terça-feira, 22 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23803: A galeria dos meus heróis (48): Adeus e até à próstata! (Luís Graça)


Lourinhã > Grafito > 24 out 2020 > Uma quadra de Fernando Pessoa, num parede de um prédio devoluto já entretanto demolido 

Foto: © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

 

A galeria dos meus heróis > 

Adeus e até à próstata!

por Luís Graça  (*)


1. Encontrámo-nos na cafetaria do jardim da Gulbenkian, em Lisboa. Recordo-me de nos termos cruzado, por mero acaso, numa exposição sobre o cérebro humano. Acabámos por ver o resto, juntos, e no fim fomos beber um bica e dar os dois dedos de conversa da treta. Era sábado e estávamos livres. Já não via o meu amigo psicólogo há uns largos tempos.

No passado, tínhamos estado ligados a projetos de intervenção e investigação  no domínio da promoção da saúde no local de trabalho, desempenhando ele as funções de assessor para a área da saúde mental. Além disso, era especialista em perturbação do stress pós-traumático  (PSPT), provocado por situações-limite como a guerra, os acidentes, as agressões, os assaltos, e outras formas de violência, mas também a experiência de doença, e nomeadamente da doença oncológica.

Éramos amigos de longa data, sem sermos propriamente íntimos. Ele tinha feito a licenciatura em psicologia no ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada. E a tropa nos serviços psicotécnicos do exército.  Doutorou-se depois,  em Lovaina, na Bélgica. Tivera mais sorte do que eu, que não escapei à “guerra do ultramar”, como então se dizia: interrompera-me os estudos e,   depois da “peluda”,  foram mais quatro anos a ganhar ânimo para entrar na calha e continuar a estudar… A trabalhar  e a estudar.

Havia, no entanto, uma “pedrinha no sapato” entre nós. Eu embirrava com a expressão stress pós-traumático  de guerra e, talvez inconscientemente,  dava ouvidos ao coro dos “durães”, os antigos militares das tropas especiais para quem isso era “doença dos cobardes” (as duas expressões, ditas em tom sarcástico,  eram do meu amigo que, por sua vez, achava que eu também ainda sofria de traumas de guerra).

Houve uma altura em que o tema da guerra era recorrente nas conversas entre nós. O que me irritava de sobremaneira.  Mas a mim, desta vez, não me apetecia nada voltar a falar da tropa e  da guerra e, no fundo,  a ter de assumir que durante alguns anos não conseguira ser dono do meu destino. De facto, uns puderam continuar a estudar, sem sair do país, outros, mais afortunados,  demandaram portos de abrigo lá fora. E eu conhecia alguns,  faltosos e refractários, que se piraram antes que a tropa lhes pusesse a mão em cima, e sobre quem tinha sentimentos ambivalentes.

−E tu, meu estúpido, perdeste a guerra e anos de vida! – atenazava-me , uma e outra vez,  o meu amigo da onça, sempre que se falava do tema, em tom paternalista e algo diletante. (Afinal, o que sabia ele da experiência pessoal da guerra ?).

Desta vez, e para variar, estávamos ambos a falar dos “casos” e dos “ocasos” da vida.. Eu tratava-o por “Psi” (de psicólogo). E ele retribuía-me  com outro diminuitivo, o “Soc” (de sociólogo). E veio então à baila a notícia, que eu acabara de receber, uns dias antes, da morte de um conhecido meu, de quem, de resto, não guardava as melhores recordações, mas de quem sentia pena, sem saber por quê. Tinha sido doente do IPO, tal como eu.

− Alguém que eu possa ter conhecido ? – indagou o meu amigo “Psi”.

− Não me parece… Mas até é possível, julgo que ainda era do teu tempo, ou seja, do tempo em que tu lá andaste, com as tuas meninas, a entrevistar doentes pré-terminais. Ele foi visita frequente do IPO, andou por lá em tratamento em diferentes períodos. Quase diria que já fazia parte da mobília…

E adiantei:

− Claro que não te vou dizer o nome, mas tu, como “Psi”, eras capaz de gostar de ter conhecido a personagem.

− Alguém, um bocado bronco, que fazia gala de dizer às "meninas", às médicas,  às enfermeiras e às radioterapeutas  que “tinha sido pegador de touros e ainda gostava de montar” (a cavalo) ?!...

− É capaz de ser o mesmo, talvez o tenhas apanhado no início, na  primeira fase do tratamento, eu só o conheci mais tarde. Era uma figura patética, para o fim da vida. Mas era popular no IPO, e cirandou por lá uns anos. Foi bravo na morte, tenho que o reconhecer.

− É capaz de ter ficado fora no nosso estudo, na altura ele não reunia os requisitos, um deles era ser doente oncológico em cuidados paliativos… Mas julgo que ainda cheguei a falar com ele… Achei-o, além de um triste marialva, um bocado exibicionista e histriónico, se queres que te diga… Mas não sei se  estamos a falar da mesma pessoa…

− Nessa altura, ele devia estar muito longe de saber que ia morrer… Bem pelo contrário. E tinha-se voluntariado para um ensaio clínico, também não sei se chegou a ser aceite… Descobri que tínhamos, afinal, em comum alguns conhecidos, um deles da terra dele,  mas o que nos aproximou foi, de facto, o IPO, que frequentámos juntos durante algum tempo. Vimo-nos ainda diversas vezes. E ele acabou por me confiar umas fotocópias de um caderno com as suas memórias. Ainda eram umas largas dezenas de páginas, talvez perto da centena.  Pediu-me um “parecer”. Achava que eu tinha pinta de crítico literário. No fundo, confiou em mim, não sei por quê, nunca lhe disse o que fazia… Queria saber se valeria a pena publicar a sua “história de vida”, em livro, e “ainda em tempo útil” (sic), à medida que o tratamento não parecia estar a resultar… Tinha um tique: olhava para o relógio como se estivesse a cronometrar o tempo de vida que lhe restava… Os direitos de autor seriam entregues à Liga dos Amigos do IPO, instituição onde tinha sido “tratado por anjos” (sic).


2. E aqui o meu amigo psicólogo, com nome na praça, e que me fazia companhia, não sei se a contragosto (eu achava que sim, que ele dessa vez, num sábado soalheiro, estava mesmo a fazer um frete), não conseguiu deixar de arregalar o “olho clínico” e de passar a mostrar maior interesse na conversa, disparando-me logo uma pergunta algo sarcástica:

−Está bem, mas diz-me então, tu que leste o manuscrito com a sua história de vida: o teu conhecido encaixava-se em que tipo da fauna humana ?

Quis responder-lhe no mesmo tom de chalaça e non-sense:

−Não sou bom em zoologia e muito menos em taxinomia… mas podes pô-lo na gaveta do caceteiro, do energúmeno, do vilão, do “mau da fita”, do “lobo mau” da história do Capuchinho Vermelho… Isto por alguns histórias que sei dele...Podia ter sido marialva e pegador de touros, um valentaço, e ser um gajo minimamente decente, com valores, com ética, com bom senso…

−Também não gosto de catalogar ninguém às primeiras impressões… Mas arriscava-me a dizer que o teu conhecido não passava de um reles predador…

− Predador ?!...

