quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19283: Memórias de Gabú (José Saúde) (73): Ambulância apanhada ao PAIGC (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Gabu em memórias 
Ambulância apanhada ao PAIGC 

Tento, amiúde, fixar-me em restos de memórias que me sobram dos tempos em que passei por terras de Gabu onde me deparei e ouvi falar de viva voz com as incessantes atividades guerrilheiras de índole diversa. Hoje, porém, trago à estampa uma dessas muitas atividades operadas pelo grupo de Marcelino da Mata, então um Alferes que se apresentava para o IN como um alvo a abater, sendo o tema uma ambulância apanhada ao PAIGC. 

Sabeis, ou ouviste falar, caros camaradas da versátil mobilidade no terreno de guerra do requintado grupo comandado pelo Marcelino da Mata. Não vou, como é evidente, focar-me na plenitude das muitas operações que tiveram o cunho do antigo guerrilheiro. Desconheço o detalhe da ação. Vou, sim, focar-me, resumida e exemplarmente, sobre a sua eficácia determinante no momento de enfrentar o IN. 

Não comento e nunca farei pressupostas opiniões, algumas quiçá devastadoras para quem deu o corpo às balas, acerca de um homem pelo qual guardo imenso respeito. Cada um opina dentro de valores que lhe vão na alma, não obstante os consensos de pareceres sobre uma realidade pública de “assaltos” consumados em pleno palco de guerra. 

A guerrilha no terreno impunha precaução ao mais humilde militar. O insólito do exato momento de luta, sempre inesperada, obrigava a minuciosas cautelas. E, pelo que me foi dado saber, Marcelino da Mata era um guerrilheiro que não temia uma missão que lhe fora confiada. 

Aliás, as suas diversas condecorações, ofertadas pelo Exército Português, são a prova evidente que o atual Tenente Coronel foi, sem dúvida, um osso duro de roer para o PAIGC. Neste contexto, não vou negligenciar a sua atividade ou os atos de bravura averbados na guerrilha. A sua história está concluída. 

Conheci-o pessoalmente na então Nova Lamego. Dele contavam-se surpreendentes explanações guerrilheiras. Histórias que iam pela qualidade da limitadíssima formação de homens que integravam o seu pequeno grupo, até ao conteúdo das suas ações no confronto direto com o IN. 

Um belo dia “aportou” no meu quartel, Gabu, uma ambulância apanhada ao PAIGC com o cunho do grupo do Marcelino. O Marcelino da Mata conhecia, e muito bem, as “silhuetas” do terreno ao pormenor, bem como os trilhos por onde o IN se movimentava. 

Estudado ao pormenor o objetivo previamente traçado, eis que o surpreendente golpe de mão às forças guerrilheiras contrárias, causou a “safra” de uma ambulância, desconhecendo-se o “rombo” de capital humano. Falou-se em vários cenários, todavia, o que se constou é que na ambulância seguia uma enfermeira sueca. 

Verdade ou mentira só o Marcelino, e os seus subordinados, poderiam testemunhar. A voz corrente que passava de boca em boca nos aquartelamentos da zona, findava pela valentia do grupo sobre aos “turras”. Baixas? Não se sabe se as houve! 

A curiosidade da narrativa passa, naturalmente, que junto ao veículo “sequestrado”, que acusava inúmeras batidas na chapa, está o saudoso enfermeiro Dinis, um rapaz, natural do Porto, ao qual já dediquei um texto, frisando o seu excelente companheirismo. 

O Dinis era moço simpático. A sua fisionomia atirava para o franzino e a sua estatura para o baixo. Porém, assumia-se como um jovem amigo do seu amigo e sempre disponível para mais uma missão ao interior de um mato que persistentemente camuflava o medo. 

Naquelas rondas às tabancas para a execução de mais uma missão dominada “psicó”, o Dinis transportava na sua sacola “mezinhos” para a cura dos nativos. Outras vezes era o Dinis que “desenrascava” o pessoal com comprimidos que ocasionalmente a malta procurava, de entre outros instantes de aflição em que a necessidade imperava e o nosso enfermeiro, sempre com um sorriso nos lábios, amavelmente aplicava medicamentos para a cura. 

Hoje rendo-me à humildade do saudoso Dinis, evocando o momento em que o "ronco" causado ao IN serviu para mais uma conversa entre ambos numa guerra em que o Marcelino da Mata era figura de proa no palco de um conflito que terminou pouco tempo depois. 

(Foto do 1º Cabo Enfermeiro Alfredo Diniz - Já falecido)

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

20 DE OUTUBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19123: Memórias de Gabú (José Saúde) (72): Jau, o nosso guia (José Saúde) 

Guiné 61/74 - P19282: O Nosso Livro de Visitas (198): Gostava de ter o livro da história da 38ª Companhia de Comandos (António Cunha, 'Tony', ex-fur mil enf, camarada da dáspora, empresário, North Arlington, New Jersey, USA)


O ex.fur mil Cunha esteve temporariamente colocado em Mansoa, em 1973, na 38ª CCmds. Acabou a comissão na CCAÇ 6, em Bedanda, onde era conhecido como o Furrel Mezinho Djaló. Vive em North Arlington, New Jersey, USA. E aceitou integrar a nossa Tabanca Grande. Vai ser apresentado, em próximo postem,  como o grã-tabanqueiro nº 782.



1. Mensagem de António Cunha (Tony),. nosso camarada da diáspora nos EUA (*)


Date: segunda, 3/12/2018 à(s) 01:20
Subject: 38ª Compendia de Commandos
Caro Luis Graça

Tenho recebido os seus blogues em e-mail, e leio-os, sempre, com avidez. Obrigado pela assiduidade.

Na passada quinta-feira, foi apresentado um livro editado acerca da 38ª Companhia de Comandos. O coração  "apertou" imediatamente. (**)

Não sendo eu um Comando, nem parte da Trigésima Oitava, esta Companhia foi-me sempre muito querida, porque, em parte, fiz parte dela.
Capa do livro 

Quando eles chegaram a Bissau, o Furriel Enfermeiro da Companhia, o Rogério (se não estou em
erro), foi para o Hospital Militar tirar um curso rápido de sangue. Eu fui "encomendado" para o ir substituir na Trigésima Oitava, enquanto o curso durava.

No dia em que cheguei, tinha a Companhia sofrida a primeira casualidade que, creio, consta no livro: o soldado que, a limpar a arma, tinha fatalmente disparado a única bala de que se tinha esquecido na câmara e atingiu o companheiro.

Nessa Companhia fiz de todos amigos, especialmente o Simão (enorme de corpo e de coração), o Pignatelli (com quem várias vezes fui jantar às "Libanesas") e, inclusivamente, o (na altura) Capitão Pinto Ferreira (que sempre me tratou com muita consideração).

