1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Agosto de 2010:
Queridos amigos,
Quem fez esta antologia, publicada logo em Julho de 1974, conhecia na perfeição o teórico e o líder político que moldou o PAIGC.
Talvez seja uma raridade bibliográfica mas permite saber, antes de mais, que o pensamento de Cabral era seguido e estudado entre nós, na perfeição.
Um abraço do
Mário
Uma antologia de Amílcar Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril
Beja Santos
Em Julho de 1974 aparecia nas livrarias portuguesas “Amílcar Cabral, textos políticos”. A edição era de Henrique A. Carneiro e a distribuição da CEC (seria o acrónimo de Centros de Estudos Coloniais?). O editor sabia o que estava a fazer e conhecia em profundidade o pensamento de Cabral, em escassas 60 páginas deu-nos um reportório significativo do seu conteúdo, e de acordo com um critério adequado dos temas fundamentais. Assim, numa primeira parte, procede-se a uma selecção de textos sobre a situação de Guiné e Cabo Verde. Na segunda parte integram-se as análises predominantemente teóricas, que singularizaram o pensamento político de Cabral. Na terceira parte, denominada política anti-colonial abrem-se as perspectivas das relações internacionais logo que a política colonial portuguesa tivesse entrado em colapso. Igualmente se transcrevem longas passagens daquilo que foi considerado o testamento político de Amílcar Cabral – o seu último discurso, a sua mensagem de Ano Novo, em 1 de Janeiro de 1973.
A comunicação de Cabral era altamente pedagógica, usava uma sólida construção em língua portuguesa, era uma escrita fluente de quem podia transferir a escrita para a palavra. Sabia expor com uma simplicidade luminosa, contar a história da resistência dos guineenses sem lamechice, com de igual modo falava da história do PAIGC apagando naturalmente o seu pensamento e acção. A antologia ilustra com alguns dos trechos que marcaram a presença de Cabral em artigos, intervenções, entrevistas, conferências, documentos, mensagens e discursos em grandes plateias, como a ONU ou a organização da unidade africana. Logo em 1962 ele escreve na revista Partisans: “O Governo português está doravante consciente de uma realidade: nenhuma força poderá impedir a liquidação total do colonialismo português. A dialéctica da repressão colonial provou que, nos nossos dias, nenhum agressor colonialista pode ser vencedor dos povos decididos a conquistar a sua liberdade”.
Em 1964, no Centro Frantz Fanon, de Milão, depois de passar em revista as dificuldades do início da luta armada e das questões postas pela mobilização das massas numa base em que não era possível lutar contra o imperialismo num território em que os colonos não se apropriaram das terras, explica como subverteu e surpreendeu os exércitos portugueses que esperavam os guerrilheiros na fronteira, isto quando o PAIGC atacou no centro e rapidamente desarticulou a economia do sul da Guiné.
Cabral surpreendeu o auditório da primeira conferência de solidariedade dos povos da África, Ásia e América Latina, que se realizou em Havana, em 1966 justificando os fundamentos da libertação nacional em estrita concordância com a estrutura social dos povos em luta. Cabral não tinha nenhuma classe operária ao seu lado, antevia os perigos no neocolonialismo e considerava que o movimento de libertação era inteiramente responsável por engendrar uma cultura em que o antigo colonizado vencesse a sua superstição, o fatalismo e a ideia da submissão na mulher.
No auge das suas faculdades políticas e credor de amplo reconhecimento internacional, no final dos anos 60 e princípio dos anos 70, Cabral deixa peças de rara qualidade para a compreensão do que ele esperava do futuro do relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal. Intervindo numa comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972 ele declara: “Se não afirmamos que Portugal se arrisca a uma derrota militar entre nós, é simplesmente porque ele nunca teve nenhuma oportunidade de sair vitorioso. É só podem sofrer derrotas aqueles que têm pelo menos uma oportunidade de ganhar. Apela a negociações sinceras para se chegar à independência do país, não deixando advertir que a missão de acabar com as guerras coloniais será levada a cabo pelo povo português.
A antologia acolhe extractos de um documento secreto distribuído em Março de 1972 aos quadros do PAIGC sobre um eventual plano português para destruir o partido, e onde se admite expressamente a liquidação do principal dirigente, Amílcar Cabral. O chamado último discurso aborda as diligências para a declaração da independência unilateral e, obtida esta, entrar-se numa nova fase da luta, direccionada para a independência de Cabo Verde.
É certamente um documento histórico, talvez uma raridade bibliográfica, tem todo o cabimento aqui lhe fazer referência para futuro levantamento de todas as edições sobre a obra de Amílcar Cabral.
O livro foi-me gentilmente emprestado pelo nosso confrade António José Pereira da Costa, sensível à minha permanente lamúria, a pedinchar ajuda com vista a que o blogue esteja ao serviço dos estudiosos e investigadores.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6923: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (9): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6818: Notas de leitura (141): Corte Geral, de Carlos Lopes (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Beja Santos, acompanho à muito os seus Posts.
Porque nos estamos a aproximar de datas importantes, relativamente a A.Cabral e Paigc, tenho todo empenho e satisfação em lhe oferecer a gravação áudio, exactamente do último discurso de Amilcar Cabral.
P.f. gostaria de obter seu mail
Com a minha admiração pelo seu trabalho
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt
Ia-me esquecendo que tinha uma list de membros desta Tabanca Grande, e então o prometido está cumprido. Já seguiu por um servidor diferente, pois tem 22Mb.
Um abraço
"rudevia", como pede a "chave" para poder publicar este texto.
Carlos Filipe
Enviar um comentário