sexta-feira, 20 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

Foto a esquerda > Legenda:

 "No dia em que fiz 22 anos tirei esta fotografia em Mindelo, encerrando (?) as minhas vinte e duas primaveras felizes. Luis Henriques. Em 19/8/943. S. Vicente, C. Verde... Senti neste dia muitas saudades dos meus, dos amigos e também da minha terra [, Lourinhã]. Luís"....

Casou com a Maria da Graça (n. 1922), em 2 de Fevereiro de 1946. Em 29 de Janeiro de 1947, tiveram o primeiro rebento (foto à direita)... Aqui estou eu, om oito meses, ao colo da minha mãe, e ao lado do meu pai, Lourinhã, Jardim da Nossa Senhora dos Anjos, Setembro de 1947


Memórias de Cabo Verde (1941/43)


Luís Henriques: Nascido em 1920, na Lourinhã, 1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5, expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, cidade do Mindelo, de 1941 a 1943.


Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode



VELOCIDADE / Cesária Évora


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'velocidade (2 vezes)
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê (2 vezes)
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha (2 vezes)
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital

Se bo ta moda um tracolança (...)

Instrumental de clarinete

Se bo ta moda um tracolança (...)

Ja'l soma ta bem ta treme. . .

Se bo ta moda um tracolanca...



1. Meu pai, meu velho, meu camarada:


Ontem, 19 de Março, dia do pai, a escassos meses de fazeres 89 anos, já no ocaso da tua vida, quis-te fazer uma singela homenagem, recuperando alguns escritos e fotos das tuas memórias de Cabo Verde, 1941/43 (*). Tenho consciência de que o nosso relógio biológico não nos permite adiar para as calendas gregas estas conversas de pais-filhos. Quando éramos mais novos, não tínhamos tempo nem pachorra para confidências e sobretudo para revisitarmos o passado. Agora, temos mais paz e sobretudo mais sabedoria e cumplicidade.

Eu próprio, vasculhando em tempos o baú das minhas memórias (físicas) da guerra colonial, acabei por deparar com as velhas fotografias, amarelas, riscadas, rasgadas, amarrotadas, algumas delas já irrecuperáveis, do teu tempo de expedicionário em Cabo Verde. Começa por aqui o meu interesse por esse tempo em que eras jovem e foste chamado a cumprir o teu dever para com a Pátria.

Por ironia do destino, também tu fizeste a tua tropa no Ultramar, em plena II Guerra Mundial, como muitos outros jovens da tua geração. Vinte e oito anos depois, eu seguirei as tuas peugadas, passarei ao largo de Cabo Verde e irei desembarcar em Bissau, em finais de Maio de 1969. E, já agora, deixa-me dizer-te quanto me penitencia o facto de nunca de ter escrito uma simples carta ou aerograma a dizer-te: "Meu camarada...". Nunca te chamei camarada!

Já as conhecia, de puto, a essas velhas fotos. Conheci-as, de cor e salteado, de tanto ter desfolheado o album, de capa preta, com papel transparente para as proteger. SE queres que te diga, esse álbum de fotografias foi para mim um janela para o mundo. Foi-se progressivamente desconjuntando, até desaparecer. Não sei como algumas das fotos sobreviveram mais de sessenta anos. Uma boa parte acabou por se perder, com muita pena minha, que hoje lhe dou outro valor.





Alfragide, em minha casa > 1º trimestre de 2008 > Aos 88 anos, Luís Henriques fala da sua estadia no Mindelo, como expedicionário, no tempo da II Guerra Mundial... Uma fala espontânea, genuína, sincera, singela, ingénua, sem quaisquer preocupações com o politicamente correcto... Vídeo não editado. É uma conversa... a três: avô, filho e neto... Em fundo, surgem vozes femininas, chamando para o jantar: a neta, a nora...