Quando a Companhia sofreu o primeiro grande ataque no mato, na Mata do Morés, fui com a CC 11 recebê-los, creio que em Mansabá. Foi quando vesti pela primeira vez na minha comissão a farda camuflada, surpreendendo todos quando me apresentei.

Depois do IAO, o Furriel Enfermeiro não quis trocar comigo e voltei para o Hospital Militar, tendo sido enviado a dar instrução ao Batalhão de Caçadores 4514, em Bolama, e, quando de volta, fui "enviado" até ao fim da minha comissão para Bedanda, para a CCaç 6, onde as coisas estavam bem "quentes", e onde fiquei conhecido como "Furrié Mezinho Djaló".

Quanto ao livro publicado acerca da Trigésima Oitava, seria possível indicar-me como o posso adquirir? Não creio que seja "exclusivo" para Comandos, mas se for, por favor envie (creio que deve ter o e-mail) este e-mail ao coronel Pinto Ferreira (creio ter lido ser este o posto corrente), com o requerimento de um livro, da parte do Furriel Enfermeiro Cunha. A morada está na assinatura.

Uma vez mais, obrigado pelo entusiasmo na distribuição de notícias de todas as Tabancas. Há tantos anos fora de Portugal, todas as notícias relacionadas com aqueles tempos são sempre avidamente lidas.

Cumprimentos fraternais,

António Cunha (Tony)

2. Resposta do nosso editor LG, com data de 5 do corrente:


Tony: Obrigado pelo teu contacto!...Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana... Quero, antes de mais, convidar-te para integrar esta grande comunidade virtual, a Tabanca Grande, já com 781 membros (70, infelizmente já falecidos) em menos de 15 anos... Como já há um António Cunha, tu serás o António Cunha (Tony), tal como te conhecem nos Estados U nidos.

Quanto ao teu pedido, vou já encaminhá-lo para a pessoa certa, o camarada o ex-1º cabo 'comando' Amílcar Mendes, da 38ª CCmds... E se não te importares gostava de publicar a tua mensagem. Se me mandares duas fotos (, uma do antigamente e outra atual), com uma pequena apresentação (sou fulano de tal, assim assim...), passas a ser o camarada nº 782 a sentar-se à sombra do nosso mágico e fraterno poilão...

Bom Natal, mas até lá quero mais notícias tuas. Luís Graça

PS1  - Temos malta do teu tempo, em Mansoa (38 CCdms,  CAOP 1) e depois em Bedanda (CCAÇ 6), bem como do Hospital Militar de Bissau (HM 241) ... que vais gostar de reencontrar e recordar. O batalhão a que deste formação, em Bolama,  deve ser  o BCAÇ 4514/72, que esteve em Cadique (1973/74).

PS 2 - A "CC 11" que referes, não pode ser a 11ª CCmds (, que esteve em Angola, de 1967 a 1969). Devia ser uma companhia africana, talvez a CCAÇ 13 (Bissorã), a CCAÇ 15 (Mansoa) ou CCAÇ 16 (Bachile). A CART 11 / CCAÇ 11 estava na região de Gabu. A minha CCAÇ 12 estava no setor L1 (Bambadinca). A CCAÇ 14 devia estar em Cuntima, Farim.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)

(**) Vd. poste de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)

Guiné 61/74 - P19281: Historiografia da presença portuguesa em África (140): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
No mesmo ano em que o padre Dias Dinis começava a dar à estampa este seu trabalho sobre as etnias guineenses, surgia o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e a sua publicação de referência, o Boletim Cultural, ainda hoje de consulta obrigatória. Foi a partir dessa data, por incentivo de Teixeira da Mota, que os funcionários coloniais começaram a publicar trabalhos monográficos sobre as diferentes etnias, assim se abria a via para um certo desabrochamento em período colonial das investigações em antropologia, etnologia e etnografia. Isto para sublinhar que este franciscano, padre Dias Dinis, vem de outro tempo de leituras e observação, seria lastimável deixar no olvido uma tão ternurenta expressão pelo deslumbramento do mosaico étnico guineense.
É o que aqui pretendemos fazer.

Um abraço do
Mário


As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2)

Beja Santos

O trabalho do franciscano padre Dias Dinis foi publicado em “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”, com datas de 1946 e 1947, constitui um meritório esforço para a análise, com recursos parcos das ciências sociais e humanas do tempo, das etnias da Guiné Portuguesa. No texto anterior, fizeram-se referências a Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e aos Balantas. Vejamos seguidamente os Manjacos e Mandingas.

Os Manjacos habitam a região de entre os rios Cacheu e Mansoa até à Costa de Baixo e as ilhas de Pecixe e Jata, território dos Brames, segundo André Alvares Almada. O padre Marcelino Marques de Barros faz derivar os Manjacos dos Papéis. Sem dúvida, Brames, Papéis e Manjacos mantêm afinidades etnográficas e linguísticas, que podem ter brotado de cruzamentos havidos durante séculos. Papéis e Brames são inimigos há dezenas de anos, com rixas frequentes e sanguinolentas na sua história mais recente, o que pode denunciar protesto dos Brames contra o predomínio político dos Papéis na ilha de Bissau, de onde os Brames foram escorraçados.

O autor trata os Mandingas como uma das etnias mais vetustas, habitavam as regiões de Farim, Oio e Pecixe. O berço desta etnia é situado pelos historiadores no Alto Níger, onde vivia o seu Chefe ou Mansa. Na primeira metade do século XIII, o Mansa de nome Sun-Diata conseguira estender a hegemonia dos Mandingas do Mali por grande parte dos territórios circunvizinhos, caso dos Jalofos e a Gâmbia. O apogeu do Império Mali aparece situado em meados do século XIV. O Mansa achava-se em contacto com os sultões brancos da África do Norte. O império estava dividido em províncias e cantões, administrados por governadores e lugares-tenentes, esta informação foi prestado pelo geógrafo árabe Ibn Batuta. Zurara fala no Império de Méli. Aos Mandingas da Gâmbia se referem Cadamosto e Martinho da Boémia. Mas as notícias mais extensas e precisas foram-nos transmitidas por Valentim Fernandes. André Álvares de Almada alude aos Mandingas em vários capítulos da sua obra, assim circunscrevendo o reino: “Este reino dos Mandingas é mui grande, porque corre por este rio (Gâmbia) acima mais de duzentas léguas. E está povoado todo de gente, de uma banda e da outra. Pela banda do Norte, se mete muitas léguas pelo sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E, pela banda do Nordeste, vai por cima dar na terra dos Beafares (Biafadas), como se dirá; e, pela banda de Leste, vai partir com os Cassangas e Banhuns”. Almada assevera que estes indígenas formavam muro por cima dos Cassangas e demais tribos do além-Cacheu e estendiam-se por Goli, povoação das margens do Geba (Porto Gole), até à região dos Beafadas. A zona dos Mandingas ter-se-á alargado, portanto, durante o século XVI, para a região de Mansoa e até às margens do estuário comum aos rios Geba e Corubal.

