sábado, 4 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24117: Os nossos seres, saberes e lazeres (558): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (92): Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Começou a viagem pela rua Gomes Freire, ao gosto de conhecer o espaço do que foi a Academia Militar foi-se inculcando aquela medonha sensação que toda aquela estrutura onde se formaram oficiais, onde viveram os cadetes, tiveram aulas, fizeram ginástica, usufruíram de espaços de convívio, é território em quase abandono, sem préstimo, fica-nos a impressão de que estão ali milhões e milhões de valor que podiam servir para concentrar serviços da instituição, andamos a falar em economia circular, combate aos resíduos e desperdícios e temos ali aquele imenso gigante num quase abandono, agonizante. Impunha-se conhecer a outra parte e o nosso confrade, o Coronel António Morais da Silva ajudou a escancarar as portas, visitou-se a Bemposta a preceito, ali morreu a rainha em 1705, tem impressionante histórico porque foi pertença da Casa do Infantado, instalação de general napoleónico, residência de D. João VI, por aqui passou a Corte de D. Pedro IV, a Biblioteca é uma construção fulgurante, majestosa, sábia em aproveitamentos vários, e a harmonia da Capela Real deixa-nos sem fôlego. Como aqui se contará.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (92):
Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (1)


Mário Beja Santos

Por aqui já se andou, entrada pela Gomes Freire, para conhecer a Academia Militar, como ela foi e praticamente deixou de o ser. Tem longo historial: foi Escola do Exército entre 1837 e 1910, Escola de Guerra entre 1911 e 1919, Escola Militar entre 1919 e 1920, manteve o mesmo nome de 1920 a 1938, ano em que passou a Escola do Exército até 1959, e nesse ano nascia a Academia Militar. Visita com constrangimento, na companhia de um ilustre confrade do nosso blogue, o coronel António Morais da Silva, vou fazendo perguntas quanto aos edifícios e ao seu abandono visível, não entendo como todo aquele equipamento pode estar no mais completo abandono, independentemente de haver manutenção, visitou-se o que era possível visitar, e acordou-se em nova itinerância, a Bemposta, ultima residência da rainha viúva de Inglaterra, Catarina de Bragança, ao que parece a filha dileta de D. João IV, levou como dote uma fortuna, tinha que ser assim, precisávamos como pão para a boca de um aliado poderoso que fizesse frente à hostil Espanha, o tratado de paz ainda vinha longe quando Catarina partiu para Londres e se supunha dar continuação à dinastia dos Stuart, o que não aconteceu. Anos depois de viúva, foi decidido regressar, tomou a decisão de comprar o terreno (tão extenso, que mais tarde se separou aquela enorme parcela que é hoje o Hospital de D. Estefânia), tem hoje os seus limites atuais entre as ruas Gomes Freire, D. Estefânia, Jacinta Marto e Escola do Exército, a fachada principal do edifício do paço está virada para um largo, o Paço da Rainha. D. Catarina regressara a Lisboa em 1693, andou por vários palácios até que em 1699 adquiriu uma propriedade para ali construir a sua residência definitiva e pessoal. Mal sabia que depois da sua morte esta residência iria passar para a Casa do Infantado, D. João V concedeu-a ao seu irmão, o Infante D. Francisco; sofreu enormes estragos com o terramoto de 1 de novembro de 1755, fez-se a reconstrução; foi poiso de tropas napoleónicas, aqui se instalou o quarte general do general Delaborde, virá a ser palco de acontecimentos marcantes da história do liberalismo em Portugal, residência de D. João VI, aqui se instalou a Corte de D. Pedro IV; e em 1850, D. Maria II promulga um decreto que destinava o palácio à instalação da Escola do Exército, instituição fundada em 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira, general Bernardo de Sá Nogueira Figueiredo.

O rol de alterações, obviamente, é de uma extensão que deixa o visitante atabalhoado, quem por ali andar às cegas terá dificuldade (senão impossibilidade, de detetar no interior as marcas do início do século XVIII). Por fora é outra coisa, basta ver as sucessivas gravuras de diferentes épocas, manteve-se o sóbrio da fachada, apostou-se no que há de mais magnificente na escadaria e na fachada principal que leva à Capela Real. Há estudos sobre a residência régia, a riqueza dos materiais, os têxteis e os belíssimos azulejos. Na primeira visita mirei e fotografei o admirável conjunto que Jorge Colaço concebeu para a entrada do que é hoje a Academia Militar. Nesta visita à Bemposta, bem me deliciei com o património azulejar do espaço por onde a rainha teve aposentos e salões de receção.

A Academia Militar editou livro sobre D. Catarina de Bragança e o Paço em 2005, por ele me procurei guiar.

Capela e Paço Real da Bemposta, 1910, fotografia de Joshua Benoliel
Carlos II de Inglaterra e Catarina de Bragança na Old Somerset House - Escola Inglesa (séc. XVII)
Azulejaria na Sala do Conselho, tendo ao fundo imagens de alunos que foram Presidentes da República
Como se pode ficar indiferente a tão alta qualidade azulejar? Mas há mais, numa divisão contígua à Sala do Conselho (construção já da Academia) há um silhar de azulejos azul e branco que corre à volta de toda a divisão; na Sala do Conselho, são painéis com albarradas datados de finais do século XVII e inícios do século XVIII.

O citado livro fala de um vasto conjunto de alterações, havia um tanque de mármore no jardim que hoje se encontra em S. Pedro de Alcântara. A instalação da Escola do Exército exigiu uma nova disposição interna dos espaços como se escreve no citado livro: “O corpo principal do conjunto da Bemposta ficou destinado para a instalação dos serviços administrativos e logísticos daquela instituição, de espaços dignos para a receção das visitas oficiais, bem como de outros espaços indispensáveis ao apoio na formação dos alunos, a exemplo do que aconteceu na Biblioteca. Com o passar dos tempos, foi também possível proceder à constituição de um pequeno núcleo museológico de modo a preservar as memórias da Escola.”

É neste sentido que vale a pena deambular por esses espaços, outrora áulicos, agora com a dignidade necessária para acolher quem visita o gabinete reservado ao oficial general que comanda a casa, foi por ali que eu andei a bisbilhotar.
Está feita a visita, o senhor general teve a deferência de oferecer café a quem lhe bateu à porta, ainda há muito para ver, talvez o mais espetacular, a Biblioteca e a Capela Real, é o percurso a seguir.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24097: Os nossos seres, saberes e lazeres (557): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (91): A Coragem da Gota de Água é que Ousa Cair no Deserto (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24116: S(C)em comentários (3): "A gratidão é uma doença canina que não se transmite ao homem"



Parece que chegou  ao fim um dos mais notáveis blogues da nossa blogosfera (*): "Espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa"...