− Sim, como a hiena… Tu que andaste pela Guiné, sabes que lá chamam “lobo”, em crioulo, à hiena. O que  eu acho que é uma ofensa para o lobo, para mim um animal nobre e altamente social…

− A hiena também o é, um animal social, é extremamente eficaz a caçar em grupo, como o lobo em alcateia… Mas não sei se o epíteto é bem aplicado ao nosso conhecido…Podia contar-te histórias do pequeno cacique, capacho dos agrários, ricos e poderosos, capanga, como dizem os brasileiros…

− É sempre interessante, não ?!, conhecer estes exemplares, e estudá-los, pelo menos em laboratório… Não os gosto de encontrar na vida real….Mas tu e eu temos que saber lidar com toda a fauna humana, todo o “bicho-careta” que nos pede ajuda…

− Tu, sim – respondi eu −, que fazes clínica, és psicoterapeuta, ouves no divã, tal como o padre no confessionário, muitas histórias, boas e más, alegres e tristes, cómicas e trágicas… Eu limito-me  a contar ou a inventar algumas, das poucas que me chegam aos ouvidos…


3. Descrevi então ao meu amigo “Psi” quem era essa tal “hiena” da minha pequena história… Oriundo da pequena burguesia rural da província, ali do Médio Tejo, na fronteira entre a Estremadura e o Ribatejo, era o que se podia chamar uma figura recorrente da pequena história da nossa História, com H grande. Sobretudo dos períodos mais conturbados como o foram a “aventura dos Descobrimentos”, as guerras, as invasões (com destaque para as napoleónicas), as revoluções, enfim, todos os períodos de convulsão social, a guerra civil, como a dos tempos do Liberalismo, da República ou dos anos 20/30 que levaram à ascensão da Ditadura Militar e depois ao Estado Novo… Mas também, mais recentemente, a guerra colonial, o fim do salazarismo e do marcelismo, o 25 de Abril, o Verão Quente de 75…

Nos anos 50 o nosso homem tivera a sorte de poder fazer mais do que a quarta classe do ensino primário. Abrira um colégio privado lá na terra (uma vilória na margem direita do rio Tejo), o pai "pô-lo a estudar",  como então se dizia. Deve ter feito o 2º ano,  no máximo. Revelou-se desde cedo um arruaceiro, envolvendo-se “à porrada” com alunos e professores.  Claro, foi expulso, e de algum modo fazia gala disso. É ele próprio que o conta nas suas memórias.

Na época mandavam-se estes casos para o Colégio Nuno Álvares, ali perto, em Tomar. O pai lá fez o sacrifício, na secreta esperança de o corrigir e de “fazer dele um homem”… Deve ter vendido mais umas jeiras de terra da herança da mulher (que essa, sim, é que tinha algo de seu, com restos de família fidalga em Alenquer). O gosto por touros e cavalos  deve ter vindo desses tempos. Mas eu sei pouco do seu passado, baseio-me no que ele contou, no seu manuscrito, ou numa ou noutra conversa avulsa. E algumas confidências enojaram-me, como as suas alegadas "conquistas amorosas".

Ofereceu-se para a Força Aérea, andou por lá os seis anos da praxe, como “mecânico de aviões” (sic). Se bem percebi passou por Cabo Verde e Angola. Aprendeu uns truques de boxe. Passou a confiar na sua estrelinha da sorte e nos seus punhos. Mas foi o fator C que lhe abriu as portas de um emprego civil,  com ordenado certo ao fim do mês, quando regressou de Angola em 1962. O veterinário municipal da terra, que era um cacique a União Nacional, deu-lhe uma mãozinha... 

Passou a vender produtos zoofitossanitários e veterinários, percorrendo boa parte da Estremadura e do Ribatejo. Habituou-se à vida de “caixeiro-viajante”, e à liberdade que isso lhe proporcionava, ficando semanas inteiras fora de casa. Não sei se chegou a ter duas famílias em dois sítios diferentes, mas tinha os seus “arranjinhos por fora” (sic) ao longo do caminho de casa…

− Bem, daí a sociopata vai uma distância…

− Também nunca disse que ele fosse um sociopata, nem sei se ele, em vida, chegou a ter problemas com a justiça… Mas teria alguns traços do sociopata, no mínimo era um homem violento. E, na verdade, não nutria sentimentos de compaixão pelos outros. Contou-me (mas não deixou isso escrito) que atropelara mortalmente um “pobre diabo”, na Estrada Nacional nº 1, na reta da Benedita, de noite. Numa noite de temporal. "Sem culpa"...,  mas nem sequer parou, para prestar socorro à vítima.  “Ia a mais de 150 km à hora, quando lhe apareceu um vulto, curvado,  a sair da berma da estrada”… Bateu-lhe de lado… Confirmou a notícia da morte pelos jornais,  no dia seguinte: “Uma chatice, mas devia ser um bêbado de fim-de-semana”, acrescentou ele, com o maior dos desplantes… e sentindo-se impune. A polícia nunca chegou a descobrir o autor do atropelamento mortal e o caso foi arquivado.

E aqui o meu amigo “Psi”, que na juventude andara pelas “águas turvas de um grupúsculo maoista” (a expressão era dele), ironizou:

− Não é caso virgem. Temos gente (e muito respeitável)  que faz (ou faria) o mesmo, a coberto da impunidade. Ainda bem que a humanidade, a corja humana, não veste toda por igual, como na Coreia do Norte , ainda hoje, ou na China do tempo do “Grande Timoneiro”, meu ídolo de juventude.

− Nem come só arroz chau-chau ou hambúrgueres!

− Às vezes, “Soc”, pergunto-me como é que um gajo, quando é novo, pode ser tão cretino!…

− Para o bem e o mal, a  fauna humana é diversa e multicolorida… E adaptativa. Imagina o  que seria um mundo de presas sem predadores ?... Ou só predadores: comiam-se uns aos outros… Mas, quanto às igrejas, deixa lá – contemporizei eu – muito boa gente sofreu do mesmo mal, antes e depois do 25 de Abril…

−Estou de acordo contigo… O comunismo enquanto utopia foi a doença infantil da nossa geração, nascida no pós-guerra, filha bastarda do Salazar e do Cerejeira…

−… e que terá preenchido o vazio ideológico deixado pela crise do catolicismo. No fundo, saíste de uma igreja para te enfiares noutra… Dizem que houve muitas conversões na manhã do dia 26 de Abril… Tu e eu conhecemos algumas…

O “Psi” não gostou da minha insinuação, relativa ao seu passado. E procurou desconversar:

− Mas voltando ao teu, afinal nosso, conhecido… Parece-me ter sido um gajo que não cresceu, ou não quis crescer… Mas eu diria que não há rapazes maus… Os “teddy boys” do nosso tempo, lembras-te ? Carros, gajas, bandos, música ié-ié…

− Sempre os houve e haverá, bandidos e aprendizes de bandidos que tanto sabem usar os punhos, como engatar, com um sorriso sedutor, a menina do coro e, logo a seguir, ajudar a velhinha a atravessar a rua…

− Estou a ver… Na província, isso ainda é (ou era) notório, tal como nos filmes do velho Faroeste…

− Quanto ao nosso fulano, perguntas… Pelo que li nas fotocópias do seu manuscrito, era um anticomunista primário ou, se calhar, nem era nada. Gabava-se de ter “partido o focinho a alguns comunas, em Rio Maior” e noutras “arenas de combate patriótico”  (sic) onde atuou no Verão Quente de 75. (De vez em quando, eu apanhava, no seu discurso,  alguns restos da sua tosca formação político-ideológica.) E depois, durante a campanha eleitoral de Ramalho Eanes, em 1976, diz que chegou a andar com ele aos ombros… Coitado do Eanes!... O que nunca apurei (nem quis, sabendo-o já bastante doente) foi a sua eventual participação nas redes bombistas que atuaram em 1975, pondo parte do país a ferro e fogo… 

E ainda acrescentei:

− No seu diário faltavam duas ou três folhas, justamente as dessa época. E eu nunca o inquiri sobre isso, achava que não tinha esse direito, para mais numa situação em que  a sua saúde se estava a degradar a olhos vistos... Mas não me parece que tenha sido um operacional de coisa alguma, quando muito um "peão de brega", gostava isso sim de “molhar a sopa”, como terá acontecido algumas vezes ao longo do Verão Quente de 75, nas terras onde havia "caça aos comunas" e que faziam parte do seu roteiro de "caixeiro-viajante".


4. Com um sorriso amarelo, contou-me, da última vez que o vi (e que na prática foi uma despedida), que fora a própria médica do IPO quem lhe passou a “certidão de óbito antecipada”:

−Senhor Jota Jota (alcunha fictícia)…, sabe que eu nunca fui de paninhos quentes… O médico tem de dizer a verdade ao doente… No seu caso chegámos ao fim de linha. A medicação, que tomou e que é inovadora, deu-lhe muitos meses de vida… Será uma esperança para futuros doentes com tumores como os seus… A si, deu-lhe mais qualidade de vida, mas não vale a pena continuarmos… Seria causar-lhe falsas ilusões e mais sofrimento. Tem metástases espalhadas por várias partes do corpo, e tudo começou na próstata… Agora a bexiga e o pâncreas… Bem, vamos ter que o passar para os cuidados paliativos. Não quero que sofra. Vou-lhe recomendar também a consulta de psicoterapia. Boa sorte e coragem.