Passemos agora em revista o que Dias Dinis descreve sobre os Papéis, os Brames e os Biafadas.

Não há qualquer referência aos Papéis nem em Valentim Fernandes nem em Duarte Pacheco Pereira, a primeira referência data de 1573, foi de Luís del Caravaial Mármol, o qual, depois de falar do rio Cacheu, escreve: “A Província que segue é a dos Papéis, onde nasce um outro grande rio, que eles chamam das Ilhetas, por causa de duas pequenas ilhas povoadas de negros, que se encontram na sua foz”. O rio em questão é o Mansoa. Aparecem pois localizados entre o Geba e a ilha de Bissau, viveriam predominantemente aqui. Trocavam com os portugueses diferentes mercadorias, como ouro, escravos e presas de elefante; os portugueses levavam cavalos, contas, manilhas e panos. Diz Valentim Fernandes que chegaram a dar 14 escravos por um cavalo. Diz o padre franciscano (atenção, escreveu o seu documento em 1946) que o Papel é a única etnia guineense a estimar a carne de cão como alimento. Segundo ele, na ilha de Bissau trocavam um bom porco por um cão magro, para o comer, “segundo ali me informou um velho colono”. Os Papéis estariam dispersos pela ilha de Bissau, pelas imediações da vila de Cacheu, onde seriam tratados por Papéis do Churo.

Quanto aos Buramos ou Brames ou Mancanhas, distribuíam-se pelos regulados de Bula, Có e Jol, entre os rios Mansoa e Cacheu. São mencionados pela primeira vez na obra de Almada. Por não se venderem como escravos, explica este autor cabo-verdiano, cresceram muito, numericamente, e passaram-se para a margem esquerda do mesmo rio, acantonados na região de Putama. Mais tarde os Brames espalharam-se por toda a região entre os rios de Cacheu e Geba. O padre Marcelino Marques de Barros di-los subdivisão dos Banhuns. Seria interessante apurar-se esta afirmação, observa o autor. André Alvares de Almada descreve os seus usos e costumes, e com grande vivacidade. Que viviam em casas de taipa como as de Casamansa; descreve a indumentária daqueles que viviam na Corte dos régulos enquanto no sertão andavam nus. E adianta que os Brames eram bons e serviçais escravos. Homens e mulheres limavam os dentes. Para estas não serem «palreiras nem comilonas», logo de manhã metiam na boca um pouco de cinza e traziam-na até ao jantar, para não falarem nem comerem. Davam-se bem com os Portugueses, entregavam-lhes escravos, cera e marfim e recebiam camisas, calçado e alimentos.

Os Biafadas habitam a região de Quínara, entre os rios Geba e Buba. Almada refere-se bastante à terra dos Biafadas pelo ativo comércio que nela se desenvolvia, principalmente nas povoações de Guinala, Bolola e Buba, grafada também por Buguba e Biguba. Habitavam assim a região de Quínara. É minucioso e dá-nos muitas informações sobre os reis e o cerimonial da sua morte, as práticas de justiça, o modo do apuramento da verdade, que eram ladrões e vadios, que semeavam pouco e vestiam camisas compridas. Os Biafadas estavam sujeitos ao Farim-Cabo, Mandinga. O seu modo de habitação era peculiar, não viviam em aldeamentos mas em casas isoladas. Em Babel Negra, Landerset Simões diz dos Beafadas: “Imigrado em data impossível de precisar, por força da expansão que a certa altura tomou os Mandingas a que pertence (Djola), o seu contacto com os Papéis vem de longe e hoje ele próprio o tem por parente”. Segundo o missionário, julgava-se que do facto da aturada convivência dos Beafadas com os Mandingas se ter deduzido erradamente o parentesco. O professor Mendes Correia asseverava haver algumas leves afinidades linguísticas entre Biafadas e Manjacos. Parece ser de aceitar a observação do padre Marcelino Marques de Barros, diz o autor, que os Biafadas eram parentes próximos dos Cassangas.

Iremos prosseguir esta descrição das etnias falando dos Bijagós, dos Nalus, Fulas e Futa-Fulas, e ouviremos as confissões deste missionário que investigou com tanto empolgamento etnias da Guiné-Bissau.

(Continua)

Imagem retirada do livro “Guiné Portuguesa”, Luís António de Carvalho Viegas, 1936.

Imagem retirada do livro “Estudos, Ensaios e Documentos, Acerca da casa e do Povoamento da Guiné”, Francisco Tenreiro, 1950. A fotografia é do professor Orlando Ribeiro, que visitou a Guiné em 1947.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19260: Historiografia da presença portuguesa em África (138): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19280: Parabéns a você (1537): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CART 3491 (Guiné, 1971/74)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19272: Parabéns a você (1536): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19279: (Ex)citações (347): Os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965, na frente norte, tempo em que a CCAÇ 675 ali se encontrava em quadrícula (José Eduardo Oliveira)

1. Em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2018, o nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos uma mensagem a propósito dos "Problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965", altura em que a CCAÇ 675 se encontrava em quadrícula na frente norte da Guiné.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

OS PROBLEMAS DO PAIGC NA LOGÍSTICA DE SAÚDE EM 1965 (P19224)

ENTRE A LUCIDEZ E O DESESPERO DE LOURENÇO GOMES, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DA SAÚDE NA FRENTE NORTE

O tema é de facto do meu tempo e da “frente” Norte da Guiné - a “minha” CCAÇ 675 esteve, entre Maio de 1964 e Abril de 1966, numa “quadrícula” com sede em Binta (a 20 kms. da sede do Batalhão em Farim).

E como Furriel Enfermeiro passei por muita coisa. Na guerra do “mato” e na paz do quartel.

Começo pelo meu conhecimento directo com a população nativa que vivia em Binta e em Guidage, que também pertencia à “minha” quadrícula.
Na nossa enfermaria de Binta tratámos alguns doentes com lepra, elefantíase, matacanha, malária, etc.
Refiro-me a “clientes” da população nativa porque no que respeita a militares o que mais tivemos foram casos de paludismo.

E apanhámos uma terrível epidemia de sarampo que matou dezenas de crianças da população civil em apenas um mês.
Também havia algum “folclore” nativo de doentes habituais da nossa enfermaria que se queixavam de “toco-toco”, para engolirem umas saborosas colheres de xarope para a tosse.