1. Comentário de Tabanca Grande Luís Graça ao poste P24095 (*):

A gratidão... Uma das coisas mais belas de que o ser humano é capaz... Outros animais como o cão (doméstico) também são capazes de mostrar "gratidão" ao seu "dono" (que o salva, o alimenta, o cuida, o protege, o ensina...). 

Dizem os etólogos (os especialistas em comportamento animal). Diz também quem tem animais de estimação. Eu não gosto nem de cães nem de gatos. Traumas da infância.

Mas os seres humanos são mais complicados... Há até uma frase que é lisongeira para os cães e cruel para os homens. "A gratidão é uma doença canina que não se transmite ao homem"... E os grupos, as organizações e as instituições que o homem cria ainda são piores.

O "homo sapiens sapiens" ao fim de algumas centenas de milhares de anos de evolução continua a ser um primata, territorial, social, omnívoro, predador... (o maior que habita o planeta). Somos capazes do melhor e do pior. A gratidão está do lado das coisas boas, de um dos pratos da balança. Mas somos capazes do oposto, a ingratidão e outros sentimentos e comportamentos negativos: o egoísmo, a inveja, a par da intolerância, da estupidez, da arrogância, da crueldade, do prazer sádico (por exemplo, de matar e torturar), do racismo, da xenofobia, etc., etc.

Somos capazes, por outro lado, de sentimentos e comportamentos altamente positivos, como o amor, a amizade, a abnegação, a solidariedade, a camaradagem, o altruísmo, a empatia, a compaixão...

Mas vamos ao ponto em que tu, MLS (Manuel Lema Santos) (*), tocas: as nossas organizações (das associações profissionais aos clubes, das escolas às empresas, das igrejas aos partidos, etc.) não têm uma cultura de gratidão... Mesmo aquelas cuja missão é orientada por valores "nobres", como a saúde, a educação, a ciência, a solidariedade, etc...

Nas nossas empresas (em geral), na universidade, e por aí fora, a cultura do "mérito" tem levado ao paroxismo da competição 'versus' cooperação, entreajuda, trabalho em equipa, poder partilhado, etc... "Empowerment", "achivement", "autorrealização", "leadership", sucesso, triunfo, métricas, avaliação, certificação, acreditação, excelência, etc. é o que se ensina nas escolas de gestão... Não há lugar para os mais "fracos", os que têm um momento de dúvida ou de fraqueza, os que falham, os que têm distúrbios emocionais, os que não sabem lidar com o stress ou sofrem um surto psicótico...

Gratidão ?... "Human touch" ?... Não, são termos que não entram no vocabulário das novas organizações, e dos seus novos colaboradores ou parceiros... Mas já não entravam nas "velhas" organizações do nosso tempo (que já passou)...

Somos todos ingratos. E todas as pátrias são ingratas para os seus velhos combatentes. Sempre foi assim. Porque lhes fazem lembrar coisas que todos querem esquecer, e que eles não podem... Ingratidão, é isso. S(C)em (mais) comentários. (**)

26 de fevereiro de 2023 às 00:17
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24095: Blogues da nossa blogosfera (179): "Reserva Naval", criado e mantido pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, chega ao fim... por razões pessoais e familiares do autor (mas também, em parte, pelo cansaço bloguístico e pela ingratidão das nossas instituições e associações)

sexta-feira, 3 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24115: Álbum fotográfico de Manuel Seleiro, 1º cabo ref, DFA, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70) - Parte II: Mais imagens de Ingoré... e de pessoal da CCAÇ 1801 (Ingoré, Bissum-Naga, São Domingos)


Foto nº 7 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > Despedida do pessoal da CCAÇ 1801 (1968/69), que estava em Ingoré e no destacamento de Antotinha  O Manuel Seleiro, nesta foto, parece ser o segundo, ao centro, de bigode,


Foto nº 8 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O quartel de Ingoré


Foto nº 9 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > "Dois batelões" (... no Leste, no rio Geba, eram chamados "barcos turras" que faziam transporte de mercadorias e de pessoal civil...)


Foto nº 10 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > Pôr do sol

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Cacheu > Carta de Sedengal  (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Sedengal, Ingoré, Antotinha e rio Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Manuel Seleiro (*), membro da Tabanca Grande nº 870 (**). Trata-se de mais algumas imagens de Ingoré, editadas pelo nosso blogue, com a devida vénia e a autorização do autor. Numa destas fotos vê-se pessoal da CCAÇ 1801, que estve destacado em Antotinha. A CCÇ 1801 passou por Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) (1968/69).  Sobre Ingoré temos mais de 80 referências. Ingoré fica na carta de Sedengal (1953) (escala 1/50 mil),

Recordamos que o Manuel Seleiro era o sapador do seu Pel Caç Nat 60. Tirou um curso de minas e armadilhas, de 10 dias, em Bissau. Quando lhe faltavam dois meses para terminar a comissão, foi vítima, em combate, da explosão de uma mina A/P. 

Mesmo totalmente cego, e apenas com dois dedos na mão esquerda, o nosso camarada edita dois blogues (Pel Caç Nat 60 e Luar da Meia Noite). Só reconhece as suas fotos pelas legendas (que procuramos manter). Segue (e comenta) o nosso blogue há muito. O seu exemplo de tenacidade, resistência, camaradagem, e amor à vida e à sua terra natal, Serpa, Baixo Alentejo,  é digno da nossa admiração e do nosso maior apreço. Podemos apontá-lo como um grande exemplo de capacidade de luta contra a adversidade.

Estas fotos, que constam, da  página pessoal do Manuel Seleiro, Luar da Meia Noite, também podem ser, algumas, da autoria do Nelson Gonçalves, que foi o segundo comandante do Pel Caç Nat 60 (criado em São Somingos, em 1968), e também ele vítima de uma mina (neste caso A/C), e DFA.

Julgo que o Nelson Gonçalves vive nas Caldas da Rainha, é viúvo da nossa amiga Manuela Gonçalves, a Nela, falecida em 2019; não temos, infelizmente, o contacto do nosso camarada Nelson Gonçalves que gostaríamos ainda dever sentado à sombra do nosso poilão.