A verdade é que o Jota Jota  apagou-se uns dois ou três ou meses  depois, pelo que eu  vim a saber mais tarde. Esteve numa unidade cuidados continuados, com muita morfina em cima daquele corpo…

Mas, muito antes já lhe tinha devolvido, pelo correio, o seu manuscrito com uma nota, elegante, cortês, até simpática, mas cínica: “Meu caro J… Escrever não é fácil. E menos ainda quando, no fim da viagem (ou da picada, você esteve em Angola, sabe do que falo), um gajo, como nós, olha para trás e põe-se a rebobinar o filme da p… da vida…”

Ele escrevia mal ecom erros de ortografia, mas eu não tinha coragem de dizer-lhe isso diretamente na cara… Como dizer isto, afinal,  a um homem que, pela conversa da sua médica,  ia entrar, dentro de pouco tempo, no terminal da morte, mesmo sabendo que ele era um narcisista ?!… 

Não o desencorajei, acabei por criar-lhe falsas esperanças: que a escrita precisava de ser melhorada, a pontuação, a ortografia, a ligação entre as partes, o fio cronológico, havia parágrafos a acrescentar, outros a cortar ou melhorar, que havia saltos bruscos, "brancas", lapsos de memória, erros factuais...  Enfim, havia que acautelar a privacidade de certas pessoas que, não sendo figuras públicas, eram citadas… 

E depois conviria saber se a Liga dos Amigos do IPO daria o seu aval à iniciativa, por muito boa que fosse a intenção do autor… E era preciso, não menos importante. encontrar um editor… E ainda restava saber qual seria a aceitação do livro, o volume de vendas, o montante dos direitos de autor… Enfim, uma trabalheira. (Eu fazia questão de o tratar por você, para manter um certo distanciamento afetivo, ele era,  de resto,  mais velho do que eu.)

Claro, nunca me chegou a responder. Não teria já ânimo para pensar no projeto, um pouco megalómano e mitómano,  do livro. Teve, até ao fim da vida, uma boa companheira,  creio que de origem cabo-verdiana… Mais do que companheira, enfermeira. Nunca a conheci, a não ser de fotografia:  teria idade para ser filha dele.

Embora tendo casado muito jovem, e com filhos, mas cedo  divorciado, o Jota Jota  era um “engatão compulsivo”. De estatura média, entroncado,  casaco de couro (a lembrar o dos seus tempos da Força Aérea), arranjaria mais tarde uma “pileca” para lisonjear o seu ego e completar a sua auto-imagem de marialva de pacotilha. Gostava de dar a sua “volta  ao redondel”, que era o largo da feira lá do sítio onde morava…  quando ainda tinha forças para tal… Mas nos últimos meses a sua decadência física foi galopante, disse-me um seu conterrâneo,  meu conhecido..

Às tantas tive pena daquele meu companheiro de infortúnio, mesmo sabendo que a sua vida tinha sido um caso de “pulhice humana”, e que tinha feito mal a muita gente, acomeçar por jovens mulheres que ele seduzira,  e que era incapaz de autocrítica e arrependimento…

− Não gosto de bater nos mortos, nem mesmo daqueles que foram em vida, grandessíssimos filhos da mãe…

E acrescentei, retomando a conversa com o "Psi":

− O Jota Jota, à sua escala, reles, desprezível, terá sido um deles… Grande ou pequeno, para mim é um filho da mãe...

− Tal como os esbirros e os lacaios da Santa Inquisição, da PIDE, do Pombal, do Salazar… – complementou o meu amigo “Psi”.

− Eh!, pá, não falo das figuras históricas, deixá-las lá dormir o sono eterno no Panteão Nacional dos Figurões, esse ridículo  ossário das nossas pretensas memórias coletivas… Até por que os portugueses não conhecem a sua própria história…

− Os outros povos também não – respondeu o “Psi” −, sou capaz de concordar contigo, não há céu nem inferno, apenas limbo para aqueles que, no seu tempo, foram grandes, poderosos ou famosos…

− “Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando!”… Vê o pobre diabo do Camões… Quem o lê hoje ?

− Lemo-lo nós, no nosso tempo, por obrigação, nunca por devoção ou paixão… − ironizou o “Psi”.

− Para mais agora que perdemos o Império (ou a sua ilusão, nunca tivemos dimensão para ser uma nação imperial e imperialista).

− Algumas dessas figuras, a quem chamamos herois,  deram-nos bastos motivos para os continuarmos a odiar, mesmo depois da morte…

− Sim, há homens (e mulheres)  a quem a História não perdoará, a menos que se continue a falsificar a História…

O tema era caro ao “Psi”, que me adiantou:

− Haverá sempre gente pronta a acreditar… e a mentir. Mas felizmente que a História, enquanto ciência, não é do domínio da fé e da propaganda.

E aqui ele foi taxativo;

− Sim, está por fazer a lista dos mais famosos mortos execráveis  de cada país… Mas a nossa História ainda é um ninho de mentiras...

E eu abanei a cabeça, em sinal de concordância, acrescentando que, no dito país dos brandos costumes, não chegaríamos  hoje a um consenso sobre esse macabro “Top Ten”.

− E depois há o “enviesamento ideológico”, como tu, ”Soc”,  gostas de lembrar…  Vê como a historiografia trata os vencidos e os vencedores… Vê o caso dos irmãos, Dom Pedro e Dom Miguel…

− Ou dos pais, o Dom João VI e a espanhola, a Dona Carlota Joaquina, takvez uma das nossas rainhas mais odiadas da nossa História… Mas voltamos ao nosso Jota Jota…, que decerto não ficará na nossa História com H grande…


5. O mais patético foi vê-lo, poucos meses antes de morrer, contar-me, sentado num dos bancos do pequeno espaço ajardinado que existe no IPO, frente ao edifício principal, que aquela devia ser a sua “última visita à Santa Casa” (sic), como ele lhe chamava, ao hospital.

Aguardava  pela ambulância que o devia levar a casa, uns cento e poucos quilómetros a norte de Lisboa.  Fazíamos horas,  eu ia adiando o clique de telemóvel para a minha boleia,  talvez por não querer perder o final daquela história de um homem a lutar contra a morte. Pergunto-me hoje se não fiquei ali apenas por caridade (a palavra repugna-me), ou por compaixão… Ou por simples curiosidade mórbida...Mas ao mesmo tempo eu não queria desmerecer a tão inesperada quanto surpreendente confiança que ele depositara em mim, que só me conhecia do IPO…

Já antes me confirmara que se sentia um “doente milionário” (sic)… Provavelmente queria dizer “privilegiado”. Mas fez questão de esclarecer:

− VIP!... Um doente VIP!...

Nunca tinha ouvido uma tal expressão, algo surrealista e de todo deslocada num sítio daqueles, onde se sofria e morria todos os dias...

− VIP ? – interpelei eu, para logo a seguir acrescentar:

− Mas é um direito, que o meu amigo tem, o direito à saúde,  consagrado na Constituição…

Não sei se ele entendeu a minha observação, tanto mais que ele não deveria ser, pelo que eu deduzia, um fervoroso apoiante do SNS, o Serviço Nacional de Saúde… Mas logo percebi onde queria chegar:  de facto, e pelas suas contas de “caixeiro-viajante”, os gastos do IPO, “só com a sua humilde pessoa” (sic) , já ascenderiam a cerca de 200 mil euros (sem me explicar como teria apurado esse valor).

− Dava para comprar um bom apartamento em Lisboa – asseverava ele.