Vídeo (8' 21''): © Luís Graça (2008). Direitos Reservados (Alojado no You Tube > Nhabijoes. )


Nunca entendi, em puto, o significado dessas fotos do teu álbum. Que fazias tu, que faziam aqueles homens numa terra distante, numa ilha careca, sem árvores nem bichos, aonde se chegava por mar, em grandes barcos que levavam magotes de gente ? Uma terra onde não chovia e a fome matava a pobre gente que lá vivia ou vegetava!... Foi mais tarde, ao ler a Hora di Bai, do Manuel Ferreira (1917-1992), expedicionário como tu (entre 1941 e 1947), que eu soube dessa tragédia imensa, a fome que assolou, nos anos 40, São Nicolau, São Vicente e outras ilhas do arquipélago.

Foto (à esquerda) > Legenda > No verso da foto:

"O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo José B. Lourenço no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942. Luís Henriques,(...) em S. Vicente, C. Verde".




Dá-me uma certa nostalgia, pai, quando revejo as tuas velhas fotos, de ti, expedicionário (que palavrão!), em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial (1941/43). É que elas também fazem parte do meu imaginário de criança.

O fascínio que tenho pelo mar e pelas ilhas vem também muito provavelmente deste contacto precoce com Cabo Verde, que de resto só conheço por imagens: minto, estive uma hora ou duas no avião da TAP Lisboa-Bissau, quando regressei de férias, da minha comissão militar na Guiné, em paragem técnica, no aeroporto do Sal... Julgo que nem sequer descemos do avião. A única imagem com que fiquei da ilha foi... a de um cabra a roer sacos de plástico junto do arame farpado do aeroposto!


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto:" No dia 11 de Abril chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942. Luís Henriques".



A minha geração, a da guerra colonial (1961-1974), a que viveu e lutou duramente em Angola, Moçambique e Guiné, tem tendência a ignorar ou a esquecer a geração anterior, a de seus pais, que, em nome da Pátria, também foi mobilizada para os mais diversos sítios dos nossos territórios ultramarinos. Os sacrifícios que eles fizeram foram enormes: não poucos morreram, por motivo de doença; e outros terão ficado com a saúde arruinada.

É certo que os soldados da tua geração, pai, não estiveram directamente em guerra (excepto em Timor, ocupada pelos japoneses), mas os expedicionários (como então se chamavam) sofreram o pesadelo da II Guerra Mundial. Sei muito pouco da história político-militar dessa época, mas em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados. Quantas vezes me falavas disso, meu velho, dos espiões, alemães, italianos, ingleses..., que por lá havia.

Legenda da foto à esquerda: No verso da foto, lê-se:

"23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques".








Reproduzo aqui um testemunho, publicado pelo Diário de Notícias, no âmbito da celebração do 60º aniversário do fim da II Guerra Mundial, da capitulação da Alemanha nazi, a 8 de Maio de 1945. Um dia em que tudo pareceu possível... , até no Portugal de Salazar.

Aproveito para inserir aqui mais algumas fotos, recuperadas e digitalizadas, do teu/nosso velho álbum, devidamente anotadas e datadas, com a tua bonita letra, pai, e às vezes a tinta verde (eu sei que eras tu quem escrevia as cartas para as namoradas dos teus camaradas que eram analfabetos, às vezes vinte e tal ou mais por semana).



Foto à esquerda > Legenda > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >

"O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco. Outubro de 1941". Luís Henriques (ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, no Lazareto, 1941/43).







"Viver em Cabo Verde à espera da invasão" . Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005.

"Eles eram missionários, homens com uma missão de paz e não de guerra. O seu objectivo era defender Cabo Verde de uma possível invasão alemã durante a II Guerra Mundial." A história de um desses soldados, António Gavina, do corpo expedicionário do Regimento de Infantaria 11, de Setúbal, é contada pela sua filha, Vanda Gavina.

"O meu pai devia ter vinte e poucos anos quando foi para a ilha do Sal. Acabou por ficar lá durante quase quatro anos", recorda. Os pormenores da passagem do pai pelo arquipélago de Cabo Verde já começam a ser esquecidos, mas uma coisa ficará para sempre na sua memória "Eles não passavam fome, mas viviam em muitas dificuldades, com muitas restrições."


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto:

"Posição das peças anti-áereas no Monte Socego, São Vicente, Cabo Verde. Fotografia oferecida pelo meu amigo Boaventura [,natural da Lourinhã,] em 21/3/43. Luís Henriques".



