos Estados-maiores e, principalmente, do atual Presidente da República.
A qualquer pé descalço afeto ao poder político, a bandeira é colocada a meia haste e decretado três dias de luto Nacional. Ao Tenente Coronel Marcelino da Mata nascido na Guiné, soldado Comando detentor da Torre Espada Lealdade e Mérito e mais cinco cruzes de guerra de 1.ª Classe por coragem demonstrada em combate, nem uma salva de tiros teve direito no momento do seu corpo descer à sepultura. Porém, seus companheiros de armas, brancos e negros, não o deixaram só e nunca será esquecido por muitos anos que passem. Honra à sua memória e que sua alma descanse em paz. Conheci-o um dia em Bissau.
Voltando à minha escrita sobre a minha passagem pela Guiné, direi que as minhas primeiras preocupações foram o verificar, as funcionalidades e existências do Posto Médico, conversar com o Médico sobre o meio em que nos encontrávamos e sobre todo o exterior que nos rodeava.
Quando o segundo Comandante ainda em Bissau soube da minha ida de férias à Metrópole, pediu-me para que no meu regresso à Guiné eu levasse de Portugal e, principalmente da minha terra, sementes hortícolas para criarmos uma horta nas periferias do Quartel. O objetivo era podermos ter vegetais frescos para serem utilizados na alimentação dos nossos militares, serem semeadas numa horta a construir no Quartel do Pelundo de modo a termos produtos verdes e frescos na alimentação senão para toda a tropa, mas, pelo menos, para as messes (Sargentos e Oficiais).
Entrada do aquartelamento do Pelundo
Foto: © António Teixeira (2011)
Assim fiz. Logo no segundo dia da minha chegada ao Pelundo, criei um pequeno canteiro junto ao Posto Médico onde semeei tomates e alfaces.
Como esta iniciativa havia partido do Segundo Comandante Major Pinho, ele foi logo nesse dia de manhã falar comigo. Primeiro, porém, pediu álcool para limpar o seu cachimbo duma forma que eu não gostei. – Dá-me álcool para eu limpar o cachimbo - disse-me ele. Eu respondi-lhe que não estava a ouvir nada. – Não ouves? – Voltou ele. Sou o teu Segundo Comandante. Eu, serenamente respondi-lhe que daquela porta para dentro era eu que mandava e, como tal, ou me pedia o álcool educadamente por favor ou não levava nada. Disse-lhe mais já um pouco fora de mim que, ficasse a saber, que não estava na tropa para ser criado fosse de quem fosse e, quando alguém me pisasse os calos, lhe responderia, f….-se que já me pisaste.
Estou a ver que me saíste uma grande encomenda – observou ele pedindo-me por favor algodão e álcool. Aproveitei logo para lhe comunicar que não iria tomar conta da dita horta. Mas tu és o engenheiro – voltou ele à carga. – Sou disse-lhe. Mas não quero contratos com o Comando. Chega-me os cuidados de saúde para os quais sou um dos responsáveis, continuei. Assim o fiz a partir daquele dia.
Logo nos primeiros dias da minha presença naquela localidade, aproveitei os momentos livres e após o almoço, fim de tarde e depois do jantar para familiarizar com a população local. Cedo me apercebi que a jovem que tomava conta da minha roupa possuía grande influência não só nos jovens, mas também nos mais adultos da população. Assim, comecei a socializar-me com todos eles. Para tal, comecei a juntar-me com ela e outros e outras jovens durante noites para ganhar a sua confiança e, também, eu começar a captar os seus hábitos e anseios e, acima de tudo, aprender frases do seu dialeto. Cheguei a permanecer fora do quartel até cerca da meia-noite em muitos os dias.
Comecei deste modo a conquistar amizades que me foram muito úteis até ao fim da minha estadia nesta terra, já que tinha duas missões a cumprir para com eles. Tratar da saúde e ensinar-lhes dentro do tempo que me fosse possível melhores técnicas agrícolas sempre que para tal me fosse solicitado.