Da CCAÇ 1801, só temos infelizmente quatro referências: o  Carlos Sousa, o Carlos Fernando da Conceição Sousa [ex-alf mil op esp /ranger, CCAÇ 1801, Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) 1968/69] é membro da nossa Tabanca Grande. E é o único representante da CCAÇ 1801.

Guiné 61/74 - P24114: Notas de leitura (1560): "Sons da Guerra Colonial", por Carlos Miranda Henriques; Edições Vieira da Silva, 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Não é usual alguém, mesmo solidário com amigos antigos combatentes, e com livro já publicado sobre a guerra colonial, pretenda homenagear aqueles jovens que andaram em diferentes teatros de operações, recolhendo múltiplos depoimentos, aliás não esquece em In memorium o José Eduardo Reis de Oliveira, que era para nós o Jero, de saudosa memória, temos aqui algumas histórias pícaras, tudo rescende ao feitiço africano, mesmo quando a narrativa está focada em dor e sofrimento. Uma iniciativa que nos merece muito respeito.

Um abraço do
Mário



Quando o escritor se arvora em recolector de guerras alheias

Mário Beja Santos

É, acima de tudo, uma antologia de muita escuta e camaradagem, um ajuntamento de pequenos textos elaborados por antigos combatentes nos três teatros de operações. Há narrativas assinadas sob pseudónimo, por vontade dos seus autores. São lembranças de uma juventude sofredora, observa o recolector, que tanto deu a Portugal sem regatear, sem nada exigir em troca: "Sons da Guerra Colonial", por Carlos Miranda Henriques, Edições Vieira da Silva, 2023. Iremos aqui cingirmo-nos aos relatos que se prendem com a Guiné, encontrei inclusive um nosso confrade, Belmiro Tavares.

Abre as hostilidades Carlos Matos Oliveira, capitão miliciano, recorda o telefonema de António Silva, cabo-enfermeiro da CCAV 1617/BCAV 1897, é telefonema que se repete pelo S. João, vem a propósito da operação Espadeirar, que se realizou no Oio em 23 de junho de 1967, quem comandava a operação era o capitão Alarcão, da CCAV 1616. Chegaram a um objetivo que era a base de Cã Quebo, na região do Oio; não houve resistência, encontrou-se uma pistola CESKA e duas granadas, seguiram pelo trilho que levaria à estrada Mansabá-Bissorã, aqui começaram os problemas, veio fogo de morteiros, o capitão foi ferido, o radiotelegrafista atingido mortalmente, sem que fosse avistado pelos camaradas, ficando no terreno com o rádio e os códigos; o autor foi ferido por um estilhaço de rocket, o enfermeiro dava-o como morto, respondeu-lhe com um palavrão. Lá se pediu ajuda à aviação. E remata a sua recordação dizendo que voltaram a Cã Quebo mais duas vezes, de lá saiu com estilhaços num braço e nas costas.

Augusto Silva, que foi alferes miliciano, vem contar o que passou com as formigas, não ficamos a saber em que lugar se deu a ocorrência, o que interessa é que houve uma emboscada durante um patrulhamento e o comandante do pelotão, o alferes Saldanha Antunes, ordenou que se abrigassem atrás de ninhos das formigas bagabaga; finda a emboscada, por ali andava o alferes Antunes aos berros com as ferroadas dolorosas das formigas nas partes íntimas…

A história seguinte remete-nos para a CCAV 5398, assina um tenente-coronel com as letras A. A., a unidade militar estava sediada entre Bafatá e Gabu, o comandante, capitão Crispim Malaquias acompanha uma força que vai fazer um patrulhamento ofensivo, perto do Senegal, começam a chover as morteiradas, quem abriu fogo está bem municiado, foi necessário pedir apoio aéreo, quando surge o Fiat, o piloto pede referências pois diz só haver dezenas de gazelas em fuga, há um soldado que solta um palavrão, é nisto que o piloto viu a saída do morteiro da força do PAIGC e foi até lá largar umas bombas, antes de se retirar para Bissau quis saber quem é que lhe tinha chamado uma certa insolência, semanas mais tarde haverá um encontro e o piloto dirá a quem o imprecou: “Deixa lá, a tua sorte é que eu não sou casado”.

Segue-se uma história intitulada A mão de vaca, tem a ver com uma unidade estacionada no Boé, aquela gente andava tão faminta de uma comida caseira quando um grupo veio de férias logo se lançou em busca de almoço, a ementa era escassa mas todos se sentiram feliz a pedir mão de vaca, e assim se conta:
“O odor da comida quase pronta já chegava ao nosso olfato e passados momentos a única empregada de mesa do restaurante depositava os três pratos pedidos de mão de vaca, e que era como descrevo: uma mão de vaca inteira em tamanho natural com os dois dedos do animal voltados para nós e que ultrapassava os limites da travessa-prato, tendo como acompanhamento uma pequena mão cheia de feijão branco. A surpresa foi tal que boquiabertos ficámos, sem palavras, mas passados minutos lá nos atirámos ao petisco que acabou por nos saber muito bem.”

Entra em cena agora o nosso confrade Belmiro Tavares, estamos em finais de abril de 1966, uma companhia é enviada de Bissau para Farim totalmente desarmada, ir-se-á recordar com bom humor do uso do capacete em toda a atividade operacional, alguém será salvo pelo seu uso e fala-se na madrugada de 3 de dezembro de 1965, a missão era na zona de Sanjalo, alguém se apresentou sem capacete, o alferes reponta, o cabo radiotelegrafista regressa devidamente equipado, há tiroteio pelo caminho, resultam três feridos que serão recambiados para Bissau de helicóptero, é no regresso que o cabo radiotelegrafista mostra ao alferes o capacete com um sulco com certa de quatro centímetros de comprimento e um milímetro de fundo, afinal o capacete salvava vidas.