"Os anos da II Guerra Mundial foram anos de seca nas ilhas do Atlântico. A comida não abundava e os soldados alimentavam-se com aquilo que podiam. As recordações desse tempo deixaram marcas em António Gavina. "O meu pai nunca mais comeu percebes na vida. Tudo porque em Cabo Verde viu um dos habitantes locais morrer quando os tentava apanhar", referiu Vanda Gavina.

"Outro dos problemas que o regimento teve de enfrentar foram as doenças. "Lembro-me de o meu pai contar que houve muitos colegas que morreram devido a alguns surtos de doenças que afectaram os homens da companhia."

Cabo Verde > São Vicente > Legenda:

" As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a
João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ".



Segundo a informação que me deste em tempo, meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...

Foto (à esquerda) > Legenda:






Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > "O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".´



"Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América do Sul. Com o início do conflito, o projecto italiano, com casas prefabricadas, foi abandonado. Enquanto aguardavam a invasão alemã, que não chegou, os soldados portugueses ajudavam à criação de melhores condições de vida. "Eles ajudaram a construir habitações, não só para eles mas também para os cabo-verdianos", lembra Vanda Gavina.




Sodade de Son Vicente e do Mindelo

Embora não conhecendo as ilhas (como já disse, estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.




Fo (à esquerda) > Legenda no verso da foto:

"O Palácio do Governador de Cabo Verde, situado em Mindelo, [Ilha de] São Vicente. Luís Henriques. 1 de Maio de 1942".


Lembras-te, meu velho ? Falavas-me (e ainda falas hoje, vd. vídeo acima) da ilha e da sua gente com ternura, saudade e compaixão. Felizmente está vivo. Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).


Mindelo, hoje a 2ª segunda cidade de Cabo Verde, é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemoru-se e a 3 de Dezembro de 2005, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível):´

"Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943".

A festa de São João Baptista Baptista era então (e continua a ser) uma das festividades maiores das Ilhas e da comunidade cabo-verdiana da diáspora.

Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que tu, meu pai. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial. Agora é possível até que se tenha cruzado no Mindelo.

Os mortos e os esquecidos do Império


Cabo Verde > São Vicente > Legenda:

"Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques"




Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).

As dificuldades eram muitas para o pessoal expedicionário. A alimentação era má e pouco ou nada variada: "Massa com feijão ao almoço; feijão com massa ao jantar". A morbimortalidae elevada (tuberculose, febres intestinais, doenças venéreas...), fazendo jus à frase que ele memorizou e que estava na parede do fotógrafo no Mindelo: "Ouro, seda, vaidade, podridão / No cemitério, igualdade / Mas debaixo do chão"...

A tropa, em S. Vicente, não teria muito que fazer, paa além de uns exercícios de manutenção de homens e material. Uma das actividades favorias dos militares portugueses era a praia e o mergulho.



Foto (à esquerda) > Legenda:

"Tubarão das águas de S. Vicente, apanhado em Junho de 1942. Luis Henriques".


O meu pai, nascido à beira-mar, filho, neto e bisneto de gente ligada ao mar, adorava nadar e fazer mergulho, mas tinha medo dos tubarões... Há várias fotos de tubarões apanhados ao largo da ilha. Todavia, os ataques a seres humanos não seria muito frequente, embora ele ainda hoje me conte estórias de tubarões que arrancaram pernas e deixaram marcas de dentes no corpo de alguns incautos...

Muitos soldados portugueses morreram lá, de tuberculose, de doença, de desnutrição, de solidão, de saudade. Os seus restos mortais ficaram, para sempre, longe de casa, da terra natal, da Pátria.

São os mortos e os esquecidos do Império. Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó Maria Augusta Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico).


Foto (à esquerda) > Legenda > "Junto às cozinhas. Pessoal rancheiro. Dia de vinho, dia de alegria. Depois de um jantar à portugesa. Lazareto. Abril 43. Luís Henriques [na foto, é o primeiro, do lado esquerdo]. 3/5/43" .