− Sim, talvez há uns largos anos atrás… − atalhei eu. – Agora Lisboa é fogo, o metro quadrado já ultrapassa os 3 mil euros…

Com algum humor negro, a que se juntavam uns restos esfarrapados da sua proverbial gabarolice,  garantia-me que a “menina da farmácia” (sic)  já brincava com ele, quando lá ia levantar a sua medicação:

  Senhor Jota Jota, por este andar vai levar o IPO à falência.

E seguia-se a justificação:

− A gente gasta  um milhão e meio de euros por semana só em medicamentos. O senhor leva a parte de leão…

E ele ria-se, não era bem riso, era uma estranha mistura do riso alarve do marialva fanfarrão e do sorriso triste, amarelo, forçado, do palhaço.  Ao mesmo tempo, provocava-me compaixão e irritação. Ele era daquele tipo de doentes para quem o “consumo sumptuário” de cuidados médicos (consultas, exames, fármacos, aparelhos…, "quanto mais caros melhores!"), era uma forma de “status” social… Era um traço distintivo… dos ricos com que ele se gabava de ter privado, "nos bons velhos tempos"....Ele sorria porque se sentia de algum modo lisonjeado com as palavras da “menina da farmácia”… Afinal, estava no “quadro de honra dos doentes despesistas” (sic). Havia nele um estranho prazer, quase sadomasoquista,  por estar a gastar, com a sua doença, tanto dinheiro ao Estado.

Duvido que a farmacêutica (ou mais provavelmente a técnica de farmácia que estava de serviço), em geral tão circunspecta e distante, fechada na sua “redoma de vidro” (colocada por causa da Covid-19), lhe tenha dito, textualmente, essas palavras, e muito menos falado nos milhões do orçamento do IPO. É mais provável que tenha sido a sua médica  oncologista  a dar-lhe essa informação, embora muito por alto. Mas eu registei  as suas palavras como tal, no meu caderninho de notas,  com a data desse dia.  

Logo que a ambulância partiu  com o meu companheiro de infortúnio,  tive o pressentimento (para não dizer a certeza) que nunca mais o voltaria a ver. E, confesso, com algum alívio… A sua história acabrunhava-me. Ou, talvez pior, a “sentença de morte” que lhe fora ditada pelos médicos…”Já não havia nada a fazer", conformava-se ele, completando já talvez o seu processo de luto...


6. R
ecordo-me ainda de ele me dizer, ao contar-me a primeira vez que teve de ir a um urologista:

– Sou um maricas, não posso ver sangue! 

Andara a “mijar sangue” (sic), e a levantar-se amiudadas vezes, de noite, para ir à casa de banho. Até pensou que tinha apanhado algum “esquentamento” (sic).

Foi protelando  a ida a um consulta médica, até que uma crise maior, há uns  anos atrás,  o forçou a chamar o 112. Aliás, não foi ele, mas a sua “Bia", o seu "anjo da guarda" (sic)...

A ambulância do INEM  levou-o, de imediato, à urgência do centro hospitalar da sua área de residência. Ele protestou, que tinha um seguro de saúde caríssimo, que queria ser visto num hospital privado, que o público tinha má fama, que ia ficar toda a noite numa maca, aos berros, no corredor, e por aí fora.

− Mas em boa hora lá me  levaram ao sítio certo. Dei de caras, no SO, com um urologista, que não era homem mas mulher, para minha surpresa.  A princípio, confesso, senti-me intimidado  e até humilhado quando ela me mandou despir as calças, e ficar em posição fetal na marquesa…

E justificou-se, como se tivesse perdido a honra:

− Nunca  tinha feito o toque retal, nunca ninguém (e muito menos uma mulher) me tinha posto o dedo no cu… Nem o dedo nem outra merda qualquer!

− Nunca tinha feito sequer uma eco prostática  ? – quis saber eu, evidenciando  algum pudor, delicadeza e cautela na pergunta.

− Nada, nunca precisei, graças a Deus! 

Perante a reação, algo desastrada, do doente, a médica riu-se para aliviar a  tensão, e gracejou:

− Senhor Jota Jota,  porte-se como um homem, já não tem idade para ser criança!... Aqui é apenas um paciente. Mas está no seu direito de recusar o toque retal… Se se portar bem, eu conto-lhe no fim uma história engraçada… Vem a propósito do pudor masculino, e passou-se comigo no início da minha carreira médica…

E,  depois de feito o toque retal, a médica prosseguiu:

− Como viu,  não doeu nada... Ou doeu ?!

− Não, senhora doutora.

E o senhor J... está inteiro, não perdeu nada!… Mas falando de coisas sérias: a próstata está muito inflamada, e mais dura do que seria normal… Vamos já fazer análises clínicas, para ver o valor do PSA (que deve estar alto) ... E muito provavelmente vamos ter que fazer uma biópsia nos próximos dias… Só  lamento o sr Jota Jota não ter vindo mais cedo ao urologista, ou à urologista… Fica aqui mais um dia ou dois, em observação e para fazer a eco, as análises… Depois irá para casa, ficando à espera que o chamem para a biópsia… (Infelizmente, vai ter que a fazer, mas é para melhor esclarecimento do diagnóstico.)

A médica fez depois questão de tranquilizar o doente, continuando a conversa bem humorada que mantivera logo de início:

− Afinal, a urologia é uma especialidade tão masculina ou tão feminina como qualquer outra… No caso de nós, as mulheres médicas urologistas, só não podemos é ter as unhas compridas e pintadas… Ou melhor, não convém…

E finalizando:

− Fique tranquilo… Tudo se há de compor. Hoje, se formos a tempo, ninguém morre de carcinoma da próstata… Esperemos é que não haja mais complicações… O nosso corpo é uma caixinha de surpresas... É preciso saber falar com ele, saber vê-lo e ouvi-lo,  estar atento aos seus sinais... E então agora vou-lhe contar a história que lhe prometi, no caso de se portar bem como aconteceu.

E a história podia resumir-se nestes termos, tal como o Jota Jota ma contou, com graça, pondo-se na pele da médica:

− Como deve imaginar, a urologia foi durante muito tempo uma especialidade médico-cirúrgica exercida por homens… Nos EUA as mulheres começaram mais tarde, nos anos 60… No nosso caso, só mais recentemente. Eu fui a primeira mulher do meu ano,  do meu curso, a escolher esta especialidade como primeira opção… O meu pai, alentejano, caçador, “bon vivant”, bom garfo e melhor copo (faleceu de gota, coitado!), levou-me um dia a uma montaria, uma caçada ao javali.  Era uma espécie de prémio, pelo meu sucesso no exame da especialidade. Eu era a única mulher no meio de tantos caçadores, todos empertigados nas suas fatiotas.  Um mulher de arma em punho, está a ver ?!...  Isto foi no Norte, em Trás-os-Montes, junto à raia espanhola… Desde miúda que eu gostava de acompanhar o meu pai, embora perto de casa, na caça ao coelho, à lebre,  à    perdiz… Quando fui, pela primeira vez, à montaria, os presentes, todos homens, começaram a torcer o nariz à minha presença, alguns tossiam para disfarçar o desconforto, ou puxavam grandes fumaças dos cigarros… E antes que se  avolumasse o mal-estar e se começasse a gerar algum burburinho, o meu pai (que nestas coisas tinha um sexto sentido apurado, a par de muita graça e bonomia, ou não fosse um "chaparro" de gema)  fez-me a presentação ao grupo dos machos lusitanos (também havia alguns espanhóis): “A minha filha, fulana de tal, médica, urologista… Estejam à vontade, meus senhores, podem continuar a mandar as vossas cara...lhadas (acho que foi esse o termo que ele usou), que ela, embora seja uma senhora muito bondosa e fina, está farta de ver piças e cus… Só espero é que os senhores nunca precisem  dos seus serviços, dela ou dos seus colegas”… Fez-se silêncio, por uns largos segundos, até que alguém, de copo na mão,  exclamou, para desanuviar o ambiente: “Seja bem vinda, doutora. Vê-se que é uma mulher de armas!”.

O nosso homem, o Jota Jota,  ficou visivelmente bem disposto e lisonjeado com estes mimos todos, vindos de uma mulher, para mais doutora… E, à despedida, teve este rasgo de bom humor, que deixou a médica encantada e até enternecida:

− Então, adeus, e até à próstata,  senhora doutora!


© Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados

[ Nesta série, " A galeria dos meus heróis", a realidade e a ficção misturam-se. E ainda bem que  temos a literatura, uma forma de arte, que os seres humanos inventaram, e que nos ajuda a suportar melhor a verdade e a mentira, o céu e o inferno, a sordidez e a beleza da vida... LG]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 17 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23532: A galeria dos meus heróis (47): O tio Ortiz (1906-1944) (Luís Graça)

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23802: In Memoriam (461): Braima Baldé morreu, aos 78 anos, no passado dia 18, foi meu soldado em Cufar, na CCAÇ 1621 e um amigo para a vida(Hugo Moura Ferreira)

 

Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 48º Convívio > 19 de maio de 2022 > O Braima Baldé (1944-2022) e o Hugo Moura Ferreira.


Foto (e legenda): © Manuel Resende (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Lisboa > Chelas > Restaurante "Pelicano Dourado" > 1 de dezembro de 2007 > Almoço-convívio  de antigos combatentes da Guiné (de um lado e do outro).   O restaurante "Pelicano Dourado" era então propriedade de Joaquim Djassi  (imfelizmente já falecido em 19/12/2010)  ficava na Zona J de Chelas, em Lisboa. A cozinheira era a esposa do Djassi, a dona Leontina Pontes, natural de Catió.

Da esquerda para a direita: A. Marques Lopes, o António Pimentel, o Xico Allen (falecido esre ano), o Braima Baldé, o Hugo Moura Ferreira. A foto deve ter sido tirada pelo Joaquim Djassi com a máquina do Hugo Moura Ferreira..



Lisboa > Chelas > Restaurante "Pelicano Dourado" > 1 de dezembro de 2007 > Almoço-convívio de antigos combatentes.

Na foto, da esquerda para a direita: António Pimentel, Marques Lopes, Braima Baldé (de pé) e Joaquim Djassi. A foto deve ter sido tirada pelo Xico Allen. Inimigos de ontem, amigos de hoje: o fula Braima Baldé foi ferido em combate em Buba, foi soldado na CCAÇ 763, entretanto substituída pela CCAÇ 1621 onde esteve o Hugo Moura Ferreira... Por sua vez, o biafada Joaquim Djassi foi um guerrilheiro do PAIGC

Foto (e legenda): © Hugo Moura Ferreira  (2007). Todos os direitos reservados.  



Cascais > Carcavelos > Junqueiro > Hotel Riviera > Magnífica Tabanca da Linha > 32º almoço-convívio > 20 de julho de 2017 > Em primeiro plano, o Braima Baldé, seguido do Hugo Moura Ferreira e o Marcelino da Mata (1940-2021)... O Zé Manel Diniz (1948-2021), de pé, em segundo plano. Náo sabemos de quem é a foto. E
m princípio, deve ser atribuída ao Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil CCAÇ 1621, Cufar, CCAÇ 6, Bedanda, e 1º Rep/QG/CTIG, Bissau, 1966/68.


1. A triste notícia foi-nos dada pelo o nosso camarada Hugo Moura Ferreira, na sua página do Facebook,  em 18/112022, às 00:01:

Caros Amigos,

Estou triste! Faleceu hoje o meu Amigo, que também fazia parte deste "Magnífico Grupo de Pessoas". [Referência à Magnífica Tabanca da Linha]. O Baima Baldé, que faria 79 anos em Janeiro de 2023. Tenho conhecimento que faleceu em casa, sem sofrimento, na Paz de Deus.(*)

Foi meu soldado em 1966, em Cufar, na CCaç 1621 e mantivemos uma amizade profunda e longa que envolvia as respetivas Famílias.

Deixo-vos 3 fotos de confraternizações, acima reproduzidas

(i) Uma em Chelas, há uns anos, no restaurante "O Pelicano Dourado" (**), do Joaquim Djassi, que já partiu (***), onde alguns de nós fazíamos encontros, com receitas guineenses.

(ii) Outra de um dos nossos convívios em que ainda tínhamos entre nós o José Diniz e o Marcelino da Mata [Achamos que a foto é do 32º almoço-convívio da Tabanca da Linha, realizado em 20 de julho de 2017 no Hotel Riviera, Junqueiro, Carcavelos, Cascais.. O editor LG ];

(iii)  e mais uma do nosso 48º Convívio, no Restaurante Caravela d' Ouro, em Algés

Pode ser que se encontrem no Além e consigam fazer uns Convívios de vez em quando!

2. Comentário do editor LG:

Em nome de toda a Tabanca Grande, apresento os meus sentidos pêsames à família do Braima Baldé e aos seus camaradas e amigos mais íntimos, a começar pelo Hugo Moura Ferreira. 

Embora fosse membro da Tabanca da Linha, o Braima não pertencia formalmente à Tabanca Grande, como a generalidade dos nossos amigos e camaradas guineenses, que vivem na diáspora, e momeadamente em Portugal. 

Há barreiras a vencer, a começar pela tão falada "infoexclusão"...Há barreiras económicas, técnicas, sociais, culturais, linguísticas, que os impedem de participar das nossas iniciativas, dos convívios ao blogue... 

Sabem lidar com o telemóvel, mas têm mais dificuldade em chegar ao nosso blogue. Se calhar, devíamos fazer muito mais por eles...que nem sequer sabemos por onde andam, onde vivem, o que fazem, como vão sobrevivendo. 

Têm  que ser os seus amigos, e antigos camaradas dearmas, como o Hugo Moura Ferreira, a dar-nos notícias deles... Infeliuzmente, esta é muito triste. A da última despedida do Braima Baldé. Fica, em todo o caso, registada no blogue dos amigos e camaradas da Guiné.

Há 3 referências, no nosso blogue, a um outro Braima Baldé, que foi alf mil 'comando', na 1ª CCmds Africanos e depois na CCAÇ 21,  citado pelo Amadu Djaló (aqui n blogue, em depoimento recolhido pelo Virgínio Briote).

O Braima Baldé (1944-2022) será referenciado no nosso blogue como Braima Baldé (II) (descritor). Mas como não teve qualquer interaçao directa connosco,  não tomamos a liberdade de o integrar na Tabanca Grande, a título póstuo, como temos feito nalguns casos. A menos que o Hugo MouraFerreira tenha fotos e histórias do Braima como combatente,  que queira e possa partilhar connosco. De qualquer modo, o Braima não fica na vala comum do esquecimento. 

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Guiné 61/74 - P23801: Notas de leitura (1520): "Por Cabral, Sempre - Forum Amícar Cabral 2013 - Comunicações e discursos"; organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
As efemérides em torno de figuras consagradas devem merecer uma organização que permita desvelar olhares renovados sobre o pensamento e ação do dito consagrado. Este fórum Amílcar Cabral que teve lugar na cidade da Praia em 2013 tem muita parra e pouca uva, muito salamaleque e pouca visão repercutente de como o pensamento de Cabral continua a ser atual em África. Do desapontamento de tanta comunicação deslavada, com o mais do mesmo, chama a atenção a capacidade reflexiva de Carlos Lopes, a investigação cuidada do historiador Julião Soares Sousa, o mais influente biógrafo de Cabral, que desvela o realismo e a profundidade da visão do líder do PAIGC que jamais ignorou que conduzia uma luta em que não podia dar muitos exemplos edificantes do sucesso da era pós-colonial, o PAIGC alargava-se enquanto novas nações viviam atormentadas por elites cúpidas e corruptas, prometendo unidades e desunindo-se rapidamente, o historiador, bem documentado, olha para a África de hoje e pondera que o pensamento de Cabral, hoje, tem a mesma frescura que há mais de cinquenta anos atrás, lamentavelmente.