Não falta uma história de amor, quem assina é J. Monteiro, furriel miliciano. Houve para ali uma patrulha acidentada, ao atravessar uma zona de palmeiral e bananal, uns babuínos faziam grande algraviada, atirava todo o tipo de projetos, não faltavam dejetos. Lá chegaram a uma tabanca e pediram água para se lavarem. Entra em cena uma menina de vinte anos, apresentada como uma beleza serena e africana, de pele castanha e com uns olhos enormes, vivos e muito pretos. A menina deu-lhe para a paixão e disse ao furriel que ele tinha que ir lá mais vezes pelo caminho dos macacos para ela o lavar. Paixão correspondida, passaram a viver juntos com discrição. Houve despedida sem rancores, despeitos ou mágoas:
“Dei-lhe o meu fio de ouro com um crucifixo de pendente, para que sempre se recordasse de mim. Coloquei-lhe no anelar da mão esquerda uma aliança de ouro que comprei em Bissau. Passados estes anos todos, continua viva dentro do meu coração, e quando faço oração peço a Deus que esteja feliz na sua Guiné.”

Belmiro Tavares foi engenheiro de pontes improvisado, o Capitão Tomé Pinto mandou reconstruir a ponte de Genicó, antes de partir para cumprir a missão andou a fazer uns gatafunhos, fizeram-se duas “cavas” de cerca de vinte centímetros de profundidade, derrubaram-se umas palmeiras, cujos troncos foram cortados à medida da largura do ribeiro, feita a ponte arranjou-se uma “placa de sinalização” a avisar que havia perigos de morte, ora colocaram-se ali umas granadas para fazer estragos, explosão houve, nunca mais os guerrilheiros, até ao fim da comissão da CCAÇ 675 procurou destruir a dita ponte de Genicó.

Esta antologia de narrativas alheias tão ternamente recolhidas termina com um conjunto de poemas de Carlos Miranda Henriques e de Augusto Silva. Uma bonita ideia, recolher depoimentos e fazer-nos recordar.


Belmiro Tavares
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Noita do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24105: Notas de leitura (1559): Histórias Coloniais, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus; A Esfera dos Livros, 2013 - Pidjiquiti, 3 de agosto de 1959: para cada um a sua verdade (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24113: Álbum fotográfico de Manuel Seleiro, 1º cabo ref, DFA, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70) - Parte I: Imagens de Ingoré


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro com a bazuca 8.9

Foto nº 2> Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro com o LGFog 3.7

Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro com o morteiro médio, 8.1

Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro na fonte

Foto nº 5 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caça Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro  a beber água



Foto nº 6 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caça Nat 60 (1968/70) > O 1º cabo Manuel Seleiro na tabanca (... provavelmente à procura de um leitãozinho).

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Seleção de fotos do álbum do Manuel Seleiro, membro da Tabanca Grande nº 870 (*). Amostra de fotos tiradas em Ingoré, editadas pelo nosso blogue, com a devida vénia e a autorização do autor.

Tirou um curso de minas e armadilhas, de 10 dias, em Bissau. Quando lhe faltavam dois meses para terminar a comissão, foi vítima da explosão de uma mina A/P. Mesmo totalmente cego, e apenas com dois dedos na mão esquerda, o nosso camarada edita dois blogues (Pel Caç Nat 60 e Luar da Meia Noite). Só reconhece as suas fotos pelas legendas (que procuramos manter). Segue (e comenta) o nosso blogue há muito. O seu exemplo de tenacidade, resistência, camaradagem, e amor à vida  e à sua natal,  Serpa, é digno do nosso maior apreço.
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Nota do editor:

quinta-feira, 2 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24112: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte IV: a visita da delegação militar da OUA, em 1965, às bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari, na região Norte do PAIGC




Três fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2104),

"Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43'').

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de n
otas avulsas de leitura do livro  "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (*):

Visita da missão militar da OUA em 1965 (pp. 287 –297)


Que fique claro: desde sempre falámos aqui, neste blogue, do PAIGC, da sua história, dos seus dirigentes e combatentes, da sua organizaçãoo, do seu armamento, das suas bases ("barracas") e linhas de infiltração, das suas operações, das sus baixas, dos países que o apoaivam (incluindo a Suécia), da sua propaganda, dos  livros e dos filmes que falam deles, etc... 

Sempre falámos sem quaisquer complexos. O nosso tom é  necessariamente  crítico: afinal somos um blogue de antigos combatentes e não combatemos contra fantasmas... ou extraterrestres... Esses fantasmas ou extraterrestres tinham um rosto e nome: Amílcar Cabral, Luis  Cabral, 'Nino' Vieira, Domingos Ramos, etc. , figuras que já nem sequer estão vivas.... 

Nunca os exaltámos mas também nunca escondemos  que não os podíamos ignorar.  A guerra (que foi um sangrento jogo de xadrez)  já acabou há meio século e é natural que haja memórias que se cruzam, quer gostemos ou não...  Mário Dias, por exemplo, fez a tropa, o 1ºCSM,com o Domingos Ramos... Já escreveu aqui, em tempos, um poste memorável sobre os seus encontros e desencontros... E, de um modo geral, todos temos alguma curiosidade em saber como era o inimigo de ontem, por onde andava, o que se escrevia sobre ele, etc. 

Feita esta prevenção pedagógica, a título meramente introdutório,  voltamos a dizer que um dos problemas com que se depara o leitor, desapaixonado. atento e crítico, da "Crónica da Libertação", de Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (*), é a oum ralidade da narrativa: o autor segue um fio condutor temporal, desde o início da criação do PAI (e depois PAIGC), passando pelo desenvolvolvimento da luta e acabando no assassinato do Amílcar Cabral em janeiro de 1972. Mas nem sempre (ou raramente) há datas precisas.

Sabe-se,por outras fontes, que a primeira visita da missão militar da OUA - Organização da Unidade Africana, criada em 1963, em Adis Adeba, ocorreu em 1965, com início em 23 de julho: em 20 de agosto a comissão militar da OUA dá por findos os seus trabalhos, tendo consegudo visitar instalações do PAIGC mas não as da FLING. Temos de reconhecer, em todo o caso, essa não era a melhor altura do ano , pro se estar em plena época das chuvas, para visitar um território como a Guiné.  

É possível que a delegação se tenha desdobrado, com uns observadores a visitar o Norte e outros o Sul. Por outro lado, sabe-se que Amílcar Cabral escreveu   em julho de 1965,   um "projecto do programa de trabalho da Comissão Militar da OUA incluindo a visita ao Secretariado Geral e às instalações civis do PAIGC em Conakry, bem como às bases militares em Boké e Koundara", visita essa que seria feita, obviamente,  de carrro...