Mensalmente, recebíamos medicamentos não só para os militares a meu cargo como também para a população da aldeia. Felizmente, durante toda a minha comissão pude utilizar na população medicação que era destinada aos militares porque para estes não foi necessária.
Durante toda a comissão levei muito a sério a minha missão. Sentia-me muito feliz quando percorrendo as ruelas do Pelundo as crianças se vinham agarrar às minhas pernas solicitando afetos. Os mais idosos me cumprimentavam baixando a cabeça e, passados poucos meses me beijavam as mãos. Sempre lhes ia dizendo que não fazia sentido aquela forma de afeto já que eu não fazia mais que o meu dever de cuidar deles com dignidade. Criei assim um ambiente saudável junto da população. Os gestos dos mais idosos me faziam lembrar meus pais que em Portugal não recebiam apoios e tratamentos de saúde que nós ali estávamos a proporcionar às populações locais. A este propósito, muitas e muitas vezes alguns militares graduados me faziam acusações de possivelmente, eu desviar medicamentos destinados às nossas tropas para os civis. Felizmente, foi possível tal poder fazer, já que não foram necessários para as tropas a meu cuidado.
Já quando me deslocava a Bissau e aos Serviços de Material de Saúde que se encontravam junto ao Hospital Militar para resolver determinadas faltas de material, me perguntavam quais os contratos que eu tinha com o PAIGC, dado que as nossas colunas não sofriam emboscadas enquanto outras colunas de outros Batalhões eram atacadas no mesmo percurso. A minha resposta foi sempre a mesma. Porque eu tratava bem dos seus familiares.
Estas perguntas que me eram feitas tinham razão de ser, dado que não muitos dias antes, uma Companhia de Paraquedistas tinham sofrido uma penosa emboscada na mesma estrada que eu percorria e, semanalmente, escoltas do meu Batalhão eram feitas duas vezes. Alguns daqueles Paraquedistas foram tratados no nosso Posto Médico por mim e o Dr. Dinis Calado.
Talvez por isto, o Diretor do Serviço de Saúde em Bissau Dr. Bissaya Barreto, sempre que eu aqui vinha me chamava ao seu gabinete para falar comigo e me tratou sempre com muito carinho. Também não foi por acaso que uma fotografia minha foi colocada numa capa da revista do Exército, tratando um garoto, e com o título – Assim tratamos as populações.
Uma das particularidades que encontrei no Pelundo foi a existência de uma espécie de discoteca. Esta situava-se mais ou menos ao meio da aldeia e numa palhota. Possuía apenas a porta de entrada e uma janela que nem sempre se encontrava aberta.
Para este espaço, e durante os fins-de-semana e em dias alternados da mesma, as jovens e os jovens da aldeia se deslocavam à noite com o fim de se divertirem dançando ao som de um Gira-discos a pilhas. Quanto ao tipo de músicas, elas iam das africanas às brasileiras.
Eu comecei a frequentar assiduamente aquele espaço. Só não ia quando me encontrava adoentado ou por motivos de serviço ao Quartel. Muitos outros militares começaram a frequentar aquele lugar como o Médico (que eu o arrastei) e este sempre acompanhado pelo Alferes Tunes. O Médico ia para dançar e se divertir, mas o Tunes ia apenas para observar o ambiente. Também vários Furriéis da Companhia 2886 eram assíduos daquele espaço. Da CCS, tirando eu e o Médico e o dito Alferes, apenas os soldados para lá se deslocavam.
Verifiquei com certa admiração, como os e as jovens locais confraternizavam com os nossos soldados e alguns graduados como eu. A jovem que me cuidada da roupa ajudou-me a entrar naquele ambiente que não mais larguei durante todo o tempo que por lá me mantive.
O preço da entrada na discoteca era de dois pesos e meio, moeda local. Para nós, um preço acessível, mas para os jovens e alguns menos jovens da população local já lhes custava a pagar.
Este Alferes Tunes e eu, passados anos, viemos a viver perto um do outro no Concelho do Seixal. Resolvi com o bailarico, quebrar o stress dançando à noite sempre que me era possível.