Um abraço do
Mário



Cabral, o pensamento revolucionário no mundo contemporâneo (1)

Mário Beja Santos

Por Cabral, Sempre, comunicações e discursos apresentados no Fórum Internacional Amílcar Cabral, em janeiro de 2013, na Praia, com organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016, tinha como tema central a leitura do pensamento de Amílcar Cabral à luz da contemporaneidade. Para além da sessão inaugural, das mensagens, dos discursos e dos anexos, ao longo de mais de quinhentas páginas discorre um bom punhado de oradores, lê-se tudo do princípio ao fim à busca de tratamentos inovadores, olhares refrescados sobre o líder político ainda hoje considerado como figura de pódio do pensamento revolucionário, há um travo amargo de muita parra e pouca uva, muito incenso e pouca convicção, bastante retórica e palavreado fácil, mais escória do que metal sonante. No entanto, impõem-se três nomes com comunicações que apraz registar e fazer a síntese da essência do que ficou registado: Carlos Lopes, Julião Soares Sousa e Miguel de Barros com Redy Wilson Lima.

Carlos Lopes ventilou o temário “Amílcar Cabral como promotor da ideia pan-africana”. Foi aos primórdios da ideologia pan-africanista e como esta afetou os jovens africanos oriundos das colónias portuguesas. Equiparando a pujança intelectual de Cabral com a de Frantz Fanon, escalpeliza três conceitos dominantes no seu pensamento: a definição de unidade, a falta de ideologia em África e o combate pelo lugar na História. Muito cedo os novos estados emergentes do pós-colonial, com a boca cheia de promessas de unidade, desentenderam-se e fragmentaram-se. Cabral justificava a unidade Guiné – Cabo Verde em congruência com o pan-africanismo, não ignorando a corrente refratária em Cabo Verde de um sentimento de hostilidade na Guiné, por razões históricas, em relação a Cabo Verde. Assumiu a unidade como um compromisso com o pan-africanismo, não iludindo que precisava de promover uma defesa anticolonial contabilizando aquilo que ele chamava a história em comum. Serviu-se da cultura como elemento primordial que daria no decurso da luta armada a identidade da nova nação. Pouco dado a ilusões, nunca deixou de supor que a sua luta triunfasse mas não se mentia com os tremendos riscos postos, alcançada a independência. Como observa Carlos Lopes no termo da sua comunicação:
“Desde cedo, Cabral e Mário de Andrade, alertados pelas derivas totalitárias de Sékou Touré, Nkrumah e Kenyatta, se preocuparam com a utilização identitária como forma de construção de uma ideologia travesti do pan-africanismo. Para proteger os movimentos a que estavam associados tais perigos, multiplicaram os apelos à democracia popular e direta. Esta revelou-se, porém, ser uma muito débil resposta a tendências que se revelaram fortíssimas.
A famosa chamada de atenção de Cabral para o suicídio da pequena burguesia deve ser entendida como um eufemismo para confessar a impossibilidade de conter as derivas dos movimentos nacionalistas, ou o seu aproveitamento para fins menos nobres. Na realidade, trata-se de uma confissão indireta de que o processo histórico, expressão tão usada nos anos 60, tomaria o seu rumo. Para mal do pan-africanismo e do próprio projeto nacional”
.

Mais adiante, Julião Soares Sousa discreteou sobre “Os desafios da construção do Estado em África: uma releitura do pensamento de Amílcar Cabral na perspetiva da contemporaneidade". O historiador propôs-se analisar os desafios atuais da construção do Estado em África mediante uma releitura contemporânea do pensamento de Cabral. Cabral advogava uma proposta de rutura radical com a herança político-administrativa colonial, era imperativo barrar o caminho de qualquer modalidade de neocolonialismo ou criar elites negras prontas a repetir as mesmas táticas dos colonos. Daí ter sempre tratado a luta de libertação como um ato de cultura, a necessidade de o novo Estado se pautar pela autonomização económica e daí a sua permanente advertência para o desenvolvimento da agricultura, dizia repetidamente que era imprescindível a descentralização dos ministérios e que esta devia ser implementada de acordo com as necessidades das massas camponesas. Cabral também foi premonitório sobre os perigos da elite política se concentrar em Bissau, seria um íman para atrair e empolar o centro urbano em detrimento do desenvolvimento dos campos. Realista, punha em destaque os objetivos sociais e as necessidades básicas da população, atormentando assim os ideólogos de pacotilha quando asseverou: “Lembrar-se sempre de que o povo não luta por ideias, por coisas que estão na cabeça dos homens. O povo luta e aceita os sacrifícios exigidos pela luta, mas para obter vantagens materiais para poder viver em paz e melhor, para ver a sua vida progredir e para garantir o futuro dos seus filhos”. A luta armada foi crescendo enquanto África continuava à espera de uma verdadeira revolução, Cabral tinha consciência dos problemas da Nigéria, mesmo tendo sido contrário à secessão do Biafra, tinha plena consciência das diferenças gritantes entre os detentores dos cargos públicos e o povo, era profundamente crítico das novas cliques políticas que rapidamente se enriqueciam e pavoneavam com carros luxuosos, indiferente a um povo pobre e desgraçado. Igualmente se mostrava apreensivo com a má gestão dos dinheiros públicos, do mesmo modo como tecia considerações para os golpes de Estado que assolaram África entre 1965 e 1966, um caráter golpista que se prendia com o tribalismo, a ganância do poder e a tentação neocolonial. Como observa o historiador Julião Soares Sousa, foi um processo eivado de contradições em que se tentou forjar o desenvolvimento do sentimento nacional perseguindo chefes tradicionais, ficcionando tentativas de golpes de Estado, gerando estados de terror entre as populações, afastando-as de todo e qualquer sentimento revolucionário. Não era por acaso que Cabral insistia na questão da pequena burguesia e de que lado ela iria estar, ou na contrarrevolução. O historiador aborda o contexto de uma rutura epistemológica essencial dada pela crise do socialismo e pela chegada em pleno do liberalismo económico a África que acarretou novos quadros de instabilidade e a anomia do Estado. Como ele escreve, “Em África muitos Estados, nomeadamente os frágeis, não têm conseguido cumprir com alguns critérios básicos devido às fracas ou nulas infraestruturas do poder, que nem sempre penetram toda a sociedade, associadas a outras importantes dimensões internas (fraco controlo sobre o território e sobre a população e ausência de estudos e de estatísticas) e externas (excessiva dependência do exterior)”.

Em jeito de epílogo, Julião Soares Sousa pondera a pouca eficiência dos Estados, o modelo de boa governação, regressando ao pensamento de Cabral e foca diretamente o que se tem passado na Guiné: “Como a classe política tem tentado encobrir, ao longo do tempo, a sua grande responsabilidade, criando a ilusão de que de facto os reais problemas residem nas Forças Armadas. A elite política tem-se aproveitado da situação de instabilidade por ela criada para acumular riqueza proveniente das ajudas internacionais, proventos ilícitos e até submergir o Estado em negócios obscuros ou transformando-o numa autêntica máfia (…) Cabral afirmava que deveriam ser os melhores filhos a assumir a liderança do processo de reconstrução nacional na era pós-colonial. Isto é, todos aqueles que, pela sua conduta moral e política, entregassem todo o esforço, sacrifício e capacidade ao serviço do povo (…) Na sua perspetiva, o dirigente deveria ser ‘o intérprete fiel da vontade e das aspirações da maioria revolucionária e não dono do poder, o senhor absoluto que se serve do Partido e não serve o Partido. Caberia ao Partido [entenda-se Estado] expressar a vontade popular no âmbito da democracia revolucionária, isto é, as aspirações do povo livremente expressas’.”

E de seguida, iremos dar a palavra a um curiosíssimo trabalho sobre o pan-africanismo de Cabral na música de intervenção juvenil na Guiné-Bissau e em Cabo Verde.

(continua)

Carlos Lopes
Julião Soares Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23800: Memória dos lugares (445): O Xitole que eu conheci em 1971/72, no tempo da CART 3492 / BART 3873 e do "tio" Jamil Nasser (Joaquim Mexia Alves)


Foto nº 1



Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4



Foto nº 5


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > 6 de abril de 1972  > Um almoço de chabéu que o Jamil (fotos nºs 1 e 4)  me ofereceu no dia dos meus anos,  precisamente no alpendre da frente da sua casa (Fotos nºs 2 e 3). .Foram convidados o Capitão Godinho e a sua mulher, bem como os alferes da companhia a que se juntou , por ter vindo em coluna do Saltinho,  o alf Armandino (meu camarada de curso de Operações Especiais), que veio a falecer escassos dias depois na célebre emboscada do Quirafo  [em 17 de abril de 1972]. Está sentado na ponta da mesa, juntamemte  com  o Chefe de Posto (Foto nº  2 e 4, aqui junto ao cap Godinho)..