Em 1965 o PAIGC ainda se procurava legitimar, aos olhos de África e do Mundo, que era o único representante dos povos de Guiné e Cabo Verde. Nomeadamente no Senegal, havia (e era tolerada) a presença de representantes de outros movimentos nacionalistas, nomeadamente da FLING. Amílcar Cabral tinha já preocupações hegemónicas (para não dizer totalitárias), não admitindo que houvesse rivais, para mais "oportunistas" (sic) na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde. 

Por outro lado, a intenção do PAIGC (ou do seu estratega, Amílcar Cabral) era também a de convencer os membros da OUA, de que precisava de mais e melhor armamento para poder combater, com eficácia, a tropa portuguesa (incluindo a marinha e a aviação).  

Daí a visita da missão militar da OUA, há muito pedida, com uma delegação  que, no Norte, e segundo o Luís Cabarl (LC), era composta por representantes (todos oficiais subalternos) de 4 países: Guiné Conacri (tenente Djarra), Senegal (capitão Tavares), Marrocos (um tenente) e Mauritânia (um outro tenente) (pág. 288).  Naturalmente, uma missão militar, com postos de baixa patente, como está,  vale o que vale...

Curiosamente, a visita realizou-se, segundo o autor, numa altura de crise política entre estes países, entre Marrocos e a Mauritânia, por um lado, e entre o Senegal e Guiné-Conacri, por outro.  Mas o Amílcar Cabral pôs todo o empenho em que a visita decorresse da melhor maneira e com toda a segurança. 

Há instruções escritas  por ele para o 'Nino' Vieira que estava no Sul. Mas, no Norte delegou no seu meio-irmão, o LC, o acompanhamento da missão. Fala-se na chegada da missão militar (de 3 elementos) da OUA  a Conacri a 15 de junho, mas a carta, manuscrita, de 5 páginas não tem indicação do ano: "É muito possível que o Luís os acompanhe. Depois de visitarem o Sul, irão ao Norte, onde temos de acabar para sempre com as mentiras dos oportunistas" (sic) (referência à FLING):

A delegação da OUA, no Norte,  terá percorrido, durante quase uma semana, cerca de 250 quilómetros, o que nos parece exagero (no caso de o trajeto ter sido feito sempre a pé). Partindo do Senegal, começaram pela base de São Domingos, no noroeste do território, sendo armados (sic) pelo ‘comandante’ Lúcio Soares. O LC e o o seu protegido Xico Mendes acompanharam toda a missão que visitou também a bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari.

Esclarece-nos o LC, que a entrada principal para a Frente Norte, passando pela fronteira com o Senegal, durante muito tempo, situava-se no sector de Sambuiá (pág. 288).

A força do PAIGC ali estacionada tinha como missão assegurar a passagem de homens e material, da fronteira ao rio Farim.

A base situava-se “a pouco mais ou menos três horas de marcha da fronteira” (sic). A vegetação era exuberante, devido à elevada humidade da região. A base era, por isso, das mais frias da Frente Norte, sobretudo no final e princípio do ano . (A referência de LG ao frio que se fazia sentir logo de manhã, leva-nos a pensar que a visita tenha ocorrido em finais de 1965.)

O comandante da base de Sambuiá era então o Bobo Queita, antigo jogador de futebol.  A base tinha abrigos, estando ao alcance da artilharia de Farim. Daqui a missão seguiu em direção da cambança da margem direita do rio Farim, onde uma canoa devia transportá-los a Jagali (lê-se: Djagali) (pág. 289).

Entre a mata de Sambuiá e o rio Farim há uma “larga e descampada planície”, uma enorme lala em que se fica a descoberto.

“Nô pintcha!”, dizia-se então. A expressão tinha vários significados, segundo o autor: 

”Era a chamada para a guerra para a marcha, para a comida, talvez até para o amor” (…) Ou seja: “chamava à realização de algo que exigia a participação de mais de uma pessoa” (pág. 289). 

A expressão não se sabe onde nasceu, durante a guerrilha, se no Norte, no Sul ou no Leste, di o LC.

“A imensa lala de Sambuiá, que se atravessava sem um suspiro de descanso, devido ao perigo que representava ser-se ali surpreendido pela aviação inimiga, ia-se tornando cada vez mais pesada à medida que se aproximava do rio” (pág. 289).

O rio Farim era navegável. Os barcos das companhias comerciais (Gouveia, Ultramarina, etc.) iam a Bigene, a Binta e mesmo até Farim para trazer a mancarra, o coconote ou a “maalira” (que eu não sei o que é, mas presumo que seja uma corruptela de “madeira” ).

O LC aproveita para descrever a paisagem:

“A paisagem que se desfrutava da cambança era de uma beleza impressionante. O rio estenda-se em curvas sinuosas ao longo da sua bacia, bordada nas duas margens pelo verde exuberante das matas de tarrafes, com os seus ramos e raízes emaranhados, donde se destacavam troncos esguios de altura surpreendente (pág. 290).

As populações da margem direita “cedo aderiram à luta de libertação” (sic) (pág. 291), e por isso aquela era uma zona de guerra. Para a guerrilha era um risco permanente atravessar o rio. Sabemos que as NT (sobretudo os fuzileiros) montavam emboscadas em pontos de cambança já conhecidos. Será aqui que morreram em 1972 a Titina Silá.

Feita a cambança, em canoa, a missão dirigiu-se para Djagali, reconstruída pela população (pág. 292). Aquando da receção da comissão da OUA , um navio da marinha flagela Djagali (pág.293).

Mas eram “raras as pessoas” (sic) que se apresentaram para saudar os visitantes. Explicação do LC:

“Havia algum tempo que as populações abandonavam as suas habitações, depois do bombardeamento da tabanca, antes do romper do dia, para só regressarem depois do sol posto, quando a aviação já não podia trazer à tabanca a morte ou a dor com as suas bombas criminosas” (pág. 292).

Os combatentes das FARP eram jovens cuja idade média não ultrapassava os 20 anos” (sic). Trajavam uniformes “muito variados”, com “calças e camisas muito diferentes umas das outras” (pág. 292).

Uma hora depois LC e os seus convidados estavam em Maqué. O comandante era o Quemo Mané (pág. 294). À noite ouviu-se uma explosão, ali perto. Um jovem auxilitar de enfermagem tinha accionado uma mina A/P, que lhe provocou a morte.

