sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6927: Da Suécia com saudade (27): O ponto de vista... de António Rosinha (José Belo)


Excerro do poema de Álvaro de Campos, Tabacaria (1928)


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.  (...)

Foto: © Luís Graça (Candoz, Setembro de 2010)


1. Texto de José Belo, com data de 30 de Agosto p.p. (*)


Assunto: Pontos de vista.

 Caros Camaradas e Amigos.

Aqui seguem alguns pensamentos surgidos da leitura de António Rosinha.

Muitos julgam ter uma perspectiva abrangente das realidades nas ex-colónias portuguesas pelo facto de terem cumprido uma Comissão de Servico, algures no Império, olhando em redor com olhos de vinte anos de experiências de vida feitos,e sendo essas experiências adquiridas em meios muito distintos do africano.

Os que tiveram convivências próximas, diárias, com africanos (civis e militares), vivendo em isoladas tabancas na mata,ficaram com uma percepção de, a seu modo, terem entreaberto uma pequena janela para com um...outro mundo. Mas, mesmo assim, uma janela menos genuína por condicionada pelas realidades da guerra envolvente.

Para outros,integrados em Unidades de militares metropolitanos como eles, com uma vida diária em conjunto, as possibilidades dessa "pequena janela aberta para com um outro mundo" seriam ainda menores.

Soma-se o facto de as nossas passagens por África, apesar de aparentemente infindáveis, foram bem curtas para nos permitir, nas circunstâncias vividas, a tal visão abrangente. Muitos militares profissionais houve, com várias passagens por África. Mas não seriam muitos os que procuravam "olhar em volta",  fora do campo estritamente profissional, pois, obviamente, não seria positivo para futuras carreiras.

Alguns de nós que, com orgulho, respeito,e muita ingenuidade, diariamente hasteávamos a Bandeira Nacional em Destacamentos perdidos na mata, sentem a forte necessidade de aprofundar conhecimentos (factuais) quanto às realidades coloniais, ainda para muitos to desconhecidas nos seus verdadeiros detalhes sócio-administrativos.

É por isso que os documentos, e memórias vividas, sobre os períodos antecedentes, e posteriores à Guerra,se tornam tão importantes. Os "escritos e memórias" de António Rosinha,e de tantos outros com estas vivências locais, nao se devem "perder".

Um abraço amigo do J. Belo
_____________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6738: Da Suécia com saudade (24): A difícil procura da unidade dos antigos combatentes (José Belo)

5 comentários:

Antº Rosinha disse...

José Belo, essa janela já teve caixilhos novos?

Quando eu tinha 20 anos? E sou eu ou todos nós que estamos sentados na cadeira de baloiço que imaginamos, com uma manta nos joelhos?

Vendo ainda tudo verde da esperança?

Belo, eu tenho 72 anos, e quem tenha 60 pode-se considerar que fechou a guerra que eu vi abrir.

Mas o facto de eu ter passado dos 18 anos aos 60 a sul do paralelo de Faro, sinto-me cada vez mais "PIRIQUITO".

Como nunca falei nenhum dialeto africano, sinto-me analfabeto.

Mas gostava que o Blog não fosse "Um samba de uma nota só", mas tenho receio que a minha nota venha a destoar.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Meu Caro Camarada e Amigo. Nao posso, nem devo ,falar em nome do blog de Luís Graca e Camaradas,mas creio firmemente que nem ele,nem nenhum de nós, seguidores do blog,deseja que este se torne num..."samba de uma nota só", mas muito antes,um ponto de encontro ,onde o resultado das mais diversas opinioes a todos traga "algo de novo",porque,no fundo,o que nos une em relacao ao nosso querido Portugal,é muito mais forte do que...os "acidentes de percurso". Um abraco.

Anónimo disse...

Veras palavras!

Um abraço,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Concordo plenamente com JB.

Polemicas "salutares" a parte,de resto sempre benvindas, um viva tambem ao "didactismo" deste blogue!

Mantenhas
Nelson Herbert
USa

Luís Graça disse...

Rosinha:

Essa janela não é sueca, é de um velha casa, em ruínas, que fotografei aqui perto da nossa Quinta de Candoz, onde costumo passar os últimos dias das férias de verão...

Quis, com esta foto, ilustrar o "ponto de vista" do nosso camarada José Belo... Precisamos de múltiplas janelas para o ver o mundo, a vida, a história... De uma janela de um quarto interior, não vês grande coisa do mundo, independentemente dos caixilhos e os vidros serem novos ou velhos...

O facto de teres "aberto" a guerra, em 1961, e teres hoje 72 anos, e haver outros camaradas nossos, mais novos, com 59 anos, que a fecharam, é também à partida uma garantia de que o nosso blogue não é, nunca será, "um samba de uma nota só"... Isto é, um blogue de "pensamento único"... Tu e todos os demais camaradas que fazem o blogue todos os dias só podem trazer-nos riqueza, na diversidade de "pontos de vista".

Pelo contrário, temos é que nos precaver contra as tentativas, manifestas ou latentes, de impor a conformidade, a unanimidade, o conformismo, o unanimismo... Não gostaria mesmo nada que um dia o nosso blogue fosse acusado de ter um "pensamento de grupo"... Na realidade, cada um de nós representa-se a si próprio e obedece à sua consciência... Um abração. Luís