O meu pai era o 1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Ele escrevia muito bem e rápido. Diz que a amizade com os rancheiros era muito importante: os pequenos favores (como o escrever as cartas para as namoradas, madrinhas de guerra, familiares e amigos) eram pagos, pelo pessoal do rancho, com mais um copo ou naco de carne...



O mar marcou-os, aos Maçariços, de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais...


Legenda no verso da foto:

Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar). Luís Henriques".


Meu pai: serve também esta evocação nostálgicas dos teus e dos meus antepassados, para dizer que a geração do teu filho foi a coveira do Império. Não sei se entendes (e aceitas) a expressão. Mas também não faz mal. 500 anos depois, fomos nós que liquidámos o Império. Objectivamente falando. E logo na Guiné. Foi na Guiné que enterrámos os últimos mortos e os últimos esquecidos do Império. Que derrubámos o último padrão das quinas e arreámos a última bandeira verde-rubra. Não é sem um arrepio que escrevo isto...

Mas hoje apeteceu-me invocar aqui os meus antepassados, a nossa gente, e mais concretamente o meu pai, meu velho, meu camarada. Tal como o David Guimarães que há tempos teve a ternura de chamar aqui, à colação, o seu velho pai, herói da 1ª Grande Guerra...

Espero que os meus amigos e camaradas ga Guiné não achem abusivo o 'tempo de antena' que me permiti usar... É, um pouco, para compensar, embora tardiamente, as coisas que na altura, quando estive na Guiné (1969/71) não lhe disse, por não poder ou não querer dizer-lhas...

Um Alfa Bravo, meu pai, pelo exemplo e valores que me deste. Teu, Luís Manel.


Versos ditos pelos bisnetos à avó velhinha Maria da Graça (n. 1922) no dia 6 de Agosto de 2008. Casou com o Luís Henriques, em 2 de Fevereiro de 1946 (foto à esquerda). Ainda em Cabo Verde, por volta de meados de 1943, ele tinha-lhe mandado a seguinte quadra (sempre teve jeito para o improviso e a rima):

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Tão logo saia da tropa,
Trataremos do casamento.


No dia dos anos da Maria da Graça, quisemos glosar o célebre verso e mandámos-lhe mais uns tantos...

Felizmente que ainda hoje estão os dois vivos e formem um belo par no Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã




Minha mãe, minha avozinha,
Tens a graça até no nome,
Não é por seres mais velhinha
Que de amor passarás fome.

Brilhas como uma estrela,
No teu quarto, lá no lar,
Tens uma linda janela,
Com vista de céu e mar.

De toda a gente é querida,
A nossa avó Maria,
Deus te dê uma longa vida
No lar Senhora da Guia.

Maria, minha cachopa…
- Dizia o avô, babado,
Afinal saiu de tropa,
E não ficou logo casado.

Tiveram que esperar,
A Maria e o Luís,
Antes de poder casar
E ser um casal feliz.

É uma bela união
Que deu netos e bisnetos,
Não falhando o coração,
Chegará aos tetranetos.

Tive um sonho visionário
(Que a vida não é só enganos):
Ver o avô milionário,
E a avó chegar aos cem anos.

Parabéns, querida avó,
Por mais este aniversário;
Votos tenho um, um só,
Estar contigo no centenário.


Texto e fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes

12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império (Luís Graça)

26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores (Luís Graça)

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente (Luís Graça)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXV: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B.Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)

14 comentários:

Hélder Valério disse...

Sim senhor, amigo Luís Graça!
Uma bela, ternurenta e justa homenagem ao teu Pai e não só.
A vida tece-se de muitos fios e um dia destes ainda te faço uma surpresa, só preciso de fazer umas confirmações.....
Um abraço
Hélder Sousa

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Camarigo Luís Graça
Que bela homenagem prestada ao teu pai.
Bendito PAI que tal filho tem. E isto porquê,? Porque por aqui se vê que os valores transmitidos pelo teu PAI, foram os melhores. Bem haja sr. Luís Henruque.

Anónimo disse...