“Elementos das milícias coloniais africanas de Bissorã tinham-se infiltrado na área, certamemte no começo da noite, para colocar a mina antipessoal (…) no caminho que ligava a antiga base à fonte de Maqué” (pág. 294).

Os militares da OUA ainda visitaram as bases de Morés e Canjambari. Sabemos, pelo que conta LC, que produziram um relatório. Eu gostaria de o ler e confrontar com o relatondo do LC. Mas onde encontrar, na Net, esse relatório da OUA de 1965?

Parece que as relações do PAIGC com o Senegal de Senghor melhoraram um bom bocado, a partir daí, autorizando o governo senegalês o trânsito de homens e mercadorias pelo seu território. Mas não autorizava ainda que o PAIGC dispusesse de depósitos de armas e munições. Foi um passo: a partir daqui começaram a aparecer, cremos  que em 1967,  os primeiros “armazéns do povo”  (nome algo pomposo...para abastecimento de víveres e outros artigos não só à guerrilha como às populações da linha fronteiriça sob controlo do PAIGC (pp. 296/297).

Sabe-se que em outubro de 1965 , o Amílcar Cabral tinha marcado mais uns pontos: o seu partido fora reconhecido pela OUA como "o único movimento de libertação" da Guiné. No mesmo mês em que Portugal conseguia obter o fornecimento de 40 Fiat-G 91 R/4 por parte da Alemanha, fora dos acordos da NATO.

(Continua)


Guiné > Região do Oio >  Localização aproximada de algumas das "barracas" (ou bases...) do PAIGC  por onde terá passado, em visita, em 1965, a primeira missão militar da OUA:  Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari... Não consta que tenham os homens da OUA tenham ido com o lC do a Sará, que era mais longe e arriscado...

Infografia: Jorge Araújo (2018)
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Nota do editor:

quarta-feira, 1 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24111: Historiografia da presença portuguesa em África (357): História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios de Guiné” (séculos XVII e XVIII), por António Carreira; Edição do Autor, 1983 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Das suas andanças pelo Arquivo Histórico Ultramarino, António Carreira catou alguns documentos que haviam escapado ao grande pesquisador que foi o Padre António Brásio, autor de uma notável coletânea (5 volumes, de 1342 a 1650) dos melhores repositórios sobre a área dos rios de Guiné e Cabo Verde. "Estudados detidamente, pensei logo em divulgá-los, com anotações e comentários, alguns deles em edição fac-similada. Só que nenhuma instituição cultural e/ou científica se mostrou interessada em fazê-lo. Não é de estranhar. É a eterna contradição que caracteriza a sociedade portuguesa designadamente no campo da cultura. Apregoa-se insistentemente a existência de Centro de Estudos Africanos destinados a apoiar e a orientar este tipo de investigação; mas salvo uma ou outra exceção não o podem fazer dada a posição de apagada e vil tristeza em que vivem. Daí que a investigação de campo e o estudo e a publicação dos seus resultados se confine, em regra, a tarefas individuais de uns tantos maduros e destituída de apoios das instituições estatais e privadas". E António Carreira fez edição de autor, temos hoje livro raríssimo, obra que faz falta em qualquer desses Centros de Estudos Africanos, pôs na capa um dragoeiro, cuja goma ou resina foi utilizada durante largos anos na farmacopeia. Como ele escreveu: "Como se fala agora com tanta insistência na proteção da natureza, parece que ela deve ser objeto de medidas especiais que impeçam a sua destruição".

Um abraço do
Mário



O dom de investigar, o dom de saber comentar:
António Carreira, aquele historiador sempre indispensável


Mário Beja Santos

A obra intitula-se Documentos para a História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios de Guiné” (séculos XVII e XVIII), por António Carreira, Edição do Autor, 1983. Explica a razão da publicação: “Divulgação de documentos de grande interesse para o conhecimento da ação dos portugueses na costa ocidental africana nos anos de 1600 até final de 1700. Eles mostram as vicissitudes por que passaram os contratos de arrendamento de tratos e resgates, e as falcatruas cometidas pelos contratadores, falcatruas essas facilitadas pela impossibilidade do Governo controlar os negócios; e de outro lado, o contrabando de escravos e a desenfreada concorrência comercial de Franceses, Ingleses e Holandeses, por vezes apoiada na guerra de corso, visando pôr termo às atividades dos portugueses na costa a partir do Cabo Verde até à Serra Leoa”. É uma documentação úbere de informações de tempos e lugares em que a presença portuguesa esteve permanentemente em causa, tanto pela hostilidade de estrangeiros como pela guerrilha dos autóctones. O estudioso tem acesso a relatórios, cartas, pareceres, regimentos, despachos que permitem conhecer a agressividade dos régulos em torno da Praça de Bissau, os problemas alfandegários, a situação comercial na região, contratos de arrendamento, regimento do presídio e alfândega de Farim, reclamações dos comerciantes contra as taxas de direitos.

António Carreira foi um investigador modelar, encontrava nos arquivos manuscritos e sabia comentá-los como ninguém. Veja-se como ele introduz a questão do termo Rios da Guiné, que era a expressão mais utilizada na documentação antiga, precedeu o uso da expressão Guiné, mas sempre com sentido indefinido, fazia parte da área da jurisdição da Capitania de Cabo Verde, cujo governador entregava regimento ao capitão mor de Cacheu, o regimento de 1614 recomendava: a difusão da religião católica através da catequização dos gentios; a fiscalização da navegação e do comércio de e com os estrangeiros, impedindo a venda de escravos, de cera, de marfim e de ouro; impedir por todas as formas a entrada em Cacheu de algodão proveniente da Gâmbia e de outros pontos; exercer o controlo dos preços de compra dos escravos. Carreira comenta que os princípios de que os capitães mores, feitores e ouvidores dos rios de Guiné de estarem subordinados ao Governador das ilhas de Cabo Verde não tinha significado efetivo e real.

