sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6926: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Alferes do QP Henrique Ferreira de Almeida da CART 1689 / BART 1913

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Camaradas
Em seguimento às histórias anteriores, apresento esta para a série "Outras memórias da minha guerra".
Junto uma foto para publicar se julgar oportuno.

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Outras memórias da minha guerra (2)

Alferes do Q.P. Ferreira de Almeida (CART 1689)
Notas sobre a homenagem póstuma


Outubro.2009

Nunca pensei que, 40 anos depois da guerra da Guiné, me visse a participar numa acção de cariz fundamentalmente militar. Fui a Sátão, perto de Viseu, para assistir à homenagem póstuma ao Alferes do Q.P. Henrique Ferreira de Almeida.

Após alguma insistência do Fernando Cepa (camarada ex-combatente), com quem tenho mantido um óptimo relacionamento, senti alguma curiosidade em saber o desfecho daquela morte incrível, ocorrida na noite de 13 para 14 de Julho de 1968, durante um violento ataque das forças do PAIGC ao aquartelamento de Cabedu.

O Capitão Comandante da Companhia, que havia sido evacuado por ferimento em Gandembel, em Abril, durante a implantação de um aquartelamento no corredor do Guilege, veio despedir-se e partira nesse dia 13, para Bissau, tendo como destino final Lisboa, para frequentar os Altos Estudos Militares no Estado Maior.

Por outro lado, o Furriel Matos também chegou nesse mesmo dia, para substituir o Furriel Belmiro, falecido em Gandembel, aquando do ferimento do Capitão.

Lembro-me de estarmos reunidos naquele degrau alargado, junto ao pequeno Bar, depois do jantar, em ambiente divertido, desta vez bastante enriquecido pela simpatia que o periquito Matos trazia. A dada altura e umas cervejolas depois, numa tentativa de amedrontar este recém-chegado, segredávamos uns para os outros a informação de que se esperava um ataque durante essa noite, o que era invenção nossa, claro. Certo é que ele não acreditou, sorriu e ficou, ali mesmo, adormecido e bastante “pesado”, a justificar a sua descontracção e o evidente cansaço da viagem, seguramente agravado pelo excesso de bebida.

Deveria ser cerca da meia-noite quando sofremos, efectivamente, um ataque. Foi bastante intenso e muito próximo, pois parecia-nos que o inimigo estava junto à vedação do lado da mata e dos coqueiros. Justamente ali, existiam uns fornilhos (bidões cheios de explosivos) enterrados e ligados por fio eléctrico aos abrigos do meu pelotão. Enquanto a Companhia reagia ao ataque, dirigi-me para o abrigo a fim de ligar as pontas dos fios aos pernos da bateria. Invadido pela excitação daqueles momentos, tremia com os fios agarrados, um em cada mão, imaginando a resolução imediata do ataque e os avultados estragos que iria provocar. Inclusivamente, até receei que o efeito das explosões nos atingisse. Cheguei a hesitar, mas a intensidade do ataque era tal que não tinha outra alternativa. E liguei-os. Porém, nada aconteceu. Insisti, mas em vão. (No dia seguinte verificámos que os fios haviam sido cortados junto do arame farpado).

Corri para o morteiro 81. Lancei as primeiras granadas, mas, apesar de o inimigo parecer estar ali, a cerca de 100 metros, foram parar longe. Fui encurtando a distância, até sentir que seria muito perigoso continuar a alterar a posição de fogo. Penso que foram disparadas 27 ou 28 granadas. (tenho uma foto que mostra alguma cedência do chão sob o prato do morteiro).

Após sofrermos qualquer ataque, e ainda sob o efeito da adrenalina, era normal o contacto imediato entre nós, especialmente entre os mais próximos, para sabermos das possíveis consequências e também para cada um exteriorizar o filme desta sua nova e indesejada experiência militar.

Logo que terminou o tiroteio, dirigimo-nos para junto do Bar. Ali estava o Matos que tendo estado exuberantemente exposto naquele mesmo lugar, nada sofreu. Disse que acordou bastante atordoado e como nunca tinha estado debaixo de fogo, confessou:

- Fooooda-se! Vocês fazem um barulho a experimentar as armas!...

E foi nesta altura que soubemos que o Alferes Ferreira de Almeida havia sido atingido no abrigo das Transmissões – o local mais seguro do aquartelamento. Era subterrâneo e localizava-se sensivelmente no meio do aquartelamento. Tinha uma seteira que se situava ao nível do chão exterior. Uma granada deflagrou ali perto e um dos estilhaços atravessou essa seteira e penetrou no pescoço do Alferes que se encontrava de pé.

Cabedú, 14JUL68 > 7 horas depois do ataque de 13 para 14 de Julho de 1968


A homenagem, em Sátão, foi promovida pelos seus camaradas da Academia Militar, conforme se pode verificar na placa colocada na casa onde nasceu. Naquela rua, agora baptizada com o nome do homenageado, estava um Grupo (Pelotão?), composto por militares de ambos os sexos que, em formatura, prestou as devidas honras militares.

Creio que estiveram lá 3 Generais e 2 Coronéis, além de vários outros oficiais do Q.P.. Um Coronel, que mostrou conhecer bem o homenageado, era o anfitrião e fez a sua intervenção, enaltecendo as qualidades do Henrique Ferreira de Almeida. Além do Presidente da Câmara Municipal de Sátão, também discursou o Chefe de Estado Maior do Exército, ficando sem intervir o nosso Comandante da CART 1689.

As cerimónias terminaram com uma romagem ao cemitério, presididas pelo pároco local, junto do Jazigo de mármore, onde é possível ler uma lápide, cuja identificação termina com as palavras “morto ao serviço da Pátria”. Um fim previsto(?) por um homem que, orgulhosamente, se identificava como oriundo dos Montes Hermínios e Terras de Viriato e que várias vezes deixava transparecer o seu principio militar: Morte ou Glória.

(Silva da Cart 1689)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 19 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6871: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (1): O Chico do Palácio

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