Parabéns Luís pelo bonito pai que ainda tens.
Está em forma pelo que se vê. Aceita a inveja deste teu amigo que viu partir o seu pai com 61 anos, já lá vão 28.
Como sabes ainda tenho a minha velhinha com 86 anos, a mesma idade da senhora tua mãe.
Bem hajas pela homenagem que prestaste ao teu velho pai, nosso camarada nas andanças por África.
Diz-lhe que eu lhe envio um abraço e votos de que ele se mantenha tão lúcido quanto demonstra.
Para os teus pais, desejo muitos anos de vida com qualidade para que possam gozar uma velhice digna e descansada.
Carlos Vinhal

Miguel disse...

Caro Luís
Bela montra de memórias e afectos! Uma enternecedora homenagem ao teu Pai e aos Pais que por este país fora sofreram a ausência ou a perda dos seus filhos neste período difícil da nossa História mais recente.
Um abraço
Miguel Pessoa

Anónimo disse...

Luis Graça,

Lindo post e muita saude para o mais velho.

E será que o pai do teu pai, ou algum tio dele não teria estado na I grande guerra no ultramar?

Compreendemos melhor a nossa história, quando temos testemunhos da história dos nossos progenitores.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Eh Luís Graça é uma ternura é bonito conheci os teus Pais salvo erro em Janeiro de 07 estavas com eles em casa de tua irmã e eu falava falava e atrasava a viagem para Lisboa... Dou-te um abraço daqui até aí e se não te importas dá um beijo a tua Mãe e um abraço a teu Pai Amigo Luís.
TM

Anónimo disse...

O mundo é pequeno!
Por vezes trás-nos à memória aquilo que nunca teriamos sequer sonhado.
Meus avós maternos, tiveram cinco filhos. Quatro raparigas e um rapaz.
Tentei hoje saber junto de minhas irmãs algum pormenor sobre o rapaz meu tio que partiria para Cabo Verde pouco depois de eu ter nascido (1942). Mas elas só se lembram de ele trazer cocos e uns queijos grandes amarelos.
Meu tio seguio a vida militar.
Em 1961 o 1º. Sargento Joaquim José Fitas ainda servio em Angola.
Em "Putos Gandulos e Guerra" pag. 35 existe uma referência a este saudoso tio.

Pois é Luis, o teu pai ou em Cabo Verde, ou já no mar alto em rendição, deve ter-se cruzado com o Joaquim Fitas.

Gostei de ouvir o Luís Henriques, na malandrice e da vivacidade lúcida contando as suas aventuras de jovem.Parabéns!

Trouxe-me gradas recordações!

Que seja assim até ao centenário.

Para filho e pai! E porque não para toda a família!?

O desejo de saúde e longa vida como
longo é o Cumbijã.

Mário Fitas

Anónimo disse...

Luís Graça
Bonita homenagem, feita por um bébé tão rechonchudo que, tendo-se tornado num senhor rapagão, nem a crueldade dos anos da Guiné foram suficientes para apagar a ternura, bondade e paciência, algumas das qualidades que te são características.
Permite que em pensamento dedique este teu sentir, igualmente a meu Pai, que tendo deixado este reino em 1987 muito perto dos 92 anos, foi igualmente combatente, mas na I Guerra Mundial em França.
Quanto aos Maçaricos, há-os de facto em Mira, mas com o pessoal da beira mar, como muito bem sabes, foi vulgar terem-se espalhado pela costa fora.
Um abraço
Jorge Picado

Anónimo disse...

Luís Graça

Não sei se terei capacidade para lidar com este comentário de molde a que seja minimamente à altura da Grandiloquência do teu escrito neste Dia do Pai e desde já te peço desculpa pela ousadia da tentativa.

Era-me muito mais fácil e confortável passar em branco, fazendo-me de conta que o não tinha lido.

Impossível ! Não consigo ! Não tenho esse direito!

Não posso calar o mar de emoções desencadeado por esse HINO a teu Pai !

Não posso calar o que senti ao ouvir e ver o vídeo, Luis !

A interligação de Gerações, Avô –neto(s)de maneira tão normal e natural ,já tão pouco comum nestes tempos, infelizmente!
A vivacidade e contentamento do Avô contando e cantando as suas recordações, satisfazendo com prazer alongado a curiosidade do(s) neto

A chamada repetida para o jantar…que delícia, que saudades!!