Aborda depois o investigador topónimo Guiné que designava uma larga zona sem limites compreensíveis. E recorda que o Padre Baltazar Barreira em carta escrita em Santiago a 1 de agosto de 1606 procurou esclarecer assim os limites da Guiné: “Esta parte de África que os portugueses propriamente chamam Guiné começa no rio Senegal e corre pela costa até a Serra Leoa, obra de 180 léguas de norte a sul”. Viajando no tempo, Carreira dá-nos conta dos ciclos económicos enquanto se apertava o cerco à presença portuguesa até que se chegou a uma situação, que precede as decisões da Conferência de Berlim em que a nossa presença na Senegâmbia era constituída por as praças e presídios de Ziguinchor, Cacheu, Farim, Geba, Fá, Bissau e Guinala. Estas praças e presídios, também designadas por feitorias, estavam instaladas nas margens dos rios, em limitados espaços formando pequenos povoados de comerciantes europeus, filhos da terra (grumetes) e mestiços cabo-verdianos, espaços ocupados mediante licença das autoridades tradicionais, contra o pagamento de renda anual (a daxa). Refere o autor a história destas feitorias, o aparecimento da primeira Fortaleza de Bissau, construída em 1696, a história das diferentes companhias comerciais de vida breve, a gradual presença portuguesa a partir do século XIX, observando Carreira que da soberania portuguesa só se deve falar a partir de 1915, dando-nos o contexto das turbulências vividas no solo continental por quase todo o século XIX: em 1840 eclodiu um conflito entre Fulas e Mandigas, que levou à derrota destes últimos e as guerras sucessivas que assolaram o Alto Geba, no Gabu e no Forreá. Lançara-se entre 1842 e 1845, no Quínara, a cultura da mancarra, que se mostrou florescente, mas com a guerrilha que se intensificou a partir de 1876, tudo se perdeu. E o autor não deixa de enfatizar que a chamada Guiné portuguesa é uma figura política e jurídica surgida da Convenção Luso-francesa de 1886.

Temos depois o rol dos documentos do século XVII, o autor chama à atenção para a incapacidade organizativa da Coroa em afastar ou punir a concorrência, limitava-se a estabelecer contratos de exploração por administração direta por vários anos; mostra igualmente o autor a existência de conflitos entre o Governador de Cabo Verde e os agentes do rei nos rios; e assim chegamos ao relato do feitor da Fazenda Real, em Bissau, José António Pinto, caminhamos para o final do século XVIII, dá-nos conta da situação nas praças e presídios, veja-se a pungente descrição que ele faz do presídio de Geba:
“O pequeno número de que se compunha a sua guarnição são negros, pardos e alguns brancos, tanto uns como outros ali são mandados degredados por tremendos crimes, os quais são brancos já não conservam sentimentos alguns da sua cor nem de costumes europeus vendo que ali são degradados por toda a vida, continuam em dar exercícios aos seus diabólicos costumes, roubando armazéns de noite. Sargentos, furriéis e cabos são da mesma natureza, brancos, negros, pardos, ladrões e facínoras, de forma que como sequazes dos soldados não só não há respeito, mas quando o pretendem ter, opõem-se-lhe e rebelam-se os culpados que ficam sem castigo (…)”. É extensa a denúncia, dá-nos depois a descrição do porto de Bissau, das ilhas de Cabo Verde e sua guarnição militar, refere a Fazenda e o negócio da panaria e da purgueira, refere as ilhas e as forças militares.

A obra de António Carreira faz-se acompanhar de muito texto em fac-simile, dos documentos aludidos dá por inteiro o regimento da Alfândega de Cacheu de 1797, temos igualmente um apenso documental com requerimentos, nota de emolumentos, reclamações, lista de navios chegados a Bissau no final do século XVIII.

Obra de indiscutível interesse para quem pretende estudar estes séculos da nossa precária presença naqueles pontos da costa ocidental africana.

Fortaleza do Cacheu
Planta da Praça de S. José, Bissau, 1864
Interior da Fortaleza de S. José da Amura, cerca de 1925
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24089: Historiografia da presença portuguesa em África (356): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem


Guiné > Região do Oio > Mapa geral da província da Guiné (1961)  / Escala 17500 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953))  / Escala 1/50 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. C
omentário do nosso colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau, mais de 270 referências no nosso blogue) ao poste P24107 (*)


Caro amigo Luis Graça,

A informação que consegui obter junto de um antigo guerrilheiro, é que a base de Ermancono ou Hermacono ficava situada perto da fronteira e nas proximidades de 3 aldeias abandonadas (Fambanta-Farinco fula e Farinco mandinga) formando um triângulo quase perfeito se tomarmos como base a estrada Farim-Jumbembem com as duas localidades a servirem de ângulos ou vértices A e C. Visto desta forma, o ângulo de cima (Vértice B) estaria próximo das localidades citadas acima (Fambanta e as duas Farinco).

Esta informação trouxe-me de volta ao livro de Amadu Bailo Djalo no depoimento sobre a sua primeira missão em Farim com o Capitão de uma das companhias sediadas em Farim num camião cujo o motor aquecia e ao qual era preciso pôr água para arrefecer (**). A missão, segundo ele, estava relacionada com a recuperação da populaçao fula da aldeia de Lambã situada mesmo na linha da fronteira e que não se sentia segura devido a infiltração frequente dos guerrilheiros. Estou em crer que o objectivo daquelas manobras na altura estaria ligado à necessidade de conseguir espaços de futuras infiltrações para o interior do território.

De notar que este corredor (de Sambuia ou Lamel?) estava ligado às bases situadas no Oio (Canjambari-Samba-Culo entre outros).

Todavia, o homem grande (antigo combatente) não conseguiu decifrar-me o significado do termo Ermancono / Hermacono) utilizado para designar a base do PAIGC.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
28 de fevereiro de 2023 às 12:57


2. Excerto de relatório da 2.ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 01jan73 a 15out74,  pág. 18 (***)

(...) Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sediadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S. Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações e Aquartelamentos ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau; 

(Itálicos e negritos nossos: LG)



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 > Organizando um coluna logística que vai levar armas até à base de Hermacono, na fronteira... Na imagem, um camião russo, de marca Gaz (segundo nos parece)... Para ir até à fronteira, devia haver uma estrada entre Ziguinchr e Hermacono (o fotógrafo chama-lhe Hermangono).

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973 (Com a devia venia... )

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24109: (In)citações (233): Volta, Zé Belo, estás perdoado! (dizem os "sámi")

1. Mensagem de José Belo (jurista, gestor de conflitos, mediador cultural, o nosso luso-sueco-lapão, cidadão do mundo, efetivou-se como membro, registado, da Tabanca Grande em 8 de março de 2009; com 241 referências no nosso blogue, não precisa de apresentações, louvores, condecorações, repreensões; dizem os seus vizinhos, invejosos, que vivem longe loge dele, tão longe como de Lisboa ao Porto, que ele queria "desertar" para a ilha de Key West, mas os "sámi" foram buscá-lo de volta e puseram-no de novo dentro do círculo polar ártico, justamente ali onde, apesar do frio de rachar, ele pode cuidar dos seus "ursinhos de peluche" e das suas "renas de estimação"; na Guiné era bem pior...):


Data - segunda, 27/02, 20:48
Assunto . Os carros à frente dos bois.... 


