domingo, 22 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5322: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (28): O COP4 (Mário Pinto/José Teixeira/Vasco da Gama/Carlos Farinha)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos uma mensagem com o seu 28º texto, que dada a complexidade da matéria abordada, a seu pedido pessoal, contou com as preciosas colaborações dos nossos Camaradas José Teixeira (1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381 - Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), Vasco da Gama (Cap Mil da CCAV 8351 – Cumbijã -, 1972/74) e Carlos Farinha (Alf Mil da CART 6250 - Mampatá e Aldeia Formosa -, 1972/74):

Camaradas,

Iniciei um ciclo histórico do sector de Aldeia Formosa, Mampatá e Buba, nos anos 1969 a 1971.

Depois do abandono de Gandembel e Ponte Balana uma das frentes da guerra, ao Sul, que passou para este sector. Procurei ser o mais correcto possível, pois baseei-me em depoimentos de camaradas e Histórias das Unidades para o ultimar.

Esta primeira parte refere-se ao 1.º Semestre de 1969.

Também convidei os nossos Camaradas Vasco da Gama e o Carlos Farinha, que pertenceram a Unidades que precederam a minha, a dar continuidade a este historial até 1974 (fim do conflito).

Os mesmos já me enviaram respostas e estamos a aprontar a parte final deste trabalho.

2. Breves considerações

Do meu memorial descritivo ao longo das últimas décadas, compus uma síntese historial daquilo que foi o período do ano 1969, no Sector do COP4 (Buba e Aldeia Formosa).

Este estudo baseia-se em fatos reais vividos e descritos, por Camaradas nossos com suporte nas Histórias das Unidades por eles aqui incorporados.

3. Frente de guerra do COP4 - Buba e Aldeia Formosa – (entre Janeiro e Julho de 1969).

Com a retirada de Gandembel e Ponte Balana, por ordem do COMCHEF, em Fevereiro de 1969, as frentes de guerra ficaram confinadas em sectores mais recuados das fronteiras com a Guiné-Conakry, tendo o IN de se expor mais, no interior do território, para combater as NT.

Para esse efeito, teriam que percorrer mais terreno dentro de território por nós controlado e ficarem exposto às nossas acções ofensivas, caso que até ali não acontecia, pois os aquartelamentos perto das fronteiras eram constantemente flagelados e atacados e o IN, quando acossado pelas nossas tropas, refugiava-se para lá da fronteira, impedindo assim a nossa acção de resposta.

As Companhias que nesse período aquartelavam esses destacamentos fronteiriços foram reforçar os contingentes de Buba e Aldeia Formosa, tendo algumas, posteriormente, sido movimentadas para outros Sectores.

O COP4, foi formado sobre o comando do mítico Major Carlos Fabião, oficial de inteira confiança do Governador-geral - COMCHEF General António Spínola -, que imediatamente mandou reforçar as linhas da frente com as Companhias existentes e mais algumas "periquitos", que entretanto chegaram da Metrópole.

As ordens passaram a ser, fixar o IN às áreas junto da fronteira e não permitir a sua infiltração para o interior, através de corredores criados a partir de Salancur (base do PAIGC no Sul da Guiné), que por sua vez era abastecida pelo corredor de Guileje, que se tinha tornado crucial depois do abandono dos aquartelamentos de Gandembel, Ponte Balana, Medina do Boé e Mejo.

4. - Estrada Buba-Aldeia/Formosa

Sabendo o COMCHEF que os abastecimentos às Companhias, que se concentravam agora em Aldeia Formosa, Mampatá, Nhala e Chamarra, eram vitais, mandou abrir uma nova estrada Buba-Aldeia/Formosa, com um traçado de infiltração pelas linhas do IN, tentando com ela também cortar os abastecimentos do PAIGC, para o interior do país, nomeadamente para o sector de Xitole.

A nova estrada desviava em Sare Usso para Sare Dibane, seguindo em direcção a Samba Sabali, fugindo às linhas de água, que, nas épocas da chuva, nos isolava de Buba.

Mampatá passou a ser um ponto de relevância estratégica pois foi a partir desta tabanca, que as máquinas da TECNIL passaram a rasgar as matas, escoltados pelos militares estacionados em Aldeia Formosa e Mampatá, indo ao encontro dos nossos camaradas, que, vindos de Buba e Nhala, faziam o mesmo, abrindo a mata e dividindo o IN, em duas frentes.