Os casos que atrás refiro dizem respeito a Binta.

Também me calharam algumas “estadias” em Guidage e confesso que as longas filas vindas de “pessoal” do Senegal ainda me estão na memória pelo sofrimento e desesperança daquela gente, que procurava junto da tropa alguma ajuda para as suas enfermidades. Lembro-me especialmente das mulheres, sempre carregadas de crianças famintas e esqueléticas!
A nossa vitória foi no segundo ano de comissão em que conseguimos recuperar população e “fazer” uma aldeia modelo, que chegou a ter mil habitantes.
Essa memória consta do meu livro “GOLPES DE MÃO´s”, editado em Abril de 2009.

E é tempo de referir os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 entre a lucidez e o desespero de Lourenço Gomes, responsável pela área da saúde na frente Norte.

Obviamente que os desconhecia à época mas deviam ser tremendos para “efectivos” que viviam na “clandestinidade”.
Se em estudos recentes a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que há menos de cinco médicos para cada grupo de 100 000 habitantes no país …as percentagens para os tempos de Lourenço Gomes deveriam ser negativas, para não dizer que seriam “abaixo de zero” !!!!

Os casos de malária afectam cerca de 9% da população.
A esperança de vida ao nascer vem crescendo desde 1990, mas continua a ser baixa. De acordo com a OMS, a esperança de vida para uma criança nascida em 2008 era de 49 anos. Apesar da redução de casos em países vizinhos, taxas de cólera foram notificadas em novembro de 2012, com 1500 casos apresentados e 9 mortes. Uma epidemia de cólera em 2008 na Guiné-Bissau afetou 14.222 pessoas e matou outras 225.

Em junho de 2011, o Fundo de População das Nações Unidas divulgou um relatório sobre o estado da obstetrícia do mundo, contendo dados sobre a força de trabalho e as políticas relacionadas com a mortalidade neonatal e materna em 58 países. Neste relatório foi apresentado que, em 2010, a taxa de mortalidade materna a cada 100.000 nascidos é de 1000 na Guiné-Bissau.

Por maior que fosse a lucidez de Lourenço Gomes em relação aos problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 o seu desespero deveria andar próximo dos 100% !

Grande abraço e até uma próxima.
José Eduardo Reis de Oliveira
JERO

PS. Natal Feliz e Haja Saúde.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé

Guiné 61/74 - P19278: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LV: O hipopótamo que apareceu morto no rio São Domingos, afluente do rio Cacheu, precisamente há 50 anos



Foto nº 1


 Foto nº 2


Foto nº 1


Foto nº 3

Guiné > Região de Cacheu  > São Domingos > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 11 de dezembro de 1968: o hipopótomo que apareceu morto no rio São Domingos, afluente do rio Cacheu


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 

T006 – UM HIPOPOTAMO EM SÃO DOMINGOS




I - Anotações e Introdução ao tema:

Um dia de Dezembro de 1968, mais propriamente no dia 11 de Dezembro, há 50 anos, apareceu no Rio São Domingos, que banha a povoação com o mesmo nome, um enorme hipopótamo que deu à costa, isto é veio parar ao nosso pequeno cais.

Todo o mundo se deslocou para ver a novidade, e não foi caso para menos, para mim, eu nunca tinha visto semelhante bicho, já morto e em estado de putrefacção.

O animal depois de feitas todas as vistorias que o assunto merecia, foi então carregado para uma GMC, ou então já nem me lembro bem, se foi mesmo arrastado pelo chão fora, e depois das cerimónias fúnebres compatíveis foi a enterrar em terrenos adjacentes ao nosso acampamento.

Ficou um cheiro nauseabundo, pois ainda lá ficou 1 ou 2 dias, não se sabendo a origem da morte, não foi esquartejado em peças e dividido pelas populações para consumo interno, matava a fome a muita gente, incluindo a tropa.

Ainda hoje, jaz lá no sítio a sua sepultura, sem direito a flores nem honras militares. Um episódio no mínimo curioso para todos, e para mim também.


II - Legendas das fotos:


F01 – O animal de costas e focinho para a frente, no cais de São Domingos no dia 11 de Dezembro de 1968;

F02 – O bicho virado ao contrário a ser preparado com cordas para o seu transporte, provavelmente no mesmo dia da sua ‘aparição’.

F03 – A GMC pronta para carregar, ou arrastar o enorme bicharoco, também no mesmo dia.
Em pé lá atrás em cima da GMC, eu e o alferes Figueiredo do Pel Rec, em 11Dez68.

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 / RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

NOTA FINAL DO AUTOR:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. #

Acabadas de Re-legendar, hoje, com as devidas alterações
Em, 2018-12-10

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19277: Os nossos seres, saberes e lazeres (297): Ir a Monte Real, ao almoço de Natal da Tabanca do Centro, e ser abalroado por um camião na A8 a caminho de Aveiro (António Graça de Abreu)



O estado em que ficou o Hyundai, do António Graça de Abreu, vítima de acidente na A 8, em 28 de novembro de 2018, a caminho de Aveiro, depois de ter estado com os camaradas da Tabanca do Centro, no almoço de Natal.

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu  (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Monte Real > Tabanca do Centro > 28 de niovembro de 2018.
O Joaquim Coelho tem andado arredado destes encontros 
e apareceu a reboque do Casimiro Carvalho. [, régulo 
da Tabanca da Maia].  Já o António Graça de Abreu
 [, ao centro, em terceiro plano,] veio da Linha de
 Cascais para matar saudades,  como faz de vez 
em quando. À direita, em primeiro plano,
parece o nosso camarada leiriense 
Agostinho Gaspar.
1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu,  enviada em 3/12/2018, 1h50:

Um homem residente no Estoril dá aulas na Universidade de Aveiro e aproveita a quarta-feira para se juntar ao almoço de Cozido à Portuguesa, da D. Preciosa, com os fabulosos camaradas da Guiné, em Monte Real, Tabanca do Centro  [, Vd. foto à esquerda: Monte Real, 28 de novembro de 2018; foto e legenda: cortesia de Miguel Pessoa, editor da revista Karas de Monte Real].

Dá depois umas voltas, vai a Vieira de Leiria, onde ainda tem família e, à noite, parte para Aveiro.

Um homem vai sossegado conduzindo o seu velho mas seguro Hyundai, na faixa direita de rodagem da A8, na viagem para a sua excelente Universidade. Noite escura. Um camião de onze toneladas não vê o Hyundai e entra pela traseira do carro a mais de 120 quilómetros por hora. O Hyundai ia a uns 100. O carro verde é projectado para fora da estrada, capota na vala lateral, bate na terra, desliza aos trambolhões durante mais de cem metros.