Espero que a saúde esteja boa.

A notícia da “morte-súbita” da casa da Lapónia foi (mais uma vez) …..exagerada! (*)

A ilha de Key West é Sol-Piscina-Mar Quente do Golfo do México-Cuba a noventa quilómetros de distância -Bons Restaurantes com marisco e peixe de alta qualidade-Infindáveis Bares e….boas companhias!

Enfim,a casa ideal para se passar uns meses por ano quando o frio, neve, gelo e escuridão do Círculo Polar  "apertam”.

A grandiosidade e o isolamento da natureza da Lapónia têm para mim outras referências. Talvez demasiado pessoais mas….importantes.

Enquanto a saúde o permitir,  continuará a ser a minha morada-base.(**)

Um grande abraço. JBelo

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24047: (In)citações (230): Nunca digas adeus, até sempre! (José Belo, Key West, Flórida)

Guiné 61/74 - P24108: (In)citações (232): "Olha o Guinéu português!!!" (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 24 de Fevereiro de 2023, onde nos fala da palavra Guiné:


O nome Guiné

Por aqui neste continente, quando vivíamos no norte e estávamos no mercado de trabalho, no nosso convívio com companheiros locais, e que na guerra do Vietname viveram experências dramáticas parecidas com as nossas, às vezes falávamos e alguns deles diziam: ”olha o Guinéu Português”!

Claro, gostávamos e não gostávamos do apelido, no entanto era o início da conversa onde logo vinha a história onde alguns fizeram um “tour”, que era uma missão no Vietname, que para a maioria das forças terrestres durava um ano, que não fizeram nada de mal como as películas que Hollywood mostram, no entanto, os militares dos EUA usaram quase 12.000 helicópteros no Vietname, dos quais mais de 5.000 foram destruídos, o que demonstrou que ser piloto de helicóptero ou membro da tripulação estava entre as tarefas mais perigosas daquela maldita guerra.

E diziam “olha o Guinéu Português” com alguma razão, pois existem únicamente quatro países no mundo, cujo nome incluem a palavra Guiné. Fomos analizar, “coscuvilhar”, procurar informação e chegámos à conclusão de que embora não sendo incomum que as cidades compartilhem nomes, mas acontece ainda com menos frequência com nomes dos países.
No entanto, quatro nações, três das quais estão situadas na África, usam a palavra “Guiné” nos seus títulos, que são: Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e Papua Nova Guiné. E daí, como é possível ter tantos países a usarem a mesma palavra? Era como se houvesse quatro países com o nome de Portugal. Simples, mesmo muito simples, tem a ver com a colonização da África Ocidental.

E, embora a origem exacta da palavra “Guiné” não seja conhecida, todos acreditem que o termo vem da palavra portuguesa “Guiné”, que apareceu por volta do final do século quinze para descrever uma região ao sul do rio Senegal ao longo da costa oeste da África.

Depois, depois muitos anos passaram e já no final do século dezoito, muitos países europeus reivindicaram terras africanas numa corrida que os historiadores chamam de “Scramble for Africa”, que quer mais ou menos dizer, “Passeio por África”, onde entre outras potências, foram a Espanha, a França e Portugal, que compartilharam o controle da região da Guiné na África Ocidental.

Quase toda aquela área foi dividida e a terra geralmente identificada pelo seu país controlador. No entanto, os nomes que conhecemos hoje não surgiriam até ao século 20, quando cada nação se separou do controle europeu, onde a Guiné Francesa manteve o nome Guiné depois de obter a independência em 1958, a Guiné Espanhola tornou-se Guiné Equatorial em 1963 e a Guiné Portuguesa assumiu o nome Guiné-Bissau, referindo-se à sua capital Bissau, depois da “revolução dos cravos”, em 1974.

Quanto à outra Guiné, a Papua-Nova Guiné, localizada a milhares de quilómetros a leste através do Oceano Índico, dois exploradores lhe deram o nome. Em 1526, o navegador português Jorge de Meneses apelidou parte da ilha de “ilhas dos Papuas”, da palavra malaia “papuwah”, referindo-se aos cabelos crespos dos ilhéus, enquanto o explorador espanhol Yñigo Ortiz de Retez declarou outra porção da Nova Guiné, acreditando que seus cidadãos se assemelhavam ao povo da costa africana da Guiné.

Voltando à origem da palavra Guiné, cremos que é absolutamente certo que a moeda inglesa conhecida como "Guinea" é derivada da palavra portuguesa "Guiné" que levou este nome desde que o ouro usado na fabricação das moedas foi originalmente extraído na região da Guiné, palavra que era usada para se referir às terras pertencentes aos Guineus, que eram um termo para os africanos que vinham das regiões ao sul do rio Senegal.

Muitos colonos europeus quando chegaram à região da Guiné na África Ocidental aplicaram nomes como "Guiné Alemã", "Guiné Espanhola", "Guiné Francesa" ou "Guiné Portuguesa” no entanto, e como acima já explicámos, alguns países mantiveram o nome Guiné em parte do seu nome após a independência, mas a Guiné Alemã abandonou totalmente a parte da Guiné do nome, para se tornar Cameron e Togo.

Companheiros, de uma maneira ou de outra, não vamos esquecer mais o nome “Guiné”, lá naquela região de África, onde existiam as aldeias dos “Papeis”, dos “Balantas”, dos “Fulas”, dos “Bijagós”, dos “Mandingas”, dos “Felupes”, dos “Manjacos”, dos “Biafadas” ou dos “Nalus”, numa zona de savana e selva, rodeada de pântanos e vegetação, onde estivémos estacionados num aquartelamento cercado de arame farpado que ajudámos a construir, por um período de dois longos anos.

Tony Borie

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24106: (In)citações (231): Caraças, andamos nós p'ráqui, a pensar no "fim da picada"!... Corações ao alto!... Pensemos antes que até aos cem... é sempre em frente! (João Crisóstomo, Nova Iorque)