O PAIGC para fazer frente a esta estratégia, colocou no sector 3 Bi-grupos de combate, sobe o comando de Nino Vieira, com o fim de impedir a construção da nova estrada e manter aberto o corredor de abastecimento para Xitole.

A nova estrada foi cortar o "corredor de Uane" fundamental para a passagem de material para o interior, criando condições para as nossas forças se deslocarem mais rapidamente, logo, se movimentarem de forma mais activa, o que, naturalmente, não interessava ao PAIGC. Por outro lado iria facultar uma melhor movimentação das nossas forças nas deslocações a Buba, para reabastecimentos da zona (agora recuada) da linha de fronteira).

A partir da construção da estrada a guerra neste sector subiu de intensidade, com ataques constantes, flagelações, emboscadas e minas, bem referenciadas nas diárias no teatro de operações, levando o COMCHEF a deslocar tropas especiais, (COMANDOS, PÁRAS e FUZOS), para a ZA.Em Maio e Junho de 1969, a guerra neste sector atingiu o seu ponto máximo, somando ambos os lados perdas humanas de grande significado.

Quando o centro nevrálgico da construção da estrada passou, primeiro para Samba Sábali e depois para Mampatá, a zona de Buba ficou um pouco mais liberta no que respeita a emboscadas e minagem no terreno, para se centrar em ataques violentos ao aquartelamento, que era a base de apoio logístico a toda a máquina de guerra na zona, pela posição estratégica e pelo seu "porto", onde eram desembarcados os mantimentos, materiais necessários aos trabalhos na estrada e materiais de guerra.

Os efectivos envolvidos eram significativos estimando-se cerca de 2 000 homens das NT, com todo o material bélico conhecido na altura ao nosso dispor, incluindo o Grupo de Panhard que se deslocou de propósito de Teixeira Pinto para Aldeia Formosa.

A pista de aviação de Aldeia Formosa, passou a ter T6 e Hélicópteros estacionados permanentemente, prontos para entrar em acção a qualquer momento. As baterias de obuses de 14 cm de Aldeia Formosa e a aviação, todos os dias flagelavam a zona de construção da estrada antes da chegada das máquinas para iniciarem os trabalhos, mas apesar disso, o IN, lá estava sempre á nossa espera a partir de Sare Usso em diante.

Em qualquer altura desencadeavam emboscadas. Manga de minas tanto na estrada, como nas bermas e nos flancos, o que veio causar imensas baixas a todas as companhias envolvidas.

Foi neste período que a minha Companhia teve as primeiras baixas (1 morto e 2 feridos) em Sare Dibane, quando fazia segurança aos trabalhos efectuados pelas máquinas.

No dia 31 de Maio de 1969, foi feita a primeira e única coluna pela nova estrada, no sentido Aldeia Formosa - Buba. Uma coluna enorme com cerca de 2 kms, com todas as forças no terreno empenhadas na sua segurança e, mesmo assim, tivemos 4 emboscadas de que resultaram 3 mortos e vários feridos.

Em 11 Junho de 1969, iniciou-se a descapinação da estrada com a vinda de 700 balantas da zona de Farim para o efeito, todos os dias as forças presentes faziam a segurança, aos mesmos, em locais estratégicos afim de assegurar o bom andamento dos trabalhos.

O PAIGC, com as forças no terreno agora reforçadas com mais 2 Bi-grupos, não davam tréguas às NT. Apesar das continuadas operações levadas a efeito pelos PÁRAS e pelos COMANDOS, ao longo da ZA, o IN continuou a flagelar, minar e a emboscar as NT.

As baixas foram-se sucedendo em todas as companhias envolvidas e, moralmente, chagamos a “quebrar”.

O receio começou a apoderar-se dos nossos soldados, dado que na falta de objectivos, e expostos perante o IN, não tinham a iniciativa, limitando-se a ripostar, simplesmente, quando atacados.O esforço físico exigido aos nossos homens era muito elevado.

Dois dias de saída pelas 6 horas da manhã, com regresso pelas 3/4 da tarde seguido de um dia de serviço á unidade, para se voltar à estrada no dia seguinte. Isto, aliado ao stresse de guerra vivido todos os dias, com passagem diária por lugares que nos recordavam emboscadas ou minas. Este esforço físico e psíquico teve as suas consequências, nas baixas contínuas. A CCaç 2381 chegou ao extremo de ter apenas 37 homens operacionais, o que perfazia apenas um grupo de combate.