O pobre condutor, agarrado ao volante, procurar segurar-se dentro do habitáculo do Hyundai. O carro, aos tombos na berma da auto-estrada, resiste e acaba por parar na vala, em posição normal. Vidros partidos, saio pela janela. Estou vivo, não há sangue no meu corpo amassado pelo revoltear e enormes tropeções do veículo.

Chega o INEM, a polícia, bufo no balão, zero álcool, mas querem levar-me para o hospital. Não estou ferido, não parece haver nada partido, a não ser o automóvel. Estou vivo, a vida continua.

Na manhã seguinte, estou nas aulas com os meus alunos na Universidade de Aveiro, os deuses concederam-me a protecção divina que talvez eu mereça. E a Guiné deu-nos força, e coragem, e mais vida.

António Graça de Abreu
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19266: Os nossos seres, saberes e lazeres (296): Viagem à Holanda acima das águas (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19276: Agenda cultural (664): 14.ª Tertúlia de Artes e Letras, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 15 horas no Clube Alto da Barra, comemorando os 50 anos de carreira literária de Manuel Barão da Cunha

C O N V I T E

14.ª Tertúlia de Artes e Letras 
13 de Dezembro de 2018, 5.ª feira, 15h00, 
Clube Alto da Barra
50 anos de carreira literária de Manuel Barão da Cunha

Estimados Sócio, Utentes e Convidados,

A Direção do CAB vem convidá-los para assistirem à 14.ª Tertúlia de Artes e Letras, coordenada pelo nosso sócio Cor. Dr. Manuel Barão da Cunha,

Temas:


"Tempo Africano, Aquelas longas horas", 5.ª edição, de Manuel Barão da Cunha, DG Edições; a 1.ª edição do livro Aquelas Longas Horas foi lançada há 50 anos, no Palácio da Independência; capa de Pedro Cunha;



"Radiografia Militar e os 4 DDDD?", do mesmo autor, de Âncora Editora e Programa Fim do Império; capa de Pedro Cunha.

Apresentação por General Sousa Pinto, Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar e autor da nota prévia à 4.ª edição de Tempo Africano, de prefácio de Radiografia Militar e os 4 DDDD?, e de apresentação deste livro no Porto; articulada com passagem de fotografias de Daniel Gouveia e Pedro Cunha;

Com os nossos melhores cumprimentos.

P'la Direção
Maria Helena Chaves Ferreira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19275: Agenda cultural (663): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", de Lucinda Aranha Antunes, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 19h00, na Biblioteca Municipal de Torres Vedras

Guiné 61/74 - P19275: Agenda cultural (663): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", de Lucinda Aranha Antunes, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 19h00, na Biblioteca Municipal de Torres Vedras

C O N V I T E



********************

A propósito deste seu  livro, Lucinda Aranha Antunes deu uma entrevista à RTP África, que foi para o ar no programa Causa e Efeito de 07 de Dezembro passado, que pode ser visto aqui: https://www.rtp.pt/play/p4263/e378645/causa-e-efeito, a partir do minuto 36.
____________

Notas do editor

Vd. poste de 3 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19255: Agenda cultural (660): Lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, levado a efeito no passado dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

Último poste da série de 8 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19267: Agenda cultural (662): lançamento do Livro "Família Regalla: Hora da Verdade!", de Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto, 5 de janeiro de 2019, pelas 18h30, no Hotel Aveiro Center, Aveiro

Guiné 61/74 - P19274: Notas de leitura (1129): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma tese audaciosa de que as lutas interétnicas são um dado da longa duração da violência na Guiné-Bissau, estruturaram as relações ao longo de séculos entre os povos da região, antes e depois da colonização.
Num livrinho precioso de um 2.º Sargento, de nome António dos Anjos que viveu na colónia depois da pacificação há um importante levantamento de lutas, a que podemos acrescentar a descida dos Fulas do Futa-Djalon, guerras sem quartel com os Mandingas e Beafadas, o que levou a profundas alterações na ocupação do território da colónia, no último quartel do século XIX. A despeito desta violência interétnica, cresceu a coligação animista face à ocupação colonial, foi o grande caldo de cultura do PAIGC.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: 
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação (5)

Beja Santos

“Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, é uma das investigações mais argutas e audaciosas que se publicaram no novo século sobre a Guiné pré-colonial, colonial e pós-colonial. Como se referiu em textos anteriores, o ponto de partida do investigador norte-americano é de que a fragilidade do Estado é um dado permanente daquele território, foram e são as sociedades rurais o esteio económico, social e cultural, sociedades com uma enorme capacidade volitiva para estabelecer acordos de interesse, por motivos de segurança ou de resistência, a despeito da sua autonomia, conseguindo preservar identidade no colonialismo e já na Guiné independente. A partir desta premissa maior, Joshua Forrest vai detetando sinais de que a sociedade civil rural multiétnica guineense assume compromissos de modo a que o poder maior, o do Estado, interfira o menos possível na sua autonomia, nas suas crenças, nos seus modos de comerciar, nas suas hierarquias. Os acontecimentos relacionados com a luta armada são eloquentes, diz o investigador, de que as sociedades rurais, umas cedo apoiaram o projeto do PAIGC, outras movimentaram-se em torno do projeto colonial e outras procuraram manter neutralidade. Mas tudo numa base interétnica, facilitado por um poder colonial frágil e pela pouca importância dada, nesta fase, à presença cabo-verdiana. O autor faz uma leitura de que os outros movimentos de libertação não tiveram qualquer popularidade porque ignoraram os compromissos interétnicos e não valorizaram os conceitos de autonomia das sociedades rurais.

Também para se entender a mobilização camponesa por parte do PAIGC é preciso ter em conta a memória sobre a brutalidade do processo de pacificação. Acresce que nas bases controladas pelo PAIGC, independentemente da intranquilidade das operações e dos bombardeamentos, as populações dispunham de acesso a produtos nos Armazéns do Povo, o que fazia sentir que era possível viver sem as compras feitas pelos representantes comerciais. Faço aqui um comentário de desagrado ao modo como o autor fala das práticas de terror praticadas pelos portugueses durante a luta armada, omitindo despudoradamente as práticas cometidas pelo PAIGC desde o assassínio, a destruição de povoações, o rapto, a colocação de minas nas estradas e as flagelações e emboscadas que, pela sua natureza, não escolhiam brancos ou negros. O PAIGC teve maiores facilidades de recrutamento em regiões de resistência anticolonial, caso dos Balantas, Oincas, Beafadas e Papéis. O investigador também pondera o papel ambivalente dos régulos, e no caso de imposição das autoridades portuguesas deste ou daquele régulo a população local limitou-se a tolerar a escolha dos portugueses, em muitos casos encontrou outras alternativas. Incluindo entre os chefes Fulas e Mandingas, predominantemente ao lado das autoridades portuguesas mantiveram-se compromissos com outras etnias que aceitaram viver nessas tabancas maioritárias de islamizados. A fraqueza do poder dos régulos trouxe imensas faturas que não ficaram esclarecidas depois da independência, inicialmente o PAIGC retirou poder aos régulos mas as populações locais logo reconfiguraram as suas hierarquias autónomas.