Fotos (e legendas):  © Joaquim Mexia Alves  (2022). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > c. 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, chega a Xitole, atravessando a ponte dos Fulas, sobre o rio Pulom, ao fundo. A viatura civil, em primeiro plano, podia muito bem ser do nosso conhecido comerciante libanês Jamil Nasser, amigo de alguns dos nossos camaradas que passaram pelo Xitole, como foi o caso do Joaquim Mexia Alves.  Nessas colunas logísticas integravam-se viaturas civis de diversos comerciantes da zona leste. Foto do álbum de Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).


Foto (e legenda):  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-alf mil op esp / ranger, CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, régulo da Tabanca do Centro (Monte Real):

Data - 21 nov 2022 10:09

Assunto . - Xitole: Serração do sr. Henrique Martinho, amigo do Jamil, que deixou a Guiné em 1962 (*)

Caro Luís

Como sabes o Jamil e eu tínhamos uma forte relação de amizade. Tratava-o muitas vezes por Tio Jamil! (**)

Enquanto estive no Xitole, praticamente todos os dias ia a casa do Jamil ao fim da tarde e, sentados no seu alpendre, bebíamos whisky com água Perrier acompanhado de bocados de tomate só com sal.

Ele ouvia as notícias em árabe e comentava comigo o que se ia passando no seu Libano.

Tenho para mim que a casa que na foto tem o alpendre em ruínas, era a casa do Jamil, só que essa vista é de lado ou seja é do lado que dava para o quartel e assim o David Guimarães terá razão.

A frente da casa tinha a continuação desse alpendre e dava para a estrada que vinha de Bambadinca.

Do outro lado da estrada, mais ou menos em frente da casa, e um pouco afastado da estrada, ficava o armazém de venda do Jamil, que poderia muito bem ter sido a tal serração de que fala Maria Augusta Martinho Antunes.

Anexo fotos de um almoço de chabéu que o Jamil me ofereceu no dia dos meus anos em 6 de abril de 1972, precisamente no alpendre da frente da sua casa. Foram convidados o Capitão e a sua mulher, bem como os Alferes da Companhia a que se juntou por ter vindo em coluna do Saltinho o Alf Armandino, (meu camarada de curso de Operações Especiais), que veio a falecer escassos dias depois na célebre emboscada do Quirafo, sentado na ponta da mesa, e também o Chefe de Posto.

A minha amizade com o Jamil era tal que numas férias da Guiné em Lisboa, por coincidência ele estava também em Lisboa, (ficava num hotel encostado ao então cinema Tivoli, Hotel Condestável?), e então fomos almoçar juntos, se bem me lembro.

Depois perdi completamente o rasto ao Jamil Nasser, mas a sua amizade e a sua companhia foram um bálsamo naqueles primeiros meses de Guiné.

Podes, obviamente, servir-te deste email para o que quiseres.

A foto nº 4 somos o Jamil e eu no dia do almoço.

Um abraço para ti e para todos do
Joaquim Mexia Alves

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23799: Memória dos lugares (444): Xitole, onde cresci desde bebé até 1957, quando vim para a metrópole estuda... O meu pai, Henrique Martinho, tinha lá uma serração, e era amigo do comerciante libanês Nasser Jamil... (Maria Augusta Martinho Antunes)

domingo, 20 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23799: Memória dos lugares (444): Xitole, onde cresci desde bebé até 1957, quando vim para a metrópole estudar. O meu pai, Henrique Martinho, tinha lá uma serração, e era amigo do comerciante libanês Nasser Jamil... (Maria Augusta Martinho Antunes)


Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca), ao tempo da CART 2716 (Xitole, 1970/72)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Comentário do David J. Guimarães (ex-fur mil at inf MA, CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72)

(...) "Esta foto aérea terá se ser comparada com outras, que eu tirei em 2001, já publicadas na página do Xitole, e que identificam os edifícios que ainda existem (ou exitiam). Vamos lá descrever o que vejo, possivelmente a bordo de uma DO 27 não sei, deverá ser...

"Da direita para a esquerda, os edifícios: em primeiro lugar, a cozinha das praças notando-se na esquina um abrigo subterrâneo - era nesse abrigo que dormia parte do 4º Grupo de Combate... 

Depois andando mais para a esquerda vemos outro abrigo e depois uma casa civil - era a casa do Chefe de Posto, hoje ainda existente... 

"Continuando, vemos uma casinha pequenina e à frente outro abrigo - aí era o ninho de um dos morteiros 81 e o abrigo da secção de armas pesadas que lá se encontrava...

"Depois mais à frente aparece um grande abrigo - sei que lá se instalava parte do 1º Grupo de Combate... 

"Continuando mais à frente vê-se uma casinha pequenina - era a capela da companhia (tenho eu que enviar uma fotografia onde eu estou na frente). Notem agora uma arvore frondosa - é a árvore grande ainda hoje existente - da parte de vê-se outro abrigo: também ele com o resto do 1º Grupo de Combate... 

"Por detrás da capela e debaixo dessa árvore grande verde, é exactamente o bar do soldado, aquele bar onde o Humberto e o Levezinho se encontram a conversar em fotografia que vem mais abaixo, neste poste...

"Mais à esquerda vemos outra árvore de bom porte: é o local da porta de armas... Seguindo agora desse modo no sentido da pista, vemos um edifício escuro: é a Oficina Mecânica, o depósito de armamento, enfermaria, etc... 

"Caminhamos mais para a direita e novo edifício e abrigo - messe e abrigo dos oficiais... Antes e bem junto nota-se para lá qualquer coisa: ninho da metralhadora Breda e abrigo... 

"Mais para à direita casa dos oficiais, surge então a sala de operações, a messe dos sargentos, a secretaria etc... Deixamos esse edifício comprido e logo vemos outro: depósito de géneros.... 

"Mais à frente e com árvores notam-se edifícios: são casas de banho... Mais um abrigo voltado para a pista e mais uma arrecadação... Enfim, era por ali que se instalou também e já coberto pelas árvores o ninho do morteiro 10.7 ...

"E estamos muito perto do ponto de partida, a cozinha dos soldados.... Aí existia outro abrigo idêntico àquele que se situa ao lado da cozinha... Bem ao fundo nota-se então a pista dos aviões e um quadrado bem definido que é o heliporto....

"Toda a área circundante ao quartel antes da pista tinha uma vala, como era de esperar.... Ela percorria toda a zona habitável do aquartelamento...

"Agora bem à esquerda do aquartelamento aí está o Xitole civil ... Em frente à pista e do lado do heliporto nota-se um trilho que nos levava à Ponte Marechal Carmona... 

"Pelo fundo da pista nota-se uma estrada que vai dar à que segue para o Saltinho... Pela frente e na zona mais arborizada existe um complexo: era onde havia um poço... 

"Mais à esquerda sim, e quem sai da porta de armas, vê-se uma estrada - bem à esquerda da fotografia... Exactamente era por aí que entravam as colunas logísticas que vinham ao Xitole" (...)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. "Um antigo armazém do comerciante libanês Jamil Nasser", diz o David Guimarães. A nossa leitora, Maria Augusta Martinho Aunbtubes, que viveu aqui nos anos 40/50 antes de ir estudar para a metrópole, em 1959, diz que erradamente aqui no nosso blogue esta casa  "é referenciada como sendo um antigo armazém do sr. Jamil"... Pelo contrário,  foi "feita pelo meu pai e os trabalhadores da serração", e nela nasceram dois seus irmãos... O Jamil era visita assídua da casa. È possível que o c
omerciante libanês a tenha ocupado, no início da guerra, sob recomendação do pai da nossa leitora, que deixou o Xitole em 1962.   