Tu ,Luís, conseguiste falar a tempo, felizmente


Também o consegui, em parte.

Muito mais nos devíamos ter dito e contado, muitas mais vezes nos devíamos ter dito gosto de ti, adoro-te , Soube-o quando se esgotou o tempo físico. Mas tenho ainda o outro tempo, da recordação ,do pensamento.

Aprendi a importância do entrosamento familiar geracional.
Aprendi a não deixar para depois a expressão dos meus afectos
Aprendi a importância de não ter medo da força das palavras e dos afectos.

Aprendi a dizer aos meus Filhos quanto os Amo, quanto preciso deles, quanto são importantes para mim, sempre que me apetece

Aprendi quanto é bom sentir a felicidade de ouvir o mesmo da parte deles amiudadas vezes, normalmente, naturalmente, com ternura, quando lhes apetece

E´ bom ser Pai .E´ bom ser uma Família. E´ bom ser Avô.


Luís Faria

Luís Graça disse...

Amigos e camaradas:

Era bonito que a gente conseguisse reunir aqui mais testemunhos (e fotos) da passagem, por África (mas também pela Ásia: Macau, Timor...) e opelasa então Ilhas Adjacentes (Madeira e Açores), dos militares portugueses da geração dos nossos pais, nomeadamente no período equivalente à II Guerra Mundial...
Há já muitas memórias que se perderam para sempre com a morte de avós, pais, tios...

Recorde-se que, apesar da não-participação de Portugal na II Guerra Mundial, houve um grande esforço de mobilização de homens em armas para a defesa do território nacional, incluindo as possessões ultramarinas...

De qualquer modo, fico muito sensibilizado pelo apreço e carinho que manifestaram pelo meu velhote... Costumo visitá-lo, quase todas as semanas, e levá-lo (a ele e à minha mãe) à beira-mar. Almoçamos juntos, contamos histórias, ele é um grande conversador e tem uma belíssima memória... Vai seguramente adorar os vossos comentários e fazer-vos um versinho... de improviso.

Fico à espera dessas histórias do antigamente... Deve haver notícias de expedicionários na Guiné (1939-1945)...

Já preparei um segundo poste, com um texto de Julho de 2005 do nosso David Guimarães, nascido em 1947, e que conseguiu alcançar a proeza de ter um pai que foi veterano, não da II, mas da I GRANDE MUNDIAL!!! Convenhamos que é obra... E mais: marcharam os dois para a guerra, a partir do RAP 2, em Vila Nova de Gaia!!!

Luís

Anónimo disse...

Parabéns, Luís, pelo pai que tens.
Parabéns ao teu pai pelo filho que tem.
Um abraço, do tamanho do mar entre a Guiné e Cabo Verde.
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Caro Luís

Para além de camaradas da guerra da Guiné, embora em anos diferentes, não muitos (tu 1969/71 e eu 1971/74), agora já temos outra coisa em comum, o meu pai também esteve em Cabo Verde, entre 1941/43, para onde foi mobilizado como 1º cabo aux-enfermeiro e se fosse vivo iria fazer 89 anos em Junho próximo, era, portanto, da cepa de 1920. Infelizmente faleceu com 68 anos, vítima do seu "desporto" favorito - o tabaquinho.
Parabéns Luís por ainda o teres vivo. Parabéns pelo que escreveste para ele.
Um abraço muito especial
Luís Dias

Anónimo disse...

Amigão!


Desta vez o Abraço vai para o teu

Pai,e para todos os nossos Pais,

mesmo para aqueles que já partiram

Jorge Cabral

Luís Graça disse...

Informação do João Coelho, que eu não posso perder:

(...) Já agora: o navio que se vê em primeiro plano numa das fotos sobre o teu pai (que tenha muita saúde) é o "Vulcania", navio de passageiros italiano que, em conjunto com o seu irmão "Saturnia", nós conhecemos bem em S.Miguel, nos Açores. Passavam lá os dois, embarcando/desembarcando emigrantes e trazendo os abençoados "malotes" com ofertas da América para os familiares que tinham ficado nos Açores. O "Vulcania" navegou até 1974, imagina..

João Coelho