O legado pós-colonial aparece hoje bem estudado. Amílcar Cabral sonhara com um partido-Estado, a sua presença seria absoluta e contaria com uma ampla participação popular dada pelos comités de tabanca, em meio rural, e por comités de bairro, em áreas urbanas. Conquistada a independência, o PAIGC mostrou-se progressivamente menos influente, não possuía administração nem quadros políticos que merecessem a confiança absoluta das sociedades rurais. No fim dos anos 1970, a presença política nas sociedades rurais era uma sombra, ficara a memória de execuções públicas daqueles que tinham estado do lado do poder colonial, tudo se processara sem qualquer metodologia de reconciliação, a nova autoridade passou a ser temida sem ser respeitada. Joshua Forrest escalpeliza este sistema de participação e mostra como a identidade étnica se manteve preservada, apareceram novos régulos, reconfiguraram-se hierarquias, apareceram escolas islâmicas privadas, até a nova geração Balanta criou um movimento de combate aos valores sociais tradicionais, o Ki Yang-Yang, em Catió.

Tudo teve consequências entre um poder político autofágico, um partido-Estado que muito cedo abriu fissuras e se entregou a intrigas e corrupção, enfim, um governo fraco e inacessível às sociedades rurais que tiveram que encontrar novos caminhos para a economia agrícola enquanto a clique do partido tinha acesso a financiamentos para criar pontas, as comunidades rurais passaram a vender os seus produtos a comerciantes privados, não tinham confiança nas lojas do Estado, nem nos seus representantes, o comércio informal foi tomando conta de tudo até que nos anos 1980 se começou a passar da estatização para a privatização. Nasceram novos problemas para os quais o Estado não encontrava resposta: criara-se uma administração elefante, ingovernável, sem apetrechos e sem dinheiro para a pagar; sonhara-se com uma industrialização acelerada, tudo acabou em cacos; não se encontrou solução para o problema dos combatentes da liberdade da pátria, houve promessas de cooperativas, mas tudo não passou de promessas e estes combatentes tornaram-se aos poucos numa reserva de descontentamento; e as Forças Armadas foram ganhando relevo e desafetando-se do poder político, contrariando todo o modelo de regulação política instituído por Amílcar Cabral. Gera-se um estado de instabilidade interminável que vai conduzir a um devastador conflito político-militar que segundo Joshua Forrest ditará uma nova vitória para a sociedade rural civil. Será nestas comunidades que os rebeldes capitaneados por Ansumane Mané encontrarão o maior apoio, os velhos combatentes pôr-se-ão ao caminho para escorraçar as tropas estrangeiras. Em jeito de conclusão na análise do poder das populações rurais, o autor recorda que todo o século XX se pautou pela luta anticolonial, pela incapacidade do Estado em poder ter chegado a tais comunidades até que no final do século essas mesmas comunidades rurais repeliram tropas internacionais que se tinham prontificado a ajudar o ditador Nino Vieira. Temos pois um Estado frágil e uma formidável sociedade civil rural.

No capítulo das conclusões, Joshua Forrest faz uma notável apreciação e resumo das suas teses, apresenta-se em oposição aos trabalhos de Peter Karibe Mendy e René Pélissier quanto à natureza da luta étnica face ao poder colonial, ele considera sempre que a luta foi interétnica, sem prejuízo da identidade de cada etnia. A violência do Estado agravou a sua fragilidade, tanto na fase colonial como pós-colonial. E o que se passa nestas sociedades rurais está à vista de todos: refizeram-se regulados, melhorou a convivência interétnica, a ideia de chão marca a identidade de cada um dos cidadãos, as tradições não estão abaladas. O que se passa na Guiné-Bissau, observa o autor é igualmente percetível nas linhagens domésticas de todos os Estados frágeis da África subsariana.

Investigação altamente controversa, bem merecia que investigadores como Carlos Cardoso, Mamadu Jao, Tcherno Djaló, Leopoldo Amado, Julião Soares Sousa, do lado guineense, António Duarte Silva e Eduardo Costa Dias, do lado português, e outros investigadores internacionais, caso de Philip Havik, debatessem esta ousada argumentação onde se põe em confronto uma sociedade rural vibrante de costas voltadas para um Estado frágil.
____________

Notas do editor

Vd. postes anteriores de:

12 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)

19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19207: Notas de leitura (1123): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (2) (Mário Beja Santos)

26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19234: Notas de leitura (1125): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (3) (Mário Beja Santos)
e
3 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé


Capa do livro"Voando sobre um Ninho de Strelas", de António Martins de Matos (Lisboa: BooksFactory,  2018, 375.pp.)


António Martins de Matos, ex-ten pilav, 
Bissalanca. BA 12, 10/5/1972 - 4/2/1974;
 ten gen ref.
1. Continuaçã da publicação de algumas notas de leitura do livro  "Voando sobre um Ninho de Strelas", do ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (desde 2008, com 90 referências no nosso blogue), amanhã,  3ª feira, dia 11, às 18h00, em Lisboa  (*). 

Seleção,  da responsabilidade do nosso editor, de algumas frases e pequenos excertos, dando um a ideia do conteúdo, memorialístico, do livro (**)

‘Não tenhas medo, pá [, cabo mecânico,], estás a voar com um piloto dos jactos!’ (p. 143).

‘Meu tenente, os fios das antenas dos rádios lá dos FTs vêm presos à cauda do avião, DO-27]’… Desculpem lá o incómodo, (...) oxalá o correio tenha valido a pena (p. 144).

A área que me tinha sido atribuída para patrulhamento e identificação de eventuais alvos era a zona Norte da Guiné. Fiz inúmeros voos de DO-27 sobre o Morés e a Caboiana, às voltas e mais voltas e à procura das tais “áreas libertadas”, nunca tive qualquer problema e… nunca as vi. (…) Tínhamos uma regra que, pelos vistos, o PAIGC respeitava (quem tem c…, tem medo), se disparassem um tiro contra uma aeronave não demorava mais de quinze minutos até essa área ser completamente bombardeada. Era assim em toda a Guiné, fosse no Choquemone, Morés, Caboiana ou Cantanhez (pp.145/146).




Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > A mesa dos "pilotaços", Miguel Pessoa e António Martins de Matos, dois ex-ten pilav, da Esquadra de Fiat G-91 "Os TIgres",  Bissalanca, 1972/74.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Em 25 de março de 1973, nas imediações de Guileje, foi abatido o primeiro avião [por um Strela]. Era tripulado pelo tenente Miguel Pessoa (Fiat G-91, nº 5413), a Esquadra [121, ] passou a contar com apenas 3 pilotos (p. 147).

(...) A morte do tenente coronel Almeida Brito[, em 28 de março de 1973,] foi um duro golpe no moral dos pilotos, já que, para além de ser o piloto mais experiente na Guiné, era igualmente o nosso Comandante (p. 150).

A morte do tenente coronel Almeida Brito incomodou-me na altura, voltou a incomodar-me quinze anos depois e… ainda hoje me incomoda (p. 151).

Durante a manhã de 6 de abril de 1973 foram abatidos o furriel João Baltazar (DO-27) e o major Rolando Mantovani (T-6), tendo igualmente desaparecido o furriel Fernando Ferreira (DO-27) (p.152).

No dia seguinte vários acontecimentos ocorreram: (i) um piloto de Fiat G-91 “adoeceu” (…), dos 6 pilotos que a Esquadra devia comportar, já só restavam dois, um capitão (comandante da Esquadra) e um tenente; (ii) um piloto de AL-III arranjou uma maneira simples de terminar a sua Comissão de Serviço, estava a limpar a pistola, ela disparou-se, um tiro numa perna; (iii) alguns dos pilotos de AL-III recusaram-se a voar enquanto não lhes fosse explicada que arma era aquela (p. 152).

(…) De súbito e sem que ninguém o esperasse, apareceu nas Operações do GO12 um documento de origem americana com a T.O. (Technical Order) do míssil soviético SA-7 Grail, designado com o código NATO de ‘Strela’. Nunca acreditei em milagres, mas que os há… há (…) (p. 152).

Foi preciso morrerem pilotos, mecânicos, enfermeiros, militares do Exército, para que finalmente soubéssemos que arma nos alvejava e pudéssemos estudar as respetivas contramedidas (p. 153).

Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974 (, Fiat G-91, nº 5437), na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte (p. 157).

No meu entender o míssil Strela influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar (p 157).


(...) O que perturbou a atuação da FAP não foi o míssil em si mas sim o período em que desconhecíamos que arma era aquela, que foguete era aquele que nos perseguia (p. 13).

Por mim, (…) a arma que mais influenciou a guerra na Guiné, não foi o Strela, arma de defesa antiaérea, mas sim… o morteiro 120 mm (p. 158).

Também tínhamos uma outra maneira de demonstrar que continuávamos a voar, na volta das missões [, incluindo o ataque a bases como Kambera, em território da Guiné-Conacri, finalmente com a autorização de Spínola] passarmos uma rapada sobre os telhados de Bissau só para animar a malta… Grande gozo nos dava, passar a raspar os telhados da cidade a 400 Kts (740/km hora). O ‘Caco’ logo nos proibiu tal manobra (…) (p.162).




Cor pilav Manuel Bessa Rodrigues de Azevedo (1938-2014) 

Blé [, capitão Bessa], eu sei que, lá por
onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade. Um dia, os da Tertúlia, que ainda estamos cá em baixo, vamos visitar-te. (…). Prepara-te, vai ser uma festa de arromba!!! Até sempre, companheiro(p. 171).

O “randar fantasma”… Também me constou que o homem que zelava pela sua manutenção acabou por ser promovido a “gerente de messe” (p. 184).

A Operação Ametista Real foi um marco importante na história da Guiné, mas não foi tão limpa quanto se propagandeou no briefing nem à posteriori, já que, ao contrário do que tinha sido prometido, alguns dos Comandos Africanos foram mortos e deixados no terreno. Pior,alguns foram deixados feridos e abandonados, vindo a ser executados no próprio local pelos guerrilheiros do PAIGC (p. 189).


“Não é minha intenção julgá-lo [, ao comandante do COP 5 que deu ordens para abandonar Guileje,] mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi. A sua retirada, apresentada por alguns como uma manobra bem executada, não foi mais que uma simples fuga, tivesse o Guileje efetivamente cercado, e teria sido o maior desastre das nossas forças em África” (p. 200).

(…) A minha homenagem ao BCP 12 (CCP 121, CCP 122 e CCP 123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino de Guileje (p. 203).

Há muitos anos que continuo a ver e ouvir os “meus fantasmas”, em fuga de Gadamael, a pedirem-me ajuda e… continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine (p. 204).

Uma nova verdade aflorava, como se costuma dizer, clarinha para militares. Não iria ser por culpa dos homens no terreno que a guerra iria ser perdida mas sim pelas manobras e omissões político-militares das cúpulas em Lisboa (p. 210)

Na Força Aérea sempre foi assim, “serviço é serviço, conhaque é conhaque” (p. 216).

‘Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro’. Estava lançado o mote para destruir Kandiafara (p. 223).

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída [em 19 de setembro de 1973, data em que Spínola já tinha partido e o novo Com-Chefe ainda não tinha chegado]. E tinham razão os da Força Aérea, o novo comandante chefe [, general Bettencourt Rodrigues,] nunca mais nos deixou ir ao estrangeiro (p. 229).



Tenho saudades dos bons tempos passados na Guiné (p. 13)


Tenho saudades do meu Caco Baldé (p. 239)

Amo a minha Força Aérea (p. 299)
______________


Guiné 61/74 - P19272: Parabéns a você (1536): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19268: Parabéns a você (1535): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)

domingo, 9 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19271: (Ex)citações (345): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte I - Amo a minha Força Aérea

António Martins de Matos, ex-ten pilav,
Bissalanca. BA 12, 1972/74;  ten gen ref, 
autor de"Voando sobre um Ninho 
de Strelas (Lisboa: BooksFactory, 
2018, 375.pp.)

1. Para abrir o apetite para a sessão de lançamento do livro "Voando sobre um Ninho de Strelas", na próxima 3ª feira, às 18h00 (*), e a título de primeiras notas de  leitura, aqui ficam algumas frases e pequenos excertos, selecionados pelo nosso editor.(**)


O autor dá-nos a honra se sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande, como camarada da Guiné que foi (e é). Desde que o conheço, há coisa de 10 anos, sempre apreciei a sua camaradagem, lealdade, frontalidade e sentido de humor (, às vezes sarcástico). Tem uma qualidade que eu aprecio: não faz fretes a ninguém, é contra o "politicamente correto", diz o que pensa, é intelectualmente honesto,  mas também sabe respeitar as opiniões dos outros.