Em 29 de Junho de 1969, chegou a ordem de interromper a descapinação e ordenar o regresso dos balantas a Farim. Foi assim decretado, pelo Alto Comando, o fim da “nova” estrada Buba - Aldeia Formosa.

O projecto de estrada ficou reduzido a um grande rasgo aberto na mata, que nunca chegou a ser concluída e que tanto sofrimento custou às NT, com vários feridos e mortos. Tudo em vão.

Em Julho de 1969, o COP4 foi transferido para Aldeia Formosa, dando inicio ao Plano de Operações "Orfeu Oriental", onde a minha companhia foi integrada ficando colocada em Mampatá.

Legendas das fotos:

1 - Parada em Mampatá
2 - General António Spínola em Mampatá
3 - Tabanca de Mampatá
4 - Patrulhamento das obras
5 - Picagem da estrada
6 - Descapinadores balanatas
7 - Evacuação helitransportada

Unidades envolvidas nesse período, de que me recordo:

CCAÇ 2317, 2381, 2382.

CART 2414, 2519, 2521.

Pel Nat 55, 60 e 68.

Pel Milª 137.

Pel Mort 2138.

Pel Fox de Aldeia Formosa.

Pel Art 14 de Aldeia Formosa.

15ª Cia de COMANDOS.

121ª Cia PARAQUEDISTAS.

8.º DESTACAMENTO DE FUZILEIROS.

ESQUADRILHA DE T6 da BA12.

ESQUADRILHA DE HELICÓPTEROS da BA12.

ESQUADRÃO DE PANHARD de Teixeira Pinto.

CCAÇ 1792 (Lenços Azuis).

Pel Mort 1242.

Pel Rec Fox 2022.

Estas são as unidades de que me lembro, que actuaram no sector durante o referido período. Se mais houveram, aqui ficam as minhas desculpas pela omissão.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Mario Pinto,
Eu também estive ligado à proteção de uma estrada, a de Teixeira Pinto/Cacheu.

Também no no meu caso os capinadores foram mandados embora para as suas zonas. Mas isso não sigificou a morte da estrada que, mais tarde, foi concluída.

Todos sabemos que, com o aparecimento das chuvas, há a necessidade de semear o arroz e lavrar as bolanhas. São os homens que se encarregam dessas tarefas. A ordem de os mandar embora teve, sem dúvida, muito a ver com esses factos.

De qualquer forma os nossos capinadores seguiam a construção da estrada à medida que esta avançava. A descapinação era sensívelmente de 100 metros para cada lado da estrada.

Isto contrasta, em muito, com a tua descrição que, se li bem, põe o rasgo da estrada e só mais tarde a descapinação.

No ar fica a pergunta: sabes se outra estrada foi aberta por ser estratégicamente mais viável? E de onde começou? Quando?

Com um abraço,
José Câmara

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro José Camara

Tenho muito gosto em responder ás tuas perguntas.
1.º- Aquela estrada, fez-se uma coluna e nunca mais foi utilizada.
2.º- Lembrome que os descapinadores só vieram no fim da estrada aberta.
3.º- Mais tarde em 1973 creio foi aberta outra estrada, mas com outro traçado, já aqui postado pelos camaradas C.Farinha e Vasco da Gama.

Sempre ao teu dispor

Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

Caros Tertulianos

Entendo que, em relatos sobre operações ou situações militares de guerrilha e contra-guerrilha, devemos evitar expressões como:
- "linhas"/"frentes":
- "linha da frente";
- "linhas do IN";
- "nossas linhas",
pois que, ao contrário da guerra convencional, em guerrilha e contra-guerrilha elas não existem, porque (como nós todos sabemos) não se trata de conquistar espaço territorial.
É que quem nos lê e não esteja esclarecido, fica com uma ideia errada da realidade da (nossa)guerra.
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caros Tertulianos

Entendo que, em relatos sobre operações ou situações militares de guerrilha e contra-guerrilha, devemos evitar expressões como:
- "linhas"/"frentes":
- "linha da frente";
- "linhas do IN";
- "nossas linhas",
pois que, ao contrário da guerra convencional, em guerrilha e contra-guerrilha elas não existem, porque (como nós todos sabemos) não se trata de conquistar espaço territorial.
É que quem nos lê e não esteja esclarecido, fica com uma ideia errada da realidade da (nossa)guerra.
Alberto Branquinho