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > O antigo depósito de géneros: onde se guardava a bianda e o tudo o mais que era necessário à sobrevivência de uma companhia... O Xitole era abastecido através de colunas logísticas vindas de Bambadinca


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > O David Guimarães, ao que parece erradamente,  diz que esta era a antiga casa do comerciante libanês,  com alpendre já em ruínas... A Maria Augusta Martinho Antunes tem outra versão:  "
não era nenhuma daquelas mencionadas no álbum de fotografias do Xitole, mas sim uma casa que ficava no cruzamento da estrada que, vinda de Bambadinca, passava pelas nossas e à entrada do Xitole virava para a estrada do Saltinho" (*).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole >  A antiga casa do chefe de posto, vista do lado da parada do aquartelamento.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > Uma das árevores de grande porte. A direita os antigos aposentos dos oficiais.

Fotos (e legenda): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Mensagem, com data de 28/4/2022, 16:56, assinada por Maria Augusta Martinho, leitora do nosso blogue (e que nos chegou por via do Formulário de Contacto do Blogger). Descornimos que se trata de uma "amiga do Xitole", que já há largos anos nos contactou, sob o nome de Maria Augusta Antunes (*)-

Nascida em 1948, no concelho de Tomar, emigrou ainda bebé com os pais para a Guiné, donde regressou aos 12 anos, para estudar. Era filha de Henriqe Martinho, com serração no Xitole. O seu nome completo é Maria Augusta Antunes Martinho. Antunes deve ser apelido de casamento.

O Jorge Cabral identificou-a como mãe da sua aluna, Marta. Nunca chegou a responder ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande.  Não nenhuma foto sua nem do tempo  em que viveu no Xitole, nos anos 40/50. Os pais deixaram o Xitole, por causa da guerra, em 1962 (*).

 
De quando em vez, venho aqui à Tabanca matar saudades... Não sei que feitiço aquele chon tem em nós.

Obrigada por me proporcionarem uns bocadinhos de boas memórias. 

Não nasci no Xitole, mas vivi lá desde bebé até 1957 quando vim para a metrópole para estudar.

 Lá nasceram dois dos meus irmaõs, mas um, o Luis Manuel ficou para sempre lá por altura do Natal de 1954. Está sepultado em Farim.  Veio o Zeca que nasceu em outubro de 1955 de quem o sr. Jamil era padrinho, e continua felizmente connosco. 

Esses dois meus irmãos nasceram no Xitole na casa feita pelo meu pai e os trabalhadores da serração, o meu pai trabalhava com o sr. Pires e também com o sr. Toscano de Almeida. 

Erradamente aqui na Tabanca  Grande [essa casa ] é referenciada como sendo um antigo armazém do sr. Jamil. (Não sabemos se ele a ocupou depois do meu pai embarcar para Portugal Continental.) 

Havia, sim, um armazém também feito nessa época, para guardar o arroz que servia de complemento de pagamento para os empregados nativos que trabalhavam na serração.

E sim, sr. Luis Graça, tem razão a casa do sr Jamil, que era libanês e visita assidua de nossa casa e nós da dele, tinha efectivamente um alpendre onde ele gostava de tomar uma bebida com os amigos e o meu pai viciou-o no tomate com sal, que usávamos muito na nossa aldeia, e o meu pai mandava plantar e colher numa horta que mandou fazer junto da serração e que, além de mancarra, tinha também muitos ananases. 

Se não estou em erro era a primeira casa com um muro e com uma escada com poucos degraus aonde estava o gerador... e ficava na estrada que seguia para o Saltinho... Será??? 

Já cá não tenho os meus pais,  infelizmente,  para lhes perguntar. O meu pai faleceu com a Guiné na garganta, gostaria de ter lá voltado mas não foi possivel devido à guerra.

Atravessamos muitas vezes uma mas não me recordo do nome e também na jangada.
Também o meu tio João Martinho esteve muitos anos estabelecido em Nhacra e trabalhava para o sr Toscano. O outro meu tio por afinidade tambem ai ficou sepultado depois de ter sido atropelado por um nativo e ficar colado a um bissilon.

Tenho muitas saudades do Xitole que deixei, e tenho conhecimento que por ai ficou também um irmão que o meu pai nos deu, mas que nunca conhecemos, que julgo ter nascido em 1957/8... 

Sabe Deus se ainda a vou visitar ou se devo continuar com a ideia da linda terra que deixei , pois temo apanhar uma grande desilusão com o Xitole actual.

Desculpem a maçada, mas a saudade tem destas lamechices. Boa tarde a todos. (**)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > Janeiro de 2006 > Casa, em ruínas,  de Jamil Nasser, comerciante de origem libanesa. Fotos do Dr. Rui  Fernandes, médico.

Fotos: Cortesia de  © Rui Fernandes / Carlos Silva  (indelizmente a página do Carlos Silva já n
ão está disponível "on line": http://carlosilva-guine.i9tc.com/ )


Guiné >Região de Bafatá > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa do Xitole, na margem direita do Rio Corubal, na estrada Bambadinca - Saltinho - Aldeia Fomosa... Era então posto administrativo, possuindo  serviços sanitários e telegráfico-postais... Sinalizam-se também as ruinas da antiga ponte sobre o rio Corubal e os rápidos de Cusselinta.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

(...) Sou Maria Augusta Antunes Martinho, e fui para a Guiné ainda bebé com a minha mãe e irmão ao encontro do meu pai, Henrique Martinho, madeireiro e colono então no Cumeré.

Mais tarde montaram a serração no Xitole, para onde nos mudamos. Com o meu pai estava também o sr. Pires. Fizeram ambos as suas casas de raíz e também a casa aonde guardavam o arroz e o sal, que faziam parte do pagamento do trabalho diário dos negros, trabalhadores da serração.

Pois a razão deste mail é exactamente o desejo que tenho de corrigir uma informação do seu blogue.

Na verdade, a casa do sr. Jamil (se a memória não me trai, de seu nome completo Jamil Nene Nasser), compadre dos meus pais, (pois foi o padrinho de baptizado de um dos meus irmãos, nascidos naquela casa), não era nenhuma daquelas mencionadas no álbum de fotografias do  Xitole, mas sim uma casa que ficava no cruzamento da estrada que, vinda de Bambadinca, passava pelas nossas e à entrada do Xitole virava para a estrada do Saltinho. Vi a verdadeira casa do sr. Jamil no blogue do sr. Carlos Silva. Como eu a conheço bem!

Quando em 1962 o meu pai veio da Guiné, pediu ao compadre Jamil que olhasse pela casa na esperança de um dia voltar e para evitar ela ser ocupada pelos negros. Assim também sucedeu com a do Sr. Pires.

Vivi e cresci a ouvir falar da Guiné. Transmito isso aos meus filhos e neto. Os meus queridos pais faleceram sem lá poder voltar. Mas isso são outras histórias.....

Como deve calcular posso falar do sr. Jamil, pois que era visita constante de nossa casa.
Se estiver interessado dar-lhe-ei os pormenores que souber.

A minha casa é a que tem os 2 anexos juntos, um era a cozinha e a casa aonde o meu pai punha a caça quando vinha do mato, e o outro era a casa de banho. (...)

Vd. também postes de:

Guiné 61/74 - P23798: Os nossos seres, saberes e lazeres (541): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (7)



1. Publicamos hoje mais cinco trabalhos de pintura de autoria do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70), enviados ao nosso blogue em 19 de Novembro de 2022,  que estamos a mostrar na série "Os nossos seres, saberes e lazeres".

Lírios: acrílico sobre papel 30x42
Cidade: acrílico sobre papel 30x42
Paisagem: pastel de óleo sobre papel 30x42
Abstrato: acrílico sobre papel 30x42
Abstrato: acrílico sobre papel + colagem 30x42
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 25 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23737: Os nossos seres, saberes e lazeres (535): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (6)

Último poste da série de 19 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23797: Os nossos seres, saberes e lazeres (540): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (77): De Sines para Miróbriga, de Miróbriga para o Badoca Safari Park (Mário Beja Santos)