Capa do livro





Não lhe vou chamar "glorioso maluco das máquinas voadoras", porque ele ficaria logo furioso comigo... Mas acho que estarei a ser justo se disser que ele, o Miguel Pessoa e outros pilotos da FAP que estiveram connosco na guerra do ultramar / guerra colonial, e que voaram o Fiat G-91, enfrentando no TO da Guiné, a nova ameaça que representava o míssil terra-ar Strela (, são poucos esses pilotos, da Esquadra 121, contam-se pelos dedos das duas mãos...) , são credores da nossa admiração e do nosso orgulho. (Naturalmente, a nossa homenagem é extensível a todos os demais camarads da FAP.)

Para mais, o António Martins de Matos, sempre se deu bem com a malta de terra, mar e ar... E ainda hoje alinha nos convívios das nossas tabancas, a começar pelo encontro nacional, anual, da Tabanca Grande. E, não é de mais lembrar, foi aqui, nas páginas do nosso blogue, que ele descobriu a urgência, a paixão e o desafio da escrita. Ficámos todos a ganhar. (LG)

_______________


Nestes últimos anos tenho encontrado muitos amigos do Exército que estiveram comigo na Guiné, nos inúmeros aquartelamentos por lá espalhados e que, bem ou mal, algumas vezes tentei apoiar. Com eles acabei por cohecer uma outra visão da guerra, bem mais difícil que a minha(p. 12.


Não sei se é da velhice, se é do Alzheimer, mas tenho saudades dos bons tempos passados na Guiné (p. 13).

(…) Lista nominal dos 304 militares mortos em combate, apenas e só durante os 21 meses da minha passagem por terras da Guiné (…). Bem os gostaria de os ter podido ajudar melhor. É à memória destes 304 jovens que dedico o meu livro (p. 16).


Era o primeiro a escolher e podia ter optado por Luanda mas, por ter a noção que a guerra iria durar uns largos anos… preferi Bissau. Começava pelo pior, depois era só a melhorar. Eu sei, era jovem, não pensava (p. 35).

Na Academia Militar estudava-se o Clausewitz, como sendo a Bíblia das Guerras, mas faltavam os ensinamentos dos outros, dos que sabiam os conceitos de guerrilha, Che Guevara, Mao Tse Tung… (pp. 38/39).


À chegada a Nova Lamego abriram as portas da cauda do avião e logo se formou uma “feira de gente”, era “dia de São Avião” (p. 49).

(…) Encontrei uma cidade [, Bissau,] demasiadamente feia e suja (p. 53).

Com base nas primeiras impressões tornava-se desde logo evidente que aquela terra não nos pertencia (p. 55).

‘Ganda maçarico, isto aqui [, percurso Bissalanca-Bissau-Bissalanca,] é uma zona segura onde nada acontece’… (p. 56).


(…) Em resumo, lá tivemos que nos aguentar com o GINA [Fiat G.91]R-4 [, armado com 4 metralhadoras 12.7](…), tinha.nos dado mais jeito o R-3 dos canhões [, de 30 mm,] para, no Ultramar, não termos de andar a brincar às guerras (p. 62).

Algumas vezes foram utilizadas duas napalms de 300 litros e duas de 80 litros. Nunca soube o peso exato desta configuração, acho que já estaria fora do permitido, coitado do “Gina”, … arrastava-se pela pista (p.66).



O avião era abastecido com 3600 libras (1800 litros). (…) Numa missão normal para a zona Sul ou Norte, normalmente conseguíamos estar até cerca de uns quinze minutos na área. No ponto mais afastado da Base (, região de Buruntuma,) e sem depósitos exteriores, o tempo que se podia estar sobre o objetivo era… zero (p. 67).

(...) Por que raio de razão os aviões [, DO-27,] estavam pintados de vermelho ? (p. 71).

Que diabo andariam aqueles cérebros em Lisboa a pensar ? Estariam a dormir ? Teriam lido o tal papel sobre a evolução das guerrilhas ? Se não leram, eram incompetentes! Se leram, eram… desleixados! (p. 84).

A Guerra do Ultramar arrastou-se por 13 longos anos. Durante todo esse tempo nunca em Lisboa se produziu uma Doutrina de Emprego dos Meios Aéreos que pudesse ser usada nas três Frentes, Guiné, Angola e Moçambique (p. 87).


Normalmente ao fim de 6 minutos após soar o alarme, a parelha [de Fiat G-91] estava no ar (p. 87).

Bastava o ruído da aeronave em aproximação para se obter um efeito dissuasor no PAIGC e moralizador nas nossas tropas (...), a melhor arma que o Fiat G-91 dispunha era o seu… ruído (…), o avião Fiat G-91 não era capaz de resolver a guerra na Guiné e muito menos a de Moçambique (p. 88).


(…) Os médicos nunca iam ao mato (material precioso ?), a missão era apoiada por uma enfermeira paraquedista (p. 90).

A população da Guiné tinha mais apoio [, em termos de evacuações por via aérea] do que (hoje) os habitantes das nossas aldeias de Trás os Montes (p. 90).


(…) Fico de cabelos em pé quando oiço alguém contar histórias do A e do B que voavam de porta aberta ou aos loopings ou com uns uísques no bucho… (p. 104).

‘Senhor major, aqui ninguém vai consigo, o senhor é que vai comigo’ (p. 106).


Com a manhã a chegar, logo o mistério que os “velhos” [do destacamento da FAP em Nova Lamego] me tinha feito recear, acabava por ser desvendado, alguém me acordava movimentando-me o sexo acima e abaixo, em ritmo bem compassado. Subitamente acordado, logo reparei na intrusa, vinda não sei de onde, negra e jovem, eventualmente demasiado jovem, seios erectos e o sorriso matreiro. Acordar destes só em África, de imediato um movimento envolvente no sentido de a tentar agarrar, logo ela rindo e recuando, dizendo com ar malicioso: ‘Ná ná, nem qui foras Tinente!’… (pp. 107/108). 


Fuzileiros, tropa difícil de entender… (p. 113).


Ao sexto mês de Comissão a neura já começava a produzir os seus efeitos (p. 125).

No final de janeiro de 73 soubemos do assassinato de Amílcar Cabral, algo que nos trouxe alguns pensamentos estranhos, tristes e confusos (p. 130).


Em termos de hierarquia militar havia enfermeiras com vários postos, de tenente a furriel. Nunca se sabia quem era quem, já que o seu fardamento habitual era com as botas da tropa, calças de camuflado e t-shirt branca, a melhor maneira de as tratar seria por “senhora enfermeira”. Logo se voltavam para nós, sorriso inquiridor, “Diga lá, senhor piloto”; não sei bem porquê, mas o coração acelerava-nos um pouco (p. 140).


Amo a minha Força Aérea (p. 299).


____________

Notas do editor:

(**) Último poste da série > 16 de outubro de 2018  > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)