A frequência na procura de cuidados de saúde pela população aumentava de dia para dia. Nos mais idosos eram frequentes as queixas de dores respiratórias e musculares. O clima quente e húmido contribuía para as pneumonias e dores reumáticas. A estes, com tratamentos injetáveis e em corpos pouco habituados a receber medicamentos, o seu efeito benéfico transmitia resultados a olhos vistos. Porém, com o decorrer do tempo, mesmo com muitas melhoras, lá estavam diariamente a pedir que lhes aplicássemos injeções, principalmente, vitaminadas. Cá miste Campingo diziam eles e elas.
Ainda nos adultos mais idosos, as doenças de pele e, em especial, as bilharzioses conhecidas também por elefantíases, muito difíceis de curar, tivemos pela frente.
O paludismo era uma doença complicada para todas as idades e para todos nós. No meu caso, felizmente que me passou ao lado. Sobre esta doença e sequelas nos militares escreverei mais à frente citando alguns casos mais especiais.
Continuando com os adultos, as doenças sexuais foram um bico-de-obra. Muitos casos tivemos, apesar das palestras preventivas que eram dadas aos militares informando-os dos meios preventivos que lhes seriam fornecidos sempre que nos fossem solicitados. Estes meios preventivos tanto eram fornecidos aos militares como a elementos da povoação, acaso nos fossem solicitados. As mulheres que se prostituíam tinham receio que o preservativo lhes ficasse dentro da vagina. Com tantas explicações que tive o cuidado de dar a algumas que conheci, verifiquei a pouca aceitação para obrigarem os seus clientes a usarem o preservativo. Pelo menos tentei dar-lhes conhecimentos de prevenção.
No caso das crianças, as otites foram os casos mais complicados que fomos tendo, derivado não só a falta de higiene como por fatores climatéricos. Como para estes casos era necessário a aplicação de antibióticos e como tal, a necessidade de regras na sua aplicação, o Médico resolveu o caso com a dissolução dos antibióticos em frascos de xarope até porque não possuíamos no quartel antibióticos próprios para crianças. Além deste drama, tivemos a dificuldade de comunicação com os pais das crianças, dado não entenderem bem o Português, e não muito habituados a terem assistência médica perto de casa.
Outro caso de saúde que me impressionou negativamente não só nesta localidade, mas também em quase todo o interior da Guiné, foi a desnutrição das crianças. Corpos muito magros e barrigas aventadas e umbigos excessivamente salientes.
O aventamento era provocado pelo tipo de alimentação com base no arroz e farinha de mandioca. O caso dos umbigos salientes tinha a ver com a falta de aperto com ligaduras após os partos.
Assim, nos primeiros meses todos nós, Médico, eu e Cabo Enfermeiro, mais os Maqueiros, procuramos aprender um pouco do dialeto local. Para isto, o convívio já descrito atrás, ajudou-nos muito nestas nossas tarefas.
A nível militar, fomos tendo uma certa acalmia, mas outras tropas que se movimentavam nas mesmas estradas já não tinham a mesma sorte como já atrás descrevi.
A minha aproximação com a população local foi dia após dia aumentando. Fui convivendo dia a dia mais não só com os mais jovens, mas também com mais velhos. Começaram aqui os meus problemas com as chefias do Batalhão que não viam esta minha atitude com bons olhos.
Em meados dos anos 70, o General Spínola mandou construir um Posto Médico e uma Escola Primária no Pelundo. Soube na altura que o mesmo aconteceu em muitos outros locais da Guiné. Esta Escola foi mobilada com o de mais moderno havia. Na terra onde nasci não tínhamos escolas iguais a esta. Assisti, como não podia deixar de o fazer, à sua inauguração. O General Spínola fez um discurso dirigido principalmente para o Régulo local não muito meigo para este, chegando a chamar-lhe traidor. Pouco tempo antes tinha acontecido o assassinato dos Majores. A meu lado tinha o chefe da Granja de Teixeira Pinto e, meu colega de profissão civil, que me ia comentando, dizendo que o General era maluco pois aquele discurso colocava-o em perigo ali mesmo.
(Continua)
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Nota do editor
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