1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2017:
Queridos amigos,
Luís Barbosa Vicente é um guineense que trabalha em Portugal, mantém-se atento à sua pátria e propõe mudanças: instituições respeitáveis, um poder dotado de boa governança, formações partidárias cônscias dos interesses nacionais. Fala dos problemas de unidade, do imperativo dos consensos, da exigências na maleabilidade em governar no mosaico interétnico, que é iniludível, propõe medidas para gerar independência nacional na economia, um setor privado mais empreendedor, uma sociedade civil mais participativa, dá sugestões para um modelo de desenvolvimento.
Aqui se responde a este entusiasmo: o coração do problema é ideológico-político, há falta de clareza, há interesses contraditórios, há ambições desmedidas, falta integridade, ou seja, faltam líderes capazes. Não basta citar Amílcar Cabral, há que o estudar reatualizando o seu pensamento no tempo que passa. Adiar é agravar. É esta a minha modestíssima opinião.
Um abraço do
Mário
Sugestões para governar bem e para todos na Guiné-Bissau
Beja Santos
De Luís Barbosa Vicente já aqui se fez detalhada referência a um livro publicado em Outubro de 2016, na Chiado Editora, “Guiné-Bissau, das contradições políticas aos desafios do futuro”. Em 2014, Luís Barbosa Vicente, no rescaldo das eleições ganhas por José Maria Vaz, publicou
“Por uma reinvenção da governabilidade e do equilíbrio do poder na Guiné-Bissau”, Edições Corubal, 2014. É incontestável o empenhamento e a boa vontade deste guineense que é hoje Técnico Superior de Economia, Gestão e Finanças do quadro dirigente da Câmara Municipal do Rio Maior, além de ser professor universitário e associativista sem desfalecimentos.
A sua obra de 2014 aponta para cinco direções: o problema ideológico e os consensos políticos que são indispensáveis para governar bem a Guiné-Bissau; um olhar sobre a forma de governar com profundo respeito pelo poder local e a cidadania; encontrar uma nova lógica de medidas de política que permitam forjar um modelo económico ao serviço da sociedade guineense; repensar a cidadania, acolher a juventude, tirar partido da sociedade digital; saber planear, formar e qualificar para que o processo de desenvolvimento aponte para o longo prazo.
O autor procura refletir sobre as falhas da natureza do estado, antes e depois do processo pluripartidário encetado em 1991. Temo que se continue a passar à margem sobre uma questão essencial, mais atual do que nunca: quem compõe, quais os graus de motivações e de preparação dos quadros políticos das principais forças partidárias, com realce para o PAIGC e o PRS. É verdade o que diz o autor, tem força universal:
“O país carece de reformas profundas, nutridas de valores inalienáveis, assumidos por homens e mulheres de bem, com caráter, que respeitem o seu semelhante, a sociedade, o povo e o bem público, em todas as esferas da vida nacional”. Como em tudo na vida, o exemplo vem da liderança, do rigor e equidistância com que pratica o poder, sem ligações à esfera económica ou a interesses manifestamente incompatíveis com as funções que se exercem em órgãos de soberania. Um primeiro-ministro só pode exercer o seu cargo fora da área de interesses que tinha na sua vida privada, não se pode aproveitar do carro para benefício próprio, da família, do clã, do partido. Juízes, deputados, funcionários da administração, todos os titulares de cargos públicos têm que mostrar estar contra o clientelismo ou a corrupção. São questões que não se resolvem por decreto, têm a ver com a essência dos programas partidários, dos princípios que regem a vida dos políticos e o exemplo que dão. A corrupção não é erradicável quando os funcionários estão sem receber ao longo dos meses, não tendo dinheiro para os encargos familiares, esses funcionários corrompem-se. São os partidos os espelhos da sociedade civil. Basta ler os relatórios da liga guineense dos direitos humanos para aferir a má qualidade do exercício da atividade política, como esta ainda está dominada pelo vírus do revanchismo e da atração tribal. Percebe-se a intenção do autor invocando o pensamento de Cabral. Mas não chega, as proposituras passam pelo reconhecimento do diagnóstico, pelas manifestações do que se pretende alterar e da sua prática. A unidade e luta por que explanava Cabral, o modo como procurava educar os combatentes do PAIGC e moldá-los com um espírito revolucionário, é hoje pouco aplicável, tem que se mostrar, ao nível das principais forças político-partidárias, uma gestão que repudie a promiscuidade e o amiguismo, as instituições do poder, os órgãos de soberania, têm que se expor com a maior dignidade, respeito, responsabilidade e solidariedade. Essa mudança, a prazo, acarreta novas práticas de cidadania, uma saudável liberdade de expressão, uma boa imagem para o exterior e confiança para o investimento e ajuda internacional.
Só com esta mudança é que o poder poderá governar com acatamento popular, chegar aos lugares mais recônditos; só com uma administração preparada, com quadros e auxiliares qualificados e imunes à corrupção, é que se pode avançar para sustentáveis projetos de desenvolvimento.
O exemplo escolhido, pelo autor para o que devia ser uma auspiciosa boa governação é o IX Governo Constitucional, liderado por Domingos Simões Pereira e que integrava vários partidos da oposição. O conflito institucional revelou-se insanável, o PAIGC mostrou não dispor de uma linha estratégica suscetível de repor a ordem e o diálogo entre as instituições: baixou os braços, permitiu as cenas carnavalescas dos deputados dissidentes, espatifou-se uma excelente oportunidade de amplos consensos num governo que parecia ser a imagem da respeitabilidade e da integridade. Não o foi.
E assim se passou para um impasse que ainda não está resolvido. Não há pois condições de pôr de pé as reformas que Luís Barbosa Vicente sugere: para a produção de arroz, para o reequilíbrio da balança comercial, para uma gestão dinâmica no setor das pescas, para pôr de pé ou abandonar para todo o sempre a construção do Porto de Buba, para promover mais turismo graças aos recursos extraordinários que a Guiné oferece, e sem as garantias de um maciço apoio estrangeiro é impossível falar-se em sociedade digital, uma melhor formação da juventude, e não há matriz possível para o modelo de desenvolvimento. E permanecerão as ameaças: na saúde, na exploração selvática de recursos, que podem ser areias pesadas de Varela ou a exportação de troncos da madeira devastando a floresta guineense sem projetos de regeneração, por exemplo.
Tudo isto para dizer que a esperança e o entusiasmo do autor embatem na autocontemplação de uma classe política caprichosa, impreparada e onde as formações partidárias se revelam incapazes de travar as ambições de muitos dos seus membros que querem fazer riqueza e depois partir. É, pois, a questão ideológica/política que está no coração do problema. O povo, um tanto descrente, procura governar-se com as instituições disponíveis nas sociedades rurais. Segundo muitos autores, há muitíssimos séculos que as coisas se passam assim…
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Nota do editor
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